visões e desafios na américa latina - America Latina e Marx ...

As Novas Configurações Políticas na América Latina:
lutas e estratégias contra os “ajustes estruturais” neoliberais
Luiz Fernando da Silva
Resumo. O artigo discute a atual configuração política na América Latina, tendo
como referência de análise a implementação dos ajustes estruturais neoliberais em
curso desde a década de 1980 e a crescente desilusão das camadas sociais
populares em relação à democracia política desenvolvida no mesmo período.
Introdução
As políticas de “ajustes estruturais”, no decorrer dos últimos 25 anos, em
nada solucionaram a situação econômica da maioria da população latino-
americana. Os próprios dados e diagnósticos do Banco Mundial e Fundo Monetário
Internacional esclarecem aos mais céticos liberais (ou neoliberais), pois indicam o
aprofundamento das contradições sociais na região. Os técnicos dessas instituições
formulam novas propostas e saídas para o cenário social, geralmente por meio de
inócuas políticas de “programas de transferência de renda” com as mesmas e
mais políticas de âmbito macroeconômico, muitas vezes é nítido o caráter
pessimista de tais diagnósticos e análises.
O quadro político que se desenvolveu na região resulta das políticas
econômicas adotadas no período. Por outro lado, também advém da ampla
frustração que se seguiu às esperanças de que o final dos regimes políticos
ditatoriais, em vários países do continente, possibilitaria a constituição de espaços
democráticos liberais ao lado de democracia social.
Em torno da resistência às perspectivas ditatorial e liberal, significativos
setores da classe trabalhadora, da juventude e campesinato incidiram com suas
maneiras específicas de organização e lutas sociais em torno do impulsionamento
das liberdades políticas mas estas mediadas por um programa concreto de
reivindicações econômicas e sociais. Naquele período histórico, portanto, nos
países que passaram por “transição política” dos regimes ditatoriais para regimes

liberais-democráticos, estiveram em disputa projetos políticos e interesses de
classe distintas, situados da seguinte maneira: a) setores sociais em torno do
projeto liberal-democrático; b) setores políticos social-democráticos; c) setores
proletários mediados por distintos projetos de socialismo.
Com o apoio de governos advindos de setores de esquerda, para
“solucionar” a tendência estrutural de queda da taxa de lucros do Capital, ou seja, a
crise crônica do capitalismo contemporâneo.
América Latina: democracia formal e ajustes estruturais neoliberais
Na década de 1980, a discussão sobre a “crise da dívida externa” e a
consolidação dos espaços democráticos estiveram em pauta nas Ciências Sociais,
como também nos movimentos sociais e partidos políticos. É interessante observar
que, em meio à transição política em vários países latino-americanos, também se
desenvolveram as “renegociações da dívida externa”, que na realidade definiram
os ajustes estruturais que as economias dos países devedores deveriam assumir
para manterem a confiança da “comunidade financeira internacional”.
Essas renegociações que tomaram forma inicial a partir da Moratória
mexicana, em agosto de 1982, posteriormente ganharam forma mais definida por
meio de três momentos básicos, que aqui somente cabe assinalar (Roberts, 2000;
Sandroni,2005; Martins, 2006).
O Plano Baker (1985), Programa para o crescimento sustentável, formulado
pelo secretário do Tesouro norte-americano, James A. Baker III, dirigiu-se para
quinze países considerados com maior dívida, sendo que os latino-americanos
eram a maioria: Bolívia, Argentina, Brasil, Chile, Equador, México, Peru, Uruguai e
Venezuela. Com o objetivo de reduzir a inflação, o plano exigia que fossem
adotadas políticas estruturais e macroeconômicas, com ajustes no balanço de
pagamentos, reforma tributária, incentivo aos investimentos estrangeiros e liberação
comercial. Ao lado dessas condições, o Fundo Monetário Internacional e Bancos
Multilateriais de Desenvolvimento acompanharam o desenvolvimento dessas
determinações. As conseqüências desse procedimento, como inclusive fora revisto
posteriormente, foi a expansão das dívidas desses países, em decorrência do
aumento dos serviços e juros e dos novos empréstimos contraídos, para pagar a
própria dívida.

Em março de 1989, o então novo secretário do Tesouro norte-americano,
Nicholas Brady, considera que a redução da dívida dos países devedores era a via
principal para o retorno ao mercado. O Plano Brady (1989), como ficou conhecido,
propunha a redução da dívida por meio de uma política orientada para o
crescimento, dinamizada pelo fluxo de investimentos estrangeiros. Para isso, os
países devedores deveriam desenvolver programas que permitissem a conversão
da dívida junto a investidores que participassem das transações para estimular o
repatriamento de capitais depositados no exterior. O FMI e o Banco Mundial
apoiariam o financiamento para a conversão de empréstimos bancários, em novos
títulos, com redução do principal e da taxa de juros. Até 1996, na América Latina, os
seguintes países haviam se ajustado ao Plano: Brasil, Costa Rica, República
Dominicana, Equador, México, Panamá, Peru, Uruguai e Venezuela.
A estratégia de redução da dívida externa ocorreu por meio do Plano Brady,
com os seguintes condições: livre circulação de capitais e mercadorias,
privatizações, reforma do Estado e elevação dos juros. Desta maneira, convertia as
dívidas em títulos com desconto de seu valor de face, ou dos juros, ou em novos
empréstimos. A contrapartida exigida dos países devedores foi a introdução de
reformas macroeconômicas, que inverteram o ajuste para criar déficit comerciais
financiados por capitais externos, atraídos por especulação cambial e financeira,
privatizações e, secundariamente, por investimentos produtivos. A dívida foi
parcialmente securitizada pelo tesouro dos Estados Unidos, mediante a combinação
de fundos do governo estadunidense, organismos internacionais e países
devedores, e negociada no mercado secundário, atuando como instrumento de
privatização de empresas e bancos estatais latino-americanos.
O plano Brady, no entanto, foi um total fracasso à medida em que não
recuperou crescimento econômico e investimentos, não capacitou o pagamento
pleno dos serviços da dívida; não eliminou a necessidade de dinheiro novo dos
bancos para o único propósito de pagamento dos juros da dívida (Martins,
2006:649).
As experiências ocorridas na década de 1980 foram analisadas e
condensadas em reuniões e encontros que ocorreram a partir de 1989, em
Washington (DC). A base na qual podemos situar essa perspectiva encontra-se no
que ficou conhecido como Consenso de Washington.

O Consenso de Washington, portanto, foi o encontro realizado na capital
norte-americana, em novembro de 1989, que teve como objetivo avaliar as reformas
econômicas que já vinham sendo implantadas na região. Em verdade, essas
propostas condensadas expressavam as proposições da alta burocracia das
agências econômicas do governo dos Estados Unidos (Federal Reserve Bank),
agências financeiras internacionais; membros do congresso norte-americano e
consultores econômicos. Em especial essas propostas condensavam as linhas
políticas ortodoxas da doutrina neoliberal, como veio ganhando corpo nos Estados
Unidos, desde o período de Ronald Reagan (1979-1989) e George W. Bush (1989-
1994).
O título do encontro era sugestivo: “Latin American ajustment: How much
hás happended?” (Ajuste latino-americano: Quanto já ocorreu?”). organizado pelo
Institute for International Economice, funcionários do governo norte-americano e dos
organismo financeiros - Banco Mundial, FMI, Banco Interamericano e
Desenvolvimento – e especialistas em assuntos latino-americanos.
O Consenso, portanto, implicou na padronização do receituário que se
seguiu na década de 1990. Os 10 pontos do receituário foram os seguintes: cortes
nas despesas com políticas sociais e investimentos, com o objetivo de “equilibrar” o
orçamento estatal; prioridade ao pagamento de juros das dívidas externas e interna,
nas despesas públicas; reforma fiscal; flexibilização do mercado financeiro para a
presença de bancos internacionais e eliminação de restrições ao fluxo de capital
especulativo internacional; equiparação moedas nacionais ao dólar; eliminação das
restrições ao investimento estrangeiro; programa de privatizações;
desregulamentação de atividades estratégicas (mineração, transporte, prospecção)
e das relações trabalhistas (reformas); nova lei de patentes, de acordo com
exigências internacionais.
A política econômica recente, presentes nas negociações com as
instituições internacionais, refere-se à diminuição da dívida externa. Mas de uma
maneira perversa. Com as taxas de juros elevadas, os governos vendem títulos no
mercado, endividam-se a médio prazo. Com esse montante “ganho” pagam a dívida
e diminuem.
Como verificamos a frente, os ajustes estruturais que estavam propostos no
Consenso de Washigton levaram os países que aceitaram esse receituário a crises,
insolvência econômica e estagnação dos países da região. O México é resultado

desse quadro, com sua insolvência em 1995. Posteriormente estendendo-se por
Brasil (1998), Equador (1999), Argentina (2001).
Os resultados dos ajustes estruturais
A dívida externa latino-americana, em 1973, representava 17% do PIB da
região, em 1981 chegava a 31% e em 1987 expressava 57% do PIB. Entre 1990 e
1999, a dívida externa salta de US$ 467 bi (35% PIB) para US$ 745 bi (42% PIB).
Ou seja, embora a carga de recursos transferidos para o exterior tenha crescido,
ainda assim aumentou a dívida externa. A partir da década de 1990 com um outro
agravante. Antes do Consenso de Washington e sua aplicação por meio do Plano
Brady, as negociações do endividamento ocorriam por meio de mais empréstimos e
as oscilações decorriam das flutuações dos juros no mercado internacional. A partir
da década de 1990, a condição é privatização e flexibilização financeira e
comercial.
Os resultados em relação ao endividamento externo foram nítidos.
Desestruturou-se internamente o modelo de desenvolvimento econômico
dependente-associado, que se mantinha baseado no tripé capital estatal, capital
nacional e capital multinacional, nas economias brasileira, argentina e mexicana.
No período encerrou-se o superávit comercial na região, como ocorrera entre 1930
e 1980 , especialmente por três razões: a) produz déficit comercial em conta
corrente, especialmente por meio da internacionalização do consumo “suntuário”
para camadas médias e burguesia; b) ingressos de capital internacional para
equilíbrio do balanço de pagamento; c) aumento da dívida interna/externa; d)
privatizações e desnacionalização e, em muitas situações, o fenômeno de
desindustrialização acentuou-se.
A política de privatização das empresas estatais e a desnacionalização da
economia assumiram a tônica principal dos discursos neoliberais, de seus partidos,
políticos e intelectuais. Os principais setores cobiçados pelas multinacionais foram
aqueles com maior lucratividade: infra-estrutura, telecomunicações e mineração.
De acordo com relatório do Banco Mundial, entre 1990 e 1998, na América
Latina, as privatizações de empresas públicas representaram US$ 154 bilhões.
Desse total: Brasil (43%), México (20,4%), Argentina (15,4%). Essa operação, no

entanto, não gerou liquidez econômica na região, porque assumiu a forma de
liquidação de títulos da dívida externa.
Os experimentos com privatizações ocorrem desde a década de 1970, na
economia chilena, no período do ditador Augusto Pinochet (1973-1990). Mas a
incursão definitiva acontece depois com a moratória do México. Nesse país, os
números são os seguintes: em 1982, 1115 empresas privatizadas; em 1986, 697;
e em 1990, 280. As privatizações concentraram-se nos seguintes setores: bancos,
siderurgias, redes de televisão, telefonia e serviços públicos (estradas, portos e
aeroportos). Em 2002, 85% dos ativos financeiros mexicanos estavam nas mãos
de estrangeiros.
Na Argentina, na década de 1990, também foi significativo esse processo
de privatização e desnacionalização. No primeiro período do peronista Carlos Saul
Menem (Partido Justicialista), ocorreram cerca de 400 privatizações: YPF, ferrovias,
distribuição de gás, abastecimento de água, saneamento básico, energia elétrica
(geração, transmissão e distribuição) ENTEL (Empresa Nacional de
Telecomunicação), Aerolíneas Argentinas, firmas siderúrgicas e petroquímicas ,
administração de sistema portuário, canais de rádio e televisão. Na segunda
metade, seguem as privatizações de Correios e Telégrafos e estações
aeroportuárias.
Na década de 1990, o capital estrangeiro significou 67% dos ingressos,
sendo os mais expressivos: Espanha (42%) e EUA (26%). Os setores mais
atingidos: petrolífero (39%), energia elétrica (25%), comunicações (13%) e gás
(12%).
No caso boliviano, o programa de ajustes neoliberais iniciou-se com o
Governo de Paz Estenssoro (...), através de supressão de subsídios, fechamento de
empresas estatais, eliminação de controle de preços e da cotação do dólar. A
principal intenção , de acordo com o governo que seguia as exigências dos
organismos internacionais, era combater o processo inflacionário no país. O
programa de privatização de empresas públicas seguiu com Paz Zamorra (...),
promovendo associações de capital entre Corporação Mineradora (Comobil) e
empresas privadas (joint-ventures). Em 1994, com o então recém eleito Gonzalo
Sanchez de Lozada (Goni), instaura-se a Lei de Capitalização que significava a
privatização de 50% do capital das principais empresas públicas bolivianas:
telecomunicações, eletricidade, petróleo, gás, transporte ferroviário, linhas aéreas.

O objetivo anunciado era de atrair investimentos externos, reduzir o desemprego e
aumentar o Produto Interno Bruto (PIB). Essas investidas foram mais intensas no
segundo mandato de Goni, quando demite dois mil trabalhadores ferroviários,
realiza a reforma da prividenciária e da educação e instaura a Lei dos
Hidrocarbonetos, que legitima a expropriação do gás natural pelas transnacionais.
No Brasil, cabe lembrar, de acordo com o BNDES, que entre 1991 e 2002,
as privatizações significaram US$ 105,5 bilhões. Especialmente atingindo os
seguintes setores: Elétrico e Telecomunicações (62%) e Siderúrgica e Mineração
(16%): Embratel, Telebras, Cia. Vale do Rio Doce, USIMINAS, Companhia
Siderúrgica Nacional, Light.
Borón (2004) considera que na complexidade social latino-americana,
advinda desse período de ajustes estruturais, quatro determinantes destacam-se:
a) o fracasso econômico que havia acentuado as contradições da “reestruturação
econômica e social” precipitada pela crise e acirrada por políticas de ajustes e
estabilização; b) surgimento de novas forças de esquerda decorrentes da frustração
com o “capitalismo democrático” no continente, que se desenvolveu a partir da
década de 1980; c) crise sobre os formatos tradicionais de representação política,
como partidos populistas, de esquerda e organizações sindicais; d) a globalização
das lutas contra o neoliberalismo.
Essa situação de fracasso econômico gerou novos atores sociais:
piqueteiros, pequenos agricultores endividados no México, os jovens e diversos
movimentos de identidade (gênero, opção sexual, etnia, língua), além dos
movimentos de “alterglobalização”. Canalizou forças já existentes para um projeto
nacional, camponeses brasileiros e mexicanos, indígenas do Equador, Bolívia e
partes do México e Mesoamerica. Além disso, trouxe para cena grupos e setores
sociais das chamadas “classes médias”, ao exemplo da Argentina (caçaloreiros), os
médicos e trabalhadores da saúde em El Salvador e os grupos mobilizados.
Nesse sentido, cabe ressaltar, a crise do próprio Consenso de
Washington. Especialmente a partir de 1998, sob pressão de inúmeros movimentos
sociais, passaram a ocorrer mudanças políticas no cenário latino-americano do
espectro direita-centro-direita para centro esquerda, esquerda, ao exemplo de Hugo
Chavez (Venezuela), Nestor Kischner (Argentina), Lula (Brasil), Tabarez Vasquez
(Uruguai), Evo Morales (Bolívia) e Rafael Correa (Equador).

Nesse contexto político e econômico, o Consenso de Washington reformula
suas propostas para desenvolver uma alternativa que seja incorporada por novas
forças sociais emergindo. De acordo com Martins (2006), isso significariam
propostas como: 1) substituição do câmbio fixo e apreciado pelo câmbio flutuante e
administrado; 2) elevação do superávit primário dos governos para reduzir o
endividamento; 3) maior flexibilização do mercado de trabalho, para aumentar o
nível de emprego; aumento da poupança interna por meio da reforma da
previdência; 5) controle público dos preços em setores não-competitivos
privatizados; 6) maior transparências em futuras privatizações.
Na realidade, nada de fato novo advém das propostas dos organismos
financeiros internacionais. Pelo contrário, elas reiteram em nova conjuntura
econômica e política, as propostas e projetos de ajustes estruturais desenvolvidos
em anos anteriores. No entanto, a emergência de inúmeros movimentos sociais e o
aparecimento de novas forças políticas contrárias às políticas neoliberais terminam
por impor uma nova forma política de conduzir esse quadro.
Nesse sentido, os próprios diagnósticos das instituições financeiras
internacionais não deixam de sinalizar preocupações crescentes sobre o
crescimento do que eles cunham como “pobreza”.
O FMI concorda com o fracasso das políticas econômicas na América Latina
Para o Banco Mundial (2005), a América Latina e Caribe obtiveram os
melhores resultados em crescimento econômico em relação aos últimos 24 anos.
Esse resultado ancora-se no crescimento mundial, ampliação das exportações da
região, os preços dos produtos básicos e uma ampla liquidez mundial. México, Chile
e Brasil, no período, aumentaram sua produção, enquanto Argentina, Uruguai e
Venezuela recuperaram-se das crises que lhe afetaram em anos anteriores.
A maioria dos países da região, ainda de acordo com a análise da
instituição, mantém superávit comercial, reduziu suas necessidades de
financiamento externo e acumulou grandes quantidades de reservas internacionais.
Em decorrência desse quadro, o déficit fiscal se reduziu e as nações melhoraram o
seu endividamento externo.

Na avaliação das políticas das instituições financeiras internacionais (Banco
Mundial e Fundo Monetário Internacional), em relação ao que eles chamam de
“avanço nas economias latino-americanas”, é crescente a preocupação dessas
instituições com o que eles chamam de níveis de pobreza e abaixo da pobreza e
sua relação com a “instabilidade política”. A aplicação dos ajustes estruturais em
nada solucionou o crescimento da pobreza e miséria na região.
Singh e Collyns (2005) consideram que a pobreza aumentou e a
desigualdade figura entre as maiores do mundo. E aí a preocupação desses
senhores: tal situação poderia acabar com “o apoio popular aos programas de
reformas iniciados durante os anos noventa, que prometiam muito mas que com
freqüência deram resultados decepcionantes”.
Tendo como base a Paridade do Poder Aquisitivo (PPA) de US$ 1 por dia, o
Banco Mundial estima entre 1990 e 2001 a extrema pobreza diminuiu na região de
11,3% para 9,5%, ainda que, por efeito do crescimento populacional, o número de
pessoas que vivem com US$ 1 por dia se manteve em 50 milhões, e as estimativas
preliminares em relação aos anos mais recentes mostram um incremento leve da
taxa de pobreza. Mas se o valor de referência é a PPA de US$ 2 por dia, a pobreza
não tem retrocedido. Segundo estimativas do Banco Mundial, a proporção da
população em situação de pobreza tem permanecido ao redor do 25% desde
meados dos anos noventa e, pelo crescimento populacional, o número de pobres se
elevou ao redor de 128 milhões no começo desta década.
Esses números sobre os níveis de miséria e pobreza, no entanto, são muito
mais elevados. De acordo com Base de dados socioeconômicos de América e
Caribe, a pobreza atinge 39% dos latino-americanos, o que significa mais de 200
milhões de pessoas que não têm rendimento suficiente para cobrir suas
necessidades elementares de alimentos e outros gastos básicos. A pobreza
extrema – que marca a impossibilidade de obter uma cesta mínima calórica – gira
em torno de 18,6% no começo dessa década; e atualmente afeta ao redor de 96
milhões de pessoas.
A América Latina e Caribe têm uma população de 534 milhões de pessoas.
Dessa população, de acordo com o Banco Mundial (dezembro de 2005, Panorama
geral), dois terço concentram-se em regiões urbanas. Desse total, cerca de 294
milhões encontram-se na pobreza ou abaixo da linha de pobreza, de acordo com
dados sociais da própria instituição. Nessas condições, poderíamos considerar que

57,6% da população latino-americana tente sobreviver na linha da pobreza ou
abaixo dela.
Tais índices apresentam distinções em relação a cada país. De acordo com
Saavedra e Arias (2005), na Bolívia e em Honduras, a linha da pobreza está em
torno de 60% da população; no Chile e Uruguai, por volta de 30%. Em relação à
questão étnica, 90% da população indígena mexicana encontra-se abaixo da linha
de pobreza, em relação a 47% da população não indígena; na Guatemala, 74% e
38%. No Brasil, pobreza alcança 41% dos habitantes de ascendência africana em
comparação com 17% da população branca. Os efeitos das “crises financeiras” são
também patentes no aprofundamento desse quadro. A Argentina, entre 1999 e
2002, elevou sua taxa de pobreza, respectivamente, de 30,8% para 58,0%; a
República Dominicana, no período entre 2002 e 2004, passou de 26,6% para
42,2%.
As razões para esse fracasso, de acordo com os ideólogos do imperialismo,
encontram-se na interrupção das reformas e do crescimento e nas reiteradas crises
financeiras que fizeram desabar as melhorias sociais. Dessa maneira, se acentuaria
a percepção que os benefícios da integração mundial são distribuídos de forma
díspares, e recaem nos estratos de ingresso mais alto, embora os custos foram
suportados pela maioria.
os latino-americanos seguem manifestando grande frustração porque os
resultados não se equiparam com suas expectativas. Sucessivos estudos de
Latinobarómetro indicam que se bem haja um forte apoio para os governos
democráticos e a manutenção da economia de mercado, a população está
insatisfeita com o nível de progresso econômico, a privatização dos serviços
públicos, a integridade das instituições, o governo em geral e o grau de
corrupção. Muitos sentem que seu país se governa em benefício de uns
poucos interesses poderosos, mais da metade crê que se necessitaram mais
de 10 anos para corrigir a corrupção e um terço, que jamais se a eliminará.
(Saavedria e Arias, 2005:11)
As propostas sociais do Banco Mundial para a região norteiam-se assim: a)
aumentar a competitividade, postos de trabalho e crescimento, baseando-se na
melhoria da infra-estrutura e no “clima para inversão”, b) fortalecer a educação e a

inovação para melhorar o capital humano, a geração de empregos e uma maior
produtividade; c) consolidar a estabilidade macroeconômica, fortalecer e
aprofundar os sistema financeiro e aumentar o campo fiscal para realizar inversões
públicas.
Reverter esta situação constitui um enorme desafio. Parte da solução reside
em aumentar a produtividade, permitindo que os pobres gozem das mesmas
oportunidades. É mister modificar a legislação impositiva e trabalhista,
ademais de oferecer serviços públicos mais eficazes e um sistema de
proteção social de melhor qualidade e mais inclusivo. Em última instância, os
trabalhadores devem ter acesso à proteção da saúde e à cobertura dos riscos
da velhice. (Banco Mundial, Panorama Regional, 2005).
A redução da chamada “pobreza”, portanto, realiza-se por meio da
continuidade da implementação das “políticas macroeconômicas”, em especial
tendo como pivô a destruição da legislação trabalhista ainda existente. (...)
Essas avaliações sobre a pobreza são por demais reduzida, da mesma
maneira que a sua resolução. Enfocada de maneira positivista e funcional, a
pobreza mensurada quantitativamente transforma-se tão somente em “dado”
abstrato. Seu grau de abstração encontra-se na indeterminação de sua existência.
Ou seja, em que relações sociais e históricas de produção e reprodução do Capital
em que ela se encontra? Se perguntado ao técnico o que seria essa categoria
abstrata, ele responderia: não ter dois dólares diários para comer. Para esses
ideólogos, o desafio é subsidiar essa condição. Mas perguntado sobre as causas
dessa situação diria: não foram aplicadas adequadamente os ajustes estruturais,
por essa razão persiste o problema!
Nessas análises e diagnósticos, em momento nenhum apresenta-se que a
exploração econômica, a dominação político-militar e, acima de tudo, a apropriação
privada dos meios de produção, encontram-se no cerne dessa discussão, como
sendo as determinantes cruciais para o abismo social que se ampliou nas últimas
décadas. Também não consideram a transferência massiva de riquezas para o
imperialismo e a continuada intervenção por meio das instituições financeiras
internacionais que atravancam qualquer possibilidade de encerrar os ciclos

estruturais de pobreza e misérias no continente. Por sua vez, não consideram que o
desemprego estrutural na região, desindustrialização na maioria dos países,
desnacionalização e políticas de recolonização impõe as mais drásticas e vis
humilhações à condição humana. O que é tachado como pobreza tem cara: o
trabalho precarizado, desempregados, crianças sem possibilidade de futuro,
juventude sem perspectiva de futuro, camponeses sem terra ou recursos para
mantê-la...
A configuração de novo quadro político latino-americano
Desde 1980, 14 presidentes eleitos não chegaram ao final do mandato, em
decorrência de impeachment, golpes civis-militares ou processos revolucionários.
Na América do Sul, esses fatos políticos ocorreram com 08 presidentes. Estiveram
envolvidos nesses casos, questões relacionadas à corrupção e principalmente
resistências populares às políticas econômicas.
Os regimes democrático-burgueses estão fortemente desprestigiados e as
democracias são percebidas como formas políticas meramente eleitorais e sem
conteúdo, isto é, sem capacidade de satisfazer as necessidades básicas da
população. De acordo com (...).
Pontos significativos desses processos ocorreram/ocorrem nos casos da
Argentina (2001), Equador (2002) e Bolívia (2003). Nesses países verificou-se, de
maneiras diferenciadas, tendências revolucionárias que tiveram como eixo principal
reivindicações, tais como Fora FMI, defesa das riquezas como água, nacionalização
dos setores de petróleo e hidrocarbonetos, etc. As formas políticas, nesses
períodos específicos, ocorreram dinamizando ações diretas, de rua, enfrentamento
contra as forças repressivas da ordem, que ocorreram como desdobramento o
derrubamento de governos.
No caso da Argentina, expressou essas mobilizações como decorrência
dos ajustes estruturais daquela economia, via Plano Caballo e outros, que se
submeteu inteiramente aos ditames econômicos internacionais. No exemplo do
Equador, decorreram de lutas que visavam defender a água em território nacional,
que estava sendo desnacionalizada e apropriada por empresas internacionais. Em

Bolívia, seguia como conseqüência da perda do poder sobre o domínio dos
territórios e recursos naturais, especialmente as fontes de combustíveis.
O crescimento regional das lutas sociais pode ser mensurado
quantitativamente. De acordo com acompanhamento realizado por Seone
(2003,2004,2005), ocorre expressivo crescimento de conflitos na área andina e
centro-americana, como também no Cone Sul. Eles decorrem de ciclo de lutas em
torno de marchas contra os tratados de livre comércio com os EEUU e as restrições
às políticas públicas, que os mesmos supõem. Nesse cenário, ganham relevância
movimentos sociais (estudantis, urbanos diversos e multisetoriais} e movimentos de
trabalhadores e camponeses.
Na fase recente, as mobilizações e lutas apresentaram-se contra os
tratados de livre comércio e as privatizações. Os TLC plurilateriais, que a ofensiva
imperialista desenvolve, em decorrência do fracasso do projeto ALCA; resistência
contra a exploração das minas e os acordos da CAFTA (Guatemala); as
manifestações contra a privatização e as políticas de ajustes fiscais, e qualidade de
serviços públicos.
As lutas contra os Tratados de Livre Comércio, negociados de maneira
bilateral entre organismos internacionais e governos locais, têm sido uma das
tônicas das crescentes mobilizações nessa parte do continente. Mas não somente
isso. De maneira pontual, inúmeras mobilizações contra as políticas educacionais,
ao exemplo do ocorrido no México, em 2000, ou então as lutas no Chile em período
recente.
Os projetos políticos e econômicos que disputam a hegemonia política
dessas mobilizações, ou da base social dessas mobilizações, não são unificados. É
interessante observar que tais mobilizações de caráter revolucionário ou então de
lutas sociais fragmentadas são canalizadas para os espaços institucionais
convencionais, ou seja, os parlamentos nacionais e executivos. Os
descontentamentos e mobilizações terminam canalizadas para os tradicionais
espaços de representação política. O que não necessariamente deveria ser
compreendido como natural ou óbvio, uma vez que existem tendências concretas
de outras formas de poder político e de Estado não assentados em formas de
representação política dissociada das organizações de base desses movimentos,
do tipo soviet, comunas ou outra forma de representação política.

De qualquer maneira, para a tranqüilidade dos ideólogos das instituição
financeiras internacionais, ainda se contentam que “em democracias frágeis como
a da Bolívia, a renúncia de um presidente não tem provocado até agora uma ruptura
total da ordem constitucional, e os atores políticos tem logrado superar as crises
dentro do marco democrático, elemento essencial da curva de aprendizagem que,
de fato, fortalece o pluralismo” (Valenzuela, 2005, p.17).
Nas condições atuais, um novo fator na política latino-americana vem
ocorrendo: a eleição de governantes (a) com respaldo orgânico dessas
mobilizações sociais, (b) advindos dos próprios movimentos sociais, (c) ou então
que se associam a anseios pulverizados dessas classes e setores sociais. Ou seja,
uma das tendências presentes no quadro político latino-americano é a constituição
de governos ou projetos políticos fundamentados em anseios de movimentos
sociais e classes sociais. Esses movimentos retomam os espaços institucionais
tradicionais da política burguesa. (...). Por outro lado, outra dimensão desse
fenômeno é a subordinação às diretrizes do capital internacional.
Os casos ocorridos no Equador, Bolívia, Venezuela e Brasil são
representativos nesse sentido. (...).
São resultados dessa situação de descontentamento expressões
institucionais, como Hugo Chávez (Venezuela), Lula (Brasil), Néstor Kirchner
(Argentina), Evo Morales (Bolívia), Tabaré Vasquez (Uruguai). Com graus
diferenciados de relação com as políticas neoliberais, expressaram/canalizaram
anseios sociais e políticos de amplas massas das populações nesses países,
inclusive se propondo a combater os modelos econômicos neoliberais. Ainda nesse
campo eminentemente institucional burguês, surgem expressões como Humala
(Peru) e Obrador (México).
Lembra-nos Petras (2005) que os “anos dourados” do imperialismo foram
também aqueles em que nenhum presidente eleito ou congresso nacional
estabeleceu combate nenhum a tais medidas; pelo contrário, tais políticas foram
endossadas nesses espaços de “democracia” por meio de legislação que permitiu
todo o descalabro dos ajustes neoliberais. São os “governos clientes” do
imperialismo. O quadro político que se desenvolve a partir da entrada do século XXI
é que nesse período Washington desenhou uma política flexível de negociação do
acesso aos governos de uma nova classe política, que ele chama genericamente de

“centro-esquerda”, “um novo conjunto de discípulos do FMI que guarda uma
tradicional identificação com a esquerda mas cujo ponto de referência atual é o
modelo de acumulação centrada no imperialismo” (Petras, 2005, p.295). Mas
caberia precisar a caracterização do sociólogo. Não somente se identificam, mas
advêm de amplo apoio nos movimentos sociais, de caráter popular e sindical, que
permitem constituir com relativo êxito mecanismos por dentro da ordem, através do
atrelamento de tais movimentos e colocando-os como aparatos contrários à
ascensão das lutas e resistências ao imperialismo e à luta revolucionária. Por essa
razão, sua natureza frentepopulista, em uma situação na luta de classes distinta de
períodos anteriores do capitalismo.
Mas é necessário diferenciar tais formas de cooptação, como ocorrem em
distintos países: (...)
Neopopulismo ou expressões políticas enfraquecidas?
Esse novo quadro propicia inúmeras análises teóricas sobre o significado
dessas configurações sociais e dos projetos econômicos e políticos envolvidos.
Conceitos como instabilidade política, crise de ligitimidade e crise de
governabilidade retornam às ciências sociais latino-americanas. Um conceito que
ganhou relevância é o conceito de “populismo” ou “neopopulismo”. As análises
referenciadas por tais conceitos partem de um enfoque liberal e trazem como
aspecto da discussão a preocupação com a consolidação dos regimes
democráticos no continente. Na realidade, porém, situam-se na perspectiva de
preservação das políticas macroeconômicas neoliberais.
Bonilla (2001) considera que, desde a década de 1990, os Estados da
região andina viveram sucessivas crises políticas, que produziram uma
“legitimidade precária”, resultado de “um déficit crônico de representação”. Três
características marcariam esse quadro: a) a maior parte das pessoas não participa
nos processos de tomada de decisões estratégicas nacionais, e tampouco naqueles
que se referem a assuntos particulares de suas comunidades; b) não existem
mecanismos eficientes de prestação de contas; os níveis de impunidade na
sociedade civil quanto no exercício do poder político, são extremamente altos; e c)
uma parte da sociedade carece de cidadania. Essa perspectiva ressalta a
debilidade no sentido de integrar essas populações nos sistemas políticos vigentes.

Lodola, por sua vez , considera o “neopopulismo” como um movimento de
caráter compensatório “aos perdedores na mudança econômica na América Latina”.
Por essa razão, se definiria como uma estratégia política norteada por cinco
pontos: a) um padrão de lideranças personalizado, não necessariamente
carismático; b) uma coalização de apoio multiclassista; c) uma forte mobilização
social vertical („de cima para baixo‟); d) um uso sistemático de métodos
redistributivos. O autor, ao enfocar as características desse fenômeno político,
desconsidera que essas formas desenvolvem-se em razão de intensos movimentos
sociais. Por sua vez, a maneira como ocorrem essas formas distributivas são muito
relativas, em relação aos governos locais, uma vez que essas são adotadas e
aconselhadas pelo Banco Mundial.
A lucidez neoliberal de Jorge Castaneda, por sua vez, permite compreender
com maior precisão o atual quadro político latino-americano. Ele não tem problema
ao considerar que as reformas econômicas realizadas no período da
democratização não produziram os resultados prometidos.
Se você permite que as pessoas votem livremente em países cujas
economias não prosperam, não é portanto um milagre haver um movimento
para a esquerda. (...). Os pobres, a grande massa de excluídos, votam pelos
políticos e pelos partidos que, assim esperam, os farão menos pobres
(Castañeda, 2006:J4).
Desse quadro político, ele caracteriza o aparecimento de duas esquerdas: a
“populista” e a “boa”.
A esquerda “populista” seria Hugo Chávez, Nestor Kirchner e outros
herdeiros do populismo e do nacionalismo. Nesse sentido, repetiria o populismo do
passado: “Sua solução para os problemas é distribuir dinheiro público. É assim que
tenta incluir as massas”. É o que faz Chávez com a gente pobre dos ranchos de
Caracas. Ele dá dinheiro porque tem dinheiro, graças ao petróleo.” (...). “O mesmo
ocorre com Kirchner, na Argentina. Ele não tem uma política econômica de geração
de emprego, de busca de competitividade, de melhoria da educação.”. Afirmação
equivocada em dois sentidos. Em primeiro lugar, a característica populista de Perón
e Vargas foi integrar setores marginalizados urbanos no sistema político, por meio
da legislação trabalhista, regulamentação salarial e, em especial, sistema de

educação pública. Em segundo lugar, são diferenciadas as propostas de Kirchner e
Chávez.
A esquerda “boa”, para ele, refere-se a Tabaré Vasquez (Frente Ampla),
Lula e Michelle Bachellet (Chile). Essa esquerda viria de uma tradição socialista e
comunista e estaria em sintonia com os “novos tempos”. Como proposta social
apresentaria a “inclusão através de políticas sociais, da criação de empregos, de
programas para melhorar a educação, saúde, as condições e organização das
pessoas, respeitando os equilíbrios macroeconômicos básicos”.
A referência para a caracterização de populista associa-se à maneira de se
posicionar diante das políticas de ajustes neoliberais. Fernando Henrique Cardoso
expõe sem meias palavras a preocupação principal com o suposto populismo ou
neopopulismo:
Havíamos concebido a integração econômica e política da América do Sul,
nos anos 90, com base nos princípios da democracia política e da economia
de mercado. O exercício de integração econômica facilitaria nossas respostas
ao desafio da globalização. Todo este edifício pode ter suas bases solapadas
se o populismo voltar à região, travestido de esquerdismo, trazendo consigo o
jogo de rivalidade antigas e muitas vezes pessoais, em lugar de cooperação
institucional internacional (Cardoso, 2006: A2).
Essa suposta perspectiva populista ancora-se no que é considerado como
“atraso” em contraposição ao considerado como “moderno”. Ou seja, o “moderno”
seria a manutenção e aprofundamento dos “ajustes estruturais” neoliberais. A base
estrutural para o desenvolvimento das políticas populistas, na década de 1950 e
1960, no entanto, concentrava-se em uma massa populacional de origem
camponesa que se integrava e se configurava como força de trabalho nos centros
urbanos. Ao mesmo tempo, essas políticas desenvolviam-se ancoradas na ilusão
da possibilidade de desenvolvimento de um capitalismo autônomo e com uma
burguesia nacional.
Castañeda e Fernando Henrique localizam-se na perspectiva dos “ajustes
estruturais”. Castñeda considera Lula como a “esquerda boa”, porque endossa as
políticas macroeconômicas, enquanto Cardoso considera o reeleito presidente

asileiro como “populista”, visto que sua base social eleitoral desenvolveu-se
especialmente por meio dos programas de transferência de renda.
Atualmente o conceito populismo, ao nosso entender, não permite uma
adequada precisão ao que se desenvolve no cenário político latino-americano. Pois
pode ser entendido como (a) políticas de transferência de renda, como
desenvolvidas pelo próprio Banco Mundial, sem criação de emprego; (b) mudança
ou questionamento dos enfoques de ajustes estruturais, com tentativas de matiz
nacionalista.
Considerações finais
A democracia formal, do ponto de vista da maioria da população, significou
maior aprofundamento da miséria. A redemocratização veio acompanhada pela
pauperização de extensas faixas da sociedade. Em um quadro de miséria
generalizada, as classes dominantes locais pretenderam integrar politicamente as
massas e, simultaneamente, adequaram-se às “políticas de ajustes” que as
excluíram e as marginalizaram. Na perspectiva liberal, o Estado foi reverenciado
como âmbito da justiça e como instância de redistribuição de renda e de recursos e,
ao mesmo tempo, ele é sacrificado e desmantelado em função do reforçamento
darwiniano do mercado. Os pobres se transformaram em miseráveis e os ricos em
magnatas. A liberdade para os fluxos de capital e a democracia para os monopólios.
Ou seja, a conversão em um rito farsesco privado de todo o conteúdo, abrindo
caminho à reconciliação entre economia, sociedade e política pela via da
restauração plebiscitária da ditadura de classe.
Tornou-se mais evidente para a população, por sua vez, o estreito laço
entre poder econômico e poder político; a corrupção nas esferas estatal e privada; a
mercantilização e privatização dos espaços públicos; a “recolonização” do acesso e
controle dos recursos naturais e estratégicos. No período, especialmente se
desenvolveu uma estrutural relação entre as políticas econômicas direcionadas
pelos organismos multilaterais, como Fundo Monetário Internacional (FMI) e
Organização Mundial do Comércio (OMC), com os Estados-Nação. Nesse caso, em
razão dos chamados endividamentos públicos (interno e externo) foram adotadas

medidas econômicas que interferem diretamente nas condições de vida da
população.
Nos últimos anos, em diversos países latino-americanos tem se
desenvolvido inúmeras lutas sociais e processos revolucionários. Essas
mobilizações sociais têm como base o questionamento das linhas estruturais de
ajustes econômicos que ocorreram nas duas últimas décadas na região. Esses
ajustes referem-se às políticas econômicas tão conhecidas pela população, tais
como enxugamento da máquina pública, abertura/flexibilização de fluxos de capitais
e mercadorias, redefinição dos direitos trabalhistas e previdenciários, e a
redefinição desses países em uma nova divisão internacional do trabalho,
especialmente em relação à definição como áreas agrícolas ou áreas de produção
industrial. Essas diretrizes econômicas são permanentemente indicadas por
organismos como Fundo Monetário Mundial, Banco Mundial e Organização Mundial
do Comércio (OMC). Os níveis de contradições sociais e políticas que emergem
dessas políticas são a base para o desenvolvimento dos questionamentos sociais e
para o aparecimento de novas mobilizações sociais.
É a partir dessa base que sustentamos nossa afirmação central: a nova
configuração das lutas sociais associa-se às resistências aos ajustes estruturais
e/ou seus desdobramentos sobre o campesinato e proletariado urbano
(assalariados: operários, bancários, categorias de funcionários públicos,
comerciários) e às camadas sociais populares (desempregados, pequenos
comerciantes, estudantes).
Essa composição também nos permite definir uma segunda afirmação:
basicamente classes sociais que lutam contra projetos econômicos que expressam
interesses do grande capital internacional e nacional. Portanto, basicamente, ocorre
sim luta de classes com interesses e projetos globais sendo explicitados ou então
em constituição. Por sua vez, ela perpasse por um caráter antiimperialista, à medida
em que a implementação segue modelos econômicos norte-americanos.

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Autor
Docente do Depto de Ciências Humanas – UNESP – Campus Bauru. Com
mestrado e doutorado em Sociología pelo Programa de Pós-graduação em
Sociología da UNESP – Araraquara. Desenvolve pesquisa na área do marxismo,
esquerda política, crises capitalistas e, mais recentemente, sobre o quadro político e
econômico latino-americano. Endereço eletrônico: lf-silva@ig.com.br.
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