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A Volta do Marido Pródigo: intertextos em cena

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Recebi<strong>do</strong> até Agosto/2011, aprova<strong>do</strong> até Set<strong>em</strong>bro/2001.<br />

Vinculada ao Curso de Letras: Licenciatura e Bacharela<strong>do</strong> e ao Programa de Mestra<strong>do</strong> <strong>em</strong> Letras<br />

Universidade Estadual de Mato Grosso <strong>do</strong> Sul<br />

Unidade Universitária de Campo Grande – MS<br />

A VOLTA DO MARIDO PRÓDIGO: INTERTEXTOS EM CENA ∗<br />

www.cepad.net.br/linguisticaelinguag<strong>em</strong><br />

www.linguisticaelinguag<strong>em</strong>.cepad.net.br<br />

Letícia Pereira de Andrade<br />

UEMS/PG-UFRGRS<br />

RESUMO: O presente trabalho propõe um diálogo <strong>do</strong> conto “A volta <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> pródigo”, de Guimarães Rosa,<br />

com outros textos, sobretu<strong>do</strong> sua adaptação teatral realizada pelo escritor e tradutor Paulo Hecker Filho, a partir<br />

<strong>do</strong> aparato teórico da Literatura Comparada e a intertextualidade.<br />

Palavras-chave: <strong>intertextos</strong>; conto; teatro.<br />

ABSTRACT: This paper proposes a dialogue of the short story "The Return of the Prodigal Husband," by Rosa,<br />

with other texts, especially his theatrical adaptation performed by the writer and translator Paul Hecker Filho,<br />

from the theoretical apparatus of Comparative Literature and intertextuality.<br />

Key-words: intertexts; short story; theater.<br />

ABRE-SE A CORTINA<br />

Parece óbvio que o conto “A volta <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> pródigo”, extraí<strong>do</strong> <strong>do</strong> livro Sagarana<br />

(1946) de Guimarães Rosa, revela um caráter intertextual com a Parábola <strong>do</strong> Filho <strong>Pródigo</strong>,<br />

encontrada no Novo Testamento, narrada, entre outros Evangelistas, <strong>em</strong> Lucas 15.11-32. Mas,<br />

ao cursar a disciplina “Literatura Comparada: intertextualidade e Interdisciplinaridade”, os<br />

horizontes de estu<strong>do</strong>s deste conto são amplia<strong>do</strong>s, pois se estuda “o intertexto como um campo<br />

geral de fórmulas anônimas” (SAMOYAULT, 2008, p. 23). E são estas fórmulas anônimas,<br />

que propiciam um conhecimento mais amplo <strong>do</strong> texto literário por uma exploração de suas<br />

variantes, que se deseja aqui pontuar.<br />

Além das fronteiras particularizadas, propõe-se observar as relações entre o conto “A<br />

volta <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> pródigo” e alguns <strong>intertextos</strong>, como a parábola bíblica, as lendas <strong>do</strong> sapo e <strong>do</strong><br />

cága<strong>do</strong>, da rãzinha catacega, <strong>do</strong> Pedro Malasartes e o heroísmo <strong>em</strong> M<strong>em</strong>órias de um Sargento<br />

de Milícia e Macunaíma, sobretu<strong>do</strong>, sua adaptação para o teatro de Paulo Hecker Filho, A<br />

volta <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> pródigo, de 1987.<br />

Observan<strong>do</strong> a criação literária não como sist<strong>em</strong>a fecha<strong>do</strong> <strong>em</strong> si mesmo, mas <strong>em</strong> sua<br />

interação com outros textos sejam literários ou não (CARVALHAL, 2003), verificar-se-á a<br />

∗ Este artigo é resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s da disciplina “Literatura Comparada: Intertextualidade e<br />

Interdisciplinaridade”, ministrada pela professora Dra. Lúcia de Sá Rebello, no Programa DINTER<br />

UFRGS/UEMS.


elação deste conto com alguns <strong>intertextos</strong> tanto no nível formal como t<strong>em</strong>ático, tentan<strong>do</strong><br />

perceber como se dá a adaptação <strong>do</strong> conto para o teatro. Neste estu<strong>do</strong> compara<strong>do</strong>, o conto<br />

escolhi<strong>do</strong> não será visto como um texto fonte ou primeiro, mas nas relações entre textos e<br />

tessituras que se encontram de maneira horizontal, s<strong>em</strong> hierarquias, pois como explica René<br />

Wellek,<br />

A literatura comparada deseja superar preconceitos e provincianismos nacionais, mas<br />

disso não resulta ignorar ou minimizar a existência e a vitalidade das diferentes<br />

tradições nacionais. Precisamos tanto da literatura nacional quanto da geral,<br />

precisamos tanto da história quanto da crítica literárias, e precisamos da perspectiva<br />

ampla que somente a literatura comparada pode oferecer (WELLEK, 1980, p. 144).<br />

Assim separou-se, para este trabalho, o conto “A volta <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> pródigo”, ten<strong>do</strong> <strong>em</strong><br />

vista dialogar com outros textos, sobretu<strong>do</strong> sua adaptação teatral realizada pelo escritor e<br />

tradutor Paulo Hecker Filho, a partir <strong>do</strong> aparato teórico da Literatura Comparada. T<strong>em</strong>-se uma<br />

farta fortuna crítica de Rosa, mas não uma comparação entre seu texto “A volta <strong>do</strong> mari<strong>do</strong><br />

pródigo” e o de Paulo Hecker Filho, sob o mesmo título. Frente a esta lacuna, justifica-se a<br />

realização deste trabalho, ten<strong>do</strong> como base teórica uma bibliografia referente, sobretu<strong>do</strong> à<br />

intertextualidade.<br />

O processo criativo de Guimarães Rosa neste conto já aponta para uma linguag<strong>em</strong><br />

dramatúrgica: “Qu<strong>em</strong> sabe, a gente podia representar esse drama, h<strong>em</strong> seu Laio?” (ROSA,<br />

2011, p. 108); uma linguag<strong>em</strong> cômica que subverte o Bíblico, uma parábola caipira de uma<br />

sabe<strong>do</strong>ria popular. Até o nome <strong>do</strong> protagonista, Eulálio de Souza Salãthiel, faz referência à<br />

Bíblia, pois, Salathiel, filho de Jeconias, é cita<strong>do</strong> <strong>em</strong> Mateus 1.12. Eulálio também possui uma<br />

carga s<strong>em</strong>ântica significativa, pois, Eulalo, de orig<strong>em</strong> grega, quer dizer “b<strong>em</strong> falante” adjetivo<br />

que define perfeitamente a personag<strong>em</strong>.<br />

Esse conto apresenta de forma picaresca os caprichos de Lalino Salãthiel, o mari<strong>do</strong><br />

pródigo, um hom<strong>em</strong> de muito riso, de muita graça e pouco trabalho, conforme nota-se nesse<br />

trecho <strong>do</strong> conto: “Mulatinho leva<strong>do</strong>! Enten<strong>do</strong> um assim, por ser diverti<strong>do</strong>. E não é de<br />

adula<strong>do</strong>r, mas sei que não é covarde. Agrada a gente, porque é alegre e quer ver to<strong>do</strong>-o-<br />

mun<strong>do</strong> alegre, perto de si. Isso que r<strong>em</strong>oça. Isso é reger o viver” (ROSA, 2011, p.110). O<br />

espírito de malandrag<strong>em</strong> dessa personag<strong>em</strong> possibilitou a Rosa <strong>em</strong>pregar ironia e malícia,<br />

r<strong>em</strong>eten<strong>do</strong> as personagens Macunaíma e Leonar<strong>do</strong>, ex<strong>em</strong>plos de “heróis-malandros” na<br />

literatura brasileira.<br />

Também, sua trajetória r<strong>em</strong>ete à <strong>do</strong> filho pródigo, que aban<strong>do</strong>na a família, levan<strong>do</strong><br />

consigo os seus bens, com o intuito de viver aventuras <strong>em</strong> lugares distantes e o regresso após<br />

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a decepção que sofre com seus sonhos. Isso é apenas o motivo inicial, a partir <strong>do</strong> qual o<br />

narra<strong>do</strong>r delineia a personalidade <strong>do</strong> “mulatinho malandro”, a personag<strong>em</strong> que t<strong>em</strong> um<br />

“jeitinho” brasileiro de agir. O que se percebe é que, no conto, não existe julgamento moral<br />

sobre o caráter de Lalino, que poderiam ser consideradas “más”. Nessa recriação de<br />

Guimarães Rosa há uma visão diferente daquela encontrada no ensinamento moral que a<br />

parábola bíblica pretendeu passar. O importante é retratar essa malandrag<strong>em</strong> que oferece<br />

muitos el<strong>em</strong>entos que explicitam a relação que o conto “A volta <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> pródigo” t<strong>em</strong> com<br />

a parábola bíblica e as fábulas, poden<strong>do</strong> entender o conto como uma paródia da parábola<br />

bíblica. Guimarães parece borrar as fronteiras de gênero parábola, conto e teatro. E a<br />

adaptação de Paulo Hecker seria um conto <strong>em</strong> <strong>cena</strong>?<br />

Nessa recriação de Paulo Hecker continua transcorren<strong>do</strong> a visão rosiana: “SAPO<br />

GRANDE - Saga! OS OUTROS TRÊS - -rana! –rana! –rana! SAGARANA!”. Mas os sapos<br />

juntos a Lalino tornam-se personagens principais nesta sugestiva adaptação teatral, a qual é<br />

iniciada e concluída com um questionamento <strong>do</strong> sapo-rei – “E qu<strong>em</strong> é que fica com a minha<br />

mulher?...” (HECKER, 1987, p. 14 e 108). Vejamos a seguir.<br />

1. “A <strong>Volta</strong> <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> pródigo” e alguns <strong>intertextos</strong><br />

Como qualquer texto é o resulta<strong>do</strong> de vários outros textos (KRISTEVA apud<br />

SAMOYAULT, 2008), parece claro afirmar que o texto “A volta <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> pródigo” t<strong>em</strong><br />

vários <strong>intertextos</strong> ou contêm a fusão de alguma repetição esperada. Não se pretende aqui<br />

elencar a to<strong>do</strong>s: o que parece impossível, haja vista que cada leitor, ao ler o conto, poderá ter<br />

várias outras percepções das já levantadas, aliás, “o intertexto é antes de tu<strong>do</strong> um efeito de<br />

leitura” (SAMOUYALT, 2008, p. 25). Assim o texto rosiano dialoga com outras narrativas.<br />

Nesse segun<strong>do</strong> conto de Sagarana é possível encontrar, por ex<strong>em</strong>plo, a presença de uma<br />

narrativa encaixada, a fábula esópica <strong>do</strong> cága<strong>do</strong> e <strong>do</strong> sapo. É possível verificar, ainda, uma<br />

paródia que se realiza da parábola <strong>do</strong> filho pródigo, bastan<strong>do</strong>, para isso, que se l<strong>em</strong>bre <strong>do</strong><br />

título <strong>do</strong> conto.<br />

“A volta <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> pródigo”, portanto, faz referência explicita à parábola <strong>do</strong> filho<br />

pródigo, desde o título. Trata-se de um varão chama<strong>do</strong> Eulálio de Souza Salãthiel que movi<strong>do</strong><br />

pelo sonho de conhecer a cidade grande e seus prazeres, aban<strong>do</strong>na a esposa, arrependen<strong>do</strong>-se<br />

regressa para sua terra, sen<strong>do</strong> novamente acolhi<strong>do</strong> por sua mulher. As seqüências narrativas<br />

básicas, nos <strong>do</strong>is textos, são as mesmas: um sujeito com dinheiro <strong>em</strong> mãos, aban<strong>do</strong>na sua casa<br />

3


e parte para uma terra distante, gasta to<strong>do</strong> o dinheiro com prostitutas, cai <strong>em</strong> desventura,<br />

retorna, reconcilia-se com a família e sofre a reação da comunidade.<br />

Contu<strong>do</strong>, enquanto a parábola pretende evocar uma t<strong>em</strong>ática divina (o mo<strong>do</strong> como<br />

Deus s<strong>em</strong>pre está à espera de seus filhos pródigos), o conto retrata as relações <strong>do</strong>s humanos<br />

entre si com outros des<strong>do</strong>bramentos intertextuais. Assim, além das referências bíblicas há<br />

uma alusão ao fingimento e ao cumprimento <strong>do</strong>s papeis sociais marca<strong>do</strong>s pela aparência e<br />

pelas convenções, por isso o episódio de apascentar os porcos, na parábola bíblica,<br />

corresponde à atuação política de Lalino, no conto, sujeito que fora rejeita<strong>do</strong> pela sua<br />

comunidade local ao aban<strong>do</strong>nar a esposa.<br />

Daí entra <strong>em</strong> <strong>cena</strong> a questão da malandrag<strong>em</strong> para superar essa marginalização,<br />

referência implícita ao malandro Leonar<strong>do</strong> de Manuel Antonio de Almeida e Macunaíma de<br />

Mario de Andrade, dentre outros, ao representar a personag<strong>em</strong> Lalino. No conto, são<br />

representadas as artimanhas de Lalino de Souza Salãthiel, conheci<strong>do</strong> como “Seu Laio”. Essa<br />

personag<strong>em</strong> confirma boa parte <strong>do</strong>s estereótipos produzi<strong>do</strong>s sobre o mulato pela literatura<br />

naturalista.<br />

Eulálio Salãthiel é um mestiço, típico representante de uma esfera carente e<br />

marginalizada da sociedade brasileira; ele é descrito como um mulato preguiçoso, astuto, s<strong>em</strong><br />

caráter, imaginativo, que conversa muito e faz pouco ou nada, levan<strong>do</strong> muitas vezes os outros<br />

a trabalhar<strong>em</strong> por ele; é mestre <strong>em</strong> tirar proveito das situações, reconhecen<strong>do</strong> as forças e as<br />

fraquezas alheias e lançan<strong>do</strong> mão da cordialidade e amabilidade <strong>em</strong> sua fala, características<br />

importantes no traça<strong>do</strong> malandro.<br />

O protagonista, na condição de mulato, é avalia<strong>do</strong> por Ivone Minaes (1985) como um<br />

malandro nos moldes defini<strong>do</strong> por Candi<strong>do</strong> <strong>em</strong> A dialética da malandrag<strong>em</strong>. Uma vez que<br />

simultaneamente ao encarnar a malandrag<strong>em</strong>, Lalino apresenta amabilidade e cordialidade,<br />

“— Olá, Batista! Bastião, bom dia! Essa fôrça como vai?!/ — Ei, Túlio, cada vez mais, hein?/<br />

— Bom dia, seu Marrinha! Como passou de ont<strong>em</strong>?” (ROSA, 2001, p. 101); riso fácil,<br />

“Lalino Salãthiel v<strong>em</strong> bambolean<strong>do</strong>, sorridente [...] E logo comenta, risonho e burlão”<br />

(ROSA, 2001, p.101); possui, ainda, aderência aos fatos, que pod<strong>em</strong> ser observa<strong>do</strong>s,<br />

sobretu<strong>do</strong> pela capacidade desse herói de se adequar aos momentos. Ele não reflete, age<br />

impulsivamente, guia<strong>do</strong> pelos desejos mais imediatos, s<strong>em</strong> ponderar as conseqüências,<br />

simplesmente ajustan<strong>do</strong>-se aos resulta<strong>do</strong>s produzi<strong>do</strong>s por suas atitudes, viven<strong>do</strong>, desse mo<strong>do</strong>,<br />

“ao sabor da sorte”, utilizan<strong>do</strong> a astúcia para reverter uma situação adversa a seu favor.<br />

Percebe-se que ele não se curva à sociedade que o marginaliza e não assume uma posição de<br />

derrota<strong>do</strong> frente aos obstáculos que surg<strong>em</strong>.<br />

4


A linguag<strong>em</strong> é o el<strong>em</strong>ento principal da malandrag<strong>em</strong> presente no comportamento da<br />

personag<strong>em</strong> principal, e não somente a verbal, mas também a gestual. Essa hipótese já v<strong>em</strong><br />

indicada no nome <strong>do</strong> protagonista, ten<strong>do</strong> <strong>em</strong> vista que Eulálio constitui-se <strong>em</strong> um nome<br />

composto que indica <strong>do</strong>is radicais de orig<strong>em</strong> grega: eu=, advérbio cujo significa<strong>do</strong> é “b<strong>em</strong>”, e<br />

lalein de “falar”. Eulálio significa, pois, aquele que fala b<strong>em</strong>, que é bom ora<strong>do</strong>r. A linguag<strong>em</strong><br />

gestual, assim como a verbal, tende a assumir relativa importância no traça<strong>do</strong> malandro<br />

Lalino. Diversas passagens no livro contribu<strong>em</strong> a fim de indicar um destaque desse tipo de<br />

comunicação:<br />

Mas, lá detrás, escorregan<strong>do</strong> <strong>do</strong>s sacos [...], dependura o corpo para fora, oscila e pula,<br />

maneiro, Lalino Salãthiel [...] Lalino Salãthiel v<strong>em</strong> bambolean<strong>do</strong>, sorridente [...] Mas<br />

Lalino não sabe sumir-se s<strong>em</strong> executar o seu sestro, o volta-face gaiato [...] E Lalino<br />

fazia um gesto vago [...] Lalino Salãthiel gesticulava e modulava (ROSA, 2001, p.101-<br />

103).<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, esse “herói-malandro” persuade pessoas à sua volta por meio da<br />

comunicação adequada a cada interlocutor; a astúcia pode ser inclusive evidenciada pela<br />

utilização da linguag<strong>em</strong> que opera o convencimento e faz Lalino <strong>do</strong>minar a situação; a<br />

cordialidade e a simpatia de que v<strong>em</strong> carregada a comunicação da personag<strong>em</strong> faz com que<br />

ele se saia b<strong>em</strong> <strong>do</strong>s mais adversos momentos <strong>em</strong> que se encontra, levan<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s, como se diz<br />

popularmente, “no bico”.<br />

A respeito da composição dessa personag<strong>em</strong>, pode-se ainda levar <strong>em</strong> conta a relação<br />

intertextual com a lenda de Pedro Malasartes, que assim como Lalino, é um anti-herói da<br />

gente simples, que a<strong>do</strong>ra artes e está quase s<strong>em</strong>pre contra os mais ricos e poderosos. Chega<br />

atrasa<strong>do</strong> no trabalho, porém consegue conquistar o chefe, ganhar o dia e fazer com que<br />

pens<strong>em</strong> <strong>em</strong> lhe arrumar um <strong>em</strong>prego melhor.<br />

Sua genealogia é da “grei <strong>do</strong>s sapos”. A referência ao sapo da fábula “A festa no<br />

céu”, traz a previsão que ele t<strong>em</strong> a sorte <strong>do</strong>s sapos, como o sapo da festa que consegue<br />

enganar até o anfitrião, São Pedro, e retorna são e salvo a terra através de sua malícia. “A<br />

festa no céu” consiste na estória <strong>do</strong> sapo que vai para o céu dentro da viola <strong>do</strong> urubu e que,<br />

perden<strong>do</strong> o amigo cága<strong>do</strong> que é esborracha<strong>do</strong> numa pedra, ao final da festa se vê obriga<strong>do</strong> a<br />

arrumar um outro jeitinho de voltar a terra.<br />

Lalino v<strong>em</strong> de um lugarejo chama<strong>do</strong> Rio-<strong>do</strong>-Peixe, que r<strong>em</strong>ete um parentesco<br />

alegórico de Lalino com os sapos e as rãs, como a estória da rã catacega, que, trepan<strong>do</strong> na laje<br />

e ven<strong>do</strong> o areal rebrilhante à soalheira, gritou - "Eh, aguão!..." - e pulou com gosto, e,<br />

queiman<strong>do</strong> as patinhas, deu outro pulo depressa para trás. Estes anfíbios ora terrestres, ora<br />

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aquáticos, são inconstantes, como sua conduta e seu próprio nome: Eulálio de Souza Salãthiel,<br />

Senhor Eulálio, Lalino Salãthiel, Lalino, Seu Laio e Laio. Esses nomes aparec<strong>em</strong> de acor<strong>do</strong><br />

com sua reação de espírito malandro.<br />

O heroísmo de Lalino é exatamente vender sua mulher e com o dinheiro ir para o Rio<br />

de Janeiro e lá gastar tu<strong>do</strong> até regressar e reconquistar a esposa s<strong>em</strong> devolver o dinheiro ao<br />

espanhol Ramiro que tinha paga<strong>do</strong> por Maria Rita, e ainda sai glorifica<strong>do</strong> da situação. Ele t<strong>em</strong><br />

uma luta vitoriosa – ganha as eleições para o Major e recupera Maria Rita, tornan<strong>do</strong>-se um<br />

“herói às avessas”.<br />

Ao voltar a seu vilarejo corre imediatamente a sua ex-casa onde a ex-mulher não o<br />

guardava (como o pai <strong>do</strong> filho pródigo). Não obten<strong>do</strong> sucesso <strong>em</strong> rever Maria Rita, fica a<br />

cont<strong>em</strong>plar a natureza: “Toma a trilha da beira <strong>do</strong> córrego. Mas, que lindeza que é isto aqui!<br />

Não é que eu não me l<strong>em</strong>brava mais deste lugar?!” (ROSA, 2011, p. 122). E novamente lança<br />

mão da música para acalmar as paixões: “Eu estou triste como sapo na água suja...” (ROSA,<br />

2011, p. 123).<br />

Além de ludibriar as pessoas, Lalino t<strong>em</strong> também um interesse por algumas<br />

modalidades artísticas, como o teatro e a música. Oscar, inclusive, critica a postura sonha<strong>do</strong>ra,<br />

fingi<strong>do</strong>ra e artística de Lalino: “precisa tomar juízo, fazer o que to<strong>do</strong>-o-mun<strong>do</strong> faz!...”<br />

(ROSA, 2011, p. 125). O interesse <strong>do</strong> protagonista pelo teatro é grande, inclusive, segun<strong>do</strong><br />

ele, estava responsável pela organização da peça Visconde sedutor, no qual se estabelece uma<br />

relação indissociável entre gesto e a palavra. Parece desse mo<strong>do</strong> que a sedução malandra da<br />

personag<strong>em</strong> principal é caracterizada pela associação da linguag<strong>em</strong> verbal à mímica.<br />

Assim, se por um la<strong>do</strong>, o protagonista é sedutor como o Visconde da peça que<br />

organiza, por meio da aplicação de uma linguag<strong>em</strong> adequada a cada interlocutor; por outro<br />

la<strong>do</strong>, ele d<strong>em</strong>onstra falta de caráter, pois é obriga<strong>do</strong> constant<strong>em</strong>ente a utilizar essa sedução<br />

verbal para fugir de suas obrigações. Percebe-se, assim, a personalidade <strong>do</strong> protagonista como<br />

conseqüência da sua evidente procedência folclórica. Ele não tinha nenhum escrúpulo <strong>em</strong><br />

iludir o chefe, prejudicar os companheiros ou vender sua mulher como se fosse um objeto<br />

para levar uma vida devassa no Rio de Janeiro; esse comportamento é compensa<strong>do</strong> pela<br />

amabilidade e cordialidade, fruto de sua condição de híbri<strong>do</strong>.<br />

Híbri<strong>do</strong> também é a forma <strong>do</strong> extenso conto de Rosa: pre<strong>do</strong>minância de diálogos e<br />

descrições, introduzin<strong>do</strong> um novo mo<strong>do</strong> de leitura da parábola bíblica, cruzan<strong>do</strong> o texto<br />

folclórico com a literatura estrangeira, como a citação <strong>do</strong>s títulos Vingança <strong>do</strong> Bastar<strong>do</strong>, de<br />

Eleonora Vorsky (pseudônimo de Alexandro Macha<strong>do</strong>) e Um Visconde Sedutor de Jenna<br />

Petersen.<br />

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literária:<br />

Lalino inventa sua peça de teatro, com vozes, cenário, atos, conforme a regra<br />

- O primeiro ato, é assim, seu Marrinha: quan<strong>do</strong> levanta o pano, é uma casa de<br />

mulheres. O Visconde, mais os companheiros, estão beben<strong>do</strong> junto com elas,<br />

aprecian<strong>do</strong> música, dançan<strong>do</strong>... T<strong>em</strong> umas vinte, todas bonitas, umas vestidas de luxo,<br />

outras assim... s<strong>em</strong> roupa nenhuma quase...<br />

- Tu está louco, seu Laio!?... Onde que já se viu esse despropósito?!... Até o povo<br />

jogava pedra e dava tiro <strong>em</strong> cima!... N<strong>em</strong> o subdelega<strong>do</strong> não deixava' a gente aparecer<br />

com isso <strong>em</strong> palco... E as famílias, hom<strong>em</strong>? Eu quero é levar peça para famílias...<br />

Você não estará inventan<strong>do</strong>? Onde foi que tu viu isso?<br />

- Ora, seu Marrinha, pois onde é que havia de ser?!... No Rio de Janeiro! Na capital...<br />

Isso é teatro de gente escovada... (ROSA, 2001, p.108).<br />

Lalino nesta época não conhecia Rio de Janeiro, mas a sua mente fértil lhe fazia um<br />

Visconde Sedutor que descobre uma atração poderosa de conhecer as delícias da cidade<br />

grande.<br />

Rosa transforma seu conto <strong>em</strong> um texto extenso, ao fazer relações com tantos outros<br />

textos, como as estórias <strong>do</strong> universo folclórico, <strong>do</strong> teatro, <strong>do</strong> drama de “Visconde Sedutor”.<br />

Observa-se que na análise intertextual não existe a pura repetição, sen<strong>do</strong> que o trabalho<br />

literário exerce s<strong>em</strong>pre uma função crítica sobre a forma e conteú<strong>do</strong>, quer a intencionalidade<br />

seja explícita ou não.<br />

2. A volta <strong>do</strong> conto no teatro<br />

Paulo Hecker Filho, crítico literário porto alegrense, publica, <strong>em</strong> 1987, (41 anos após<br />

a publicação de Sagarana por Guimarães Rosa), A volta <strong>do</strong> Mari<strong>do</strong> <strong>Pródigo</strong>: a volta <strong>do</strong> conto<br />

rosiano para a literatura brasileira por meio da adaptação teatral.<br />

Acredita-se que não foi difícil esta tarefa, pois o próprio Guimarães Rosa deu<br />

indícios no conto para uma versão teatral, como o próprio Hecker aponta no prefácio: “estive<br />

s<strong>em</strong>pre ven<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> <strong>em</strong> <strong>cena</strong>” (...) “Além das alusões no texto ao teatro como meta beleza, se<br />

sente, ao adaptar, que tinha uma visão nítida da peça possível, como sua evolução dramática”<br />

(HECKER, 1987, p. 5).<br />

A adaptação teatral de Hecker se apóia na criação da personag<strong>em</strong> principal, Seu<br />

Laio, como o conto que, aliás, se intitula também “Traços biográficos de Latino Salãthiel”.<br />

Comparan<strong>do</strong> os <strong>do</strong>is textos, percebe-se que não há fronteira nítida entre gêneros. A própria<br />

palavra volta sugere aqui a circunferência, um contorno que não se sabe onde está o início<br />

n<strong>em</strong> o fim. Rosa, ao escrever o conto, já borra essas fronteiras, pois ao invés de escrever uma<br />

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narrativa curta, própria de um conto, escreve uma narrativa extensa, cheia de ação, descrições<br />

e humor.<br />

Paulo Hecker Filho (1987, p. 5), “s<strong>em</strong> se deixar levar pelas interpretações” (como ele<br />

mesmo diz no prefácio), traz de volta à <strong>cena</strong> da arte brasileira, o mulato Laio, agora, com um<br />

conjunto de sapos mais evidentes (O Sapo Grande e outros três). Uma hora depois <strong>do</strong> conto,<br />

se passa as ações <strong>do</strong> texto teatral: no conto a saga inicia às “dez horas da manhã”; e na<br />

adaptação, “às onze horas da amanhã”, o que parece sugerir poucas mudanças na adaptação.<br />

O narra<strong>do</strong>r <strong>do</strong> conto aparece no texto de Hecker como a figura dramática ALTO-<br />

FALANTE. Normalmente, de acor<strong>do</strong> com Brook (1970), o texto teatral dispensa o narra<strong>do</strong>r,<br />

porque no teatro a história não é contada, mas, sim, mostrada pelas personagens vividas pelos<br />

atores. Entretanto, Hecker não dispensa o narra<strong>do</strong>r (que é o alto-falante), os diálogos e as<br />

rubricas (didascálias) que já constituíam el<strong>em</strong>entos de ação dramática no conto rosiano.<br />

As rubricas (didascálias), segun<strong>do</strong> Brook (1970), são el<strong>em</strong>entos <strong>do</strong> teatro que<br />

orientam os atores sobre o momento de proceder no palco. Contu<strong>do</strong>, Rosa <strong>em</strong> seu conto já<br />

utilizava este recurso entre parênteses: “(Correia tinha feito uma cara ruim...); (Generoso<br />

aceita, calada a boca)” (ROSA, 2001, p. 103-104). Essas frases ou palavras indican<strong>do</strong> o<br />

ambiente, a época, os costumes, os gestos, os objetos e entonações de voz <strong>do</strong>s atores grafadas<br />

entre parênteses, também, foram reutilizadas no texto de Paulo Hecker s<strong>em</strong> negrito para<br />

diferenciar das falas grafadas <strong>em</strong> negrito.<br />

Paulo Hecker Filho, <strong>em</strong> relação às falas, apenas tirou os sinais de travessões que<br />

indicam início das falas das personagens no conto, e utilizou a separação por nomes de<br />

personagens grafadas com letras maiúsculas: OS SAPOS, ALTO-FALANTE, BASTIÃO,<br />

ESTEVÃO, MARRA, GENEROSO, CORREIA, LAIO, RAMIRO, MARIA RITA, JIJO,<br />

OSCAR, ANACLETO, LAUDÔNIO, VIGÁRIO, SECRETÁRIO DO INTERIOR. Também,<br />

ao invés de dividir o texto <strong>em</strong> IX capítulos, dividiu-o <strong>em</strong> <strong>do</strong>is Atos: Primeiro Ato, A<br />

PARTIDA, p. 11; Segun<strong>do</strong> Ato, A VOLTA, p. 51.<br />

Assim há apenas um encontro, uma volta realmente <strong>do</strong> conto rosiano ao roteiro<br />

teatral de Hecker. <strong>Volta</strong>ram os gestos, as rubricas, as falas idênticas (exceto <strong>do</strong>s sapos que<br />

foram acresci<strong>do</strong>s numa referência a SAGARANA), os repertórios musicais... Os gestos<br />

continuam não enclausura<strong>do</strong>s pelas palavras! Cada um t<strong>em</strong> o seu lugar importante. Agora os<br />

sapos, na adaptação, ocuparam uma posição mais “elevada”: iniciar e terminar o drama.<br />

O crítico Paulo Hecker Filho interessou pelos sapos que estavam diluí<strong>do</strong>s no conto e<br />

assim ressaltou a qualidade da en<strong>cena</strong>ção. No conto, o sapo era um intertexto. Na peça teatral,<br />

uma das personagens mais importantes acopla<strong>do</strong> a Laio (o Sapo Grande). Como na análise<br />

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intertextual <strong>do</strong> conto, na peça teatral, Laio é compara<strong>do</strong> aos sapos. Hecker Filho inicia seu<br />

texto, depois de descrever o cenário, com quatro sapos num estranho diálogo:<br />

O SAPO GRANDE<br />

Saga!<br />

OS OUTROS TRÊS<br />

- rana!<br />

SAPO GRANDE<br />

Saga!<br />

OS TRES<br />

- rana!<br />

SAPO GRANDE<br />

Sagarana!<br />

OS TRÊS<br />

Sagarana!<br />

SAPO GRANDE<br />

Chico?<br />

OS TRÊS<br />

Nhô?<br />

SAPO GRANDE<br />

Você vai?<br />

OS TRÊS<br />

Vou!<br />

SAPO GRANDE<br />

Quan<strong>do</strong> eu morrer, qu<strong>em</strong> é que fica com os meus filhos?<br />

OS TRÊS<br />

(Consecutivamente) - Eu não... Eu não! (O primeiro, forte) Eu não!<br />

(...)<br />

SAPO GRANDE<br />

Quan<strong>do</strong> eu morrer, qu<strong>em</strong> é que fica com a minha mulher?<br />

OS TRÊS<br />

(Exultantes) – É eu! É eu! É eu! É eu! É eu!<br />

SAPO GRANDE<br />

(Com humor) – Saga!<br />

OS TRÊS<br />

(Dionisíacos) – rana! Sagarana! Sagarana!<br />

(HECKER, 1987, p. 11-13)<br />

Além <strong>do</strong> título <strong>do</strong> texto, esse coaxar <strong>do</strong>s sapos r<strong>em</strong>ete ao livro de Guimarães Rosa,<br />

Sagarana. Palavra esta que significa “próximo a uma saga”: saga – radical de orig<strong>em</strong><br />

germânica significan<strong>do</strong> “canto heróico”, “lenda”; e -rana – sufixo de orig<strong>em</strong> tupi significan<strong>do</strong><br />

“que exprime s<strong>em</strong>elhança”. Essas vozes <strong>do</strong>s sapos faz<strong>em</strong> alusão à malandrag<strong>em</strong> que há nas<br />

relações sociais regidas pelos interesses: homens se interessam mais por mulheres <strong>do</strong> que por<br />

filhos.<br />

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O Sapo-rei no conto é r<strong>em</strong>eti<strong>do</strong> às ações de Lalino, aqui, o Sapo Grande,<br />

acompanha<strong>do</strong> <strong>do</strong> artigo defini<strong>do</strong> funciona como anafórico, ou seja, indica um sapo que já<br />

conhec<strong>em</strong>os – o Seu Lalino <strong>do</strong> conto que volta para sua mulher. Assim se t<strong>em</strong> o desfecho da<br />

peça:<br />

SAPO GRANDE<br />

Saga!<br />

OS OUTROS TRÊS<br />

(Saltan<strong>do</strong> e gritan<strong>do</strong> <strong>em</strong> fuzarca) - rana! - rana! - rana!<br />

SAGARANA!<br />

SAPO GRANDE<br />

E qu<strong>em</strong> é que fica com os meus filhos quan<strong>do</strong> eu<br />

morrer?!<br />

OS TRES<br />

Eu não! Eu não! Eu não! Eu não! Eu não!<br />

SAPO GRANDE<br />

Pobres órfãos!... Pobres órfãos!... Saga!<br />

OS TRÊS<br />

- rana!<br />

SAPO GRANDE<br />

(com fleuma humorística) – E qu<strong>em</strong> é que fica com a<br />

minha mulher?...<br />

OS TRÊS<br />

(separa<strong>do</strong>s e juntos com entusiasmo) – É eu! É eu! É eu!<br />

É eu! É eu!<br />

SAPO GRANDE<br />

(depois dum pestanejo malicioso, com clareza) – Mas é<br />

que eu ainda não morri!... Tou vivo, mulher, e tou<br />

in<strong>do</strong>!<br />

(HECKER, 1987, p. 107,108)<br />

Os outros sapos ficaram jururus, como os companheiros de Lalino quan<strong>do</strong> este<br />

retornou para casa. To<strong>do</strong>s queriam a sua mulher. Mas no conto não aparece sinais de crianças<br />

<strong>do</strong> casal. Assim esta adaptação teatral, ao trazer o conto para um outro contexto, amplia o<br />

humor e a crítica da sociedade através <strong>do</strong> circuito <strong>do</strong>s sapos que aparec<strong>em</strong> e reaparec<strong>em</strong> no<br />

palco humano.<br />

FECHA-SE A CORTINA<br />

A volta <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> pródigo, seja o conto ou a adaptação teatral de Paulo Hecker<br />

Filho, não foge à maneira de outros textos rosiano: s<strong>em</strong>pre nos trazen<strong>do</strong> mais inquietações <strong>do</strong><br />

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que respostas; transmitin<strong>do</strong> perguntas, fazen<strong>do</strong>-nos não aceitar facilmente as convenções que<br />

nos são oferecidas; ou seja, exigin<strong>do</strong> <strong>do</strong> leitor uma atitude de reflexão frente à sociedade.<br />

Tanto o conto como o roteiro teatral t<strong>em</strong> uma gramática gestual, uma criação poética,<br />

forte o suficiente para colocar personagens frente ao especta<strong>do</strong>r/leitor. É possível enxergar as<br />

<strong>cena</strong>s! E ao comparar o conto de Rosa com o roteiro teatral de Hecker, é possível intensificar<br />

esteticamente ainda mais o diálogo com o especta<strong>do</strong>r, pois os sapos coaxam audivisivelmente.<br />

Em A volta <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> pródigo, de Paulo Hecker Filho há repetições das falas das<br />

personagens e <strong>do</strong> narra<strong>do</strong>r/alto-falante, com o acréscimo <strong>do</strong> circuito <strong>do</strong>s sapos. Percebe-se<br />

que o conto de Guimarães, mesmo não estan<strong>do</strong> no formato de roteiro teatral, já poderia ser<br />

en<strong>cena</strong><strong>do</strong>, pois o texto é to<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong> de diálogo entre personagens e outros el<strong>em</strong>entos<br />

próprios <strong>do</strong> teatro. Como diz Hecker (1987, p. 5), “t<strong>em</strong> a vitalidade de uma comédia clássica”,<br />

apoiada na criação de uma grande personag<strong>em</strong>, Laio.<br />

Essas realizações propriamente poéticas da criação de Laio, além de apresentar um<br />

vasto material folclórico e sociológico, imprescindível para o conhecimento de um “mulato<br />

brasileiro”, iluminam trevas que vai nos fazer sorrir, como o <strong>do</strong>no <strong>do</strong>s bois no dito: “Pra uns<br />

as vacas morr<strong>em</strong>, pra outros até boi pega a parir”...<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

BROOK, Peter. O teatro e seu espaço. Petrópolis: Vozes, 1970.<br />

CARVALHAL, Tânia. O próprio e o alheio: ensaios de literatura comparada. São Leopol<strong>do</strong>:<br />

UNISINOS, 2003.<br />

HECKER FILHO, Paulo. A volta <strong>do</strong> Mari<strong>do</strong> <strong>Pródigo</strong>. Comédia extraída de um conto de<br />

Guimarães Rosa. Porto Alegre: Tchê, 1987.<br />

MINAES, Ivone. A linguag<strong>em</strong> malandra <strong>em</strong> Guimarães Rosa. Revista de Letras. São Paulo,<br />

n. 25, p. 25-34, 1985.<br />

ROSA, João Guimarães. Sagarana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.<br />

SAMOYAUT, Tiphaine. A Intertextualidade. Trad. Sandra Nitrini. São Paulo: Hucitec. 2008.<br />

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WELLEK, René. Conceitos de crítica. São Paulo: Cultrix, 1980.<br />

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