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palcos #3 - Federação Portuguesa de Teatro

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<strong>de</strong>vo estar mesmo maluco, agora já oiço as pedras a falar.<br />

PEDRA: Tu não estás maluco, sou mesmo eu que estou a falar contigo. Andas tão<br />

preocupado com a tua vida que nem consegues ver a vida dos que te ro<strong>de</strong>iam.<br />

FRANCISCO: Eu logo vi que não <strong>de</strong>via dar ouvidos ao psiquiatra, nunca <strong>de</strong>via ter<br />

começado a tomar a Veleriana, o Xanax, e os calmantes todos, isto não adianta nada só<br />

me põe mais maluco.<br />

PEDRA: Os comprimidos não são a solução para a tua vida. A solução está em ti e não<br />

nos químicos, se tu não procurares as respostas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> ti, vais continuar a culpar os<br />

outros pelos teus próprios erros.<br />

FRANCISCO: Ai a culpa dos meus problemas é minha? Então a culpa da minha mulher ter<br />

fugido com o contabilista lá da empresa <strong>de</strong>la é minha? Não fui eu que me meti na cama<br />

<strong>de</strong>le, não fui eu que an<strong>de</strong>i com mentirinhas, não fui eu que larguei o lar e a troquei por<br />

uma miúda mais nova.<br />

PEDRA: Será que não lhe <strong>de</strong>ste motivos para ela fazer isso? Quando foi a última vez que a<br />

levaste a jantar fora? Quando foi a ultima vez que a abraçaste e lhe disseste - amo-te, ou -<br />

sem ti nada disto faz sentido? És linda? Quando foi a última vez que ficaste acordado<br />

mais umas horas durante a noite só para ouvires o que ela sentia em relação aos<br />

problemas da vossa família?<br />

FRANCISCO: Está bem está. Ela afastou-se <strong>de</strong> mim <strong>de</strong> um momento para o outro, <strong>de</strong>ixou<br />

<strong>de</strong> ligar, sempre que eu chegava a casa já estava a dormir, sempre que queria fazer amor<br />

com ela estava com dores <strong>de</strong> cabeça, só me ligava com conversas da treta. Ela não via que<br />

eu estava a trabalhar para a nossa vida, para a nossa casa, para um dia sermos felizes.<br />

PEDRA: Um dia? Qual dia?<br />

FRANCISCO: Sei lá, um dia…<br />

PEDRA: Não vês que a magia que vocês tinham se per<strong>de</strong>u. Em tempos via-os aos dois<br />

neste banco a sonhar com o vosso casamento, com os vossos filhos que um dia iriam<br />

nascer, com os vossos passeios nas noites quentes <strong>de</strong> Verão, os jantares à luz das velas na<br />

vossa casa, as vossas noites. Aos poucos vi-os a passar aqui <strong>de</strong> longe a longe, já cada um<br />

no seu carro, na correria das vossas vidas, enfim <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong> os ver juntos. Todos os vossos<br />

sonhos ficaram perdidos nesta rua.<br />

FRANCISCO: (pensativo) Olha ainda bem que falaste nos meus filhos, sabes o que é que<br />

eles querem? É dinheiro e mais dinheiro, dinheiro para as férias, dinheiro para o cinema,<br />

dinheiro para a roupa, dinheiro para os jogos, dinheiro, dinheiro, dinheiro, só assim são<br />

felizes, e ele não cai do céu alguém tem <strong>de</strong> trabalhar…<br />

PEDRA: Será que o que eles querem é mesmo isso? Quando foi a última vez que quiseste<br />

saber quais as suas dúvidas? O que os atormenta? As suas paixões? Os seus sonhos?<br />

FRANCISCO: Tu sabes lá o que dizes, eu quero saber da vida <strong>de</strong>les, por isso lhes pago a<br />

Universida<strong>de</strong> todos os meses, e a casa, e os luxos todos, para eles virem a ser alguém um<br />

dia.<br />

Revista<br />

# <strong>palcos</strong> 03<br />

22<br />

março ‘12

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