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O PODER PÚBLICO NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO EM ...

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O <strong>PODER</strong> <strong>PÚBLICO</strong> <strong>NA</strong> <strong>PRODUÇÃO</strong> <strong>DO</strong> <strong>ESPAÇO</strong> <strong>URBANO</strong> <strong>EM</strong><br />

CIDADES PEQUE<strong>NA</strong>S: o caso do programa de desfavelamento em<br />

Érica Ferreira 2<br />

Resumo<br />

Paraguaçu Paulista – São Paulo 1<br />

No presente texto temos como objetivo discutir a atuação do poder público no<br />

programa de desfavelamento que foi implementado no município de Paraguaçu Paulista. O<br />

município de Paraguaçu Paulista localiza-se no interior do Estado de São Paulo, e possui<br />

39.618 habitantes (IBGE, 2000). Apesar de ser um município de pequeno porte,<br />

considerado uma Estância Turística, é atingido por problemas habitacionais, evidenciados<br />

pela existência de quatro favelas 3 durante mais de vinte anos, que se localizavam numa<br />

mesma área periférica da cidade. Essas favelas foram extintas através da implementação de<br />

um programa de desfavelamento, realizado pela Companhia de Desenvolvimento<br />

Habitacional e Urbano (CDHU), em parceria com a Prefeitura Municipal de Paraguaçu<br />

Paulista, que possibilitou em fevereiro de 2006, o deslocamento das famílias para um<br />

conjunto habitacional 4 . Essa discussão justifica-se na medida em que a produção do espaço<br />

urbano é um tema muito discutido entre os geógrafos, porém, há poucos estudos referentes<br />

à compreensão dessa realidade em cidades pequenas, o que revela a necessidade de<br />

realização de pesquisas.<br />

Palavras-chave: Poder Público, Cidades Pequenas, Desfavelamento.<br />

História da habitação popular no Brasil a partir do final do século XIX<br />

Buscando entender a origem das atuais condições habitacionais de parte significativa<br />

da população brasileira, que devido à falta de alternativas de moradia acaba ocupando<br />

terras de terceiros, e o papel do poder público nesse processo, abordaremos, sucintamente,<br />

1 : Para a elaboração desse texto foram explorados resultados da pesquisa “A segregação socioespacial no<br />

município de Paraguaçu Paulista-SP: o caso do programa de desfavelamento”, desenvolvida no período de<br />

2004-2006, financiada pela FAPESP e orientada por Maria Encarnação B. Sposito, durante o curso de<br />

Graduação em Geografia, na FCT–UNESP, Campus de Presidente Prudente.<br />

2 : Mestranda do Programa de Pós Graduação em Geografia, Faculdade de Ciências e Tecnologia – UNESP.<br />

ericakferreira@yahoo.com.br.<br />

3 : Favela do Feijão Queimado, da Muda, do Sucobom e do Bosteiro.<br />

4 : O Conjunto Habitacional Dr. Mário Covas conta com 120 casas populares, das quais, 87 foram destinadas<br />

ao desfavelamento.


a história da habitação popular no Brasil, a partir do final do século XIX. Com essa<br />

abordagem, pretendemos inserir o caso da população alvo do estudo, no contexto mais<br />

amplo de determinações de suas condições habitacionais. Para isso, basear-nos-emos<br />

principalmente no livro: “Origens da habitação social no Brasil” de Nabil Bonduki, no qual<br />

o autor aborda a história da habitação popular no Brasil no período anterior à ditadura<br />

militar, tendo como cenário principal a cidade de São Paulo e no livro: “O que todo<br />

cidadão precisa saber sobre habitação” de Flávio Villaça, no qual o autor apresenta um<br />

histórico da “involução” das condições habitacionais de grande parte da população<br />

brasileira, a partir do final do século XIX.<br />

Villaça (1986) afirma que a problemática habitacional inicia-se, no Brasil, a partir da<br />

segunda metade do século XIX, com o desenvolvimento do capitalismo, a partir da<br />

introdução de relações de trabalho típicas deste modo de produção. Nesse momento, surge<br />

o “homem livre”, homem que se transforma em um trabalhador despojado, tanto de seus<br />

meios de trabalho, como de seus meios de vida e que dessa forma passa a vender sua força<br />

de trabalho, condição necessária para a reprodução do capital. Neste período também se<br />

instituiu a propriedade privada da terra, transformando-a em mercadoria, passando-a de<br />

meio de produção a meio de especulação.<br />

Com o desenvolvimento do capitalismo, a habitação torna-se mercadoria e, desta<br />

forma, passa a se constituir em um bem cada vez mais difícil de ser adquirido pelos<br />

trabalhadores. A casa é uma mercadoria essencial para a reprodução do trabalhador, no<br />

entanto, não é objetivo do capitalismo fornecer condições para que todos tenham acesso as<br />

mais diversas mercadorias, dentre as quais a casa, pois, o capitalismo precisa de escassez<br />

para sobreviver, para gerar concorrência e para fixar preços.<br />

Esses trabalhadores despossuídos, compostos de antigos moradores de fazendas,<br />

senzalas, imigrantes de outros países etc., migraram para as cidades, gerando o problema<br />

da habitação.<br />

Bonduki (1998) destaca que, nesta época (1880), ocorreu o crescimento da cidade de<br />

São Paulo, devido ao surgimento de atividades urbanas ligadas à atividade cafeeira, o que<br />

gerou a expansão do mercado de trabalho e, conseqüentemente, a concentração de pessoas<br />

mal alojadas, sobretudo imigrantes em busca de trabalho.<br />

Neste contexto, aparece o cortiço, principal e primeira forma para abrigar o “homem<br />

livre”, solução apresentada pela iniciativa privada por meio do aluguel.


A classe dominante, ao mesmo tempo em que se sentia ameaçada pelos cortiços, por<br />

se constituírem num foco de epidemias, precisava deles, para o abrigo dos trabalhadores. A<br />

partir daí a questão sanitária passou a justificar o controle por parte do governo sobre o<br />

espaço urbano e sobre as habitações da classe trabalhadora.<br />

No entanto, isto não significava que as normas dos higienistas eram obedecidas<br />

plenamente, dessa forma, cada vez mais se ampliava a distância entre os padrões legais e a<br />

efetiva construção de moradias populares.<br />

A construção barata era uma exigência intrínseca ao negócio, pois os níveis de<br />

remuneração dos trabalhadores não permitiam aluguéis elevados. Os cortiços e<br />

as casas coletivas eram, portanto, essenciais para a reprodução da força de<br />

trabalho a baixos custos e, enquanto tal, não podiam ser reprimidos e demolidos<br />

na escala prevista pela lei e desejada pelos higienistas. (BONDUKI, 1998, p. 39).<br />

No que se refere à São Paulo, de acordo com Bonduki (1998, p. 20):<br />

O problema da habitação popular no final do século XIX é concomitante aos<br />

primeiros indícios de segregação espacial. Se a expansão da cidade e a<br />

concentração de trabalhadores ocasionou inúmeros problemas, a segregação<br />

social do espaço impedia que os diferentes estratos sociais sofressem da mesma<br />

maneira os efeitos da crise urbana.<br />

Além disso, o setor rentista tinha força para impedir ações que viessem a prejudicar o<br />

mercado de locação. Iniciaram-se, desta forma, as relações complementares entre a<br />

legislação urbanística e os interesses imobiliários. “A proteção dos valores imobiliários<br />

viria a ser nas décadas subseqüentes, até os dias de hoje, uma das razões inconfessas de<br />

muitas leis urbanísticas nos municípios brasileiros.” (VILLAÇA, 1986, p. 37).<br />

Para Bonduki (1998, p. 43), o Estado em relação à habitação popular “[...] pouco fez<br />

para melhorar suas moradias, a não ser quando eram chocantes demais, demolindo-as. E<br />

este modo de resolver o problema da habitação-característico do autoritarismo sanitário-<br />

nada mais é que sua própria recriação.”<br />

Frente à problemática que envolvia os cortiços, o Estado deu estímulos à iniciativa<br />

privada para a construção de vilas operárias, constituídas por pequenas habitações<br />

unifamiliares construídas em série. Alternativa bem aceita, já que para os empreendedores:<br />

[...] aumentariam seus lucros; para o poder público, mesmo que os resultados<br />

fossem pífios, era uma forma de mostrar uma iniciativa em favor da melhoria da<br />

habitação dos pobres; por fim, para os higienistas, era a oportunidade de difundir<br />

o padrão de habitação recomendável (BONDUKI, 1998, p. 41).<br />

No que diz respeito à classe dominante, era melhor o convívio com essas vilas do<br />

que com os cortiços, sendo que em relação às restrições feitas pela legislação, revelavam<br />

práticas segregacionistas.


Várias dessas vilas foram construídas no Brasil, porém em pequeno número frente às<br />

necessidades, além disso, foram utilizadas como meio de difusão de padrões de<br />

comportamento e de controle sobre a força de trabalho. De maneira geral, fracassaram<br />

como alternativa habitacional para a classe trabalhadora.<br />

Assim constituíram-se as mais importantes intervenções do Estado no setor<br />

habitacional até meados de 1930. A partir dessa data deve-se destacar a difusão da idéia de<br />

que deveria haver uma intervenção estatal mais efetiva, ou seja, o problema habitacional na<br />

ditadura de Vargas (1930-45) transformou-se numa “questão social” (BONDUKI, 1998).<br />

No entanto, surgiu uma contradição em relação à burguesia, pois de um lado<br />

reconhecia que não era possível atender as necessidades habitacionais das camadas<br />

populares através do mercado. Por outro lado, não queria que os custos destinados à<br />

reprodução da força de trabalho subissem e que o Estado aplicasse grandes recursos no<br />

setor, pois esses recursos retirados do processo acumulativo não gerariam lucros.<br />

Dessa forma, a intensa discussão em relação à “habitação social”, de acordo com<br />

Bonduki (1998, p. 77), na verdade dava o suporte ideológico para:<br />

[...] transferir para o Estado e para os trabalhadores o encargo de mobilizar os<br />

recursos e o esforço necessário para enfrentar o problema da moradia popular. E<br />

isto ia ao encontro de um antigo desejo da elite: eliminar os cortiços do centro da<br />

cidade e segregar o trabalhador na periferia.<br />

Neste contexto, os aluguéis vinham atingindo preços elevados, assim, foram<br />

promulgadas pelo Estado, entre 1942 e 1964, as diversas versões da Lei do Inquilinato, que<br />

visavam restringir a livre negociação dos aluguéis, desestimular a produção de moradias<br />

para tal pelo setor privado e estimular os trabalhadores a buscarem soluções em<br />

loteamentos periféricos. Marginalizava-se, portanto, o setor rentista, ocorrendo, de 1920 a<br />

1950, a transição para o modelo da casa própria, com o objetivo de criar uma solução<br />

habitacional de baixo custo, visando facilitar os investimentos na industrialização do país,<br />

conforme o modelo capitalista vigente (nacional-desenvolvimentista).<br />

Vivia-se, portanto, uma situação contraditória: para financiar a montagem do<br />

parque industrial era preciso reduzir a forte atração que a propriedade imobiliária<br />

exercia como campo de investimento, mas a industrialização requeria condições<br />

básicas de sobrevivência nas cidades, como o alojamento dos trabalhadores<br />

(BONDUKI, 1998, p. 248).<br />

Para Bonduki, (1998, p. 264), o surgimento e o crescimento das favelas “[...] durante<br />

a crise da habitação dos anos 40, é fundamental para se compreender as profundas<br />

alterações no modo de provisão de moradias que ocorreu no período nacional-<br />

desenvolvimentista, quando se consolidava uma sociedade de base urbano-industrial.”


Esta realidade que se fazia presente na época:<br />

[...] constituía-se em imenso desafio para uma sociedade que se urbanizava com<br />

rapidez e esperava industrializar-se sem dispor de grande volume de capitais. O<br />

peso do custo de reprodução da força de trabalho nos custos de produção era<br />

significativo e, portanto, a meta de viabilizar o acesso à casa própria unifamiliar<br />

precisava ser cumprida sem exigir aumentos salariais (BONDUKI, 1998, p. 87).<br />

Desta forma, no começo da década de 1940 dava-se início à ação sistemática do<br />

Estado, no que diz respeito à produção e à comercialização de habitações populares através<br />

das ações dos Institutos de Aposentadoria e Pensões e da Fundação da Casa Popular, que<br />

são os primeiros órgãos federais que atuaram no setor. No entanto, através do populismo,<br />

poucas habitações para a população de baixo poder aquisitivo foram construídas e um<br />

número significativo foi construído para a classe média.<br />

[...] embora a questão habitacional fosse reconhecida como um problema do<br />

Estado, até 1964, interesses contraditórios presentes nos governos populistas,<br />

descontinuidade administrativa e falta de prioridade impediram a implementação<br />

de uma política de habitação social de maior alcance (BONDUKI, 1998, p. 100).<br />

Desta forma, o Estado não conseguiu substituir efetivamente os empreendedores<br />

particulares na provisão de moradias para a classe trabalhadora, provocando o surgimento<br />

das mais diversas “soluções habitacionais”, ou seja, foi a própria população trabalhadora<br />

que possibilitou seu acesso à moradia, durante a crise habitacional dos anos 1940.<br />

Frente a esse processo de expansão da cidade ilegal houve certa omissão por parte do<br />

poder público, pois era uma maneira de se viabilizar o acesso à moradia sem precisar<br />

ampliar os investimentos no setor. Além disso, a difusão da pequena propriedade entre os<br />

trabalhadores gerou “uma sensação de ascensão social sem que houvesse redistribuição de<br />

renda” (BONDUKI, 1998, p. 283). Para esse autor “feliz combinação que permitiu o<br />

desenvolvimento do país ao mesmo tempo em que criou uma sensação de progresso<br />

econômico entre os trabalhadores” (BONDUKI, 1998, p. 97).<br />

Nos anos de 1950, os loteamentos ilegais, as favelas etc. já eram a principal<br />

alternativa de moradia da população de baixo poder aquisitivo em várias das grandes<br />

cidades do país. Em 1970, isso ocorria na maioria das cidades brasileiras.<br />

Mediante a significativa presença da moradia autoconstruída, a classe dominante<br />

promove ideologias visando à aceitação dessa alternativa pela sociedade 5 . Villaça (1986)<br />

destaca que não podemos esquecer que esta atividade toma horas de lazer e de descanso.<br />

5 : Um exemplo desta visão está na idéia de que se desenvolve um sentimento de solidariedade durante o<br />

processo de construção da casa por meio de ajuda mútua entre amigos, vizinhos, etc. Claramente pudemos<br />

verificar a promoção dessas idéias no caso em estudo, através de matérias publicadas em jornais de<br />

circulação local, analisados durante o período de realização da pesquisa.


Para a realização da casa autoconstruída, é essencial o acesso ao lote barato, sendo o<br />

mesmo de baixa qualidade, localizado principalmente na periferia. Nesta realidade, o<br />

Estado é chamado a atuar por meio da legislação, controlando a produção e o comércio de<br />

lotes e casas. No entanto, ao mesmo tempo em que cria leis, não as aplica plenamente nos<br />

loteamentos e bairros das classes populares.<br />

A classe dominante dirá que “a cidade” crescerá de forma caótica, sem o<br />

zoneamento ou a regulamentação dos loteamentos. Ao mesmo tempo, entretanto,<br />

e contraditoriamente, será forçada a reconhecer que, se o lote dos pobres for<br />

produzido segundo os requisitos da lei, ele será caro demais para os pobres.<br />

(VILLAÇA, 1986, p. 61).<br />

A alternativa para os que não têm condições de comprar um lote na periferia são as<br />

favelas, de acordo com Villaça (1986, p. 62) “[...] uma das manifestações mais brutais da<br />

exploração a que está sujeito o trabalhador brasileiro.”<br />

Assim ocorre, conforme Nabil Bonduki (1998), a “desmercantilização” do processo<br />

de produção das moradias populares no Brasil. Não que ela deixasse de ser mercadoria,<br />

mais o que é interessante destacar é que é produzida domesticamente, possibilitando a<br />

diminuição do custo da força de trabalho, que, no entanto não deixa de ser alojada.<br />

O Banco Nacional da Habitação (BNH), produto da ditadura militar, foi criado em<br />

1964 com o objetivo de promover o acesso à casa própria pela população de baixa renda.<br />

Para Bonduki (1998), o BNH possibilitou pela primeira vez, no Brasil, uma efetiva política<br />

habitacional, devido principalmente os quase cinco milhões de habitações financiadas, no<br />

entanto, possibilitou um retrocesso em relação à qualidade dos projetos realizados pelos<br />

IAPs, pois os projetos eram monótonos, desvinculados ao meio físico etc.<br />

Embora seus princípios tenham surgido durante o Estado Novo, sua ação foi<br />

paradigmática para o modelo central-desenvolvimentista, pois se baseou numa gestão<br />

centralizada, sem participação comunitária e com projetos localizados nas periferias. De<br />

forma geral, o BNH não atendeu a população de mais baixa renda, que não teve acesso aos<br />

financiamentos por não atingirem a renda mínima necessária para o mesmo.<br />

A partir de 1970, o BNH passou a investir no desenvolvimento urbano, financiando<br />

obras de saneamento e promovendo a expansão da indústria pesada da construção civil.<br />

Os problemas relativos à habitação agravaram-se em 1980, devido à crise econômica<br />

(desemprego, arrocho assalarial etc.), provocando a criação e expansão de favelas,<br />

loteamentos ilegais etc. Bonduki destaca a permissividade com que o poder público tratou<br />

e trata essa expansão da “cidade ilegal” apontando:


[...]a incapacidade de o Estado formular e implementar uma política habitacional<br />

consistente como uma das causas da formação, expansão e consolidação de<br />

soluções informais de produção de moradia, entre elas o padrão periférico de<br />

crescimento urbano na cidade de São Paulo (BONDUKI, 1998, p. 128).<br />

De acordo com Maricato (2000 apud ANDRIOLI, 2003, p. 139):<br />

[...] a invasão de terras urbanas no Brasil é parte intrínseca do processo de<br />

urbanização [...] Ela é estrutural e institucionalizada pelo mercado imobiliário<br />

excludente e pela ausência de políticas sociais.<br />

Em 1986, o BNH foi extinto abrindo novas perspectivas para se pensar o setor.<br />

Nos anos de 1980, as críticas em relação à atuação do Estado no setor habitacional,<br />

ao modelo central-desenvolvimentista, bem como em relação ao regime autoritário<br />

fortalecem-se, surgindo assim novas propostas em relação às políticas urbanas e<br />

habitacionais nas administrações mais progressistas.<br />

Isto ocorre através do desenvolvimento de maneiras inovadoras de gerir os<br />

empreendimentos habitacionais, como por exemplo, através da auto-gestão; da adoção de<br />

critérios sociais nos financiamentos; de revisão da legislação urbanística, juntamente com<br />

medidas que possibilitam a descentralização das políticas habitacional e urbana e que<br />

proporcionam a ampliação da participação de ONGs, dos municípios, etc.<br />

Bonduki (1998) ressalta que estas propostas que começaram a se tornar realidade em<br />

1980, quando começou uma fase de transição para um novo ideário de políticas urbanas<br />

que viessem a substituir aquele do período Vargas, ainda estão se constituindo e conforme<br />

afirma o autor, esse é um processo longo e demorado. Para o autor, a “gestão pública não<br />

estatal, no entanto, não pode justificar a ‘desresponsabilização’ do Estado em relação às<br />

políticas urbanas e sociais” (BONDUKI, 1998, p. 322).<br />

Percebe-se, assim, que propostas inovadoras de gestão urbana fazem-se necessárias<br />

já que, embora as contradições urbanas não sejam uma realidade recente, estão,<br />

atualmente, acentuando-se de forma clara.<br />

O programa de desfavelamento em Paraguaçu Paulista<br />

A realização da pesquisa que tivemos como base para a elaboração do presente texto<br />

ofereceu elementos para se verificar que, infelizmente, as últimas administrações que se<br />

sucederam no município de Paraguaçu Paulista, não têm uma concepção inovadora de<br />

gestão urbana, quando se analisa o programa de desfavelamento implementado.<br />

Percebemos que não houve uma preocupação maior com o fato de terem existido<br />

favelas durante tanto tempo no município, levando em consideração o fato de ele ser de


pequeno porte e considerado uma estância turística, gerando uma situação favorável para<br />

as administrações que se sucederam, que além de não terem tido o interesse ou<br />

estabelecido a prioridade de melhorar as condições habitacionais dos moradores,<br />

utilizavam-se dos problemas que enfrentavam, submetendo-os a interesses políticos.<br />

Afirmamos isso, pois, conforme verificamos em entrevistas realizadas com a<br />

população alvo do estudo quando ainda eram moradores das favelas, principalmente nos<br />

períodos que antecediam às eleições municipais, durante anos candidatos a prefeitos e<br />

vereadores lhes prometeram benefícios que não foram cumpridos, principalmente, uma<br />

casa própria. Mesmo com o efetivo desfavelamento, percebemos que a intenção de<br />

solucionar o problema de moradia dessas pessoas não foi e não é o único objetivo da<br />

política habitacional em discussão, o que pode se revelar a partir de alguns fatores:<br />

- O programa de desfavelamento foi assinado com a CDHU em 2000, conforme a<br />

assistente social que faz parte da equipe do atual Prefeito Municipal, Sr. Carlos Arruda<br />

Garms, e que trabalha diretamente com o programa de desfavelamento. Ressalte-se que<br />

esse foi o último ano do mandato do prefeito que, na época (1997-2000), era o Sr. Carlos<br />

Arruda Garms, sendo que este era seu terceiro mandato e o atual, 2005 – 2008, é o quarto.<br />

- O início das obras deu-se em 2004. Destaque-se que este foi o último ano do mandato do<br />

antigo prefeito, Dr. Edivaldo Hasegawa (2001-2004), sendo que, conforme matérias<br />

publicadas em jornais locais, a liberação dos recursos pela Secretaria Estadual da<br />

Habitação para as obras foi em 2000.<br />

- Quando as documentações dos moradores estavam sendo enviadas à CDHU para a<br />

aprovação das famílias, para se integrarem ao programa, a renda mínima teria de ser de<br />

R$240,00. Como algumas famílias não têm renda nenhuma e outras não atingem esse<br />

mínimo, a assistente social que fazia parte da equipe do antigo prefeito, Dr. Edivaldo<br />

Hasegawa, e que trabalhava diretamente com o desfavelamento, visando “ajudar os<br />

moradores das favelas”, falsificou alguns comprovantes de renda e também instruiu alguns<br />

moradores a falsificarem comprovantes de renda, conforme entrevistas realizadas.<br />

- Houve a promessa do atual prefeito, na época de sua candidatura, de que se fosse eleito<br />

não haveria mais mutirão para a construção das casas populares, trabalho que seria<br />

realizado por uma equipe da prefeitura, o que não se efetivou.


- A construção do conjunto habitacional finalizou-se em dezembro de 2005, no entanto, o<br />

mesmo só foi entregue a população em fevereiro de 2006. A demora na definição da data<br />

para a sua inauguração deveu-se a adequações em relação à agenda do então Governador<br />

do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, que, conforme a assistente social que faz parte<br />

da equipe do atual Prefeito Municipal, iria inaugurar a obra. Neste contexto, destacava-se a<br />

pré-candidatura desse governador pelo partido PSDB, (o mesmo do atual prefeito de<br />

Paraguaçu Paulista) à Presidência da República.<br />

A partir desses fatos apresentados, perguntamo-nos, então, que solução é essa<br />

apresentada para o caso em questão: Que se efetiva depois de tanto tempo? Que não se<br />

adequa à verdadeira renda dessas pessoas? Que pode somente ser provisória no caso de<br />

pessoas que inventaram uma renda para ter acesso ao programa e que não venham a ter<br />

uma complementação na renda atual?<br />

Parece-nos que a necessidade dessa população ter acesso a uma moradia com<br />

características mínimas de habitabilidade, garantindo essa condição necessária e<br />

fundamental ao ser humano, que é morar, ficou num segundo plano, tornou-se um meio<br />

para se fazer propaganda política e se conseguir votos, estabelecendo relações clientelistas.<br />

O solo e as benfeitorias são mercadorias das quais nenhum indivíduo pode<br />

dispensar. Não posso existir sem ocupar espaço; não posso trabalhar sem ocupar<br />

um lugar e fazer uso de objetos materiais aí localizados; e não posso viver sem<br />

moradia de alguma espécie (HARVEY, 1980).<br />

Verifica-se, de forma geral, que essas relações são mediadas por interesses políticos,<br />

impossibilitando modificações mais profundas nessa realidade. Afirmamos isto, pois<br />

mesmo ocorrendo a implantação do programa de desfavelamento, o que sem dúvida<br />

promove uma melhora nas condições de vida dessas pessoas, desde o início o projeto<br />

parece ter sido direcionado por interesses que fogem ao que deveria ter sido o objetivo<br />

principal deste tipo de ação: proporcionar uma moradia digna a uma população que, sem o<br />

auxílio do poder público, não teria acesso a esse bem essencial para a vida.<br />

Essas relações entre o poder público e a população alvo do estudo também são<br />

perceptíveis através de matérias e editais publicados nos jornais da cidade. É importante<br />

ressaltarmos que analisando os jornais num período de 2004 a 2006, o que abrangeu<br />

mandatos de dois diferentes prefeitos, filiados a diferentes partidos, percebemos que, na<br />

época em que o candidato apoiado pelo jornal estava em exercício, buscava passar a visão<br />

de que o desfavelamento era a melhor coisa que poderia acontecer com os moradores das


favelas, e que isto estava sendo promovido, principalmente, através do engajamento do<br />

Prefeito Municipal. Percebemos, também, que na época em que se caracterizava por ser da<br />

oposição, suas publicações visavam criticar as ações do poder público municipal.<br />

A seguir reproduziremos algumas análises de Villaça (1986, p. 23) que nos ajudam a<br />

compreender algumas ações do poder público:<br />

Verificar até que ponto a atuação de um governo corresponde [...] ao seu<br />

discurso, é uma tarefa complexa [...] O mais importante é desvendar e entender a<br />

ação real do governo, porque na maior parte dos casos ele procura escondê-la.<br />

[...] O caso mais complexo, porém, é aquele em que o governo enuncia com<br />

antecedência as medidas que vai tomar e os objetivos que pretende atingir e<br />

efetivamente toma essas medidas. Porém, seus verdadeiros objetivos, ao tomar as<br />

medidas enunciadas, estão escondidos e não são aqueles que ele divulga.<br />

A produção do espaço urbano é um tema muito discutido entre os geógrafos, porém,<br />

há poucos estudos referentes à compreensão dessa realidade em cidades pequenas, o que<br />

revela a necessidade de realização de pesquisas para uma melhor e maior compreensão<br />

dessas realidades específicas.<br />

Conforme afirmam Jesus, Roma e Zandonadi (2004), as relações entre o poder<br />

público e a sociedade civil em cidades pequenas são mais próximas e, no caso em estudo,<br />

percebemos claramente que isso contribuiu para que as relações de clientelismo fossem<br />

mantidas por tanto tempo.<br />

Essa dinâmica pode ser reforçada se considerarmos as relações que podem haver<br />

entre os interesses públicos e os interesses privados em relação ao atual prefeito, já que o<br />

mesmo é proprietário de uma tradicional usina de açúcar e álcool do município (COCAL) e<br />

que a grande maioria dos trabalhadores da população que estudamos, trabalham no corte da<br />

cana. Desta forma, se levarmos em consideração os interesses particulares do atual<br />

prefeito, para ele é interessante a reprodução mínima desses trabalhadores e a falta de<br />

mobilidade socioeconômica dessa população, para a garantia de mão-de-obra barata.<br />

Outro fator que deixa essas pessoas ainda mais passíveis de serem manipuladas de<br />

acordo com interesses de determinados políticos é o fato de que não estão articuladas e<br />

organizadas a ponto de constituírem um movimento social que objetive alterar a lógica de<br />

produção do espaço urbano. A forma como o sistema de mutirão era administrado<br />

contribuiu para a geração de conflitos entre essas pessoas, desarticulando-as ainda mais.<br />

A nosso ver, esses fatores contribuem para o processo de segregação socioespacial ao<br />

qual estão submetidos, pois as relações que se dão entre os profissionais que administram o<br />

município e a população alvo do estudo parecem garantir a imobilidade dessas pessoas,<br />

tanto em termos sociais, como espaciais.


Dessa forma, nosso objetivo nesse texto é chamar atenção para o fato de que o<br />

acompanhamento do programa de desfavelamento esclareceu que as ações que se<br />

efetivaram não visam primordialmente à transformação daquela realidade específica.<br />

Bibliografia<br />

ANDRIOLI, T. C. C. Mobilidade e moradia no processo de produção do espaço urbano de<br />

Londrina-PR: da ocupação à legalização da moradia urbana. 2003. 251 f. Dissertação (Mestrado<br />

em Geografia) – Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente.<br />

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