Conferência Nobel de Thomson sobre a Descoberta do Elétron
Conferência Nobel de Thomson sobre a Descoberta do Elétron
Conferência Nobel de Thomson sobre a Descoberta do Elétron
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Revista Brasileira <strong>de</strong> Ensino <strong>de</strong> F sica, vol. 19, n o. 3, setembro, 1997 299<br />
Confer^encia <strong>Nobel</strong> <strong>de</strong> <strong>Thomson</strong> <strong>sobre</strong> a<br />
<strong>Descoberta</strong> <strong>do</strong> Eletron<br />
Traduc~ao e notas<br />
Introduc~ao: a <strong>de</strong>scoberta progressiva <strong>do</strong>eletron<br />
A <strong>de</strong>scoberta <strong>do</strong> eletron foi anunciada, cem anos<br />
atras, em uma confer^encia feita pelo f sico ingl^es Joseph<br />
John <strong>Thomson</strong>, na Royal Institution, no dia 30 <strong>de</strong> abril<br />
<strong>de</strong> 1897. Tal <strong>de</strong>scoberta resultou <strong>de</strong> uma serie <strong>de</strong> expe-<br />
rimentos e <strong>de</strong> concepc~oes <strong>sobre</strong> a estrutura da materia<br />
geradas, na segunda meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> seculo XIX, por cientis-<br />
tas <strong>de</strong> varios pa ses. A i<strong>de</strong>nti cac~ao <strong>do</strong> eletron n~ao foi,<br />
portanto, o produto <strong>de</strong> um ato <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta subita e<br />
individual. Surgiu <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> varias quest~oes teoricas<br />
e <strong>de</strong> experimentos relaciona<strong>do</strong>s as <strong>de</strong>scargas eletricas<br />
em gases rarefeitos, ao estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> fen^omenos qu micos,<br />
como a eletrolise, e ao <strong>de</strong>senvolvimento da teoria eletro-<br />
magnetica da materia. Nos ultimos anos <strong>do</strong> seculo pas-<br />
sa<strong>do</strong>, esses diversos problemas teoricos e experimentais<br />
encontraram uma soluc~ao unica e simples: a exist^encia<br />
<strong>de</strong> uma part cula sub-at^omica carregada negativamente<br />
que esta presente em praticamente to<strong>do</strong>s os fen^omenos<br />
materiais.<br />
O gran<strong>de</strong> experimenta<strong>do</strong>r Michael Faraday havia<br />
observa<strong>do</strong>, a partir <strong>de</strong> 1835, as <strong>de</strong>scargas eletricas lu-<br />
minosas em gases rarefeitos, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um recipiente <strong>de</strong><br />
vidro, produzidas por <strong>do</strong>is eletro<strong>do</strong>s com cargas opos-<br />
tas. Notou que manchas fosforescentes eram produzi-<br />
das nas pare<strong>de</strong>s <strong>do</strong> recipiente. Em 1858, o f sico alem~ao<br />
Julius Plucker, ao aproximar um m~a <strong>de</strong> um recipiente<br />
similar, viu as manchas fosforescentes se <strong>de</strong>slocarem nas<br />
pare<strong>de</strong>s <strong>do</strong> vidro. Seu aluno Johann Hittorf, em 1869,<br />
observan<strong>do</strong> a sombra projetada <strong>sobre</strong> a pare<strong>de</strong> <strong>de</strong> vidro<br />
por um objeto coloca<strong>do</strong> diante <strong>do</strong> cato<strong>do</strong>, mostrou que<br />
Il<strong>de</strong>u <strong>de</strong> Castro Moreira<br />
Instituto <strong>de</strong> F sica da UFRJ<br />
Trabalho recebi<strong>do</strong> em 28 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1997<br />
as emiss~oes <strong>de</strong>le emanadas se <strong>de</strong>slocavam em linha reta<br />
nasciam os \raios catodicos".<br />
Oingl^es William Crookes, em 1879, retomou essas<br />
experi^encias, <strong>de</strong> forma mais precisa, com um tubo aper-<br />
feicoa<strong>do</strong> por ele e com alto vacuo em seu interior. Qua-<br />
tro anos <strong>de</strong>pois, o alem~ao Heinrich Hertz, que viria a<br />
<strong>de</strong>tectar as ondas eletromagneticas, fez experimentos<br />
em um tubo com evacuac~ao insu ciente (e com as pla-<br />
cas <strong>de</strong> etoras muito proximas da sua extremida<strong>de</strong> -<br />
nal) e concluiu erradamente que os raios catodicos n~ao<br />
possu am carga eletrica. Surgiu, nesta epoca, uma cu-<br />
riosa controversia que ganhou tons nacionalistas: Hertz<br />
e a maioria <strong>do</strong>s f sicos alem~aes viam os raios catodicos<br />
como ondas (perturbac~oes que se propagavam no eter)<br />
ja os f sicos ingleses, como Crookes, Lord Kelvin e<br />
<strong>Thomson</strong> atribu am uma natureza corpuscular aos mes-<br />
mos raios.<br />
Em 1895, o franc^es Jean Perrin concluiu que os raios<br />
catodicos s~ao jatos <strong>de</strong> part culas e mostrou que t^em<br />
carga eletrica negativa. Dois anos <strong>de</strong>pois, <strong>Thomson</strong>,<br />
com varios experimentos engenhosos, con rma a natu-<br />
reza corpuscular e me<strong>de</strong> a raz~ao entre a carga eletrica<br />
e a massa <strong>de</strong>sses corpusculos. Faz tambem a hipotese<br />
ousada <strong>de</strong> que eles est~ao presentes em to<strong>do</strong>s os atomos e<br />
que s~ao, portanto, constituintes universais da materia.<br />
No mesmo ano <strong>de</strong> 1897, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> Thom-<br />
son, os alem~aes Emil Wiechert e Walther Kaufmann<br />
haviam tambem medi<strong>do</strong> a raz~ao carga/massa para os<br />
raios catodicos.<br />
Entre 1897 e 1899, <strong>Thomson</strong> mostra a presenca <strong>de</strong><br />
seus corpusculos no efeito termoi^onico e no efeito fo-
300 I. <strong>de</strong> Castro Moreira<br />
toeletrico, sempre com a mesma raz~ao carga/massa,<br />
me<strong>de</strong> sua carga eletrica e nalmente os i<strong>de</strong>nti ca com<br />
oeletron, a unida<strong>de</strong> elementar <strong>de</strong> carga que havia si<strong>do</strong><br />
proposta, anos antes, pelo alem~ao Hermann von Hel-<br />
mholtz e pelo irland^es George Johnstone Stoney. Ou-<br />
tra contribuic~ao importante na <strong>de</strong>scoberta <strong>do</strong> eletron<br />
veio das consi<strong>de</strong>rac~oes teoricas <strong>de</strong> Joseph Larmor so-<br />
bre a constituic~ao da corrente eletrica, em 1894, e da<br />
<strong>de</strong>scoberta <strong>do</strong> holand^es Pieter Zeeman, em 1896, <strong>de</strong><br />
que a campo magnetico afeta as linhas espectrais. O<br />
f sico Hendrik Lorentz, compatriota e mentor <strong>de</strong> Zee-<br />
man, constroi imediatamente um mo<strong>de</strong>lo, basea<strong>do</strong> na<br />
presenca <strong>do</strong>s corpusculos carrega<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> atomo,<br />
que explica este fen^omeno. Ele esten<strong>de</strong>, ent~ao, a teoria<br />
eletromagnetica <strong>de</strong> Maxwell para incorporar a i<strong>de</strong>ia das<br />
cargas eletricas discretizadas.<br />
Como Zeeman, Lorentz receberia, nos primeiros<br />
anos <strong>de</strong>ste seculo, o pr^emio <strong>Nobel</strong> por seus trabalhos.<br />
Em 1905, o hungaro Philipp von Lenard, disc pulo <strong>de</strong><br />
Hertz, recebeu o mesmo pr^emio pelos seus estu<strong>do</strong>s so-<br />
bre a natureza <strong>do</strong>s raios catodicos, <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s entre<br />
1893 e 1904 analisou ali, entre outras coisas, o com-<br />
portamento <strong>do</strong>s raios fora <strong>do</strong> tubo, quan<strong>do</strong> penetravam<br />
no ar ou quan<strong>do</strong> incidiam <strong>sobre</strong> l^aminas solidas. O<br />
Pr^emio <strong>Nobel</strong> <strong>de</strong> 1906 foi concedi<strong>do</strong> a <strong>Thomson</strong> \em re-<br />
conhecimento <strong>do</strong>s gran<strong>de</strong>s meritos <strong>de</strong> suas investigac~oes<br />
teoricas e experimentais na conduc~ao da eletricida<strong>de</strong><br />
pelos gases". Helmholtz <strong>de</strong>nominava os carrega<strong>do</strong>res<br />
<strong>de</strong> carga negativa, que constituem os raios catodicos,<br />
<strong>de</strong> quanta elementares <strong>de</strong> eletricida<strong>de</strong>, <strong>Thomson</strong> os cha-<br />
mava <strong>de</strong> corpusculos e Lorentz a<strong>do</strong>tou o termo eletron,<br />
que se tornou <strong>de</strong> uso geral apos 1910 e que havia si<strong>do</strong><br />
proposto, ja em 1891, por Stoney.<br />
Em 1910, o americano Robert Millikan fez medidas<br />
muito cuida<strong>do</strong>sas e mediu a carga eletrica <strong>do</strong> eletron<br />
com gran<strong>de</strong> precis~ao. Com os experimentos <strong>de</strong> Ernest<br />
Rutherford (natural da Nova Zel^andia e disc pulo <strong>de</strong><br />
<strong>Thomson</strong>), realiza<strong>do</strong>s em 1910 e que levaram ai<strong>de</strong>ia<br />
<strong>de</strong> um nucleo at^omico, com o mo<strong>de</strong>lo at^omico <strong>de</strong> Ni-<br />
els Bohr, cria<strong>do</strong> em 1913, e com o <strong>de</strong>senvolvimento da<br />
mec^anica qu^antica em 1925/26, o eletron passou a ser<br />
reconheci<strong>do</strong> <strong>de</strong> nitivamente como um <strong>do</strong>s constituin-<br />
tes basicos <strong>do</strong> atomo e seu papel essencial nas ligac~oes<br />
qu micas cou estabeleci<strong>do</strong>. Sua natureza ondulatoria,<br />
prevista pelo f sico franc^es Louis <strong>de</strong> Broglie, em 1924,<br />
foi <strong>de</strong>monstrada atraves <strong>de</strong> experimentos <strong>de</strong> difrac~ao,<br />
<strong>de</strong> forma in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e no mesmo ano <strong>de</strong> 1927, pe-<br />
los americanos Clinton Davisson e Lester Germer e por<br />
George <strong>Thomson</strong>, lho <strong>de</strong> J. J. <strong>Thomson</strong>.<br />
Em homenagem aos cem anos da realizac~ao <strong>do</strong>s<br />
principais experimentos <strong>de</strong> <strong>Thomson</strong> <strong>sobre</strong> o eletron,<br />
reproduzimos abaixo a sua Confer^encia <strong>Nobel</strong> pronun-<br />
ciada em 1906. A clareza e objetivida<strong>de</strong> da exposic~ao<br />
a fazem, ainda hoje, um excelente artigo <strong>de</strong> divulgac~ao<br />
cient ca. A presenca universal <strong>do</strong> eletron em to<strong>do</strong>s os<br />
fen^omenos materiais e <strong>de</strong>stacada por <strong>Thomson</strong> em sua<br />
confer^encia sua <strong>de</strong>scoberta constituiu-se em um passo<br />
<strong>de</strong>cisivo no<strong>de</strong>senvolvimento da f sica, da qu mica e da<br />
biologia mo<strong>de</strong>rnas.<br />
Carrega<strong>do</strong>res <strong>de</strong> eletricida<strong>de</strong> negativa<br />
Confer^encia <strong>Nobel</strong>, em 11 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1906, por<br />
Joseph John <strong>Thomson</strong><br />
Nesta confer^encia <strong>de</strong>sejo fazer um relato <strong>de</strong> algu-<br />
mas investigac~oes que levaram aconclus~ao <strong>de</strong> que os<br />
carrega<strong>do</strong>res <strong>de</strong> eletricida<strong>de</strong> negativa s~ao corpos, que<br />
<strong>de</strong>nominei corpusculos, com uma massa muito menor<br />
<strong>do</strong>quea<strong>de</strong>umatomo <strong>de</strong> qualquer elemento conheci<strong>do</strong>,<br />
equet^em sempre o mesmo caracter n~ao importan<strong>do</strong> a<br />
fonte <strong>de</strong> on<strong>de</strong> provenham.<br />
Os corpusculos foram <strong>de</strong>tecta<strong>do</strong>s, em primeiro lu-<br />
gar, em um tubo altamente evacua<strong>do</strong>, atraves <strong>do</strong> qual<br />
passava uma corrente eletrica. Quan<strong>do</strong> uma <strong>de</strong>scarga<br />
eletrica eenviada atraves <strong>de</strong> um tubo <strong>de</strong>ste, os seus la-<br />
<strong>do</strong>s brilham com uma cor ver<strong>de</strong> v vida e fosforescente.<br />
Isso e <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a algo que proce<strong>de</strong> em linhas retas <strong>do</strong> ca-<br />
to<strong>do</strong> - o eletro<strong>do</strong> on<strong>de</strong> a eletricida<strong>de</strong> negativa entra no<br />
tubo -, como po<strong>de</strong> ser mostra<strong>do</strong> da seguinte maneira (o<br />
experimento e um <strong>do</strong>s que foi feito, muitos anos atras,<br />
por William Crookes): Uma cruz <strong>de</strong> Malta feita <strong>de</strong> uma<br />
placa na <strong>de</strong> mica e colocada entre o cato<strong>do</strong> e as pare-<br />
<strong>de</strong>s <strong>do</strong> tubo. Quan<strong>do</strong> a <strong>de</strong>scarga passa, a fosforesc^encia<br />
ver<strong>de</strong> n~ao se esten<strong>de</strong> mais <strong>sobre</strong> toda a extremida<strong>de</strong><br />
nal <strong>do</strong> tubo, como fazia antes quan<strong>do</strong> a cruz estava<br />
ausente. Ha agora uma cruz bem <strong>de</strong> nida na fosfo-<br />
resc^encia <strong>do</strong> nal <strong>do</strong> tubo a cruz <strong>de</strong> mica lancou uma<br />
sombra e a forma da sombra prova que a fosforesc^encia<br />
e ocasionada por algo proveniente <strong>do</strong> cato<strong>do</strong>, que viaja<br />
segun<strong>do</strong> linhas retas e que e bloquea<strong>do</strong> por uma placa<br />
na <strong>de</strong> mica.
Revista Brasileira <strong>de</strong> Ensino <strong>de</strong> F sica, vol. 19, n o. 3, setembro, 1997 301<br />
A fosforesc^encia ver<strong>de</strong> e causada pelos raios<br />
catodicos e houve, tempos atras, uma controversia viva<br />
<strong>sobre</strong> a natureza <strong>de</strong>sses raios. Duas vises eram pre-<br />
valentes: uma, que era <strong>de</strong>fendida <strong>sobre</strong>tu<strong>do</strong> por f sicos<br />
ingleses, dizia que os raios s~ao corpos eletri ca<strong>do</strong>s nega-<br />
tivamente lanca<strong>do</strong>s <strong>do</strong> cato<strong>do</strong> com gran<strong>de</strong> velocida<strong>de</strong><br />
a outra vis~ao, que era sustentada pela gran<strong>de</strong> maioria<br />
<strong>do</strong>s f sicos alem~aes, a rmava que os raios s~ao alguma<br />
especie <strong>de</strong> vibrac~ao <strong>do</strong> eter ou ondas.<br />
Os argumentos em favor <strong>do</strong>s raios serem part culas<br />
carregadas negativamente s~ao, em primeiro lugar, que<br />
eles s~ao <strong>de</strong> eti<strong>do</strong>s por um m~a exatamente da mesma<br />
forma que as part culas eletri cadas negativamente<br />
quan<strong>do</strong> em movimento. Sabemos que tais part culas,<br />
quan<strong>do</strong> um m~a e coloca<strong>do</strong> perto <strong>de</strong>las, sofrem uma<br />
forca cuja direc~ao faz ^angulos retos com a forca<br />
magnetica, e que tambem faz ^angulos retos com a<br />
direc~ao na qual as part culas est~ao se moven<strong>do</strong>.<br />
Assim, se part culas est~ao se moven<strong>do</strong> horizontal-<br />
mente <strong>do</strong> Leste para o Oeste, e a forca magnetica for<br />
horizontal <strong>do</strong> Norte para o Sul, a forca que atua nas<br />
part culas negativamente eletri cadas sera vertical e<br />
apontara para baixo. Quan<strong>do</strong> o m~a e coloca<strong>do</strong> <strong>de</strong> tal<br />
mo<strong>do</strong> que a forca magnetica esta ao longo da direc~ao na<br />
qual a part cula esta semoven<strong>do</strong>, essa n~ao sera afetada<br />
pelo m~a.<br />
O passo seguinte da prova <strong>de</strong> que os raios catodicos<br />
s~ao part culas carregadas negativamente foi mostrar<br />
que, quan<strong>do</strong> s~ao captura<strong>do</strong>s em um recipiente <strong>de</strong> me-<br />
tal, eles ce<strong>de</strong>m a ele uma carga <strong>de</strong> eletricida<strong>de</strong> negativa.<br />
Isso foi feito primeiramente por Perrin. Esse experi-<br />
mento tornou-se conclusivo ao se colocar o recipiente<br />
capturante fora <strong>do</strong> trajeto <strong>do</strong>s raios quan<strong>do</strong> esses fo-<br />
ram <strong>de</strong> eti<strong>do</strong>s por meio <strong>de</strong> um m~a, o recipiente cou,<br />
ent~ao, carrega<strong>do</strong> negativamente.<br />
De ex~ao eletrica <strong>do</strong>s raios<br />
Se os raios forem carrega<strong>do</strong>s com eletricida<strong>de</strong> nega-<br />
tiva eles po<strong>de</strong>r~ao ser <strong>de</strong> eti<strong>do</strong>s por um corpo eletri -<br />
ca<strong>do</strong>, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> similar ao que ocorre com um m~a. Nos<br />
primeiros experimentos feitos <strong>sobre</strong> isto, nenhuma <strong>de</strong>-<br />
ex~ao foi observada. Mostrou-se que a raz~ao disso era a<br />
seguinte: quan<strong>do</strong> os raios catodicos passam atraves <strong>de</strong><br />
um gas eles o tornam um condutor <strong>de</strong> eletricida<strong>de</strong>, <strong>de</strong><br />
mo<strong>do</strong> que se houver qualquer quantida<strong>de</strong> apreciavel <strong>de</strong><br />
um gas no recipiente atraves <strong>do</strong> qual os raios est~ao pas-<br />
san<strong>do</strong>, este gas tornar-se-a um condutor <strong>de</strong> eletricida<strong>de</strong><br />
e os raios estar~ao ro<strong>de</strong>a<strong>do</strong>s por um condutor. Esse con-<br />
dutor os blindara <strong>do</strong> efeito da forca eletrica, <strong>do</strong> mesmo<br />
mo<strong>do</strong> que uma cobertura <strong>de</strong> metal <strong>de</strong> um eletroscopio<br />
blinda to<strong>do</strong>s os efeitos eletricos externos.<br />
Produzin<strong>do</strong> uma exaust~ao no tubo <strong>de</strong> vacuo ate que<br />
fosse <strong>de</strong>ixada uma quantida<strong>de</strong> excessivamente pequena<br />
<strong>do</strong> ar que se torna condutor, fui capaz <strong>de</strong> eliminar este<br />
efeito e obter a <strong>de</strong> ex~ao eletrica <strong>do</strong>s raios catodicos.<br />
Essa <strong>de</strong> ex~ao tem uma direc~ao que indica uma carga ne-<br />
gativa nos raios. Assim, os raios catodicos s~ao <strong>de</strong> eti<strong>do</strong>s<br />
tanto por forcas eletricas como por forcas magneticas,<br />
<strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong> que part culas eletri cadas negativa-<br />
mente o seriam.<br />
Hertz mostrou, contu<strong>do</strong>, que particulas catodicas<br />
possuem outra proprieda<strong>de</strong> que parecia inconsistente<br />
com a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que eram part culas <strong>de</strong> materia, porque<br />
achou que elas eram capazes <strong>de</strong> penetrar l^aminas muito<br />
grossas <strong>de</strong> metal, a saber, folhas <strong>de</strong> ouro, e produzir<br />
uma luminosida<strong>de</strong> apreciavel no vidro atras <strong>de</strong>las. A<br />
i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> part culas t~ao gran<strong>de</strong>s como moleculas <strong>de</strong> um<br />
gas passan<strong>do</strong> atraves <strong>de</strong> uma placa solida era <strong>de</strong> algum<br />
mo<strong>do</strong> espantosaeistomelevou a investigar mais <strong>de</strong><br />
perto a natureza das part culas que formam os raios<br />
catodicos.<br />
O princ pio <strong>do</strong> meto<strong>do</strong> usa<strong>do</strong> eoseguinte: quan<strong>do</strong><br />
uma part cula carregan<strong>do</strong> carga e esta semoven<strong>do</strong> com<br />
velocida<strong>de</strong> v atraves das linhas <strong>de</strong> forca em um campo<br />
magnetico, coloca<strong>do</strong> <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que as linhas <strong>de</strong> forca<br />
magnetica fazem um ^angulo reto com o movimento das<br />
part culas, ent~ao, se B for a forca magnetica, a part cula<br />
movente sofre uma forca igual a Be . Essa forca age na<br />
direc~ao que esta em^angulo reto com a forca megnetica<br />
e com a direc~ao <strong>do</strong> movimento da part cula. Se tambem<br />
tivermos um campo eletrico <strong>de</strong> forca X, o raio catodico<br />
sofrera a forca Xe. Se os campos eletrico e magnetico<br />
forem dispostos <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a que se oponham, ent~ao,<br />
quan<strong>do</strong> a forca Be , <strong>de</strong>vida ao campo magnetico, for<br />
ajustada para equilibrar a forca ocasionada pelo campo<br />
eletrico Xe, o trajeto esver<strong>de</strong>a<strong>do</strong> da fosforec^encia <strong>de</strong>-<br />
vi<strong>do</strong> aos raios catodicos atingin<strong>do</strong> o nal <strong>do</strong> tubo n~ao<br />
sera perturba<strong>do</strong>, e teremos Be = Xe ou = X=B:<br />
Se medimos, ent~ao, e po<strong>de</strong>mos fazer isso sem di -<br />
culda<strong>de</strong>, os valores <strong>de</strong> X e B quan<strong>do</strong> os raios n~ao est~ao<br />
sen<strong>do</strong> <strong>de</strong> eti<strong>do</strong>s, po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>terminar o valor <strong>de</strong> ,a
302 I. <strong>de</strong> Castro Moreira<br />
velocida<strong>de</strong> das part culas. Em um tubo altamente eva-<br />
cua<strong>do</strong> essa po<strong>de</strong> atingir 1/3 da velocida<strong>de</strong> da luz, ou<br />
cerca <strong>de</strong> 60.000 milhas por segun<strong>do</strong>. Em tubos n~ao t~ao<br />
evacua<strong>do</strong>s ela po<strong>de</strong> n~ao ser maior que 5.000 milhas por<br />
segun<strong>do</strong>, mas, em to<strong>do</strong>s os casos, quan<strong>do</strong> se produzem<br />
raios catodicos, suas velocida<strong>de</strong>s s~ao muito maiores <strong>do</strong><br />
que a velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualquer outro objeto em movi-<br />
mento com o qual estamos acostuma<strong>do</strong>s. E, por exem-<br />
plo, muitas milhares <strong>de</strong> vezes maior <strong>do</strong> que a velocida<strong>de</strong><br />
media com a qual as moleculas <strong>de</strong> hidrog^enio est~ao se<br />
moven<strong>do</strong> em temperaturas ordinarias, ou, na verda<strong>de</strong>,<br />
em qualquer temperatura ate agora atingida.<br />
Determinac~ao <strong>de</strong> e/m<br />
Ten<strong>do</strong> acha<strong>do</strong> a velocida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s raios, vamos agora<br />
submet^e-los aac~ao <strong>de</strong> um campo eletrico apenas. As-<br />
sim as part culas que formam os raios sofrer~ao uma<br />
forca constante e o problema e similar aquele<strong>de</strong>um<br />
projetil projeta<strong>do</strong> horizontalmente com uma velocida<strong>de</strong><br />
v e cain<strong>do</strong> sob a ac~ao da gravida<strong>de</strong>. Sabemos que<br />
no tempo t, o projetil caira uma altura (na vertical)<br />
(1=2)gt 2 , on<strong>de</strong> g e a acelerac~ao proveniente da gra-<br />
vida<strong>de</strong>. No nosso caso, a acelerac~ao ocasionada pelo<br />
campo eletrico e igual a Xe=m, on<strong>de</strong> m e a massa da<br />
part cula. O tempo t = L= , on<strong>de</strong> L e o comprimento<br />
<strong>do</strong> trajeto, e avelocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> projec~ao.<br />
Desse mo<strong>do</strong> o <strong>de</strong>slocamento <strong>do</strong> trajeto da fosfo-<br />
resc^encia on<strong>de</strong> os raios inci<strong>de</strong>m no vidro sera igual a<br />
(1=2)(Xe=m)(L 2 = 2 ). Po<strong>de</strong>mos facilmente medir esse<br />
<strong>de</strong>slocamento d, e po<strong>de</strong>mos, ent~ao, achar e=m a partir<br />
da equac~ao e=m =(2d=X)( 2 =L 2 ):<br />
Os resulta<strong>do</strong>s das <strong>de</strong>terminac~oes <strong>do</strong>s valores <strong>de</strong> e=m<br />
feitos pelo meto<strong>do</strong> s~ao muito interessantes, porque foi<br />
acha<strong>do</strong> que, n~ao importa como tenham si<strong>do</strong> produzi<strong>do</strong>s<br />
os raios catodicos, sempre encontramos o mesmo valor<br />
<strong>de</strong> e=m para todas as part culas nos raios. Po<strong>de</strong>mos,<br />
por exemplo, pela alterac~ao da forma <strong>do</strong> tubo <strong>de</strong> <strong>de</strong>s-<br />
carga e da press~ao <strong>do</strong> gas no tubo, produzir gran<strong>de</strong>s<br />
modi cac~oes na velocida<strong>de</strong> das part culas, mas a me-<br />
nos que a velocida<strong>de</strong> das part culas se torne t~ao gran<strong>de</strong><br />
que se movam com velocida<strong>de</strong> proxima a da luz, quan<strong>do</strong><br />
ent~ao outras consi<strong>de</strong>rac~oes <strong>de</strong>vem ser levadas em conta,<br />
ovalor <strong>de</strong> e=m e constante. Esse valor n~ao e mera-<br />
mente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da velocida<strong>de</strong>. O que e mesmo<br />
mais notavel e que ele e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> tipo <strong>de</strong> eletro-<br />
<strong>do</strong>s que nos usamos e tambem <strong>do</strong> tipo <strong>de</strong> gas no tubo.<br />
As part culas que formam os raios catodicos <strong>de</strong>vem vir<br />
ou <strong>do</strong> gas no tubo ou <strong>do</strong>s eletro<strong>do</strong>s po<strong>de</strong>mos, contu<strong>do</strong>,<br />
usar qualquer especie <strong>de</strong> subst^ancia que queiramos para<br />
os eletro<strong>do</strong>s e encher o tubo com gas <strong>de</strong> qualquer tipo<br />
e ainda assim o valor <strong>de</strong> e=m permanecera inaltera<strong>do</strong>.<br />
Esse valor constante, quan<strong>do</strong> medimos e/m nas uni-<br />
da<strong>de</strong>s magneticas CGS e<strong>de</strong>cerca<strong>de</strong>1 7 10 7 . Se<br />
compararmos isso com o valor da raz~ao da massa para<br />
a carga <strong>de</strong> eletricida<strong>de</strong> transportada por qualquer sis-<br />
tema anteriormente conheci<strong>do</strong>, encontramos que ela e<br />
<strong>de</strong> uma or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>za bem diferente. Antes <strong>do</strong>s<br />
raios catodicos serem investiga<strong>do</strong>s, o atomo carrega<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong> hidrog^enio, encontra<strong>do</strong> na eletrolise <strong>de</strong> l qui<strong>do</strong>s, era<br />
o sistema que tinha o maior valor conheci<strong>do</strong> <strong>de</strong> e=m,<br />
e neste caso o valor esomente 10 4 . Portanto, para o<br />
corpusculo nos raios catodicos o valor <strong>de</strong> e=m e1700ve-<br />
zes o valor da quantida<strong>de</strong> correspon<strong>de</strong>nte para o atomo<br />
<strong>de</strong> hidrog^enio carrega<strong>do</strong>.<br />
Essa discrep^ancia <strong>de</strong>ve surgir <strong>de</strong> uma das duas ma-<br />
neiras: ou a massa <strong>do</strong> corpusculo <strong>de</strong>ve ser muito menor<br />
comparada com aquela <strong>do</strong> atomo <strong>de</strong> hidrog^enio, que<br />
ate bem recentemente era a menor massa conhecida na<br />
f sica, ou ent~ao a carga no corpusculo <strong>de</strong>ve ser muito<br />
maior <strong>do</strong> que aquela no atomo <strong>de</strong> hidrog^enio. Foi ent~ao<br />
mostra<strong>do</strong>, por um meto<strong>do</strong> que <strong>de</strong>screverei brevemente<br />
e logo em seguida, que a carga eletica e praticamente a<br />
mesma nos <strong>do</strong>is casos. Portanto, somos leva<strong>do</strong>s a con-<br />
clus~ao <strong>de</strong> que a massa <strong>do</strong> corpusculo e apenas cerca <strong>de</strong><br />
1/1700 daquela <strong>do</strong> atomo <strong>de</strong> hidrog^enio. Ent~ao o atomo<br />
n~ao eoultimo limite da subdivis~ao da materia po<strong>de</strong>-<br />
mos ir mais longe e obter o corpusculo, e nesse estagio<br />
o corpusculo e o mesmo n~ao importa a fonte da qual<br />
<strong>de</strong>rive.<br />
Os corpusculos est~ao amplamente distribu <strong>do</strong>s<br />
Os corpusculos po<strong>de</strong>m ser obti<strong>do</strong>s n~ao apenas a<br />
partir <strong>do</strong>s raios catodicos, que po<strong>de</strong>riam ser consi<strong>de</strong>-<br />
ra<strong>do</strong>s uma fonte algo super cial e so sticada. Uma vez<br />
<strong>de</strong>scobertos, veri cou-se que tinham uma ocorr^encia<br />
muito geral. Eles s~ao libera<strong>do</strong>s por metais quan<strong>do</strong><br />
aqueci<strong>do</strong>s ao rubro na verda<strong>de</strong>, qualquer subst^ancia<br />
quan<strong>do</strong> aquecida libera corpusculos, em uma certa me-<br />
dida. Po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>tectar a emiss~ao <strong>de</strong>les por algu-<br />
mas subst^ancias, tais como rub dio e a liga <strong>de</strong> sodio
Revista Brasileira <strong>de</strong> Ensino <strong>de</strong> F sica, vol. 19, n o. 3, setembro, 1997 303<br />
e potassio, mesmo quan<strong>do</strong> est~ao frios e talvez seja per-<br />
miti<strong>do</strong> supor que haja alguma emiss~ao por todas as<br />
subst^ancias, embora nossos instrumentos n~ao sejam su-<br />
cientemente precisos, no presente, para <strong>de</strong>tecta-la a<br />
menos que ela seja invulgarmente gran<strong>de</strong>.<br />
Corpusculos s~ao tambem libera<strong>do</strong>s por metais e ou-<br />
tros corpos, mas especialmente pelos metais alcalinos,<br />
quan<strong>do</strong> s~ao expostos a luz. Eles s~ao libera<strong>do</strong>s continu-<br />
amente em gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> e com velocida<strong>de</strong>s muito<br />
gran<strong>de</strong>s por subst^ancias radioativas tais como ur^anio e<br />
radio s~ao produzi<strong>do</strong>s em gran<strong>de</strong>s quantida<strong>de</strong>s quan<strong>do</strong><br />
sais s~ao coloca<strong>do</strong>s no fogo, e ha boa raz~ao para supor<br />
que corpusculos nos alcancam provenientes <strong>do</strong> Sol. O<br />
corpusculo e, ent~ao, amplamente distribu <strong>do</strong>, mas, in-<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> on<strong>de</strong> eacha<strong>do</strong>, preserva sua indi-<br />
vidualida<strong>de</strong>, e=m sen<strong>do</strong> sempre igual a um certo valor<br />
constante. Parece formar uma parte <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os tipos<br />
<strong>de</strong> materia sob as mais diversas condic~oes e natural,<br />
portanto, consi<strong>de</strong>ra-lo como um <strong>do</strong>s tijolos <strong>do</strong>s quais os<br />
atomos s~ao constru <strong>do</strong>s.<br />
Magnitu<strong>de</strong> da carga eletrica carregada pelo<br />
corpusculo<br />
Retornarei a prova <strong>de</strong> que o valor muito gran<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
e=m para o corpusculo, quan<strong>do</strong> compara<strong>do</strong> com aquele<br />
<strong>do</strong> atomo <strong>de</strong> hidrog^enio, e <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a pequenez da massa<br />
m, en~ao da gran<strong>de</strong>za da carga e. Po<strong>de</strong>mos fazer isso<br />
medin<strong>do</strong> diretamente o valor <strong>de</strong> e, aproveitan<strong>do</strong>-nos,<br />
para este m, <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> C. T. R. Wilson<br />
<strong>de</strong> que uma part cula carregada age como um nucleo<br />
em torno <strong>do</strong> qual o vapor <strong>de</strong> agua se con<strong>de</strong>nsa e forma<br />
got nhas <strong>de</strong> agua. Se tivermos ar satura<strong>do</strong> com vapor <strong>de</strong><br />
agua e o esfriarmos, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que ele se torne supersa-<br />
tura<strong>do</strong> sem haver <strong>de</strong>posic~ao <strong>de</strong> umida<strong>de</strong>, sabemos que,<br />
se qualquer poeira estiver presente, as part culas <strong>de</strong> po-<br />
eira agir~ao como nucleos em torno <strong>do</strong>s quais a agua se<br />
con<strong>de</strong>nsara e obteremos o fen^omeno familiar <strong>do</strong>nevo-<br />
eiro e da chuva. Se o ar estiver bastante livre <strong>de</strong> poeira,<br />
no entanto, po<strong>de</strong>mos esfria-lo muito sem que qualquer<br />
<strong>de</strong>posic~ao <strong>de</strong> umida<strong>de</strong> ocorra. Se n~ao houver poeira, C.<br />
T. R. Wilson mostrou que a nuvem n~ao se forma ate<br />
que a temperatura tenha abaixa<strong>do</strong> a um tal ponto que a<br />
supersaturac~ao e <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> oito vezes maior. Quan<strong>do</strong><br />
essa temperatura e alcancada, contu<strong>do</strong>, um nevoeiro<br />
grosso se forma mesmo em um ar sem poeira.<br />
Se part culas carregadas estiverem presentes no gas,<br />
Wilson mostrou que uma quantida<strong>de</strong> muito menor <strong>de</strong><br />
esfriamento e su ciente para produzir o nevoeiro. Uma<br />
supersaturac~ao <strong>de</strong> quatro vezes etu<strong>do</strong>oquee reque-<br />
ri<strong>do</strong> para isso, no caso em que as part culas carrega-<br />
das s~ao aquelas que ocorrem em um gas quan<strong>do</strong> esta<br />
em um esta<strong>do</strong> no qual conduz eletricida<strong>de</strong>. Cada uma<br />
das part culas carregadas torna-se o centro em torno <strong>do</strong><br />
qual uma gota <strong>de</strong> agua se forma as gotas formam uma<br />
nuvem, e ent~ao as part culas carregadas, embora sejam<br />
pequenas para isso, tornam-se agora vis veis e po<strong>de</strong>m<br />
ser observadas.<br />
O efeito das part culas carregadas na formac~ao <strong>de</strong><br />
uma nuvem po<strong>de</strong> ser mostra<strong>do</strong> <strong>de</strong> maneira muito n tida<br />
pelo seguinte experimento:<br />
Um recipiente, que esta em contato com agua, esta<br />
satura<strong>do</strong> com umida<strong>de</strong> na temperatura ambiente. Esse<br />
recipiente estaemcomunicac~ao com um cilindro no qual<br />
um gran<strong>de</strong> ^embolo <strong>de</strong>sliza para cima e para baixo. No<br />
in cio, o ^embolo esta no alto <strong>de</strong> seu percurso evacu-<br />
an<strong>do</strong> rapidamente o ar <strong>de</strong>baixo <strong>do</strong> ^embolo, a press~ao<br />
<strong>do</strong> ar acima <strong>de</strong>le o forca para baixo com gran<strong>de</strong> rapi-<br />
<strong>de</strong>z, e o ar no recipiente expandira muito rapidamente.<br />
Contu<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> o ar expan<strong>de</strong>, ele se torna frio ent~ao,<br />
o ar no recipiente previamente satura<strong>do</strong> esta agora su-<br />
persatura<strong>do</strong>. Se n~ao houver poeira presente, nenhuma<br />
<strong>de</strong>posic~ao <strong>de</strong> umida<strong>de</strong> ocorrera,amenosqueoarseja<br />
esfria<strong>do</strong> ate uma temperatura t~ao baixa que a quanti-<br />
da<strong>de</strong> <strong>de</strong> umida<strong>de</strong> exigida para satura-lo seja <strong>de</strong> somente<br />
cerca <strong>de</strong> 1/8 daquela realmente presente.<br />
Mas, <strong>de</strong> quanto o ar se esfriou, e, portanto, <strong>de</strong><br />
quanto cou supersatura<strong>do</strong>, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>do</strong> percurso <strong>do</strong><br />
^embolo quanto maior for este percurso, maior sera o<br />
esfriamento. Suponha que o percurso esteja regula<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que a supersaturac~ao seja menor <strong>do</strong> que oito<br />
vezes e maior <strong>do</strong> que quatro vezes. Nos po<strong>de</strong>mos agora<br />
livrar o ar da poeira atraves da formac~ao <strong>de</strong> nuvem apos<br />
nuvem, no ar empoeira<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> as nuvens se preci-<br />
pitam elas carregam com elas a poeira para baixo, <strong>do</strong><br />
mesmo mo<strong>do</strong> que, na natureza, o ar ca clarea<strong>do</strong> apos<br />
os aguaceiros. Por m, chegamos ao ponto no qual n~ao<br />
ha maisnenhuma nuvem vis vel quan<strong>do</strong> fazemos uma<br />
expans~ao.<br />
Ogas e, em seguida, leva<strong>do</strong> a um esta<strong>do</strong> condutor<br />
aproximan<strong>do</strong>-se <strong>do</strong> recipiente um pequena quantida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> radio isso enche o gas com uma gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong>
304 I. <strong>de</strong> Castro Moreira<br />
<strong>de</strong> part culas eletri cadas tanto positivas quanto nega-<br />
tivas. Fazen<strong>do</strong> agora a expans~ao, uma nuvem excessi-<br />
vamente <strong>de</strong>nsa e formada. Po<strong>de</strong> ser mostra<strong>do</strong> que isto<br />
e <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a eletri cac~ao <strong>do</strong> gas atraves <strong>do</strong> seguinte ex-<br />
perimento:<br />
Ao longo das pare<strong>de</strong>s interiores <strong>do</strong> recipiente ins-<br />
talamos duas placas verticais isoladas que po<strong>de</strong>m ser<br />
eletri cadas. Se essas placas estiverem carregadas, elas<br />
arrastar~ao as part culas carregadas para fora <strong>do</strong> gas t~ao<br />
logo estas sejam formadas, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que po<strong>de</strong>mos eli-<br />
minar assim, ou pelo menos reduzir bastante, o numero<br />
<strong>de</strong> part culas eletri cadas no gas. Se a expans~ao for<br />
feita agora com as placas carregadas antes <strong>de</strong> trazer o<br />
radio, havera somente uma pequena nuvem formada.<br />
Po<strong>de</strong>mos usar as gotas para encontrar a carga nas<br />
part culas, porque se conhecemos o percurso <strong>do</strong> ^embolo,<br />
po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>duzir a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> supersaturac~ao e, da ,<br />
a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> agua <strong>de</strong>positada quan<strong>do</strong> a nuvem se<br />
forma. A agua e <strong>de</strong>positada na forma <strong>de</strong> um numero<br />
<strong>de</strong> pequenas gotas todas <strong>do</strong> mesmo tamanho ent~ao,<br />
onumero <strong>de</strong> gotas sera ovolume <strong>de</strong> agua <strong>de</strong>posita<strong>do</strong><br />
dividi<strong>do</strong> pelo volume <strong>de</strong> uma das gotas. Portanto, se<br />
acharmos o volume <strong>de</strong> uma das gotas, po<strong>de</strong>remos en-<br />
contrar o numero <strong>de</strong> gotas que s~ao formadas em torno<br />
das part culas carregadas. Se as part culas n~ao forem<br />
muito numerosas, cada uma <strong>de</strong>las tera uma gota em<br />
torno <strong>de</strong>la, e po<strong>de</strong>remos achar o numero <strong>de</strong> part culas<br />
eletri cadas.<br />
A partir da taxa na qual as gotas caem lentamente<br />
po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>terminar seu tamanho. Em consequ^encia da<br />
viscosida<strong>de</strong> ou fricc~ao <strong>do</strong> ar, pequenos corpos n~ao caem<br />
com uma velocida<strong>de</strong> constantemente acelerada, mas al-<br />
cancam logo uma velocida<strong>de</strong> que permanece uniforme<br />
no resto da queda. Quan<strong>do</strong> menor o corpo, menor e<br />
essa velocida<strong>de</strong>. Sir George Stokes mostrou que ,a<br />
velocida<strong>de</strong> com que a gota <strong>de</strong> chuva cai, e dada pela<br />
formula =(2=9)ga 2 = , on<strong>de</strong> a e o raio da gota, g a<br />
acelerac~ao da gravida<strong>de</strong> e o coe ciente <strong>de</strong> viscosida<strong>de</strong><br />
<strong>do</strong> ar.<br />
Se substituirmos os valores <strong>de</strong> g e , obteremos<br />
= (1 28 10 6 )a 2 : Portanto, se medirmos po<strong>de</strong>-<br />
remos <strong>de</strong>terminar a, o raio da gota. Po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ssa<br />
maneira encontrar o volume <strong>de</strong> uma gota e, portanto,<br />
como explica<strong>do</strong> acima, calcular o numero <strong>de</strong> gotas e,<br />
em consequ^encia, o numero <strong>de</strong> part culas eletri cadas.<br />
E simples achar, por meios eletricos, a quantida<strong>de</strong> total<br />
<strong>de</strong> eletricida<strong>de</strong> nessas part culas da , como conhecemos<br />
onumero <strong>de</strong> part culas, po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>duzir ao mesmo<br />
tempo a carga <strong>de</strong> cada part cula.<br />
Esse foi o meto<strong>do</strong> pelo qual <strong>de</strong>terminei inicialmente<br />
a carga na part cula. H. A. Wilson, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> ent~ao,<br />
usou um meto<strong>do</strong> mais simples basea<strong>do</strong> nos seguintes<br />
princ pios: C. T. R. Wilson mostrou que as gotas <strong>de</strong><br />
agua con<strong>de</strong>nsam mais facilmente em part culas eletri -<br />
cadas negativamente <strong>do</strong> que nas positivamente eletri -<br />
cadas. Ent~ao, ajustan<strong>do</strong>-se a expans~ao, epossvel obter<br />
gotas <strong>de</strong> agua em torno <strong>de</strong> part culas negativas e n~ao em<br />
torno <strong>de</strong> positivas com essa expans~ao, portanto, todas<br />
as gotas estar~ao eletri cadas negativamente. O tama-<br />
nho <strong>de</strong>ssas gotas e, portanto, seu peso po<strong>de</strong>m, como<br />
antes, ser <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s medin<strong>do</strong>-se a velocida<strong>de</strong> com a<br />
qual caem sob a gravida<strong>de</strong>.<br />
Suponha agora que coloquemos acima das gotas um<br />
corpo eletri ca<strong>do</strong> positivamente: ent~ao, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que as<br />
gotas est~ao eletri cadas negativamente, ser~ao atra das<br />
para a eletricida<strong>de</strong> positiva e a forca para baixo nas<br />
gotas sera diminu da assim elas n~ao cair~ao t~ao rapida-<br />
mente como faziam quan<strong>do</strong> estavam livres da atrac~ao<br />
eletrica. Se ajustarmos a atrac~ao eletrica <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que<br />
a forca para cima em cada gota seja igual ao peso da<br />
gota, as gotas n~ao cair~ao <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> algum, mas perma-<br />
necer~ao, como o atau<strong>de</strong> <strong>de</strong> Maome, suspensas entre o<br />
ceu e a terra.<br />
Se ajustarmos, ent~ao, a forca eletrica ate que as go-<br />
tas estejam em equil brio e nem caiam nem subam, sa-<br />
beremos que a forca para cima em cada gota sera igual<br />
ao peso da gota, que ja tnhamos <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> medin<strong>do</strong><br />
a taxa <strong>de</strong> queda quan<strong>do</strong> a gota n~ao estava exposta as<br />
forcas eletricas. Se X foraforca eletrica, e a carga<br />
na gota, e w seu peso, temos, quan<strong>do</strong> ha equil brio:<br />
Xe = w. Des<strong>de</strong> que X po<strong>de</strong> ser facilmente medida e w<br />
e conheci<strong>do</strong>, po<strong>de</strong>mos usar essa relac~ao para <strong>de</strong>termi-<br />
nar e, a carga na gota. O valor <strong>de</strong> e, acha<strong>do</strong> por estes<br />
meto<strong>do</strong>s, e3 1 10 ;10 unida<strong>de</strong>s eletrostaticas, ou 10 ;20<br />
unida<strong>de</strong>s eletromagneticas. Esta valor e o mesmo da-<br />
quele da carga eletrica transportada por um atomo <strong>de</strong><br />
hidrog^enio na eletrolise <strong>de</strong> soluc~oes dilu das, valor este<br />
que, ha tempos, tem si<strong>do</strong> conheci<strong>do</strong> aproximadamente.<br />
Po<strong>de</strong> ser questiona<strong>do</strong> que a carga medida nos ex-<br />
perimentos prece<strong>de</strong>ntes e a carga em uma molecula ou<br />
colec~ao <strong>de</strong> moleculas <strong>de</strong> um gas e n~ao a carga em um
Revista Brasileira <strong>de</strong> Ensino <strong>de</strong> F sica, vol. 19, n o. 3, setembro, 1997 305<br />
corpusculo. Essa objec~ao, contu<strong>do</strong>, n~ao se aplica a ou-<br />
tra forma na qual tentei o experimento, on<strong>de</strong> as cargas<br />
nos corpusculos foram obtidas n~ao pela exposic~ao <strong>do</strong><br />
gas ao efeito <strong>do</strong> radio, mas permitin<strong>do</strong> que luz ultra-<br />
violeta incidisse <strong>sobre</strong> uma placa metalica em contato<br />
comogas. Nesse caso, como experimentos feitos em<br />
alto vacuo mostram, a eletri cac~ao, que einteiramente<br />
negativa, escapa <strong>do</strong> metal na forma <strong>de</strong> corpusculos.<br />
Quan<strong>do</strong> um gas esta presente, os corpusculos chocam-se<br />
contraasmoleculas <strong>do</strong> gas e grudam nelas.<br />
Ent~ao, apesar <strong>de</strong> serem as moleculas que est~ao car-<br />
regadas, a carga em uma molecula eiguala carga em<br />
um corpusculo, e quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>terminamos a carga nas<br />
moleculas, pelos meto<strong>do</strong>s que <strong>de</strong>screvi ha pouco, <strong>de</strong>-<br />
terminamos a carga carregada pelo corpusculo. O valor<br />
da carga quan<strong>do</strong> a eletri cac~ao e produzida por luz ul-<br />
travioleta e o mesmo que aparece quan<strong>do</strong> a eletri cac~ao<br />
e produzida pelo radio.<br />
Acabamos <strong>de</strong> ver que e, a carga no corpusculo, e,<br />
em unida<strong>de</strong>s eletromagneticas, igual a 10 ;20 ,eacha-<br />
mos anteriormente que e=m e igual a 1 7 10 7 ,por-<br />
tanto, m = 6 10 ;28 gramas. Po<strong>de</strong>mos perceber<br />
mais facilmente o que isso signi ca se expressarmos a<br />
massa <strong>do</strong> corpusculo em termos da massa <strong>do</strong> atomo<br />
<strong>de</strong> hidrog^enio. Vimos que, para o corpusculo, e=m =<br />
1 7 10 7 .SeE for a carga eletrica transportada por um<br />
atomo <strong>de</strong> hidrog^enio na eletrolise <strong>de</strong> soluc~oes dilu das,<br />
e M for a massa <strong>do</strong> atomo <strong>de</strong> hidrog^enio, E=M =10 4 <br />
portanto, e=m =1700E=M:<br />
Ja a rmamos queovalor <strong>de</strong> e, encontra<strong>do</strong> pelos<br />
meto<strong>do</strong>s precen<strong>de</strong>ntes, concorda bem com o valor <strong>de</strong><br />
E que tem si<strong>do</strong> conheci<strong>do</strong> aproximadamente ha bas-<br />
tante tempo. Townsend usou um meto<strong>do</strong> no qual o<br />
valor <strong>de</strong> e=E e medi<strong>do</strong> diretamente e mostrou tambem,<br />
<strong>de</strong>sta maneira, que e e igual a E. Logo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />
e=m = 1700E=M, temosM = 1700m isto e, a massa<br />
<strong>de</strong> um corpusculo esomente cerca <strong>de</strong> 1/1700 partes da<br />
massa <strong>do</strong> atomo <strong>de</strong> hidrog^enio.<br />
Em to<strong>do</strong>s os casos conheci<strong>do</strong>s nos quais a eletrici-<br />
da<strong>de</strong> negativa ocorre em gases a press~oes muito baixas,<br />
ela ocorre na forma <strong>de</strong> corpusculos, pequenos corpos<br />
com uma carga e uma massa invariaveis. O caso e in-<br />
teiramente diferente com a eletricida<strong>de</strong> positiva.<br />
Biogra a <strong>de</strong> J. J. <strong>Thomson</strong><br />
Joseph John <strong>Thomson</strong> nasceu em Manchester em 18<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1856. Estu<strong>do</strong>u e se formou, em 1880, no<br />
Trinity College, Cambridge, e se tornou membro <strong>de</strong>ssa<br />
instituic~ao pelo resto <strong>de</strong> sua vida. Foi Professor <strong>de</strong><br />
F sica Experimental em Cambridge, suce<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a Lord<br />
Rayleigh, <strong>de</strong> 1884 a 1918, ten<strong>do</strong> da<strong>do</strong> gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvol-<br />
vimento ao laboratorio Cavendish. Foi tambem Profes-<br />
sor Honorario <strong>de</strong> F sica da Royal Institution tornou-se<br />
membro da Royal Society em 1884, da qual foi presi-<br />
<strong>de</strong>nte entre 1916 e 1920.<br />
Seus primeiros trabalhos giraram em torno da<br />
criac~ao <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los para o atomo, ten<strong>do</strong> escrito o Tra-<br />
ta<strong>do</strong> <strong>sobre</strong> o movimento <strong>do</strong>s aneis <strong>de</strong> vortices, com o<br />
qual recebeu o Pr^emio Adams em 1884. Suas pes-<br />
quisas posteriores seguiram na trilha aberta por Max-<br />
well, que havia uni ca<strong>do</strong> a eletricida<strong>de</strong> e o magnetismo.<br />
<strong>Thomson</strong> produziu muitos resulta<strong>do</strong>s originais nesta<br />
direc~ao, alem <strong>de</strong> ter publica<strong>do</strong> livros didaticos impor-<br />
tantes, como a Aplicac~ao da Din^amica a F sica e a<br />
Qu mica (1886) e Notas <strong>sobre</strong> Pesquisas recentes em<br />
Eletricida<strong>de</strong> e Magnetismo (1892), que complementa<br />
resulta<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s por Maxwell e que chegou a ser cha-<br />
ma<strong>do</strong> <strong>de</strong> \terceiro volume <strong>de</strong> Maxwell". Publicou, jun-<br />
tamente com J. H. Poynting, o livro-texto, em quatro<br />
volumes, Proprieda<strong>de</strong>s da Materia e, em 1895, produziu<br />
o in uente Elementos da Teoria Matematica da Eletri-<br />
cida<strong>de</strong> e <strong>do</strong> Magnetismo que teve varias reedic~oes.
306 I. <strong>de</strong> Castro Moreira<br />
Apos ser nomea<strong>do</strong> professor <strong>de</strong> f sica experimental<br />
em Cambridge, em 1884, <strong>de</strong>dicou-se a estudar as <strong>de</strong>scar-<br />
gas eletricas em gases a baixas presses. Como resulta<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong> confer^encias <strong>sobre</strong> este tema, realizadas em Prince-<br />
ton, em 1896, publicou Descarga <strong>de</strong> Eletricida<strong>de</strong> atraves<br />
<strong>do</strong>s Gases (1897). Apos essa viagem, <strong>de</strong>senvolveu seus<br />
brilhantes trabalhos <strong>sobre</strong> os raios catodicos que leva-<br />
ram a <strong>de</strong>scoberta e i<strong>de</strong>nti cac~ao <strong>do</strong> eletron. Seu livro<br />
Conduc~ao <strong>de</strong> Eletricida<strong>de</strong> atraves <strong>do</strong>s Gases, publica<strong>do</strong><br />
em 1903, foi reescrito posteriomente (1928 e 1933) em<br />
colaborac~ao com seu lho, Sir George Paget <strong>Thomson</strong>,<br />
que se tornou professor <strong>de</strong> f sica na Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Londres e recebeu o Pr^emio <strong>Nobel</strong> <strong>de</strong> F sica em 1937.<br />
Depois <strong>de</strong> 1903, <strong>Thomson</strong> se <strong>de</strong>dicou novamente a<br />
analisar a estrutura <strong>do</strong> atomo e fez um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> estru-<br />
tura at^omica, menciona<strong>do</strong> nas aulas <strong>de</strong> f sica e qu mica<br />
<strong>do</strong> segun<strong>do</strong> grau e <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>Thomson</strong><br />
- ou <strong>do</strong> \bolo <strong>de</strong> nozes": oatomo seria constitu <strong>do</strong><br />
<strong>de</strong> uma carga positiva espalhada (o bolo) e as cargas<br />
negativas (os eletrons) seriam as nozes ali espalhadas.<br />
Este mo<strong>de</strong>lo, embora incorreto, foi um ponto <strong>de</strong> partida<br />
importante para os trabalhos experimentais <strong>de</strong> Ernest<br />
Rutherford que mostraram que a carga positiva esta<br />
concentrada em um nucleo muito pequeno em relac~ao<br />
ao tamanho <strong>do</strong> atomo e, posteriormente, para o mo<strong>de</strong>lo<br />
<strong>de</strong> Bohr. Descobriu tambem um meto<strong>do</strong> <strong>de</strong> separar ti-<br />
pos diferentes <strong>de</strong> atomos e moleculas pelo uso <strong>de</strong> raios<br />
positivos, uma i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>senvolvida posteriormente por<br />
Aston, Dempster e outros para a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> muitos<br />
isotopos.<br />
<strong>Thomson</strong> esteve sempre liga<strong>do</strong> a uma vis~ao me-<br />
canicista da natureza, <strong>de</strong>ntro da tradic~ao brit^anica<br />
<strong>do</strong> seculo XIX, que tinha na construc~ao <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los<br />
mec^anicos uma das caracter sticas <strong>de</strong> sua abordagem<br />
f sica. Seu o objetivo ultimo, ao longo das primei-<br />
ras <strong>de</strong>cadas <strong>do</strong> seculo XX, era a criac~ao <strong>de</strong> um qua-<br />
dro uni ca<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s fen^omenos f sicos, que englobasse a<br />
materia, o eter,aenergiaeoeletromagnetismo. Pu-<br />
blicou varios livros <strong>sobre</strong> a estrutura da luz, as pro-<br />
prieda<strong>de</strong>s da materia e <strong>sobre</strong> o eletron na qu mica:<br />
A Estrutura da Luz (1907), A Teoria Corpuscular da<br />
Materia (1907), Raios <strong>de</strong> Eletricida<strong>de</strong> Positiva (1913),<br />
OEletron na Qu mica (1923). Apos 1913, contu<strong>do</strong>,<br />
sua in u^encia cient ca junto aos f sicos, que tinha si<strong>do</strong><br />
muito gran<strong>de</strong>, cou bastante diminu da em func~ao <strong>de</strong><br />
teorias que passou a construir e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r, diferentes<br />
das geralmente aceitas. Assim, contrap^os ao mo<strong>de</strong>lo<br />
at^omico <strong>de</strong> Rutherford-Bohr um mo<strong>de</strong>lo no qual os<br />
eletrons estavam em equil brio com as cargas positi-<br />
vas <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a forcas eletrostaticas <strong>de</strong> atrac~ao e repuls~ao.<br />
Entre os qu micos, especialmente na Gr~a-Bretanha e<br />
nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, suas i<strong>de</strong>ias continuaram in uentes<br />
ate o nalda<strong>de</strong>cada <strong>de</strong> 20. Neste per o<strong>do</strong>, foi tambem<br />
um <strong>do</strong>s opositores <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> foton, n~ao chegan<strong>do</strong> a<br />
aceitar as novas e \estranhas" i<strong>de</strong>ias da f sica qu^antica.<br />
Esta resist^encia as i<strong>de</strong>ias novas por parte <strong>de</strong> velhos ci-<br />
entistas n~ao e incomum, pelo contrario. Segun<strong>do</strong> ou-<br />
tro gran<strong>de</strong> revolucionario da f sica <strong>de</strong>ste seculo, Max<br />
Planck, as novas i<strong>de</strong>ias so se a rmam realmente quan<strong>do</strong><br />
avelha gerac~ao <strong>de</strong>saparece.<br />
<strong>Thomson</strong> faleceu em 1940, ten<strong>do</strong> <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong> uma inte-<br />
ressante autobiogra a Recordac~oes e Re ex~oes, escrita<br />
em 1936. Sobre a <strong>de</strong>scoberta <strong>do</strong> eletron escreveu ali:<br />
\...ambos o tempo e o lugar eram afortuna<strong>do</strong>s, porque<br />
opero<strong>do</strong> entre agora e ent~ao tornou-se um <strong>do</strong>s mais<br />
signi cativos na historia <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Do in cio ao m, e<br />
especialmente na segunda meta<strong>de</strong>, houve uma sucess~ao<br />
rapida <strong>de</strong> um evento extraordinario apos o outro. Mo-<br />
narquias ca ram e foram substitu das por republicas e<br />
ditaduras. O livre comercio, que como um homem <strong>de</strong><br />
Manchester, consi<strong>de</strong>rei sempre e naturalmente com es-<br />
sencial para a prosperida<strong>de</strong> <strong>do</strong> pa s, foi-se tambem...<br />
Quan<strong>do</strong> eu era um menino, n~ao havia bicicletas, nem<br />
automoveis, nem avi~oes, nem luz eletrica, nem telefone,<br />
nem telegrafo sem o, nem gramofone, nem engenharia<br />
eletrica, nem radiogra a <strong>de</strong> raios X, nem cinema..."<br />
Ao longo <strong>de</strong> sua vida, <strong>Thomson</strong> recebeu inumeros<br />
pr^emios cient cos e con<strong>de</strong>corac~oes, entre os quais o<br />
Pr^emio <strong>Nobel</strong>, em 1906. Em 1908 foi ungi<strong>do</strong> cava-<br />
lheiro pelo governo ingl^es e tornou-se Sir J. J. <strong>Thomson</strong>.<br />
Foi agracia<strong>do</strong> com o t tulo <strong>de</strong> <strong>do</strong>utor honoris causa por<br />
muitas universida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>, entre as quais<br />
Oxford, Columbia, Gottingen, Edinburgh, Sorbonne e<br />
Princeton. Mas, certamente, o imenso prest gio que<br />
<strong>de</strong>sfrutou em vida e sua gloria apos a morte estar~ao<br />
para sempre liga<strong>do</strong>s a esta part cula extremamente pe-<br />
quena: o eletron.<br />
Refer^encias <strong>sobre</strong> a <strong>de</strong>scoberta <strong>do</strong> eletron<br />
1. D. L. An<strong>de</strong>rson, The discovery of the electron, Van<br />
Nostrand, Princeton, 1964.
Revista Brasileira <strong>de</strong> Ensino <strong>de</strong> F sica, vol. 19, n o. 3, setembro, 1997 307<br />
2. Arabatzis, Rethinking the \discovery" of the electron,<br />
Stud. Hist. Phil. Mod. Phys. 27, 405<br />
(1996).<br />
3. J. M. F. Bassalo, A cr^onica da F sica <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />
Soli<strong>do</strong>: I. Do tubo <strong>de</strong> Geissler as valvulas a vacuo,<br />
Rev. Bras. Ens. F s. 15, 127 (1993).<br />
4. N. Bohr, F sica at^omica econhecimento humano,<br />
Editora Contraponto, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1995.<br />
5. M. Chayut, J. J. <strong>Thomson</strong>: \The Discovery of the<br />
Electron and the Chemists", Annals of Science 48,<br />
527 (1991).<br />
6. R. K. DeKosky, \William Crookes and the Quest<br />
for Absolute Vacuum in the 1870s", Annals of Science<br />
40, 1 (1983).<br />
7. I. Falconer, \Corpuscles, Electrons and Catho<strong>de</strong><br />
Rays": J. J. <strong>Thomson</strong> and the \Discovery of the<br />
Electron", Brit. J. Hist. Sciences 20, 241 (1986).<br />
8. J. Heilbron, Joseph John <strong>Thomson</strong>, in Dictionary<br />
of Scienti c Biographies, 362-372, C. Gillispie et<br />
al. (eds), New York, 1971.<br />
9. J. L. Heilbron, J. J. <strong>Thomson</strong> and the Bohr atom,<br />
Phys. Today 23-30, april 1977.<br />
10. J. L. Heilbron, Rutherford-Bohr atom, Am. J.<br />
Phys. 49, 223 (1981).<br />
11. T. Hey and P. Walters, The quantum universe,<br />
Camb.Univ. Press, 1987.<br />
12. G. Hon, H. Hertz: \The electrostatic and eletromagnetic<br />
properties of the catho<strong>de</strong> rays are either<br />
nil or very feeble."(1883). A case-study of an experimental<br />
error. Stud. Hist. Phil. Sci. 18, 367<br />
(1987).<br />
13. A. Keller, The infancy of atomic physics, Claren<strong>do</strong>n<br />
Press, Oxford, 1983.<br />
14. D.-W. Kim, J. J. <strong>Thomson</strong> and the emergence of<br />
the Cavendish School, 1885-1990, Brit. J. Hist.<br />
Sci. 28, 191 (1995).<br />
15. J. Leite Lopes, A estrutura qu^antica damateria,<br />
Editora da UFRJ, 1992.<br />
16. J.-M. Levy-Leblond et F. Balibar, Quantique, InterEditions,<br />
1984.<br />
17. Lord Rayleigh, The life of Sir J. J. <strong>Thomson</strong>,<br />
Dawsons, Lon<strong>do</strong>n, 1969.<br />
18. J. -P. Maury, Petite histoire <strong>de</strong> la physique, Larousse,<br />
1992.<br />
19. I. C. Moreira, A <strong>de</strong>scoberta progressiva <strong>do</strong>eletron,<br />
VI Seminario Nacional <strong>de</strong> Historia da Ci^encia e da<br />
Tecnologia, SBHC, Rio <strong>de</strong> Janeiro, junho <strong>de</strong> 1997<br />
(a ser publica<strong>do</strong> nos anais <strong>do</strong> encontro).<br />
20. G. E. Owen, The discovery of the electron, Annals<br />
of Science 11, 173 (1955).<br />
21. Physics - <strong>Nobel</strong> Lectures (1901-1921), pp. 99-155,<br />
Elsevier Publishing Company, Amsterdam, 1967.<br />
22. H. Rechenberg (ed.), Special issue on the centenary<br />
of the electron, Eur. J. Phys. 17, 131-168<br />
(1997).<br />
23. N. Robotti, J. J. <strong>Thomson</strong> at the Cavendish Laboratory:<br />
The History of an Electric Charge Measurement,<br />
Annals of Science 52, 265-284 (1995).<br />
24. M. H. Shamos (ed.), Great experiments in physics,<br />
Dover, N. York, 1959.<br />
25. M. Springford (ed.), Electron, a centenary volume,<br />
Cambridge University Press,1997.<br />
26. G. P. <strong>Thomson</strong>, J. J. <strong>Thomson</strong>, discoverer of the<br />
electron, Doubleday, New York, 1966.<br />
27. G. P. <strong>Thomson</strong>, The Septuagenarian Electron,<br />
Phys. Today 20, 55 (1967).<br />
28. J. J. <strong>Thomson</strong>,Recollections and Re ections, Mac-<br />
Millan, New York, 1937.<br />
29. D. R. Topper, \To Reason by Means of Images":<br />
J. J. <strong>Thomson</strong> and the Mechanical Picture of Nature,<br />
Annals of Science 7, 393 (1971) 37, 31<br />
(1980).<br />
30. E. T. Whittaker, A history of the theories of Aether<br />
and Electricity, Longmans, Dublin, 1916.