SONETOS PORTUGUESES - Silva Carvalho
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NECEDADE<br />
Se não é a morte este fio que aqui me prende,<br />
o que é, então, que me desliga pela liberdade?<br />
Sei-o desde sempre: como hoje, ninguém aprende<br />
a soletrar o medo, a medida, a perda de realidade.<br />
Ausente, o poema desfigura o que nos ofende,<br />
uma existência votada ao crime da necedade.<br />
Presente, ilustra, pela angústia que suspende,<br />
a excrescência sublime do pavor, da crueldade.<br />
Se não é a morte, que vida é esta que consente<br />
este doloroso logro, escrever a contingência?<br />
Condenação ou prémio, prever o Nada ausente?<br />
Mas ei-lo, em cada sílaba mera coincidência<br />
onde o apelo se faz verbo, sinal talvez evidente<br />
de que a vida não exige do homem a coerência.<br />
17/12/84<br />
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