12.04.2013 Views

o_ateneu-pompeia - Portal RP-Bahia

o_ateneu-pompeia - Portal RP-Bahia

o_ateneu-pompeia - Portal RP-Bahia

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Que venturosa segurança naquele museu de sono! E amanhã, pobres colegas!<br />

o banho, a volta, pés ensangüentados, listrando de vestígios vermelhos o caminho!<br />

Voltei ao meu salão. Tirei da gaveta a imagem de Santa Rosália; beijei-a<br />

com lágrimas, pedi conselho como um filho. A inquietação não passava.<br />

Atravessei ainda os dormitórios, devagarinho, que me não ouvisse o<br />

Margal, acomodado num biombo a um dos ângulos do salão azul. Uma<br />

crepitação dos ossos do tornozelo esteve a ponto de me comprometer.<br />

Dentro do biombo, tossiram; parei um momento; curou-se a tosse; prossegui.<br />

Desci ao primeiro andar do edifício; entrei na capela.<br />

A capela em trevas, de um negrume absoluto de merinó preto. A escuridão<br />

dava-lhe uma amplitude de subterrâneo, misteriosamente sentida no<br />

espaço. Não tive medo. Fui até ao altar. Tropecei no estrado.<br />

Ajoelhei-me no chão e descansei a testa nos braços a um dos ângulos do<br />

estrado do oratório. Rezei.<br />

Na qualidade de mau estudante não sabia até ao fim nenhuma oração.<br />

Rogava por minha conta, improvisando súplicas, veementes, angustiosas,<br />

que deviam forçar a ombro a porta de São Pedro. Implorava de Deus<br />

diretamente, sem o intermediário empenho da minha padroeira. Até que,<br />

não posso dizer como, adormeci.<br />

Uma palmada acordou-me. Era dia. Ergui-me vexado, de camisola, diante do<br />

Margal e de uma porção de colegas que miravam. “É sonâmbulo, é<br />

sonâmbulo”, explicavam.<br />

Esta saída dispensava-me de dizer a que fora ali; encampei a explicação,<br />

concordando. “Que horas são?” perguntei. “Seis horas, responderam.<br />

Chegamos agora mesmo do banho.” Tinham os cabelos empastados sobre os<br />

olhos. “E os cacos?!” gritei espavorido. Examinei os pés dos<br />

companheiros. Nas chinelas com que desciam ao banho não via sangue!<br />

Esclarecia-se: houvera ordem de banhos de chuva no competente banheiro,<br />

alojado em um dos cômodos baixos do Ateneu, pelo motivo de ter servido<br />

seis vezes a água da natação. Graças ao Senhor! Vinha-me do céu esta<br />

solução de águas sujas, alcançada pela minha prece. Dilatou-se-me a alma<br />

em ditoso alívio.<br />

À minha interjeição explosiva de cacos, os colegas supuseram tontura de<br />

sono. Não assim o inspetor, que me chamou a indagar. Nova mentira:<br />

durante a escapada dos sapotis, uma garrafa, que arremessei de mau<br />

jeito, fizera-se em cacos contra o muro, sobre o tanque.<br />

Providenciou-se. O criado encarregado de varrer o tanque, com o zelo da<br />

domesticidade, chamou atenção para o número dos fragmentos; tão<br />

extraordinária era a hipótese da intenção perversa que não pegou.<br />

No mesmo dia estive com o Franco, durante os recreios, a completar a<br />

pena. Não me disse palavra acerca da decepção da sua vingança.<br />

Julgando-se comprometido, concentrava-se na insensibilidade de carapaça<br />

que o defendia, esperando tudo, a minha delação, uma trovoada de<br />

doestos, a cafua, um acréscimo ao déficit permanente da divida penal.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!