13.04.2013 Views

Ler Mais... - Associação de Fuzileiros

Ler Mais... - Associação de Fuzileiros

Ler Mais... - Associação de Fuzileiros

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

entrevista<br />

Percebeu-se então – com base nas nossas informações – on<strong>de</strong> se situavam os corredores <strong>de</strong> infiltração: um no Norte, a partir do<br />

Senegal, sobretudo pela península <strong>de</strong> Sambuiá, e outro no Sul. O Comando-Chefe atribuiu à Marinha uma zona <strong>de</strong> operações em<br />

permanência no Norte, no rio Cacheu. Aqui, a nossa Marinha <strong>de</strong>senhou uma excelente operação que foi a “Via Láctea” que <strong>de</strong>morou<br />

meses, com pessoal no terreno, e no rio, 24 horas sobre 24 horas, com lanchas dos vários tipos e com fuzileiros emboscados em botes<br />

e com pontuadas nas margens. Ora, durante esse tempo, a penetração <strong>de</strong> armamento foi reduzida <strong>de</strong> tal maneira que a flagelação dos<br />

quartéis, do lado Sul do Cacheu, que era da or<strong>de</strong>m das 60 a 70 vezes por mês, passou para 3, 4, ou pouco mais, exactamente porque<br />

a guerrilha não tinha munições nem renovação <strong>de</strong> armamento.<br />

Só que, como não havia meios para permanecer naqueles locais, tendo a base em Bissau, mandaram-nos instalar em Ganturé. Ficámos<br />

em péssimas condições. Os primeiros DFE’s a iniciar tal prática foram o 12 (Cte Pedrosa) e o 13 (o meu) aproveitando 3 barracões em<br />

ruínas que tinham servido para armazenar mancarra (amendoim), junto ao rio e aos campos <strong>de</strong> arroz, as bolanhas. Nem sequer levámos<br />

mosquiteiros…! É interessante relembrar a imagem <strong>de</strong> um camarada nosso da Marinha que escreveu – referindo-se ao tempo em que<br />

tinha permanecido num sítio semelhante – que “os mosquitos eram tantos que <strong>de</strong>itava-se a mão ao ar, espremia-se e escorria sangue”.<br />

CM: Uma pergunta que vem na sequência da minha experiência em Angola. Junto à fronteira nos locais <strong>de</strong> penetração, seria possível<br />

fazer patrulhamento com viaturas <strong>de</strong> tracção às quatro rodas, a corta mato?<br />

Com Oficiais e ca<strong>de</strong>tes na EFZ<br />

VM: Não. O terreno da Guiné é extremamente ensopado, cortado por inúmeras linhas <strong>de</strong><br />

água. E os rios que correm no sentido Norte/Sul têm nas margens, quantida<strong>de</strong>s brutais<br />

<strong>de</strong> “mangal” selvagem, aquele mangal <strong>de</strong>nsíssimo, só penetrável por forças anfíbias<br />

muito bem preparadas, no fundo, pelos <strong>Fuzileiros</strong>. Quando acaba o “mangal” não começa<br />

abruptamente a mata, isto é, há a “bolanha” <strong>de</strong> permeio até à mata encharcada. Trata-se<br />

<strong>de</strong> terrenos quase impossíveis <strong>de</strong> serem trilhados por quaisquer viaturas. A maior eficácia<br />

era conseguida pela patrulha dos rios com lanchas e botes dos <strong>Fuzileiros</strong> e pela acção<br />

<strong>de</strong>stes também em terra, com aconteceu na longa operação “Via Láctea”.<br />

A propósito: em consequência dos resultados que se obtiveram, entretanto, o General<br />

Spínola mandou 3 ou 4 companhias do exército entrarem na península <strong>de</strong> Sambuiá<br />

limitada a Sul pelo Cacheu, e no sentido Norte/Sul pelos rios Talicó e Sambuiá. A coisa<br />

não correu bem. Uma companhia teve uns mortos, outras não conseguiram entrar nos<br />

rios e, então, o General Spínola <strong>de</strong>u or<strong>de</strong>ns (<strong>de</strong> uma quinta-feira para segunda-feira)<br />

que avançassem os fuzileiros. Foi o DFE 12, do Pedrosa e fui eu (DFE 13). Levámos<br />

cada um só meio Destacamento, ficando os outros meios em “stand-by”, nos rios para<br />

<strong>de</strong>sembarcarem, em manobra, on<strong>de</strong> fosse necessário. Fomos, penetrámos e tivemos<br />

sucesso. Eu trouxe cerca <strong>de</strong> 20 prisioneiros e algumas armas.<br />

Apenas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> capturados esses prisioneiros, se veio a saber da existência <strong>de</strong><br />

arrecadações, <strong>de</strong>pósitos <strong>de</strong> armamento que os guerrilheiros traziam em colunas do<br />

Senegal e que, naquela altura, <strong>de</strong>veriam estar a chegar ao Cacheu.<br />

Presumo que os guerrilheiros e as suas chefias pensassem que nós não teríamos a<br />

persistência suficiente para continuar no terreno em condições extremamente hostis.<br />

De facto, lanchas e fuzileiros permanecemos nos locais <strong>de</strong> emboscada e <strong>de</strong> patrulha 24 horas por dia fazendo abortar as tentativas <strong>de</strong><br />

“cambança” do IN, ou interceptando mesmo as travessias do Cacheu.<br />

Depois, acabei por fazer uma operação helitransportada sobre a Península do Sambuiá, próximo do Senegal com apenas 30 homens.<br />

Foi a operação “Gran<strong>de</strong> Colheita”. Apanhámos cerca <strong>de</strong> 200 armas entre ligeiras e pesadas e 150.000 munições. Para recuperar o<br />

armamento, conduzindo-o para Bigene, foram empregues cinco helicópteros que andaram uma tar<strong>de</strong> inteira a carregar e <strong>de</strong>scarregar<br />

armamento.<br />

Foi uma operação para que me ofereci directamente ao General Spínola, quando ele foi a Bigene indagar como tinha corrido uma<br />

operação do Comando Operacional 3 nessa zona, mas sem gran<strong>de</strong>s resultados. Pretendia mandar lá Paraquedistas, mas eu apesar <strong>de</strong><br />

ter chegado do mato horas antes fiz prssão para ir lá com os meus <strong>Fuzileiros</strong>. Aceitou, mas que fosse só uma vaga <strong>de</strong> helicópteros com<br />

30 homens! Preparei o meu grupo para essa emergência e <strong>de</strong>terminei que se levasse o máximo <strong>de</strong> munições, que ninguém levasse<br />

água (eram só uma horas. Eu próprio levava uma ou duas granadas <strong>de</strong> bazooka. Fizemos essa apreensão, e cheguei ao fim do dia para<br />

reembarcar e dizem-me: “Não, fica para o dia seguinte.” Fiquei no mato para o dia seguinte, próximo do Senegal, com cerca <strong>de</strong> 30<br />

homens, on<strong>de</strong> eles tinham umas centenas largas <strong>de</strong> guerrilheiros. E o General Spínola (pelo piloto do helicóptero da última vaga que<br />

levou o material) manda-me dizer para ficar ali, no sítio on<strong>de</strong> eu estava e que, num raio <strong>de</strong> 3 quilómetros iria mandar fazer fogo <strong>de</strong><br />

artilharia batendo o terreno <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ponto on<strong>de</strong> eu estava, <strong>de</strong> noite. E eu disse ao piloto: “Diga ao Sr. General que eu não quero fogo<br />

<strong>de</strong> artilharia (eu sabia como era… sou artilheiro) e que não vou ficar aqui “. Assinalei na carta do piloto o local (eu já tinha i<strong>de</strong>ntificado<br />

aquilo, segundo a boa táctica <strong>de</strong> fuzileiro). Então, eu que tinha estado ali um dia inteiro …toda a “gente” (os guerrilheiros) sabia… Era<br />

óbvio que caíam em cima <strong>de</strong> nós – ainda por cima, numa zona junto ao rio, com terreno aberto <strong>de</strong> lado –aquilo seria um morticínio<br />

completo, era um massacre, se ficasse lá. De facto, tive a coragem <strong>de</strong> dizer: “Diga ao Sr. General que eu não fico aqui”. E disse ao<br />

piloto on<strong>de</strong> iria ficar.<br />

CM: E nessa noite bombar<strong>de</strong>aram-te ou não?<br />

VM: Fizeram fogo <strong>de</strong> morteiros e Foram lá. E eu fiquei na mata, num sítio que tinha i<strong>de</strong>ntificado, segundo a boa táctica que apren<strong>de</strong>mos<br />

na Escola <strong>de</strong> <strong>Fuzileiros</strong>, à noite e tudo caladinho. E fiz outra coisa: man<strong>de</strong>i retirar as pilhas todas aos rádios, para o pessoal não ter a<br />

tentação <strong>de</strong> comunicar. Do outro lado da fronteira havia cubanos e guerrilheiros que nos po<strong>de</strong>riam <strong>de</strong>tectar. No dia seguinte continuei,<br />

por ali acima, numa operação típica dos fuzileiros.<br />

30 O DESEMBARQUE • n.º 15 • Março <strong>de</strong> 2013 • www.associacao<strong>de</strong>fuzileiros.pt

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!