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NOME: DATA: _____/____/2012<br />

SÉRIE: 1º ANO – ENSINO MÉDIO TURMA: ______<br />

DISCIPLINA: <strong>LITE</strong>RATURA<br />

PROFESSOR: ROGÉRIO ELEGIBÔ RECUPERAÇÃO PARALELA<br />

Os textos a seguir servirão de aprofundamento para a avaliação.<br />

Texto 01<br />

ESTUDO DIRIGIDO<br />

A CARTA DE PERO VAZ DE CAMINHA<br />

A carta que o escrivão Pero Vaz de Caminha escreveu ao rei d. Manuel é considerada o primeiro<br />

documento da nossa história, e também como o primeiro texto literário do Brasil e é o mais minucioso e<br />

importante documento relacionado à viagem da esquadra de Cabral ao Brasil e foi publicada pela primeira<br />

vez apenas em 1817, mais de trezentos anos após haver sido redigida, como parte do livro Corografia<br />

Brasílica..., de autoria de Manuel Aires do Casal. Isto significa que, até essa época, a história contada<br />

sobre a viagem de 1500 foi substancialmente diferente da narrada depois.<br />

O texto de Pero Vaz de Caminha tem a preocupação básica de informar, procurando transmitir o<br />

máximo possível de dados a respeito do que ocorria e do que o escrivão via, ouvia e sentia.<br />

O fato de ser um texto informativo alia-se a outras importantes dimensões do documento, pois insere-se<br />

no esforço conjunto dos europeus, concretizado nos textos de viagem da época (especialmente<br />

nos escritos por integrantes das expedições), no sentido de construir alteridades, à medida mesmo que<br />

os navegantes entravam em contato com diversas terras e povos — alguns, como os índios e o futuro<br />

Brasil, totalmente desconhecidos deles —, com os quais seria preciso conviver dali em diante e, para<br />

conseguir dominar, sobretudo conhecer.<br />

O escrivão português foi minucioso na elaboração do seu inventário de diferenças, incluindo não<br />

somente pessoas, mas animais, plantas, relevo, vegetação, clima, solo, produtos da terra, etc.<br />

O texto do escrivão foi além. Reunindo o que viu às categorias que construiu, Caminha completou<br />

o ciclo: propôs ao rei, no final de seu texto, caminhos concretos para o aproveitamento do território e de<br />

seus habitantes, a saber: o desenvolvimento da agricultura e a cristianização dos índios. O escrivão viu<br />

o diferente, apreendeu-o segundo a sua própria mentalidade e, porque fez isso, foi capaz de dar o terceiro<br />

passo: sugerir ao monarca os caminhos do futuro, que eram os caminhos da desigualdade entre<br />

visitantes e habitantes, os caminhos da dominação portuguesa. Os acontecimentos descritos na carta<br />

— o tempo presente da chegada a terra — podiam incluir — como efetivamente incluíram — congraçamentos<br />

e danças coletivas entre navegadores portugueses e índios, além de atitudes legítimas de curiosidade,<br />

espanto e tolerância, profundamente humanas, por parte do escrivão ou de outros tripulantes,<br />

frente à terra bela e à sua gente agreste.<br />

"De ponta a ponta é toda praia... muito chã e muito fremosa. (...) Nela até agora não pudemos saber<br />

que haja ouro nem prata... porém a terra em si é de muitos bons ares assim frios e temperados como<br />

os de Entre-Doiro-e-Minho. Águas são muitas e infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a<br />

aproveitar dar-se-á nela tudo por bem das águas que tem, porém o melhor fruto que nela se pode<br />

fazer me parece que será salvar esta gente e esta deve ser a principal semente que vossa alteza em<br />

ela deve lançar"<br />

<strong>Estudo</strong> <strong>Dirigido</strong>/Literatura/II trimestre/1ºEM/2012 1


Assim o escrivão da Armada de Cabral conclui sua carta-relatório ao Rei D. Manuel, informando<br />

sobre o descobrimento do Brasil. Observe a convivência, no mesmo parágrafo, do propósito mercantilista<br />

da viagem (a preocupação com o ouro e a prata) com o espírito missionário (a salvação do índio),<br />

que oferecia uma justificativa para a exploração econômica.<br />

A Carta de Pero Vaz de Caminha marca, também, o início de uma longa tradição, o ufanismo ou<br />

nativismo, que consiste na exaltação (geralmente exagerada) das virtudes da terra e da gente, e que se<br />

irá desdobrar em todos os períodos subsequentes.<br />

Com relação ao índio, a atitude de Caminha foi de certa simpatia:<br />

"Andam nus sem nenhuma cobertura, nem estimam nenhuma cousa de cobrir nem mostrar suas<br />

vergonhas e estão acerca disso com tanta inocência como têm de mostrar no rosto. (...) Eles porém<br />

contudo andam muito bem curados e muito limpos e naquilo me parece ainda mais que são como as<br />

aves ou alimárias monteses que lhes faz o ar melhor pena e melhor cabelo que as mansas, porque os<br />

corpos seus são tão limpos e tão gordos e tão fremosos que não pode mais ser."<br />

Alude também, maliciosamente, à nudez das índias:<br />

"(...) Ali andavam entre eles três ou quatro moças bem novinhas e gentis, com cabelo mui pretos e<br />

compridos pelas costas e suas vergonhas tão altas e tão saradinhas e tão limpas das cabeleiras que de<br />

as nós muito bem olharmos não tínhamos nenhuma vergonha."<br />

A Carta de Caminha é o relato mais rico e confiável da primeira semana após o Descobrimento. É<br />

um diário atípico, ou uma crônica de viagem, revestida das características estilísticas da literatura de<br />

viagem do Quinhentismo: a linguagem clássica, simplificada pela necessidade de tratamento objetivo da<br />

matéria; clareza; simplicidade; realismo nas observações; crítica equilibrada e, dentro do espírito humanista,<br />

uma constante curiosidade e uma persistente capacidade de maravilhar-se.<br />

Como documento é muito mais revelador e muito mais bem escrito do que a carta de Américo<br />

Vespúcio, que logrou o tamanho sucesso na Europa renascentista, a ponto de fazer do nome de seu<br />

autor o nome do novo continente.<br />

Texto 02<br />

O imaginário da Carta de Caminha nas propagandas turísticas da Costa do Descobrimento<br />

Introdução<br />

A REVISTA BAHIA TERRA DA FELICIDADE<br />

As propagandas turísticas na Costa do Descobrimento são abordadas neste trabalho a partir da revista<br />

Bahia Terra da Felicidade da Embratur, versão inglesa, de 1997, observando como é utilizado esse<br />

imaginário como atrativo para o turismo local.<br />

O imaginário dos colonizadores, manifesto na Carta de Caminha,<br />

perpetua-se nas imagens da nacionalidade e nas ressignificações<br />

da identidade cultural brasileira expressas nas propagandas<br />

turísticas da Costa do Descobrimento. As imagens identitárias<br />

do sul da Bahia veiculadas nas manifestações culturais e<br />

atividades turísticas reforçam a visão do paraíso descoberto, “da<br />

terra em que tudo dá”, “da terra da felicidade”. Assim os visitantes<br />

e turistas sonham usufruir deste éden. Buscam, portanto,<br />

com olhos ávidos, o exotismo do cotidiano, o vislumbrar do paraíso, o erotismo dos trópicos, a eterna<br />

sensação do ócio, que acreditam presentes nas formas de vida dos brasileiros habitantes nesta região.<br />

A investigação do imaginário dos colonizadores e a focalização do marketing turístico nas possibilidades<br />

dos turistas vivenciarem as mesmas sensações e experiências descritas na Carta de Caminha constituem<br />

o objeto de estudo deste artigo.<br />

<strong>Estudo</strong> <strong>Dirigido</strong>/Literatura/II trimestre/1ºEM/2012 2


A Carta de Pero Vaz de Caminha, documento histórico de importância ilibada para a percepção do imaginário<br />

dos europeus, foi tomada como fonte das imagens que revelam o deslumbramento diante da<br />

terra, dos habitantes e das possibilidades de usufruto de um paraíso a ser explorado. A estas imagens<br />

confrontamos um material de propaganda da Embratur, divulgado na revista “Bahia, terra da felicidade”<br />

(EMBRATUR, 1997- versão inglesa) sobre a Costa do Descobrimento, que propaga o imaginário idealizado<br />

como forma de atrair os turistas para re (viverem) as sensações de uma região edênica.<br />

A título de sistematização, destacamos a importância dos estudos do imaginário para a compreensão<br />

histórica de uma sociedade; pontuamos algumas das impressões que expõem o imaginário dos europeus<br />

presentes na Carta de Caminha; selecionamos na revista da Embratur, expressões que utilizam as<br />

formas e imagens semelhantes às da Carta e analisamos as nuances e resquícios deste imaginário<br />

reforçado no texto contemporâneo referido.<br />

Importância do imaginário na construção histórica<br />

Para compreender a história, muito mais do que a análise de documentos, faz-se mister o estudo do<br />

imaginário fincado tanto nos documentos como nas leituras das significações e representações presentes<br />

no cotidiano de um dado grupo social.<br />

A historiografia atual sustenta o estudo do cotidiano e do imaginário como formas de compreensão das<br />

formações socioculturais. Com base nas reflexões, defendidas em VOVELLE, 1997; GINSBURG, 1997;<br />

CHARTIER, 1990 e THOMPSON, 1997; direcionamos nosso olhar sobre os documentos que tomamos<br />

para análise neste artigo. Pois, a partir das significações e símbolos expostos na visão dos que registram<br />

os acontecimentos é possível interpretar a história. O imaginário insere-se no tempo histórico de<br />

longa duração, daí ser possível seu estudo, apreensão e reconhecimento no cotidiano, mesmo que,<br />

relido, alterado, invertido nos seus sentidos e significados originais. Visto que, a cultura e suas representações<br />

circulam nos diversos setores sociais e de interesse e nesta circularidade são relidas, reelaboradas<br />

num processo de construção e reconstrução de representações. Neste sentido, as imagens<br />

da região produzidas no relato de Caminha são reconfiguradas pelo marketing turístico, sendo o imaginário<br />

utilizado para criar atmosfera de encantamento e sedução para o turista, mas igualmente provocando<br />

uma releitura cultural dos habitantes a respeito de si mesmo, nem sempre eivada de criticidade,<br />

mas certamente “como um motor na produção de sentidos, valores e significados.” (CUNHA, 1999:170-181)l<br />

Algumas publicações lançadas nas comemorações dos 500 anos do Descobrimento do Brasil são referenciais<br />

que se entrelaçam aos outros já citados na construção de uma análise mais pontual e localizada,<br />

a exemplo de CUNHA,1999: 170-181; NETTO SIMÕES, 1997: 80. Tais publicações discutem a problemática<br />

identitária do sul da Bahia, o imaginário português sobre o Brasil, as configurações da cultura<br />

e das atividades turísticas desenvolvidas na região. No sul da Bahia, o imaginário edênico idealizado é<br />

marcante por ter sido a região o palco do encontro e das primeiras formações sociais efetivas entre europeus<br />

e nativos da nova terra. É inegável que o imaginário legado pelos colonizadores influencie consideravelmente<br />

as escolhas da região da Costa do Descobrimento, quando se utilizam dessas imagens<br />

nas atividades do turismo.<br />

Outros têm estudado a Carta de Caminha buscando o imaginário, a imagens que fundamentam a mentalidade<br />

tanto dos colonizadores como da sociedade que se forma a partir desta colonização feita pelos<br />

portugueses na terra de Santa Cruz e sua dominação, primeiro dos habitantes nativos e depois, dos<br />

africanos trazidos para mão de obra escrava. Entre estes, apenas para ilustrar Laura de Melo e Souza<br />

em O diabo e a terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil Colonial. São Paulo:<br />

Companhia das Letras,1986.pág.32,37,63; Ronald Raminelli em Imagens da colonização: a representação<br />

do índio de Caminha a Vieira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 1996. pág.42,153,etc; Eduardo Bueno<br />

em A viagem do Descobrimento: a verdadeira história da expansão de Cabral. Rio de Janeiro. Objetiva.<br />

1998 (Coleção de Terras Brasilis) pág.43; Marli Geralda Teixeira em Leitura Ideológica da Carta de<br />

Caminha em Revista FESPI, pág.22; Maria de Lourdes Neto Simões em A Carta de Caminha História<br />

ou Ficção? Revista FESPI pág.60; Eneida Leal Cunha em Quinto Império, Revista de Cultura e Literaturas<br />

de Língua Portuguesa/gabinete Português de Leitura. Salvador, nº04.1995.pág.10-20.<br />

<strong>Estudo</strong> <strong>Dirigido</strong>/Literatura/II trimestre/1ºEM/2012 3


A Carta de Caminha e seu imaginário<br />

As imagens da Carta de Caminha são inúmeras e fazem parte destas o imaginário quinhentista europeu<br />

sobre o paraíso terrestre, ou seja o “Éden” perdido que acreditavam os portugueses como todo europeu<br />

da época que existia em alguma parte do mundo e que além de ser a fonte da eternidade, seria também<br />

a fonte inesgotável de riquezas inimagináveis.<br />

“A visão atual do espaço edênico, relembrado a partir da tradição antiga bíblica, caracteriza a<br />

geografia imaginária da Idade Média... No plano ideal, o paraíso perdido de Adão e Eva, localizando<br />

algures a Oriente, simbolizava o retorno a mítica idade de ouro, à pureza dos tempos iniciais,<br />

plenos de abundância, beleza, a mocidade e juventude... Na fronteira de um tempo aberto<br />

a todo gênero e evasões oníricas, a nostalgia do jardim do Éden ressurge, à vista de novas terras<br />

de insuspeitável esplendor, nos textos dos navegantes e cronistas ibéricos que demandam o<br />

Novo Mundo”. (Resumo das Conferências, O Brasil e o mito do Paraíso terreal – do Fórum Internacional<br />

de História e Cultura no Sul da Bahia: os povos na formação do Brasil 500 anos. Dra. Ana<br />

Cristina Araújo. Universidade de Coimbra. CICDB/UESC).<br />

As impressões registradas na Carta de Caminha são fincadas nos quadros referenciais presentes na<br />

mentalidade europeia do séc. XV. As releituras deste documento apontam para diversas possibilidades<br />

de estudos e novos problemas podem ser propostos, entre estes, a análise do imaginário do homem<br />

quinhentista comparando-o às imagens exploradas nas propagandas turísticas. Como bem apontou<br />

Netto Simões:<br />

“...como é obvio, ao reler um texto de uma época tão anterior, o leitor desse final de milênio o lê<br />

contextualizado neste momento em que vive. Ao retomar a história, o leitor redimensiona essa<br />

mesma história ao enriquecê-la com a sua leitura, segundo a sua perspectiva. Se o passado<br />

passa a ser um futuro que começa, se a história se faz no seu acontecer na possibilidade de novas<br />

contribuições para ela, como quer a visão da nova história, então, leituras da Carta certidão<br />

de nascimentos do Brasil, 500 anos depois, certamente trarão novas contribuições para a História,<br />

devido às reflexões que necessariamente provocarão sobre o assunto.’ (1996: 62)”.<br />

A visão paradisíaca em relação à nova terra revela-se nas muitas citações que lhe enaltecem as qualidades<br />

(como sendo boa, de bons ares, abundante em águas, com árvores exuberantes e animais de<br />

beleza rara, além de ser habitada por gentis homens). Estas qualidades expressam o que o homem<br />

quinhentista, representado por Caminha, supunha de um eldorado, de um éden perdido, que fazia parte<br />

do imaginário da época.<br />

“Mas, a terra em si, é de muitos bons ares, frios e temperados como os de Entre-Doiro e Ninho,<br />

porque neste tempo de agora, assim os achávamos, como os de lá. Águas são muitas, infindas.<br />

E em tal maneira é graciosa, em querendo a aproveitar, dar-se-á nela tudo por bem das águas<br />

que tem” 1[1] (SIMÕES:1996:18)<br />

Outros exemplos são as expressões de surpresa, deslumbramento, euforismo que a Carta revela sobre<br />

os habitantes. As interpretações são carregadas dos valores socioculturais éticos e estéticos dos europeus,<br />

quando se refere aos seus corpos perfeitos, limpos “suas vergonhas tão altas e cerradinhas”,<br />

exaltação das formas expostas “sem vergonha”, num contraste radical com a cultura proibitiva em que o<br />

escritor se inseria.<br />

E ainda:<br />

“A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem<br />

feitos. Andam nus, sem nenhuma cobertura. Não fazem caso de cobrir ou mostrar suas vergonhas.<br />

O fazem com tanta inocência como mostram o rosto”.(ibidem)<br />

1[1] Os textos citados da Carta de Caminha são transcritos da edição especial da Revista FESPI, dos Anais do Seminário Leituras<br />

da Carta de Pero Vaz de Caminha (org. Henrique Simões, 1996) promovido pela Comissão Institucional para as Comemorações<br />

dos 500 amos do Descobrimento do Brasil - UESC. 2000.<br />

<strong>Estudo</strong> <strong>Dirigido</strong>/Literatura/II trimestre/1ºEM/2012 4


“Uma daquelas moças era toda tingida, de fundo acima, daquela tintura a qual é certo era tão<br />

bem feita e tão redonda a sua vergonha, que ela não tinha, tão graciosa que muitas mulheres de<br />

nossa terra vendo-lhes tais feições fizera vergonha por não terem a sua como ela”. (ibidem)<br />

Considerações ainda sobre o caráter dos nativos, como sendo inocentes, sugerindo a “inocência original”<br />

de Adão e Eva, explicitada na nudez natural, no comportamento pacífico, na ausência de defeitos,<br />

na beleza e pureza de comportamento, o que sugere um ambiente cheio de possibilidades de desfrute e<br />

permissividade dos prazeres ainda por serem usufruídos em contato com estes nativos.<br />

“... a que deram um pano com que se cobrissem e puseram-lho ao redor de si. Mas ao sentar<br />

não fazia memória de o muito entender para se cobrir. Assim senhor, que a inocência desta gente<br />

é tal que a de Adão não seria mais quanto a vergonha.” (ibidem)<br />

As propagandas turísticas e seu imaginário<br />

As descrições na revista EMBRATUR (1997) oferecem profícuas imagens para comparações com a<br />

Carta de Caminha. Por vezes, parecem reescrever as palavras do escritor da carta e ter o mesmo intuito<br />

de exaltar as possibilidades de desfrute desta terra paradisíaca.<br />

Começando por seu título “Bahia, terra da felicidade”, introduz-se o texto fazendo menção à própria Carta<br />

de Caminha sobre a descoberta deste paraíso.<br />

“The famous Portuguese journalist, Pero Vaz de Caminha – which took part of Pedro Álvares<br />

Cabral´s squadron, it navigator and discoverer – enchanted with the scenery, wrote to the King of<br />

Portugal, telling in details in details about the charming discovered paradise.”<br />

Costa do Descobrimento is located along the edge of Caí River, in Prado County, passing by<br />

Monte Pascoal National Park, Caraíva, Trancoso, Arraial D´Ajuda, Porto Seguro up to Coroa<br />

Vermelha and João de Tiba River mouth, in Santa Cruz Cabrália,, reserving delightful surprises,<br />

causing emotions to visitors and increasing the wish to rediscover Braszil”. (EMBRATUR,<br />

1997:2).<br />

“O famoso escrivão português, Pero Vaz de Caminha – que fez parte da esquadra de Pedro Álvares<br />

Cabral, navegador e descobridor – encantado com cenário, escreveu ao Rei de Portugal,<br />

contando em detalhes sobre o encantador paraíso descoberto”.<br />

A Costa do Descobrimento está localizada ao longo das margens do Rio Caí, no Prado, passando<br />

pelo Parque Nacional Monte Pascoal, Caraíva, Trancoso, Arraial D’Ajuda, Porto Seguro até<br />

Coroa Vermelha e margens do Rio João de Tiba, em Santa Cruz de Cabrália, reservando surpresas<br />

prazerosas, causando emoções ao visitante e aumentando o desejo de redescobrir o<br />

Brasil”(EMBRATUR, 1997:2).<br />

O texto mantém o foco sobre a emoção que o visitante terá ao vislumbrar a possibilidade de redescobrir<br />

o Brasil. Reforça ainda a magia da atmosfera que envolve o turista, as surpresas de ver centenas de<br />

quilômetros de praias paradisíacas e semidesertas, o encontro com habitantes da tribo pataxó, remanescentes<br />

nativos da região, a beleza das ilhas, dos coqueirais, da mata Atlântica, das águas boas, dos<br />

recifes etc. São as mesmas imagens e a mesma atitude e propósito de atrair a atenção sobre uma terra<br />

pronta a ser desfrutada. Na continuidade, o texto descreve a infraestrutura montada para proporcionar<br />

satisfação ao visitante e todas as atividades que garantirão a maximização de seu prazer e ócio.<br />

“The magic atmosphere which involves tourists today is the same that enchanted Portuguese visitors<br />

in 1500, at the first contacts with land and its inhabitants, Tupi Indian of Pataxó tribe. It can<br />

be detached beaches, coves, bays, cliffs, a lot of rivers and rivulets ever surrounded by groves of<br />

coco trees, mangroves and Atlantic rain Forest.” (EMBRATUR, 1997:2).<br />

“A atmosfera mágica que envolve turistas hoje é a mesma que encantou os visitantes Portugueses<br />

em 1500, no primeiro contato com a terra e seus habitantes, índios Tupi da tribo Pataxó. Isso<br />

pode ser destacar pelas praias, cavernas, baías, penhascos e os muitos rios e riachos circundados<br />

por coqueirais, manguezais e pela Mata Atlântica”. (EMBRATUR, 1997:2).<br />

<strong>Estudo</strong> <strong>Dirigido</strong>/Literatura/II trimestre/1ºEM/2012 5


Saltam aos olhos a apologia e a oferta de momentos repletos de satisfação ligada a um cenário tão<br />

harmonioso, que seria impossível acreditar que este mesmo cenário seja palco de um dos mais cruéis<br />

conflitos de expropriação dos antigos moradores e da invasão das reservas indígenas que continuam<br />

lutando contra a ocupação de suas terras. Exemplo disto são as imagens da repressão feita a passeata<br />

dos índios, durante as comemorações dos quinhentos anos dos descobrimentos, que dispensa comentários<br />

pelo nível de incoerência contido no episódio.<br />

A refreshing waterfall is one of the attractive places of Tororão Beach, with its impressive cliffs, a<br />

region really privileged by nature, while Corumbau still reserves the tranquility of the primitive<br />

fishermen village, with a beatitul beach, schooner anchorage during touristic and ecologic tours in<br />

the outskirts of the county…. (EMBRATUR, 1997:21).<br />

“Uma refrescante cachoeira é um dos lugares atrativos das praias de Tororão, com seus impressionantes<br />

penhascos, uma região muito privilegiada pela natureza, enquanto Corumbau ainda<br />

reserva a tranquilidade da primitiva vila de pescadores, com linda praia, ancoradouro para escunas<br />

durante tours turísticos e ecológicos nos arredores”. (EMBRATUR, 1997:21).<br />

A chamada ao pleno desfrute das belezas desta “terra da felicidade” parece pressupor ausência de conflitos<br />

no cotidiano das gentes do lugar, que Caminha também evoca quando diz: “e para além do rio<br />

andavam muitos deles dançando e folgando uns em frente a outro sem tomarem pelas mãos, e faziamno<br />

bem” (SIMÕES:1996:12). Não menos emblemática, a citação na Revista da Embratur reforça a<br />

mesma falsa visão simplista de um cotidiano sem conflitos, vejamos:<br />

“One thousand kilometers of pristine beaches, stunning colonial architecture, exquisite cuisine,<br />

beautiful canyons, water sports exotic flora and fauna, mysticism, friendly people, sun and festivals<br />

throughout the year, great hotels, restaurants, nightlife and attractions This why Bahia is<br />

known as land of happiness”. (EMBRATUR, 1997:22).<br />

“Mil quilômetros de praias virgens, arquitetura colonial estonteante, deliciosa cozinha, belos cânions,<br />

esportes aquáticos, flora e fauna exóticas, misticismo, povo amigável, sol e festivais ao<br />

longo do ano, bons hotéis e restaurantes, vida noturna e atrações. Eis o porquê da Bahia ser conhecida<br />

como a TERRA DA FELICIDADE”. (EMBRATUR, 1997:22).<br />

Sobre as análises da Carta de Caminha concluímos que três aspectos são possíveis de detectar;<br />

primeiro um olhar inocente, deslumbrado, romantizado das visões eufóricas; segundo um olhar economista<br />

enfatizando o expansionismo e o mercantilismo português camuflado pela cristianização dos povos<br />

que longe ser apenas justificativa, compõe parte integrante do imaginário do destino a que se imbuíam<br />

os europeus quinhentistas. Mas é possível também, e mais atualmente se nota, numa terceira via<br />

um esforço por olhar a Carta como informativa de uma época que oferece a percepção de como se via<br />

o outro, com se processou o dramático encontro de culturas, de imposição cultural com cruel exploração<br />

econômica fatores próprios do processo civilizatório liderado por Portugal nestas terras. È precisamente<br />

nesta terceira via de olhar que cabe, como procurou promover este trabalho, uma análise do imaginário<br />

da Carta utilizado atualmente com álibi para atração turísticas. No bojo disto, à releitura da Carta de<br />

Caminha demonstra as origens das nossas imagens, as resignificações culturais, as repetições de matrizes<br />

e valores, as generalizações, os estereótipos, as dificuldades equívocas com diferenças, o outro,<br />

a alteridade que povoam as relações sociais, culturais até hoje presente no cotidiano da região do encontro<br />

descrito por Caminha.<br />

Não questionamos aqui a satisfação que estes lugares aprazíveis podem proporcionar aos visitantes.<br />

Antes, estamos focando nossa análise em como as imagens e o imaginário dos colonizadores na<br />

Carta de Caminha e do marketing turístico se assemelham justamente para valorizar o produto turístico,<br />

evocando as mesmas visões hegemônicas e sensações descritas na carta. Como, em momentos históricos<br />

distantes, em escritos de objetivos aparentemente diferentes, fincados em tramas socioeconômicas<br />

distintas, podem ser produzidas visões tão similares sobre a terra e seus habitantes?<br />

Percebe-se por esta breve comparação como as imagens dos escritos recentes reforçam o simbolismo<br />

do Éden para propagar a região. A Carta de Caminha contém, na verdade, as estruturas da cons-<br />

<strong>Estudo</strong> <strong>Dirigido</strong>/Literatura/II trimestre/1ºEM/2012 6


trução das imagens do Brasil e, especificamente, do sul da Bahia. O mesmo olhar estereotipado e generalizante<br />

é veiculado pelo marketing turístico, sem levar em conta a diversidade e os conflitos sociais<br />

que são protagonizados pelos habitantes desta região, com um agravante de que “a diferença entre<br />

Caminha e o nosso tempo está em que já não é possível o álibi, legítimo naquelas suas circunstâncias,<br />

de um outro desconhecido e surpreendente” (CUNHA, 1998: mimeo.).<br />

O confronto entre as descrições contemporâneas da região e o texto de Pero Vaz de Caminha<br />

demonstra que a grandeza fantástica da terra, a sensualidade, a hospitalidade, a cordialidade, a alegria<br />

das suas gentes e o inusitado das suas paisagens continuam fazendo parte do imaginário e da propaganda<br />

para atrair os visitantes estrangeiros. A reprodução destas imagens, também, é enfatizada para o<br />

consumo interno, fazendo-se crer que o exotismo da natureza pressupõe ausência de exploração e conflito,<br />

tão presentes hoje quanto nas entrelinhas do relatório inaugural da visita da esquadra de Cabral ao<br />

sul da Bahia.<br />

Não podemos nos furtar de considerar que os apelos ao turismo como alternativa ao desenvolvimento<br />

da região, passam por implicações mais incisivas do que a exaltação de suas belezas naturais e<br />

de sua história cultural sui generis. Passam antes por pensar a problemática da valorização da cultura<br />

como luta para afirmar a identidade, preservar ou mesmo resgatar formas autênticas de vida das comunidades<br />

locais, que não podem ser esquecidas nas políticas de turismo. Além disto, garantir a qualidade<br />

de vida dos habitantes e a sustentabilidade dos ecossistemas tão decantados nas propagandas turísticas,<br />

são condições essenciais para a sobrevivência da própria atividade turística. Estas preocupações<br />

parecem-nos pouco contempladas no marketing turístico, quando não, são desvirtuados pelos mega<br />

projetos dos produtos de entretenimento e lazer na Costa do Descobrimento.<br />

Neste sentido as estratégias para um turismo coerente passam certamente pela valorização e<br />

preservação, com o mínimo de impacto, das ações culturais no Sul da Bahia. Isto poderá ser feito com<br />

procedimentos e projetos de grandes parcerias e estudos sérios, para promover e administrar com sustentabilidade<br />

o fluxo de turistas ao Sul da Bahia. Como bem diz SIMÕES (2001): “Assim é possível um<br />

turismo o cultural garantidor da preservação do patrimônio cultural e natural. Somente dessa forma a<br />

sustentabilidade não se restringirá a aspectos econômicos, mas também atentará para o respeito aos<br />

cidadãos e as comunidades locais.”<br />

É fato, porém, que o imaginário da Carta de Caminha relatado no dramático encontro inicial das<br />

culturas envolvidas neste imaginário são utilizados contraditoriamente por diversos grupos de interesses.<br />

Segundo os quais a manutenção das imagens, compulsoriamente exteriorizadas e que mantém<br />

como objetivo a conservação das diferenças das raças e culturas, são narradas nas mesmas cenas<br />

sobre o encontro entre turistas e nativos. Concluímos que o reforço, ainda hoje, do imaginário edênico<br />

posto a serviço dos interesses turísticos promovem uma falsa visão exótica dos habitantes a da região<br />

da Costa do Descobrimento.<br />

Texto 03<br />

TENDA DOS MILAGRES, DE JORGE AMADO<br />

Em Tenda dos Milagres, segundo romance de Jorge Amado, publicado em 1969, o autor apresenta<br />

a violência dos brancos diante de rituais de origem africana, e oferece o ingresso para um outro mundo,<br />

onde a mistura não é só de raças, mas também de religiões. É um grito contra o preconceito racial e<br />

religioso. E na ânsia de nos apresentar a figura de um certo Pedro Archanjo em sua inteireza, o autor<br />

encheu-se de ambição, quis abarcar o mundo com as pernas, misturou tempos e espaços romanescos.<br />

Tenda dos Milagres é uma obra em que o diálogo com as teorias da identidade nacional é explorado em<br />

sua máxima potência. Seu personagem principal, Pedro Archanjo, transita entre teorias populares e<br />

eruditas, torna-se autor (sem jamais ser inserido formalmente na academia, entrando pela porta de trás)<br />

e debate com personagens que podem ser reconhecidos em teóricos como Nina Rodrigues e Manoel<br />

Querino.<br />

<strong>Estudo</strong> <strong>Dirigido</strong>/Literatura/II trimestre/1ºEM/2012 7


O candomblé, a capoeira e as festas populares da Bahia fazem parte do universo de Pedro Archanjo,<br />

escritor, sábio, malandro e personagem central da obra. Os tipos folclóricos das ladeiras de Salvador<br />

estão presentes também em Tenda dos Milagres. É um dos maiores e mais perfeitos personagens<br />

da literatura universal. Ele é descrito como Ojuobá (ou "olhos de Xangô"). Mulato e capoeirista,<br />

mestre Archanjo, como também era conhecido, tocava viola, era bom de cachaça e pai de muitas crianças<br />

com as mais lindas negras, mulatas e brancas. No romance, é ele quem percorre as ladeiras de<br />

Salvador e recolhe dados sobre o conhecimento dos negros africanos sua cultura. Pedro é um mulato<br />

sociólogo que combate os preconceitos da Salvador do começo do século e que continua frequentando<br />

os terreiros mesmo depois que deixa de acreditar nos orixás. Tudo para não deixar esmorecer o ânimo<br />

dos perseguidos e evitar o triunfo da polícia e da elite racista.<br />

Romance sociológico, esta obra segue a linha típica dos romances de Jorge Amado, que tem,<br />

como já citado, a cidade de Salvador como cenário e é, basicamente, a narrativa das proezas e dos<br />

amores de Pedro Archanjo, bedel da Faculdade de Medicina da Bahia, que se converte em estudioso<br />

apaixonado de sua gente, publicando livros sobre a mestiçagem genética e os sincretismos simbólicos<br />

do povo baiano. Mostra sua luta pela afirmação da cultura popular.<br />

Em Tenda dos Milagres a vida do povo baiano é apresentada em um enredo fascinante e pleno<br />

de personagens os mais variados e interessantes, que vão dos mestres da capoeira à gente do candomblé,<br />

professores, doutores e boêmios.<br />

E muitas são as mulheres que encheram de encanto a narrativa do escritor: Rosa de Oxalá, Dorotéia,<br />

Rosenda, Risoleta, Sabina dos Anjos, Dedé, a maioria mulatas baianas, e a nórdica Kirsil. Mas<br />

dentre tantos tipos que povoam a história, se sobressai, sem dúvida, a figura de Pedro Archanjo<br />

Texto 04<br />

Sabemos que uma das funções da arte é resignificar o já criado, e estabelecer novos diálogos entre<br />

o passado e o presente, engendrando uma nova leitura onde os elementos estruturais de um texto<br />

passam a ser os elementos estruturais do outro, na intrincada rede de fios narrativos e poéticos. O romance<br />

Tenda dos milagres de Jorge Amado, publicado em 1969, oferece-nos uma gama de possibilidades<br />

de leitura, dentre as quais destacamos o diálogo estabelecido entre a cultura popular praticada<br />

em Salvador e o discurso científico desenvolvido.<br />

Tenda dos milagres é, basicamente, a narrativa das proezas e dos amores de Pedro Arcanjo,<br />

mestiço pobre, bedel da Faculdade de Medicina da Bahia, que se converte em estudioso apaixonado de<br />

sua gente, publicando livros sobre o sincretismo genético e cultural do povo baiano. De leitor e autodidata<br />

Pedro Arcanjo ascende à posição de autor cujos livros são referência no combate ao racismo e à<br />

repressão à cultura afro-brasileira. Ao lidar pioneira e francamente com tais temas, Arcanjo cai sob a<br />

mira da elite “branqueada” da Bahia. É perseguido. Perde o emprego. E uma cortina de silêncio se forma<br />

em torno de sua obra, eclipsando-a. Só depois da morte do autor é que ela irá se impor, triunfando<br />

sobre o racismo provinciano, graças ao interesse que desperta num cientista estrangeiro. A figura de<br />

Arcanjo vai, então, renascendo das cinzas, num processo de revisão que se move do campo erudito<br />

para o popular, atingindo o ponto máximo com a homenagem que lhe é prestada, no carnaval da Bahia,<br />

pela Escola de Samba Filhos do Tororó.<br />

Na cidade do Salvador apresentada no romance percebemos as fortes mudanças empreendidas<br />

no sentido de gerar a ideia de progresso a partir da instalação de indústrias e desenvolvimento urbano.<br />

O período apresentado como “tempo” do romance compreenderia o final do século XIX e início do XX<br />

quando no Brasil, para se modernizar, são aplicadas as chamadas teorias higienistas como base para a<br />

criação de um projeto nacional: as diferenças de raça e o evolucionismo das mesmas tornavam-se o<br />

ponto chave para a criação do tipo ideal nacional. Nesse contexto, as teorias apresentadas e defendidas<br />

por Silvio Romero, Oliveira Viana, Manoel Querino, Arthur Ramos, Conde de Gobineau e Nina Rodrigues<br />

entre outros fomentariam a ideologia desenvolvida nos centros de ensino nacionais como a Faculdade<br />

de Medicina da Bahia.<br />

<strong>Estudo</strong> <strong>Dirigido</strong>/Literatura/II trimestre/1ºEM/2012 8


No livro fica perceptível essa luta ideológica travada entre a cultura popular e a ciência europeia<br />

aqui adaptada através dos vários embates empreendidos entre Pedro Arcanjo, o delegado Pedro Gordilho<br />

e o professor Nilo Argolo; ou mesmo no combate realizado pelo aparelho estatal através dos jornais<br />

e da polícia, na busca de minimizar, ou mesmo exterminar, as práticas culturais desenvolvidas nos terreiros<br />

de candomblé, nas rodas de capoeira e dos grupos de afoxés durante o Carnaval. E, principalmente,<br />

na resistência empreendida pela população organizada na pessoa do “Rábula do povo”, o defensor<br />

dos pobres e dessa cultura que seria considerada de guetos, mas estaria disseminada em todas<br />

as esferas da sociedade.<br />

A importância dos diálogos travados entre a chamada cultura popular e a ciência no texto conduz<br />

o leitor ao grande projeto nacional revisto nas palavras de Archanjo que acredita ter descoberto o tipo<br />

ideal brasileiro na figura do mestiço, este representaria o encontro de todas as etnias gerando a ideia<br />

que seria apregoada por Gilberto Freyre de democracia racial. Por isso, ao defender a cultura mestiça<br />

Archanjo profetiza o futuro onde “..tudo já terá se misturado por completo e o que hoje é mistério e luta<br />

de gente pobre, roda de negros e mestiços, música proibida, dança ilegal, candomblé, samba, capoeira,<br />

tudo isso será festa do povo brasileiro, música, balé, nossa cor, nosso riso, compreende?” (Tenda dos<br />

milagres...p.317-8).<br />

Marysther Oliveira do Nascimento<br />

Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação<br />

em Literatura e Diversidade Cultural – UEFS<br />

Colunista - Brasil Escola.com<br />

EXERCICÍOS<br />

01. I. A 1.0 a 5.3)<br />

TEXTO I<br />

TRATADO DESCRITIVO DO BRASIL EM 1587<br />

Capítulo XI<br />

Em que se declara a costa da baía da Traição até Paraíba.<br />

Do rio Camaratibe até a baía da Traição são duas léguas, a qual está em seis graus e 1/3, onde ancoram<br />

naus francesas e entram dos arrecifes para dentro. Chama-se esta baía pelo gentio potiguar Acajutibiró,<br />

e os portugueses, da Traição, por com ela matarem uns poucos de castelhanos e portugueses<br />

que nesta costa se perderam. Nesta baía fazem cada ano os franceses muito pau de tinta e carregam<br />

dele muitas naus. Desta baía da Traição ao rio Maguape são três léguas, o qual está em seis<br />

graus e meio. Do rio de Maguape ao da Paraíba são cinco léguas (...); a este rio chamam - na carta de<br />

marear - de São Domingos, onde entram naus de 200 tonéis, e no rio de Maguape entram caravelas da<br />

costa; mas o rio de São Domingos se navega muito pela terra adentro, de onde ele vem de bem longe.<br />

Tem este rio um ilhéu da boca para dentro que lhe faz duas barras, e pela que está da banda do norte<br />

entram caravelões que navegam por entre a terra e os arrecifes até Itamaracá (...); e porque entravam<br />

cada ano neste rio naus francesas a carregar o pau de tinta com que abatia o que ia para o Reino<br />

das mais capitanias por conta dos portugueses e porque o gentio potiguar andava mui levantado contra<br />

os moradores da capitania de Itamaracá e Pernambuco, com o favor dos franceses, com os quais fizeram<br />

nessas capitanias grandes danos, queimando engenhos e outras muitas fazendas, em que<br />

mataram muitos homens e escravos; (...)<br />

SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado descritivo do Brasil em 1587. 4 ed., São Paulo: Companhia Ed. Nacional; EDUSP, 1971, p. 52.<br />

rio Camaratibe = rio Camaratuba<br />

rio Maguape = rio Mamanguape<br />

carta de marear = carta de navegação<br />

abatia = diminuia<br />

mui levantado = muito rebelde<br />

<strong>Estudo</strong> <strong>Dirigido</strong>/Literatura/II trimestre/1ºEM/2012 9


Pertencente à produção cultural do Quinhentismo brasileiro, o texto de Gabriel Soares de Souza:<br />

I. faz parte da chamada literatura de informação, por ter como objetivo primeiro transmitir aos<br />

governantes portugueses notícias acerca das terras descobertas.<br />

II. já reflete um modelo literário luso-brasileiro, apesar de escrito alguns anos após o descobrimento<br />

(1587).<br />

III. constitui uma fonte importante para os escritores, em diversos momentos da nossa história<br />

literária.<br />

Assinale a alternativa correta.<br />

a) I e II b) II c) I d) II e III e) I e III<br />

02. (I.A 1.0 a 5.3) Levando em consideração o texto 01 e a literatura produzida no primeiro século da<br />

vida colonial brasileira, é correto afirmar que:<br />

a) inicia com Prosopopeia, de Bento Teixeira.<br />

b) é constituída por documentos que informam acerca da terra brasileira e pela literatura jesuítica.<br />

c) descreve com fidelidade e sem idealizações a terra e o homem, ao relatar as condições encontradas<br />

no Novo Mundo.<br />

d) os textos que a constituem apresentam evidente preocupação artística e pedagógica.<br />

e) é formada principalmente de poemas narrativos e textos dramáticos que visavam à catequese.<br />

Leia o texto:<br />

“Parece-me gente de tal inocência que, se nós entendêssemos a sua fala e eles a nossa, seriam logo<br />

cristãos, visto que não têm nem entendem crença alguma, segundo as aparências. E, portanto, se os<br />

degredados que aqui hão de ficar aprenderem bem a sua fala e eles a nossa, não duvido que eles, segundo<br />

a santa tenção de Vossa Alteza, se farão cristãos e hão de crer na nossa santa fé, à qual praza a<br />

Nosso Senhor que os traga, porque certamente esta gente é boa e de bela simplicidade”<br />

CASTRO, Silvio. A carta de Pero Vaz de Caminha. Porto Alegre: L&PM, 1996.<br />

03– (I.A 1.0 a 5.3) Assinale a alternativa que não apresenta uma sentido com relação à leitura e a função<br />

da Carta de Caminha.<br />

a) Composição sob forma de diário de bordo<br />

b) Observação do índio como um ser disposto à catequização<br />

c) Aproximações barrocas no tratamento literário e no lirismo das descrições<br />

d) Mistura de ingenuidade e malícia na descrição dos índios e seus costumes<br />

e) Deslumbramento diante da exuberância da natureza tropical<br />

04. – (I.A 1.0 a 5.3) O texto a seguir servirá de base para a próxima questão.<br />

Pero Vaz de Caminha, referindo-se aos indígenas escreveu:<br />

“E naquilo sempre mais me convenço que são como aves ou animais montesinhos, aos quais faz o ar<br />

melhor pena e melhor cabelo que aos mansos, porque os seus corpos são tão limpos, tão gordos e formosos,<br />

a não mais poder.” […]<br />

“Parece-me gente de tal inocência que, se nós entendêssemos a sua fala e eles a nossa, seriam logo<br />

cristãos, visto que não têm nem entendem crença alguma, segundo as aparências. E, portanto, se os<br />

degredados que aqui hão de ficar aprenderem bem a sua fala e eles a nossa, não duvido que eles, segundo<br />

a santa tenção de Vossa Alteza, se farão cristãos e hão de crer na nossa santa fé, à qual praza a<br />

Nosso Senhor que os traga, porque certamente esta gente é boa e de bela simplicidade. E imprimir-se-á<br />

facilmente neles todo e qualquer cunho que lhes quiserem dar, uma vez que Nosso Senhor lhes deu<br />

bons corpos e bons rostos, como a homens bons. E o fato de Ele nos haver até aqui trazido, creio que<br />

não o foi sem causa. E portanto, Vossa Alteza, que tanto deseja acrescentar à santa fé católica, deve<br />

cuidar da salvação deles. E aprazerá Deus que com pouco trabalho seja assim.” […]<br />

<strong>Estudo</strong> <strong>Dirigido</strong>/Literatura/II trimestre/1ºEM/2012 10


“Eles não lavram nem criam. Não há aqui boi ou vaca, cabra, ovelha ou galinha, ou qualquer outro animal<br />

que esteja acostumado ao convívio com o homem. E não comem senão deste inhame, de que aqui<br />

há muito, e dessas sementes e frutos que a terra e as árvores de si deitam. E com isto andam tais e tão<br />

rijos e tão nédios que o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos.”<br />

CASTRO, Silvio. A carta de Pero Vaz de Caminha. Porto Alegre: L&PM, 1996.<br />

De acordo com o texto e seus conhecimentos, marque a alternativa correta:<br />

a) Caminha, numa visão eurocentrista, exalta a cultura do “descobridor”, menosprezando todos os aspectos<br />

referentes ao modo de vida dos nativos, por exemplo, a não exploração daqueles mamíferos<br />

placentários exóticos, citados na carta, introduzidos no Brasil quando da colonização.<br />

b) Caminha realiza, através de farta adjetivação, descrições botânicas minuciosas acerca da flora da<br />

nova terra, destacando o tipo de alimentação do europeu — rica em vitaminas e sais minerais — em<br />

contraposição à indígena, que é rica em lipídios.<br />

c) A religiosidade está presente ao longo do texto, quando se constata que o emissor, tendo em mente<br />

a conversão dos índios à “santa fé católica” — pretensão dos europeus conquistadores —, ressalta<br />

positivamente a existência de crenças animistas entre os nativos.<br />

d) Na carta de Pero Vaz de Caminha, que apresenta linguagem formal, por ser o rei português o destinatário,<br />

há forte preocupação com aspectos da necessária conversão dos índios ao catolicismo, no<br />

contexto de crise religiosa na Europa.<br />

e) Ao realizar concomitantemente a narração e a descrição dos hábitos dos nativos, o remetente destaca<br />

informações não só do habitat como dos usos e costumes indígenas, exaltando o cultivo das plantas<br />

de lavouras e dos pomares.<br />

05. – (I.A 1.0 a 5.3) Leia o texto a seguir para responder à questão.<br />

CARTA DE PERO VAZ<br />

A terra é mui graciosa,<br />

Tão fértil eu nunca vi.<br />

A gente vai passear,<br />

No chão espeta um caniço,<br />

No dia seguinte nasce<br />

Bengala de castão de oiro.<br />

Tem goiabas, melancias.<br />

Banana que nem chuchu.<br />

Quanto aos bichos, tem-nos muitos.<br />

De plumagens mui vistosas.<br />

Tem macaco até demais.<br />

Diamantes tem à vontade,<br />

Esmeralda é para os trouxas.<br />

Reforçai, Senhor, a arca.<br />

Cruzados não faltarão,<br />

Vossa perna encanareis,<br />

Salvo o devido respeito.<br />

Ficarei muito saudoso<br />

Se for embora d'aqui.<br />

(Murilo Mendes)<br />

castão - remate superior de uma bengala;<br />

cruzado - antiga moeda portuguesa;<br />

vossa perna encanareis - a expressão quer dizer que o rei "estava mal das pernas", isto é, sem dinheiro,<br />

"quebrado". As riquezas do Brasil poderão tirá-lo dessa situação.<br />

Há nesse texto uma sátira à expressão "dar-se-á nela tudo", contida na Carta de Caminha.<br />

<strong>Estudo</strong> <strong>Dirigido</strong>/Literatura/II trimestre/1ºEM/2012 11


Marque a alternativa que confirma essa tendência.<br />

a) "Tem goiabas, melancias<br />

Banana que nem chuchu."<br />

b) ( ... )<br />

"No chão espeta um caniço,<br />

No dia seguinte nasce<br />

Bengala de castão de oiro."<br />

c) "A terra é mui graciosa<br />

Tão fértil eu nunca vi."<br />

d) "Quanto aos bichos, tem-nos muitos<br />

De plumagens mui vistosas.<br />

Tem macaco até demais."<br />

e) "Diamantes tem à vontade,<br />

Esmeralda é para os trouxas.<br />

Reforçai, Senhor, a arca.<br />

06. – (I.A 1.0 a 5.3) Assinale o fragmento que representa uma retomada modernista da carta de Pero<br />

Vaz de Caminha;<br />

a) "O Novo Mundo nos músculos / Sente a seiva do porvir." (Castro Alves)<br />

b) "Minha terra tem palmeiras, / Onde canta o sabiá"(Gonçalves Dias)<br />

c) "A terra é mui graciosa / Tão fértil eu nunca vi."(Murilo Mendes)<br />

d) "Irás a divertir-te na floresta, / sustentada, Marília, no meu braço"(Tomás Antônio Gonzaga)<br />

e) "Todos cantam sua terra / Também vou cantar aminha" (Casimiro de Abreu)<br />

07. – (I.A 1.0 a 5.3) "Duas relíquias históricas produzidas no Brasil, foram trazidas para exibição na<br />

Mostra do Redescobrimento, em São Paulo: o manto tupinambá e a carta de Pero Vaz de Caminha."<br />

(Folha de São Paulo, 11 de maio de 2000.)<br />

A carta de Pero Vaz de Caminha, sobre o achamento do Brasil, enviada a El-Rei Dom Manuel é a principal<br />

manifestação literária do Quinhentismo, movimento literário brasileiro do século XVI. Tendo em<br />

vista o seu teor, podemos afirmar que os visitantes da Mostra do Redescobrimento, ao se depararem<br />

com tal texto, conseguiriam através dele:<br />

a) resgatar valores e conceitos sociais brasileiros.<br />

b) descobrir a história brasileira pela arte.<br />

c) ter mais informações sobre a arte brasileira.<br />

d) ver a cultura indígena brasileira.<br />

e) perceber o interesse português em explorar a nova terra.<br />

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