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Para uma crítica da leitura hermenêutica da psicanálise* - PePSIC

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Rosane Zétola Lustoza, Ana Beatriz Freire<br />

(...) tudo iria bem se nós pudéssemos assimilar simplesmente as expressões psíquicas<br />

(Repräsentanz) às representações, isto é, às idéias de alg<strong>uma</strong> coisa. Ora, as<br />

representações não são senão <strong>uma</strong> categoria de expressões psíquicas e nós fingimos<br />

ignorar que existe <strong>uma</strong> outra categoria, a dos afetos. (Ricoeur 1977, p. 119)<br />

A solução <strong>da</strong><strong>da</strong> por Ricoeur será afirmar a dependência do afeto<br />

em relação à representação, de tal maneira que mesmo o caso <strong>da</strong> angústia,<br />

afeto desligado de qualquer representação, pode, ain<strong>da</strong> assim, ser considerado<br />

um afeto à espera de <strong>uma</strong> representação.<br />

Se o afeto depende <strong>da</strong> representação, como poderia vir a se desligar<br />

dela e a conhecer vicissitudes independentes, tal como descreve Freud?<br />

Vimos que Ricoeur oscila sempre, equilibrando-se entre a impossibili<strong>da</strong>de<br />

confessa de <strong>uma</strong> total sujeição do afeto ao sentido e a arrisca<strong>da</strong> concessão<br />

de autonomia ao afeto, cuja conseqüência poderia ser sua transformação<br />

n<strong>uma</strong> força natural.<br />

Nos primórdios de sua teorização, Jacques Lacan trilhou caminho<br />

muito semelhante ao de Ricoeur, ao conceber a psicanálise como<br />

<strong>uma</strong> pesquisa do sentido. Reconhecendo a existência dessa fase<br />

“<strong>hermenêutica</strong>” na obra de Lacan e buscando extrair suas conseqüências<br />

para a teoria <strong>da</strong>s pulsões, Miller (2000) conclui que o resultado foi <strong>uma</strong><br />

tendência a subordinar a pulsão ao registro do significado. Desse modo,<br />

de acordo com Miller (ibid.), no primeiro paradigma do gozo em Lacan, a<br />

satisfação seria em grande parte de ordem semântica, estando condiciona<strong>da</strong><br />

à revelação do sentido dos sintomas. Ao acoplar a satisfação à descoberta<br />

do sentido, Lacan niti<strong>da</strong>mente se aproxima de Ricoeur. Porém, Lacan<br />

irá afastar-se dessa posição gra<strong>da</strong>tivamente. Por que devemos julgá-la<br />

insuficiente?<br />

Nossa tese é de que a <strong>hermenêutica</strong> se mostrou incapaz de pensar<br />

a energia, justamente por não haver extraído to<strong>da</strong>s as conseqüências<br />

<strong>da</strong> impossibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> totalização do sentido. A fim de fun<strong>da</strong>mentar nossa<br />

afirmativa, recordemos a distinção feita por Ricoeur entre motivos e<br />

causas. Muito convincente ao argumentar que as ações h<strong>uma</strong>nas resultariam<br />

de motivos, o autor, por sua vez, falhou ao deixar de conceituar um<br />

30 Natureza H<strong>uma</strong>na 8(1): 9-33, jan.-jun. 2006

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