Os Irmãos Leme - Unama
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Lourenço <strong>Leme</strong>, vendo o serviço findo, mete um pontapé no velho:<br />
www.nead.unama.br<br />
— Fique por ai, traste. E dê graça de ficá com vida! O que eu devia fazê, por<br />
via de dúvida, era metê um balázio no teu bucho. Não faço de dó. Mas vancê — veja<br />
bem! — não queira se engraçá comigo, senão...<br />
— Aponta, ameaçante, o trabuco de boca larga enfiado no cintão de couro. E<br />
sai, pisando duro, com a sua emproada soberba de mandão rústico.<br />
O capão de angico lá estava, lá, no cotovelo da estrada, como um borrão<br />
pastoso na alvura do luar. Havia negro magote de cavalos entre as árvores. João<br />
<strong>Leme</strong>, rodeado de peões, chasqueava das moças:<br />
— Então, siá dona, gostô da festa do Penteado?<br />
As filhas de João Cabral não tinham ânimo de gaguejar palavra. Aquilo as<br />
estupidificara. Elas tinham o sangue parado nas veias. Que irá acontecer?<br />
— Então, siá dona, gostô da festa?<br />
Surgem nesse momento os retardatários. E Lourenço <strong>Leme</strong>, sem mais delongas:<br />
— Vamos reparti a prêa, João!<br />
Chega-se rente às moças. E aponta a mais velha:<br />
— Esta diaba foi a que dançô comigo, João. Eu quero ela prá mim.<br />
— Eu quero aquela do meio...<br />
— Pois bote ela na garupa do cavalo e toque... A outra, aquela morena<br />
peituda, que fique prá Pero <strong>Leme</strong>, que tá no rancho esperando.<br />
Torna-se para os caboclos:<br />
— Agora, moçada, a cavalo! Toca prô pôso! <strong>Os</strong> caboclos montam. Nisto,<br />
Ângelo Cardoso intervém:<br />
— Ainda falta uma, sô Lourenço. É a Maruca. Essa ficô no sítio. Se vancê<br />
deixá, eu vô buscá ela prá mim.<br />
— Ficô uma no sitio? Diabo! Pois então vá buscá, Ângelo! E se arranje co'ela<br />
do jeito que quisé... Té logo!<br />
Esporeia o matungo. E partem todos, com os <strong>Leme</strong>s, num trote largo.<br />
Ângelo Cardoso ruma de novo a caminho do sítio. Chega. Ninguém na<br />
mangueira: a escravatura fugira toda. Ângelo Cardoso, pé ante pé, envereda-se em<br />
direitura ao casarão. Dentro, um candeeiro de azeite, muito mortiço, quase a<br />
extinguir-se, alumia baçamente a sala. Â luz moribunda, debruçada sobre João<br />
Cabral, Maruca tenta desatar os couros que o enleiam. Eis que, como um fantasma,<br />
Ângelo surge à porta. A moça, ao vê-lo, ergue-se de um pulo. Ergue-se, lívida, com<br />
o trabuco do pai nas mãos. <strong>Os</strong> seios arfam-lhe, túrgidos. <strong>Os</strong> olhos, chamejando,<br />
saltam-lhe das órbitas.<br />
O bandido sorri. Fita-a com imperturbável desassombro.<br />
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