o humanismo português entre o latim eo astrolábio - Núcleo de ...
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O relato prossegue com a afirmação <strong>de</strong> que D. Manuel <strong>de</strong>cidira fazer o mesmo em<br />
Lisboa, colocando em disputa um elefante e um rinoceronte. Antes <strong>de</strong> contar o que lá<br />
aconteceu, Góis proce<strong>de</strong> a um exame das características <strong>de</strong>sses seres, don<strong>de</strong> as narrativas<br />
prece<strong>de</strong>ntes, que intercalam citações <strong>de</strong> Plínio, Solino, etc, e “testemunhos confiáveis” <strong>de</strong><br />
portugueses.<br />
Três subsídios para a compreensão do problema impõem-se: (i) os autores antigos,<br />
que funcionavam como aparato <strong>de</strong> legitimação da argumentação, ao mesmo tempo em que<br />
compunham o mo<strong>de</strong>lo a ser superado – e não só imitado. (ii) Os relatos contemporân<strong>eo</strong>s,<br />
responsáveis por mostrar como os portugueses lidaram com o novo <strong>de</strong> forma mais produtiva<br />
que seus ancestrais – também aten<strong>de</strong>m ao propósito <strong>de</strong> legitimação, agora prática, sob o<br />
manto protetor da ascensão da experiência. Por fim, (iii) a conexão <strong>entre</strong> os dois parâmetros<br />
citados pelo testemunho do próprio autor 5 - será evi<strong>de</strong>nciada a seguir -, fórmula capaz <strong>de</strong><br />
atrair a atenção e enaltecer aquele que produz o texto, um agente reunidor da tensão<br />
experiência-t<strong>eo</strong>ria, então em voga. Um agente verda<strong>de</strong>iramente capaz <strong>de</strong> dizer a verda<strong>de</strong> 6 .<br />
Seria possível insinuar, <strong>de</strong> todo modo, que histórias tão fantásticas têm lugar nas<br />
crônicas somente por representarem uma realida<strong>de</strong> distante daquela vivida pelos leitores – e<br />
pelo redator -, susceptíveis que seriam à crença quase irrestrita das notícias <strong>de</strong> longe. Mas<br />
po<strong>de</strong>mos complexificar a questão, perseguindo as raízes do modo <strong>de</strong> arquitetar a crônica<br />
segundo Damião <strong>de</strong> Góis, a tessitura <strong>de</strong> sua intriga (para lembrar Ricoeur); para tanto, surge-<br />
nos um elefante que chegou ao centro reino – à Lisboa.<br />
Escreve Góis:<br />
Diz Solino que quando os querem embarcar pera os leuarem <strong>de</strong> uma provincia pera<br />
outra, que o nam querem fazer sem lhes prometerem & jurarem os que os leuam, que os ham <strong>de</strong><br />
tornar aquelle mesmo porto don<strong>de</strong> partem, o que he uerda<strong>de</strong> porque eu fui presente quando na<br />
cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lisboa no caes da pedra embarcaram o elephante que El Rei mandou ao Papa Leão<br />
<strong>de</strong>cimo, como atras fica dito, o qual senam quis nunca meter na barca pera o leuarem a nao,<br />
ate que El Rei mandou per duas vezes recado aho indio que o regia, que <strong>de</strong> sua parte lhe<br />
dixesse que se embarcasse, porque ele lhe prometia por sua fé real que o mandaua a outro mor<br />
senhor que ele <strong>de</strong> quem havia <strong>de</strong> ser melhor tractado, & que se isto nam fosse assi, lhe<br />
prometia trazer ao mesmo lugar don<strong>de</strong> partia. (GÓIS, 1749, p. 478) [grifos meus]<br />
5 Na opinião <strong>de</strong> Luís <strong>de</strong> Matos, o interesse <strong>de</strong> Góis pela história teria começado por sua própria observação.<br />
Quando jovem, viveu em Lisboa, tendo sido pajem na corte <strong>de</strong> D. Manuel I. Teve inúmeras oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
ouvir os relatos <strong>de</strong> navegantes que chegavam ao porto; além disso, “il était présent à l’embarquement <strong>de</strong><br />
l’éléphant, du léopard et du cheval persan envoyés par Emmanuel Ier lors <strong>de</strong> l’ambassa<strong>de</strong> d’obédience à L<strong>eo</strong>n<br />
X.” MATOS, 1991, p. 438.<br />
6 A noção <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>, muito ligada à idéia moral ciceroniana, encontra-se no cerne da escrita <strong>de</strong> Góis. Cf.<br />
SOARES, 2003, p. 14.<br />
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