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opiniao<br />

Carla Marques Pinto<br />

(Advogada)<br />

No final do artigo anterior, publicado na “O Desembarque”<br />

N.º 14, <strong>de</strong> Novembro <strong>de</strong> 2012, escrevemos: “Para a próxima<br />

cá estaremos, se os homens e a Providência <strong>de</strong>ixarem<br />

com um tema particularmente interessante, qual seja «O<br />

Advogado, o Dever <strong>de</strong> Servir a Justiça e o seu Direito/Dever <strong>de</strong><br />

Protestar»”.<br />

De facto, mesmo a feroz e alucinante velocida<strong>de</strong> da vida <strong>de</strong><br />

hoje, que cada vez mais tritura e condiciona, aliada ao início<br />

do ano judicial, não foram suficientes para <strong>de</strong>sajudar a minha<br />

Providência. E os homens <strong>de</strong>ixaram…<br />

Mas vamos ao tema que nos parece particularmente interessante<br />

e actual, nesta fase em que o Advogado e a Justiça parecem ser<br />

os bo<strong>de</strong>s expiatórios da incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o po<strong>de</strong>r político mudar,<br />

mas <strong>de</strong> mudar bem.<br />

Parece óbvio que, no rol dos muitos e diversificados <strong>de</strong>veres – e,<br />

porventura, dos poucos direitos – e das muitíssimas e “apertadas”<br />

incompatibilida<strong>de</strong>s que o actual Estatuto da Or<strong>de</strong>m impõe ao<br />

Advogado estará implícito o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> servir a Justiça, embora a<br />

afirmação não tenha ficado expressamente <strong>de</strong>clarada.<br />

Porém, e porque só assim enten<strong>de</strong>mos a nossa profissão e missão,<br />

perante a Comunida<strong>de</strong> e o Estado <strong>de</strong> Direito, não resistimos<br />

à tentação <strong>de</strong> citar, na integra, o n.º 1 do artigo 76.º do anterior<br />

estatuto da OA pelo que tem <strong>de</strong> força histórica e intrínseca:<br />

«O advogado <strong>de</strong>ve, no exercício da profissão e fora <strong>de</strong>la,<br />

consi<strong>de</strong>rar-se um servidor da justiça e do direito e, como tal,<br />

mostrar-se digno da honra e das responsabilida<strong>de</strong>s que lhe<br />

são inerentes».<br />

O Código <strong>de</strong> Deontologia dos Advogados da União Europeia, no<br />

seu ponto 1.1., já anteriormente referenciado, na “Advocacia<br />

como Profissão <strong>de</strong> Interesse Público”, preten<strong>de</strong>, em nossa opinião,<br />

transmitir a mesma i<strong>de</strong>ia, porventura ampliando-a sem contudo<br />

conseguir uma fórmula mais forte, clara e incisiva.<br />

Mas, o Dr. António Arnaut, no seu “Estatuto anotado” (Fora do Texto<br />

– Coimbra – 1992) ao <strong>de</strong>senhar <strong>de</strong> forma relevante “a função ético-<br />

-social da advocacia” afirma que do Advogado se exige “um comportamento<br />

moral e irrepreensível tanto no exercício da profissão<br />

como fora <strong>de</strong>la” chegando mesmo a adiantar que “o advogado<br />

serve a justiça e o direito mais do que a lei, ao contrário do juiz<br />

que lhe <strong>de</strong>ve estrita obediência”.<br />

De facto, enquanto o actual Estatuto reclama a in<strong>de</strong>pendência<br />

do Advogado afirmando que, “no exercício da profissão, mantém<br />

sempre em quaisquer circunstâncias a sua in<strong>de</strong>pendência,<br />

<strong>de</strong>vendo agir livre <strong>de</strong> qualquer pressão, especialmente a que<br />

resulte dos seus próprios interesses ou <strong>de</strong> influências exteriores,<br />

abstendo-se <strong>de</strong> negligenciar a <strong>de</strong>ontologia profissional no intuito<br />

<strong>de</strong> agradar ao seu cliente, aos colegas, ao tribunal ou a terceiros”<br />

(art.º 84) – e isto é, sem dúvida, servir a justiça – o texto do anterior,<br />

<strong>de</strong> forma clara, impunha-lhe “recusar o patrocínio a questões que<br />

consi<strong>de</strong>re injustas” (art.º 78, alínea c-).<br />

A justiça é, por isso mesmo, um dos seus valores e – seguramente<br />

o <strong>de</strong>terminante – que para o Advogado, o direito <strong>de</strong>verá<br />

prosseguir.<br />

O Direito <strong>de</strong> Dizer<br />

O Advogado, o Dever <strong>de</strong> servir a Justiça<br />

e o seu Direito/Dever <strong>de</strong> Protestar<br />

Como refere Gue<strong>de</strong>s da Costa, “não foi certamente por acaso que<br />

a lei passou a referir-se ao Advogado como servidor da justiça<br />

e do direito, quando anteriormente apenas falava <strong>de</strong> servidor do<br />

direito” (570.º do E.J.).<br />

Temos assim o Advogado como servidor da lei e do direito<br />

mas, acima <strong>de</strong> todos os valores, da justiça sendo que, o <strong>de</strong>ver<br />

<strong>de</strong> obediência à lei, <strong>de</strong> não advogar contra lei expressa, <strong>de</strong> não<br />

litigar <strong>de</strong> má-fé, <strong>de</strong> não promover diligências reconhecidamente<br />

dilatórias ou prejudiciais à <strong>de</strong>scoberta da verda<strong>de</strong> – não são mais<br />

do que obrigações tacitamente subordinadas ao primordial <strong>de</strong>ver<br />

<strong>de</strong> servir a justiça, dando corpo à nobre e inalienável missão <strong>de</strong><br />

intervir na <strong>de</strong>fesa dos direitos liberda<strong>de</strong>s e garantias e na busca<br />

da salvaguarda dos direitos humanos.<br />

O Advogado ganhou ao longo dos anos e dos séculos, por mérito<br />

próprio, o estatuto <strong>de</strong> meio indispensável para se atingir o objectivo<br />

<strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática e justa.<br />

A abolição da escravatura e da pena <strong>de</strong> morte e a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

todos os cidadãos perante a lei (nas Or<strong>de</strong>nações distinguiam-se<br />

nobres e plebeus para aplicação <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas penas) “nasceram<br />

da oposição <strong>de</strong> muitos advogados ao direito positivo e à<br />

justiça legal em <strong>de</strong>terminado momento histórico” (Gue<strong>de</strong>s da Costa<br />

– obr. cit.).<br />

Ao <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> servir a justiça – e por isso mesmo – soma-se o<br />

direito/<strong>de</strong>ver, do Advogado, protestar.<br />

Para além do direito <strong>de</strong> protesto mesmo em audiência <strong>de</strong><br />

julgamento (art.º 75.º do EOA) é seu <strong>de</strong>ver para com a Comunida<strong>de</strong><br />

“<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r os direitos, liberda<strong>de</strong>s e garantias” e “pugnar pela boa<br />

aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo<br />

aperfeiçoamento da cultura e instituições jurídicas” (art.º 85.º).<br />

Mas visando uma abordagem, por via mais pragmática, <strong>de</strong><br />

protestar, <strong>de</strong> lutar contra as violações <strong>de</strong> direitos humanos e <strong>de</strong><br />

salvaguardar as liberda<strong>de</strong>s e as garantias dos cidadãos, vejamos<br />

o que nos dizia o anterior estatuto da OA (art.º 78, alínea e-) cujo estilo<br />

frontal nos toca particularmente:<br />

«É <strong>de</strong>ver do Advogado para com a comunida<strong>de</strong>:<br />

e)- Protestar contra as violações dos direitos humanos e<br />

combater as arbitrarieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> que tiver conhecimento no<br />

exercício da profissão».<br />

Sabido como é que esses direitos e garantias que estão hoje consagrados<br />

na Constituição e nas leis, ao nível da execução da justiça,<br />

são muitas vezes <strong>de</strong>srespeitados, não apenas pelos órgãos<br />

<strong>de</strong> polícia criminal que, sob a pressão da opinião pública e da hierarquia<br />

e fruto as mais das vezes das suas juventu<strong>de</strong>s se revelam<br />

impantes <strong>de</strong> mostrar serviço e arrecadar troféus mas, algumas<br />

vezes, pelas próprias Magistraturas. Uns e outras cometem o erro<br />

<strong>de</strong> se avaliarem pela quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acusações formuladas e <strong>de</strong><br />

processos <strong>de</strong>spachados e julgados e não pela sua qualida<strong>de</strong>!<br />

É claro que a postura dos Advogados ao longo dos anos e, sobretudo,<br />

no regime anterior <strong>de</strong> ditadura, foi seguramente <strong>de</strong>terminante<br />

para que algumas situações mudassem.<br />

10 O DESEMBARQUE • n.º 15 • Março <strong>de</strong> 2013 • www.associacao<strong>de</strong>fuzileiros.pt

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