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Boias-frias e suas máquinas sonhadoras - Agenciawad.com.br

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povoavam os sonhos de uma sociedada e, <strong>com</strong>o a realização de um desejo proibido, os<<strong>br</strong> />

sonhos de um “bóia-fria”: ser dono de um carro.<<strong>br</strong> />

Alguns fragmentos de cadernos de campo, tendo <strong>com</strong>o protagonistas os “bóias-<strong>frias</strong>” e as<<strong>br</strong> />

“<strong>máquinas</strong> dos homens”, irrompem no presente <strong>com</strong>o instantâneos saturados de tensões.<<strong>br</strong> />

Certa vez, num fim de tarde, enquanto a turma, sob pressões do “gato”, parecia aumentar o<<strong>br</strong> />

ritmo de trabalho, num impulso final para terminar os “eitos”, “Pagé”, que parecia ter<<strong>br</strong> />

entrado num estado de devaneio, olhava ao longe para a figura do fazendeiro, dono dos<<strong>br</strong> />

canaviais, uma imagem rara no cotidiano dos “bóias-<strong>frias</strong>”. Uma carregadeira de cana<<strong>br</strong> />

aproximava-se. “Pagé” <strong>com</strong>entou: “Ele é dono dessas <strong>máquinas</strong>.” “Bidú”, um colega de<<strong>br</strong> />

trabalho, não resistiu: “Ai, ai, ele gosta de homem que tem máquina.” Num lampejo,<<strong>br</strong> />

“Pagé” disse: “O homem faz a máquina e a máquina destrói o homem.”<<strong>br</strong> />

Às vezes, quando “bóias-<strong>frias</strong>” encontravam-se nesse estado, era <strong>com</strong>o se os seus corpos,<<strong>br</strong> />

enquanto forças da natureza, reagissem, sonhando, tais <strong>com</strong>o nas gravuras de Grandville,<<strong>br</strong> />

contra o domínio das <strong>máquinas</strong>. Imagens de desejo interrompiam o tripalium (“Já pensou,<<strong>br</strong> />

João, nós deitado numa piscina, agora, e uma mulher gostosa do lado, assim, só <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

barbantinho aqui, esfregando o corpo e passando óleo, ah...”). Os “ninhos de amor” (ou<<strong>br</strong> />

“camas de palha”) encontrados em meio aos canaviais e as cascas de laranja em barrancos<<strong>br</strong> />

de riachos, onde “bóias-<strong>frias</strong>” às vezes nadavam quando “escapavam” dos “eitos”, eram<<strong>br</strong> />

indícios dessas interrupções. Às vezes, também, as imagens de desejo, invertendo<<strong>br</strong> />

inversões, provocavam a erupção do proibido, através de visões de “bóias-<strong>frias</strong>” <strong>com</strong> as<<strong>br</strong> />

<strong>máquinas</strong> dos sonhos sob seu domínio (“Meu sonho é ter um Passat, mmmmm... Eu, assim,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> uma mão no volante e outra aqui, <strong>com</strong> a menina colada em mim... Aí, voce ia ver.”).<<strong>br</strong> />

No fragmento acima citado, porém, a imagem que havia colocado “Pagé” num estado de<<strong>br</strong> />

estupor era a do próprio fazendeiro que, ao longe, fazia o papel de ator principal no palco<<strong>br</strong> />

dramático dos canaviais. O riso debochado do “Bidú” interrompe a ação: “Ai, ai, ele gosta<<strong>br</strong> />

de homem que tem máquina.” Nesse instante, “Pagé” transforma um devaneio em uma<<strong>br</strong> />

imagem dialética: “O homem faz a máquina e a máquina destrói o homem.”<<strong>br</strong> />

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