12.04.2013 Views

Para uma crítica da leitura hermenêutica da psicanálise* - PePSIC

Para uma crítica da leitura hermenêutica da psicanálise* - PePSIC

Para uma crítica da leitura hermenêutica da psicanálise* - PePSIC

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Rosane Zétola Lustoza, Ana Beatriz Freire<br />

por se <strong>da</strong>r conta de que ele mesmo não consegue se entender. Ele desconhece<br />

o que quis dizer com o que disse, suas falas são enigmáticas para ele<br />

mesmo, sem que consiga alcançar, através de um significado último, a<br />

certeza. Portanto, a histericização do discurso, estranha circunstância em<br />

que o sujeito não compreende a si próprio, coloca <strong>uma</strong> dificul<strong>da</strong>de para a<br />

tese <strong>hermenêutica</strong>, de acordo com a qual o sujeito deverá sempre poder,<br />

no fim <strong>da</strong>s contas, compreender a si próprio.<br />

A incapaci<strong>da</strong>de de a tese <strong>hermenêutica</strong> <strong>da</strong>r conta <strong>da</strong> experiência<br />

analítica pode ser ilustra<strong>da</strong> recorrendo a um caso clínico reportado por<br />

Freud (Freud 1916-17, p. 269). Trata-se de <strong>uma</strong> mulher casa<strong>da</strong>, de cerca<br />

de 30 anos de i<strong>da</strong>de, que executava, muitas vezes por dia, a seguinte<br />

seqüência de atos obsessivos: corria de seu quarto até o quarto contíguo,<br />

assumindo ali <strong>uma</strong> posição determina<strong>da</strong>, ao lado de <strong>uma</strong> mesa situa<strong>da</strong> no<br />

meio do aposento; soava em segui<strong>da</strong> a sineta, chamando a cria<strong>da</strong>, dizialhe<br />

algo sem importância e depois a dispensava, retornando logo a seu<br />

quarto. Ao longo do tratamento, a mulher acaba contando que foi, há<br />

mais de dez anos, casa<strong>da</strong> com um homem muito mais velho, que, desde a<br />

noite de núpcias, se revelara impotente. Indo e vindo incessantemente de<br />

seu quarto ao quarto dela, em tentativas inúteis de cons<strong>uma</strong>r o coito, ele,<br />

pela manhã, por fim dissera: “Sinto vergonha do que pensará a cria<strong>da</strong>,<br />

quando vier arr<strong>uma</strong>r a cama”. Ele pegou <strong>uma</strong> garrafa de tinta vermelha,<br />

derramando-a no lençol, mas, segundo a paciente, não no lugar adequado.<br />

A paciente lembrou, então, que a toalha <strong>da</strong> mesa ao lado <strong>da</strong> qual ela<br />

se posicionava durante os rituais obsessivos possuía <strong>uma</strong> grande mancha.<br />

Ela cost<strong>uma</strong>va assumir <strong>uma</strong> posição tal em relação à mesa que a cria<strong>da</strong><br />

não pudesse deixar de ver a mancha na toalha.<br />

Entre as várias razões que explicariam o ato obsessivo dessa<br />

mulher, pode-se enumerar:<br />

1. Através de seu ato obsessivo, a mulher corrigia a cena <strong>da</strong> noite de<br />

núpcias, mostrando à cria<strong>da</strong> <strong>uma</strong> mancha, desta vez posiciona<strong>da</strong> no<br />

lugar certo. Com isso, ela queria provar a virili<strong>da</strong>de do marido: “Ele<br />

não é impotente”.<br />

26 Natureza H<strong>uma</strong>na 8(1): 9-33, jan.-jun. 2006

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!