Para uma crítica da leitura hermenêutica da psicanálise* - PePSIC
Para uma crítica da leitura hermenêutica da psicanálise* - PePSIC
Para uma crítica da leitura hermenêutica da psicanálise* - PePSIC
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
<strong>Para</strong> <strong>uma</strong> <strong>crítica</strong> <strong>da</strong> <strong>leitura</strong> <strong>hermenêutica</strong> <strong>da</strong> psicanálise<br />
<strong>da</strong> linguagem que se anuncia como lugar <strong>da</strong>s significações complexas<br />
onde um outro sentido ao mesmo tempo se revela e se oculta num sentido<br />
imediato” (Ricoeur 1977, p. 18).<br />
Mesmo intercalando desvios no percurso em direção ao significado,<br />
mantém-se sempre a possibili<strong>da</strong>de de encontrá-lo. Ou seja, a tese<br />
que permanece incontesta<strong>da</strong> por Ricoeur é a <strong>da</strong> primazia do significado. No<br />
final <strong>da</strong>s contas, reserva-se para o significante <strong>uma</strong> função expressiva, o<br />
que termina por engajar a análise n<strong>uma</strong> pesquisa de significações, decerto<br />
ocultas, porém, sempre reencontráveis.<br />
Há, entretanto, um problema que os tratamentos concebidos<br />
exclusivamente nesses termos não conseguem <strong>da</strong>r conta: como é possível<br />
a histericização do discurso, ou seja, o constante distanciamento assumido<br />
pelo analisando em relação aos seus próprios ditos? Em vez de se reconhecer<br />
integralmente nas significações às quais chega o trabalho<br />
interpretativo, o sujeito jamais as aceita como legítimas representantes<br />
de seu ser. “Eu disse isso antes, mas agora acho que não é bem assim...”<br />
Ele constantemente toma distância em relação a seus ditos, jamais consegue<br />
coincidir completamente com o que disse num momento anterior. O<br />
sujeito em análise é aquele que não consegue ratificar seus pensamentos,<br />
atos e sentimentos, cuja posição não cessa de colocar entre aspas a anterior,<br />
sem que a posição derradeira seja jamais encontra<strong>da</strong>. A propósito de<br />
qualquer um de seus atos ou ditos, o sujeito pode sempre se reposicionar;<br />
o que era ver<strong>da</strong>deiro em um determinado momento pode ser logo depois<br />
posto em dúvi<strong>da</strong>, de maneira a nunca se conseguir dizer algo totalmente<br />
ver<strong>da</strong>deiro.<br />
A histérica sofre exatamente porque esse constante deslizamento<br />
de significações a proíbe de encontrar a autentici<strong>da</strong>de e a uni<strong>da</strong>de. Segundo<br />
a bela definição de Miller, trata-se de “sujeitos que sofrem em seu<br />
próprio ser do impossível <strong>da</strong> autentici<strong>da</strong>de” (1997, p. 237). O sujeito<br />
histérico é aquele que fracassa em formular, através <strong>da</strong> fala, <strong>uma</strong> representação<br />
adequa<strong>da</strong> do que deseja. Assim, não é surpreendente que um<br />
sujeito que se apresenta na análise com um “ninguém me entende” acabe<br />
Natureza H<strong>uma</strong>na 8(1): 9-33, jan.-jun. 2006<br />
25