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o_ateneu-pompeia - Portal RP-Bahia

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dever? Na cartilha? Na opinião de Aristarco? Na misantropia senil dos<br />

óculos azuis?<br />

Salteou-me nisto, às avessas, o relâmpago de Damasco: independência.<br />

Capítulo 5<br />

Devo, entretanto, à minha efeméride religiosa a maior soma de gratidão.<br />

Suavizou-me com a complacência divina o período de vadiação profunda e<br />

amolecimento hipnótico com que me pesou a atmosfera do Ateneu. Toda a<br />

perseguição de castigos, sem prejuízo da minha delicadeza moral,<br />

resvalava pelo cilício da penitência; eu emergia forte das provações.<br />

Que tranqüilidade, na apatia, ter por fiador a Deus!<br />

Íamos à missa nos domingos. Todos abriam os livrinhos, para que o<br />

diretor os visse atentos. Eu não abria o meu. Deixava apenas fugir-me o<br />

espírito para o alto e aderir à abóbada como as decorações sagradas,<br />

ajustar-se estreitamente nos detalhes da arquitetura do templo como o<br />

ouro sutil dos douradores, conservar-se lá em cima, ávido ainda de<br />

ascensão, ambicioso de céu como a baforada dos turíbulos.<br />

Havia acessos comunicativos de tosse que lavravam nas fileiras. Eu não<br />

tossia. Havia convulsões de riso, mal contidas no lenço, mal dominadas<br />

por um olhar de Aristarco, de joelhos à frente do colégio e mãos<br />

cruzadas sobre o castão do unicórnio; como certa vez que um cão brejeiro<br />

e sem princípios, mesmo ao elevar-se a santa Partícula, entrou e<br />

escapou-se com o casquete de um fiel contrito. Eu resistia ao riso.<br />

Cantávamos ao coro em dias solenes. Melhor organização vocal possuiria o<br />

Orfeão do que a minha; mas se cantassem os corações em vez dos lábios,<br />

nenhum hino evolaria mais largo, mais belo que o meu. Traziam-nos água<br />

com açúcar num jarro de vidro para molhar as cordas vocais. Eu rejeitava<br />

esta doçura terrena.<br />

O Ateneu concorria para o brilhantismo das procissões. Eu me embrulhava<br />

amplamente na opa, encarnada como os sacrifícios, que me podia enrolar<br />

três vezes: empunhava uma tocha que me martirizava os dedos com os<br />

pingos ardentes de cera. E lá ia, cobiçando ainda a força lombar dos<br />

mascates para ter às costas, eu só, aqueles pesados andores; invejando o<br />

garbo ao presidente da Filarmônica particular Prazer do Rio Comprido,<br />

que vinha após no préstito, com o estandarte S.P.M.P.R.C., e o punho<br />

atlético de um equilibrista de perchas para levar correto e rijo os<br />

balançados guiões.<br />

Com que tristeza, ao entrar a procissão, quando o diretor nos mandava<br />

seguir para o colégio, com que tristeza não espiava de longe, pela<br />

porta, o interior flamejante do templo! Lá ficava a festa de Deus... e<br />

nós para o Ateneu soturno, em marcha inexorável! Eu sacudia a cabeça com

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