Revista da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras
Revista da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras
Revista da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Não havia dúvi<strong>da</strong> <strong>de</strong> que tais acontecimentos eram insuflados pelos<br />
espanhóis. Muitas vezes o ouro roubado ia parar nas mãos dos guaicurus,<br />
seus aliados, e era trocado por gado e cavalos, aumentando ain<strong>da</strong> mais o<br />
rebanho, já bastante <strong>de</strong>senvolvido.<br />
Porém, nem sempre os índios saíam vitoriosos. Houve casos <strong>de</strong><br />
bravura e heroísmo. Merece ser lembra<strong>da</strong> a proeza <strong>de</strong> um mulato <strong>de</strong> Pin<strong>da</strong>monhangaba,<br />
Manuel Rodrigues do Prado, <strong>de</strong> alcunha Manduaçu, por<br />
causa do porte atlético e gigantesco. Esse mulato pilotava uma canoa e<br />
tinha ao seu lado uma mulher também mulata quando, <strong>de</strong> repente, foi<br />
atacado pelos índios. Não se aterrorizou. Agarrou a escopeta e, enquanto<br />
a mulher recarregava as armas, ele <strong>de</strong>scarregava tiros sobre tiros, <strong>de</strong>monstrando<br />
enorme coragem e valentia. “Com tanto esforço, valor e<br />
presteza e sem largar os remos <strong>da</strong>s mãos, <strong>da</strong>ndo risa<strong>da</strong>s e acenando aos<br />
infiéis que chegassem, que os aterrorizou e os fez retirar-se e, postos eles<br />
em fuga, ain<strong>da</strong> mandou remar a canoa sobre eles matando alguns”. Assim<br />
nos narraria o cronista. E acrescentaria: “Esse mulato <strong>de</strong> extremado valor<br />
chegou a capitão-do-mato muitos anos e terminou sepultado com a sua<br />
mulher na capela <strong>da</strong> igreja do Rosário, em Cuiabá”.<br />
Outro rasgo <strong>de</strong> heroísmo aconteceu com uma monção <strong>de</strong> 50 canoas,<br />
coman<strong>da</strong><strong>da</strong> por José Carlos Pimentel. Esses monçoeiros subiam o Paraguai,<br />
quando foram atacados perto <strong>de</strong> um sítio chamado Carandá, nos pantanais<br />
do Cuiabá e São Lourenço. Apenas três pessoas resistiram ao ataque: o<br />
coman<strong>da</strong>nte Pimentel, uma mulata portuguesa, chama<strong>da</strong> Maria, e o negro<br />
Sebastião, que vinham numa outra canoa. Pimentel e Maria pelejaram<br />
como heróis por mais <strong>de</strong> duas horas contra os gentios. Morto Pimentel, a<br />
valorosa senhora ain<strong>da</strong> continuou a lutar com arrojo, arrancando as lanças<br />
<strong>da</strong>s mãos dos agressores e com elas matando e ferindo muitos, até seu último<br />
alento. Sobre o negro Sebastião, assim nos narraria o cronista: “Pelejou<br />
primeiro <strong>da</strong> sua canoa com um varejão, ca<strong>da</strong> bordoa<strong>da</strong> que ele <strong>da</strong>va era<br />
um inimigo morto e, vendo que <strong>da</strong> canoa não esgrimia a seu gosto, saltou<br />
para um reduto <strong>de</strong> campo, que estava em um tijucal, adon<strong>de</strong> <strong>de</strong>u que fazer<br />
a to<strong>da</strong> a turba, que to<strong>da</strong> sobre ele caiu para o pren<strong>de</strong>rem e não matarem<br />
querendo-o armar; sacaram-lhe o varejão <strong>da</strong>s mãos, avançaram-se os<br />
braços e o negro nu intijucado escorregava-lhes pelas mãos como um porco<br />
e não havia forças que o subjugassem; a um arrancou a língua pelas güelas;<br />
a outro torceu o pescoço que lhe pôs a cara para as costas; <strong>da</strong>va-lhes murros<br />
n. 7 – março <strong>de</strong> 2005<br />
35