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o_ateneu-pompeia - Portal RP-Bahia

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a natação. Logo ao portão de ingresso nesse terreno, havia um depósito<br />

de lixo, onde os jardineiros acumulavam as varreduras da chácara,<br />

negrejando putrefatas, virando estrume ao tempo.<br />

Franco deteve-se junto ao monturo. Sempre em silêncio e ativamente, como<br />

para não perder aquele raro estimulo de vontade que o impelia, foi<br />

examinando o lixo com o pé.<br />

A um canto, entre tocos de bambu, tiniram garrafas. Franco abaixou-se e<br />

como em ação mecânica, sem se voltar, apanhou uma garrafa, outra e<br />

outra; foi-me dando, sobraçou ainda outras e prosseguimos, o Franco<br />

adiante, leve e rápido, sempre no seu andar de sombra, como suspenso e<br />

difuso na névoa quase lúcida do campo aberto.<br />

Atravessamos o capinzal quase sumidos entre as altas bandas de<br />

capim-d’angola, cuja escura vastidão se constelava de vaga-lumes e<br />

vibrava da grita intensa dos grilos e do clamor dos sapos. Diante da<br />

natação o Franco parou e me fez parar. “A minha vingança!” disse entre<br />

dentes, e me indicou a toalha d’água do grande tanque. A massa liquida,<br />

imóvel, na calma da noite, tinha o aspecto de lustrosa calçada de<br />

azeviche; algumas estrelas repetiam-se na superfície negra com uma<br />

nitidez perfeita.<br />

Com o mesmo modo atarefado de todo aquele singular empreendimento, o<br />

Franco acercou-se de mim, tirou-me as garrafas que me dera e desapareceu<br />

da minha vista.<br />

Eu ouvi que ele quebrava as garrafas uma por uma. Daí pouco reaparecia,<br />

trazendo as abas da blusa em regaço. E começou a lançar então com o<br />

maior sossego ao tanque, para todos os lados, aqui, ali, dispersamente,<br />

como semeando, as lascas do vidro que partira. Um breve rumor de<br />

mergulho borbulhava à flor d’água, abrindo-se em círculos concêntricos<br />

os reflexos do céu. Eu vi muitas vezes contra o albor mais claro do muro<br />

fronteiro, passando, repassando, a sombra do sinistro semeador.<br />

“A minha vingança!” repetiu-me ainda o Franco. “Para o sangue, sangue,<br />

acrescentou com o risinho seco. Amanhã rirei da corja!... Trouxe-te aqui<br />

para que alguém soubesse que eu me vingo!”<br />

Ao falar mostrava-me o lenço que enxugara o sangue do golpe à testa.<br />

O justo terror da aventura, em lugar vedado, por aquelas horas, só me<br />

assaltou quando, a pular o muro do pátio, fui cair entre as mãos do<br />

Silvino. Nos aparos da alhada, mal vi o Franco seguro pelo pescoço, como<br />

um ladrão em flagrante.<br />

Em presença do diretor, no escritório inquisitorial improvisei uma<br />

mentira. Fôramos colher sapotis, afirmei explicando à tremenda argüição<br />

a estranheza da surtida. O diretor marcou a pena de oito páginas.<br />

Franco, que andava com um déficit de vinte pelo menos, teve de<br />

acrescentar mais estas ao passivo insolvável. Pela vergonha da tentativa<br />

de furto e no sistema dos castigos morais, adicionou-se a observação<br />

suplementar: passaríamos, os delinqüentes, no outro dia, as horas do

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