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Os Irmãos Leme - Unama

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www.nead.unama.br<br />

Em Cuiabá, porém, o vigário recusa-se a confirmar o casamento. Faz mais:<br />

anula-o. E anula-o publicamente! Ah, o desaforo foi como um golpe de chibata. <strong>Os</strong><br />

<strong>Leme</strong>s, chuçados no seu orgulho, pulam, sanhudos, como um bando de caetetus.<br />

— Cavichí, ajunte o povo!<br />

Cavichí ajunta o povo. E a caterva, aquela ameaçante caterva de desordeiros<br />

e de matadores, lá vai, aos bufos, desagravar iradamente a honra menoscabada dos<br />

dois régulos. Cercam eles a casa do vigário. E, "com desmedido estrondo de<br />

armas", invadem-na, matam gente, chacinam - um fim de mundo!<br />

O vigário, por milagre, consegue escapulir. E foge, são e salvo, mas aterrado,<br />

a caminho de São Paulo.<br />

Pascoal Moreira era homem reto. Homem tosco, sim mas limpo de coração.<br />

Aquela insolência, aquele ímpio desacato ao vigário, revoltou-o. O velho, mesmo<br />

sem força armada, não pode sofrer calado tão despejados atrevimentos.<br />

— Vancês desembarcaram aqui com semblante de paz. Mas vejo que era só<br />

semblante. Pois vancês não truxeram senão guerra. Fiquem porém, avisados: de<br />

hoje prá diante, eu não deixarei, sem castigo, os desaforos de vancês...<br />

Não foi preciso mais. <strong>Os</strong> <strong>Leme</strong>s aceitaram prontamente o desafio:<br />

— Cavichí, ajunte o povo!<br />

E saem à rua como onças. Saem com o seu bando de facínoras. Que negra<br />

chusma de homens broncos! Vêm todos vestidos de couro, sapatorras de cordovão,<br />

botas altas de bezerro cru. Trazem armas de todo jeito - mosquetes de Biscaia.<br />

bacamartes, adagas, facões-de-mato, compridas lapianas de folha larga. Vem tudo,<br />

pela vila, em algazarra amedrontadora, por entre roncos de buzina e estrépitos de<br />

caixas. O povo alvorotado, corre a ver o tropel. O povo entremeia-se à chusma. A<br />

chusma engrossa. Que é aquilo? A chusma engrossa mais. E engrossa ainda. Credo,<br />

que são aqueles estrépitos e roncos? E vêm todos. E acorre a vila inteira. Até que<br />

enfim, na praça do povoado, estaca a multidão borrascosa. <strong>Os</strong> sertanejos, sem<br />

compreender, rodeiam estupefatos os <strong>Leme</strong>s. E Lourenço <strong>Leme</strong>, com o seu linguajar:<br />

— Este arraiar de Cuiabá, moçada, tá sem governança. E não se pode, no<br />

sertão, vivê deste jeito. É perciso, pro sussego da vila, que o povo tenha Regente. É<br />

perciso tratá, hoje, de elegê o nosso chefe. Quem há de sê? Pasquár Moreira?<br />

A caboclada ouve, surpresa, aquela fala. Ninguém responde. Cai súbito<br />

silêncio na praça. E Lourenço:<br />

— Pasquár Moreira? Não! Esse já não serve mais. Tá velho. Tá velho e sem<br />

ânimo. Não é mais home prô sertão. Por isso, moçada, eu, co'a minha gente, digo<br />

aqui diante de vancês: Pasquár Moreira não há de sê o Regente de Cuiabá! E hão<br />

há de sê, moçada, porque eu não deixo! Não há de sê porque eu, co'a minha gente,<br />

boto esse home daqui prá fora, sendo perciso, a tiro de trabuco!<br />

<strong>Os</strong> de Cuiabá escutam aquilo com espanto Mas o espanto deles é<br />

passageiro. Aquela gente é ruim. Aquela gente é chucra demais para ter no peito<br />

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