O poder do lóbi na UE - Escola Superior de Comunicação Social ...
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14 MUNDO<br />
O euro<strong>de</strong>puta<strong>do</strong> português, membro<br />
da Comissão da Cultura e da Educação,<br />
consi<strong>de</strong>ra o <strong>lóbi</strong> necessário no panorama<br />
comunitário, <strong>na</strong> medida em que<br />
este po<strong>de</strong> <strong>do</strong>tar os representantes <strong>de</strong><br />
informação válida. Reconhece porém<br />
a urgência <strong>de</strong> se criar em torno <strong>do</strong> sistema<br />
uma legislação que o torne mais<br />
perceptível e claro.<br />
De que forma po<strong>de</strong> o <strong>lóbi</strong> contribuir<br />
para o trabalho <strong>de</strong> um Euro<strong>de</strong>puta<strong>do</strong>?<br />
Enquanto fornecer elementos <strong>de</strong> informação,<br />
é extremamente útil. Ninguém<br />
é abrangente num senti<strong>do</strong> enciclopédico<br />
em relação à realida<strong>de</strong> e<br />
portanto há entida<strong>de</strong>s e instâncias que<br />
preparam projectos <strong>de</strong> legislação. Há<br />
sempre interesses sacrifica<strong>do</strong>s e interesses<br />
<strong>de</strong>fendi<strong>do</strong>s. O <strong>lóbi</strong> visa, por<br />
conta <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>sses interesses,<br />
dar-lhes expressão e conseguir que<br />
isso se repercuta num <strong>de</strong>termi<strong>na</strong><strong>do</strong><br />
texto legal. É perfeitamente admissível<br />
que seja feito em termos lícitos,<br />
que permitam que uma opinião seja<br />
conhecida e fundamentada.<br />
Mas há casos mais complica<strong>do</strong>s, com<br />
questões éticas envolvidas, em que o<br />
<strong>lóbi</strong> não é assim tão evi<strong>de</strong>nte…<br />
Neste momento discute-se o apoio<br />
ao fi<strong>na</strong>nciamento da investigação <strong>na</strong>s<br />
células estami<strong>na</strong>is embrionárias. Não<br />
po<strong>de</strong>mos falar propriamente em <strong>lóbi</strong>,<br />
mas a verda<strong>de</strong> é que vão começar a<br />
chegar aos <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s mails a dizer<br />
“<strong>de</strong>fenda a vida, não se transforme<br />
num apoio ao assassínio”. Os milhares<br />
<strong>de</strong> pessoas que se manifestam pró ou<br />
contra, funcio<strong>na</strong>m também como uma<br />
espécie <strong>de</strong> <strong>lóbi</strong>. A sua actuação traduz-se<br />
<strong>na</strong> pressão sobre um <strong>de</strong>cisor<br />
político.<br />
VASCO GRAÇA MOURA<br />
“É importante que haja transparência”<br />
Como é o <strong>lóbi</strong> <strong>do</strong> nosso país?<br />
Em Portugal existe <strong>lóbi</strong>, mas é <strong>de</strong> uma<br />
forma inorgânica, informal. Há vários<br />
níveis. Num contexto europeu, se vier<br />
uma associação <strong>de</strong> empresários <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r<br />
os seus pontos <strong>de</strong> vista, o <strong>de</strong>puta<strong>do</strong><br />
tem interesse em conhecer a posição <strong>do</strong><br />
seu país <strong>na</strong>quele sector. Por exemplo, a<br />
Socieda<strong>de</strong> Portuguesa <strong>de</strong> Reumatologia<br />
contactou os <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s para conseguir<br />
que a investigação em torno <strong>de</strong>sta <strong>do</strong>ença,<br />
que afecta milhões <strong>de</strong> pessoas,<br />
seja subsidiada e incluída no próximo<br />
Programa Comunitário <strong>de</strong> Apoio. Isto<br />
parece-me bem justifica<strong>do</strong>, mas se não<br />
nos tivessem chama<strong>do</strong> a atenção, se<br />
calhar passava-nos completamente.<br />
Mantém-se algum tipo <strong>de</strong> relação en-<br />
O que elas têm a dizer<br />
Tu<strong>do</strong> começou há 16 anos,<br />
quan<strong>do</strong> vários grupos feministas<br />
europeus se uniram no<br />
esforço <strong>de</strong> criar uma representação<br />
sua em Bruxelas capaz<br />
<strong>de</strong> influenciar as <strong>de</strong>cisões<br />
comunitárias. Nascia assim o<br />
Lóbi Europeu das Mulheres<br />
(LEM). O organismo, o maior<br />
<strong>do</strong> género <strong>na</strong> <strong>UE</strong>, foi crescen<strong>do</strong><br />
e hoje conta já com filiações<br />
em 25 países.<br />
Lutam por ser ouvidas, mas<br />
sabem que há um longo caminho<br />
a percorrer. “A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong><br />
ainda está bem presente”,<br />
lamenta Cécile Greboval,<br />
coor<strong>de</strong><strong>na</strong><strong>do</strong>ra das activida<strong>de</strong>s<br />
<strong>do</strong> LEM, “a diferença salarial<br />
média entre sexos atinge os<br />
20% <strong>na</strong> União Europeia, além<br />
disso continua a haver poucas<br />
mulheres nos lugares <strong>de</strong> chefia,<br />
note-se por exemplo que<br />
70% <strong>do</strong> Parlamento Europeu<br />
é composto por homens”.<br />
O objectivo <strong>de</strong>sta instituição<br />
é fundamentalmente<br />
político: promover a<br />
TERESA MOURÃO FERREIRA / ANTÓNIO VIEIRA<br />
<br />
igualda<strong>de</strong> entre homens e<br />
mulheres e, em termos laborais,<br />
implementar medidas<br />
que facilitem o acesso<br />
<strong>de</strong>stas últimas aos órgãos<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão. As instituições<br />
europeias têm-se mostra<strong>do</strong><br />
receptivas, no entanto, é<br />
comum que os seus esforços<br />
falhem. Para Cécile é<br />
fundamental que haja uma<br />
acção integrada, o que não<br />
tem vin<strong>do</strong> a acontecer: “Os<br />
Governos <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m que as<br />
mulheres <strong>de</strong>vem trabalhar,<br />
mas <strong>de</strong>pois há cortes<br />
nos serviços encarrega<strong>do</strong>s<br />
da guarda <strong>de</strong> crianças e a<br />
participação <strong>do</strong>s homens<br />
no trabalho <strong>do</strong>méstico<br />
continua quase inexistente.<br />
Para nós é preciso uma<br />
reflexão mais global: não<br />
po<strong>de</strong> haver igualda<strong>de</strong> <strong>na</strong><br />
socieda<strong>de</strong>, se esta não existir<br />
em casa.”<br />
Para Cécile, a sua formação<br />
em Ciências Políticas tem<br />
si<strong>do</strong> útil. “Num <strong>lóbi</strong> eficaz<br />
TERESA MOURÃO FERREIRA / ANTÓNIO VIEIRA<br />
não é suficiente <strong>de</strong>nunciar. É<br />
preciso apresentar alter<strong>na</strong>tivas.<br />
Trata-se <strong>de</strong> um trabalho<br />
muito técnico em que temos<br />
<strong>de</strong> saber propor emendas a<br />
directivas e outros textos”.<br />
Quanto à reacção <strong>do</strong>s euro<strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s,<br />
esta nem sempre<br />
é consensual. No problema<br />
das quotas <strong>de</strong> representação<br />
femini<strong>na</strong>, por exemplo. Céci-<br />
tre <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s e <strong>lóbi</strong>s?<br />
No meu caso não, é tu<strong>do</strong> meramente<br />
esporádico.<br />
É possível misturar-se <strong>lóbi</strong> com propaganda?<br />
Às vezes acontece. Por exemplo, quan<strong>do</strong><br />
se <strong>de</strong>bateu a <strong>de</strong>sig<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> chocolate<br />
puro, houve um <strong>lóbi</strong> que teve não<br />
só contactos com muitos <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s,<br />
como manifestações exter<strong>na</strong>s à entrada<br />
<strong>do</strong> Parlamento com umas meni<strong>na</strong>s<br />
com ban<strong>de</strong>iras a darem chocolates.<br />
A Philips, no Natal <strong>do</strong> ano passa<strong>do</strong>,<br />
também tinha em Estrasburgo muitas<br />
caixas e isso era meramente promocio<strong>na</strong>l,<br />
para chamar a atenção. Ofereciam<br />
umas velas eléctricas aos <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s,<br />
foi uma promoção magnífica,<br />
le admite que existem muitos<br />
tabus, mas lembra que “to<strong>do</strong><br />
o sistema político <strong>de</strong>mocrático<br />
é organiza<strong>do</strong> com regras”,<br />
e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que “a parida<strong>de</strong> e as<br />
quotas são medidas para chegar<br />
a recursos que <strong>de</strong> outra<br />
forma seriam i<strong>na</strong>cessíveis.”<br />
As técnicas <strong>de</strong> <strong>lóbi</strong> utilizadas<br />
variam conforme a situação.<br />
“Po<strong>de</strong>m ser um encontro<br />
com um político, uma tomada<br />
pública <strong>de</strong> posição, petições<br />
ou comunica<strong>do</strong>s <strong>de</strong> imprensa”,<br />
enumera. A acção<br />
<br />
JUNHO 2006 I 8ª COLINA<br />
sem gran<strong>de</strong>s custos.<br />
Mesmo sem legislação, há já limites<br />
para as ofertas?<br />
O bom senso é que regulamenta essas<br />
coisas. Já viu se me viessem entregar<br />
uma salva <strong>de</strong> ouro? Era um problema<br />
<strong>de</strong> bom senso e <strong>de</strong> serieda<strong>de</strong>. Num<br />
<strong>lóbi</strong> sem regras, selvagem, é possível<br />
que isso aconteça. Aqui não me apercebi<br />
disso. O <strong>lóbi</strong> é uma profissão que<br />
po<strong>de</strong> ser legítima, mas <strong>de</strong>ve ser regulamentada.<br />
Não correspon<strong>de</strong> necessariamente<br />
a batota. É uma expressão<br />
<strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s com uma<br />
<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>da intervenção <strong>de</strong>cisória <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>termi<strong>na</strong><strong>do</strong> conjunto <strong>de</strong> interesses.<br />
Po<strong>de</strong>mos encontrar <strong>na</strong> Europa casos<br />
<strong>de</strong> chantagem?<br />
Não tenho conhecimento, mas é possível<br />
que sim, principalmente ao nível<br />
<strong>do</strong>s países. A regulamentação <strong>do</strong><br />
funcio<strong>na</strong>mento <strong>de</strong>ssas estruturas organizadas<br />
<strong>de</strong>ve ser colocada em termos<br />
<strong>de</strong> transparência e permitir que<br />
se perceba quem são, que interesses<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m e como funcio<strong>na</strong>m, para não<br />
haver manobras obscuras, para não<br />
haver “compras”….<br />
Existem também consultoras que<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m os interesses das mais<br />
variadas empresas, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> chegar<br />
a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r valores opostos em momentos<br />
diferentes…<br />
É importante que haja transparência e<br />
regulamentação, porque eles po<strong>de</strong>m<br />
mudar <strong>de</strong> poleiro. Até se diz que há ex<strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s<br />
e ex-funcionários, pessoas<br />
que passaram a conhecer muito bem o<br />
mecanismo, a fazer <strong>lóbi</strong> hoje em dia…<br />
Já pensou nisso?<br />
Não, <strong>de</strong> maneira nenhuma. Eu nem pelos<br />
meus filhos faço <strong>lóbi</strong>! •<br />
<strong>do</strong> LEM centra-se sobretu<strong>do</strong><br />
<strong>na</strong>s instituições europeias,<br />
mas apoia também cada organização<br />
<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l para que<br />
esta exerça <strong>lóbi</strong> no seu país.<br />
Por vezes a abordagem parte<br />
<strong>do</strong>s próprios euro<strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s<br />
e comissários. “Contactamos<br />
com muita gente para<br />
passar a nossa mensagem,<br />
mas também é comum serem<br />
as instituições a pedir-nos<br />
<strong>do</strong>cumentos ou a opinião”.<br />
Cria-se assim uma relação<br />
<strong>de</strong> confiança entre o <strong>po<strong>de</strong>r</strong> e<br />
o grupo <strong>de</strong> interesse.<br />
Lóbi e Feminismo, <strong>do</strong>is termos<br />
incómo<strong>do</strong>s a muita gente.<br />
Causam celeuma ainda<br />
maior quan<strong>do</strong> se apresentam<br />
juntos. Para a coor<strong>de</strong><strong>na</strong><strong>do</strong>ra<br />
das activida<strong>de</strong>s <strong>do</strong><br />
LEM é tu<strong>do</strong> muito simples:<br />
“Para mim o feminismo não<br />
é mais <strong>do</strong> que trabalhar pelos<br />
direitos das mulheres.<br />
Se nós queremos a igualda<strong>de</strong>,<br />
menos violência e um<br />
respeito pelos direitos <strong>do</strong><br />
Homem, então muitos são<br />
um pouco feministas. Mas<br />
é verda<strong>de</strong> que poucos o vão<br />
admitir”.