12.04.2013 Views

Para uma crítica da leitura hermenêutica da psicanálise* - PePSIC

Para uma crítica da leitura hermenêutica da psicanálise* - PePSIC

Para uma crítica da leitura hermenêutica da psicanálise* - PePSIC

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Rosane Zétola Lustoza, Ana Beatriz Freire<br />

liáveis e se o gesto de simbolização é bem-sucedido, o que há de paradoxal<br />

nisso? O problema é que a possibili<strong>da</strong>de de a consciência exercer a<br />

função de unificar essa multiplici<strong>da</strong>de de significações encontra-se<br />

embarga<strong>da</strong>. Com a descoberta do inconsciente, a consciência não se encontra,<br />

como quer Ricoeur, apenas provisoriamente descentra<strong>da</strong>; a consciência<br />

não se acha provisoriamente incapacita<strong>da</strong> de fazer a síntese, mas<br />

se encontra estruturalmente descentra<strong>da</strong>, por não poder fazer convergir<br />

propósitos divergentes. Tais desejos irreconciliáveis somente podem ser<br />

colocados juntos fazendo um conjunto, sob pena de se sacrificar a noção<br />

de um sujeito unitário. Daí Lacan afirmar que:<br />

Ele [o Sr. Ricoeur] estava seguramente longe o bastante para aceder ao que é de<br />

mais difícil acesso para um filósofo, isto é, o realismo do inconsciente – que o<br />

inconsciente não é ambigüi<strong>da</strong>de de condutas, futuro saber que já se sabe por não saber, mas<br />

lacuna, corte, ruptura que se inscreve em certa falta. (Lacan 1985 [1964], p. 146; os<br />

itálicos são meus)<br />

Embora a <strong>hermenêutica</strong> possa admitir a existência de infinitas<br />

significações para <strong>uma</strong> determina<strong>da</strong> produção do inconsciente, o que ela<br />

não está em condições de aceder é ao significante como lugar de <strong>uma</strong><br />

lacuna, isto é, <strong>da</strong> impossibili<strong>da</strong>de de constituir um conjunto consistente<br />

de significados.<br />

Pelo que foi dito, conclui-se que o significante possui duas características<br />

singulares: pode abrigar infinitas significações e estas podem,<br />

perfeitamente, ser contraditórias entre si. Portanto, concepções de<br />

linguagem que estabelecessem para o significante um significado ou <strong>uma</strong><br />

coisa capaz de lhe <strong>da</strong>r sustentação (como limite exterior) mostrar-se-iam<br />

incompatíveis com a psicanálise, já que incapazes de explicar como seriam<br />

possíveis tanto a infinitização <strong>da</strong>s significações quanto a<br />

contraditorie<strong>da</strong>de entre as mesmas. A invenção freudiana exige, portanto,<br />

que não se pense o significante como possuidor de <strong>uma</strong> instância exterior<br />

a ele (significado ou referente), capaz de lhe fornecer um lastro, <strong>uma</strong><br />

garantia última.<br />

28 Natureza H<strong>uma</strong>na 8(1): 9-33, jan.-jun. 2006

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!