No embalo do povão - Revista Metrópole
No embalo do povão - Revista Metrópole
No embalo do povão - Revista Metrópole
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
28<br />
MK – Agora, quan<strong>do</strong> você foi para a<br />
Assembléia pela primeira vez, foi aí que você<br />
teve o primeiro contato político com Antonio<br />
Carlos Magalhães?<br />
– Foi aí.<br />
MK – Ele era deputa<strong>do</strong> também, ou não?<br />
– Ele se elegeu deputa<strong>do</strong> nessa ocasião. E<br />
ele quase não se elege.<br />
MK – É, ele foi eleito na eleição suplementar,<br />
não foi?<br />
– Na suplementar. Naquele tempo, sabe<br />
aquela história... (risos)<br />
MK – Esse negócio de eleição suplementar é<br />
ótimo, não é? (risos)<br />
– Aí foi o Balbino.<br />
MK – Foi o Balbino, eu sei. Naquele tempo<br />
tinha uma cédula, se distribuía uma cédula...<br />
– Eu me lembro até. Isso foi decidi<strong>do</strong> em<br />
Oliveira <strong>do</strong>s Brejinhos.<br />
MK – É isso mesmo. Exatamente.<br />
– (risos) Naquela ocasião, eram diversas<br />
as candidaturas que ficavam suspensas para<br />
a eleição suplementar e você tinha diferenças<br />
de 20 votos, de 30 votos, de 40 votos.<br />
Em Oliveira <strong>do</strong>s Brejinhos existiam duas<br />
urnas, uns cento e tantos votos. O chefe<br />
político de Oliveira <strong>do</strong>s Brejinhos era muito<br />
amigo <strong>do</strong> Balbino, mas não o acompanhou,<br />
surpreendentemente. E quan<strong>do</strong> o Balbino<br />
ganhou a eleição, já governa<strong>do</strong>r eleito, mas<br />
não concluí<strong>do</strong> o processo eleitoral, ele tentou<br />
conversar com o Balbino e ele man<strong>do</strong>u<br />
dizer que só o receberia depois da eleição<br />
suplementar. “E eu vou lhe mandar os nomes<br />
das pessoas que eu desejo que sejam votadas”<br />
(risos). Foi assim.<br />
“Tive o primeiro contato político com ACM<br />
quan<strong>do</strong> fui para a Assembléia Legislativa<br />
pela primeira vez”<br />
MK – É o pai de Arol<strong>do</strong> Santana esse chefe<br />
político, eu me lembro que Arol<strong>do</strong> Santana foi<br />
secretário de Planejamento, inclusive.<br />
– Eu o conheci.<br />
MK – E Antonio Carlos sempre se referia<br />
a ele com muita gratidão, exatamente por ter<br />
garanti<strong>do</strong> o seu primeiro mandato.<br />
– Pois é. Garantiu esse primeiro mandato,<br />
sem nenhuma dúvida.<br />
MK – Agora, Antonio Carlos uma vez me<br />
disse que, nesse perío<strong>do</strong>, ele torcia por você ser<br />
logo o governa<strong>do</strong>r da Bahia, porque ele tinha<br />
certeza de que você seria governa<strong>do</strong>r da Bahia<br />
COOPERPHOTO<br />
antes dele e ele queria ser. Ele lhe dava alguma<br />
força nesse senti<strong>do</strong>?<br />
– (risos) Olha, veja bem, nós tínhamos<br />
uma boa relação, não é? Porque, inclusive,<br />
eu era muito forte com o governa<strong>do</strong>r. E você<br />
conheceu bem o Antonio Carlos, não é? Se<br />
você é forte com o governo...<br />
MK – É forte com ele, não é? (risos)<br />
– (risos) Eu me lembro de Antonio<br />
Carlos na eleição de Juscelino, por exemplo.<br />
Juscelino e Jango. Eu percorri a Bahia<br />
inteira fazen<strong>do</strong> a candidatura de Juscelino e<br />
Jango (risos). Nessa ocasião já haviam se<br />
separa<strong>do</strong>, não é? O PTB, PSD e UDN.<br />
Antonio Carlos, da UDN, apoiava a<br />
candidatura <strong>do</strong> general Juarez Távora, então<br />
estava contra Juscelino e contra o Jango.<br />
E, naquela ocasião, o Antonio Carlos era,<br />
portanto, de oposição no plano federal. O fato<br />
é que, com pouco tempo, a relação íntima de<br />
Juscelino era com Antonio Carlos (risos).<br />
MK – Você acha que Juscelino foi o grande<br />
presidente <strong>do</strong> Brasil?<br />
– Acho que sim. Juscelino foi um grande<br />
ator <strong>do</strong> desenvolvimento, um grande promotor<br />
<strong>do</strong> processo de crescimento <strong>do</strong> Brasil. Eu<br />
não diria que o Juscelino teve a acuidade, a<br />
sensibilidade política, a construção de estadista<br />
<strong>do</strong> Getúlio, não é? Porque o Getúlio faz essa<br />
coisa extraordinária, a construção <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />
Nacional.<br />
MK – Você chegou a conhecer Getúlio<br />
pessoalmente?<br />
– Cheguei, aqui, como secretário<br />
<strong>do</strong> Governo. O Getúlio veio fazer um<br />
pronunciamento sobre o <strong>No</strong>rdeste em Cipó.<br />
Naquele tempo tinha um hotel em Cipó<br />
(risos)...<br />
MK – E o governa<strong>do</strong>r era Regis Pacheco...<br />
– Era, ele levou o secretaria<strong>do</strong> to<strong>do</strong> para<br />
lá. É, me lembro bem. Conheci o velho<br />
pessoalmente. Conheci e tinha vota<strong>do</strong> nele.<br />
Porque, na realidade, ele representou, no<br />
primeiro governo, a primeira inclusão social<br />
deste país. Um país de tradição escravocrata<br />
como o Brasil, fecha<strong>do</strong>, de direções<br />
econômicas e políticas absolutamente<br />
oligárquicas, que tinha uma compreensão<br />
de dez centímetros diante <strong>do</strong>s olhos, que<br />
era a visão <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> que interessava aos<br />
burgueses de São Paulo. De mo<strong>do</strong> que é o<br />
Getúlio quem transforma tu<strong>do</strong> isso.<br />
“Juscelino foi um grande<br />
_promotor <strong>do</strong> processo de<br />
_crescimento <strong>do</strong> Brasil”<br />
MK – Agora, chegamos, então, em 1962,<br />
na sua candidatura ao governo da Bahia,<br />
meu primeiro voto foi seu. Não esqueça disso<br />
não (risos). Foi uma campanha memorável,<br />
você foi derrota<strong>do</strong> por apenas 3% <strong>do</strong>s votos<br />
por Lomanto Júnior. Você acha que o papel<br />
da Igreja Católica, comandada na época por<br />
Dom Augusto Álvaro da Silva, um cardeal<br />
extremamente conserva<strong>do</strong>r e reacionário,<br />
foi decisivo para você ser vota<strong>do</strong>?<br />
– Eu creio que sim, Mário. Eu queria<br />
ganhar aquela eleição. Eu sentia na rua,<br />
eu sentia nos encontros, a gente sente,<br />
não é?<br />
MK – Eu fiz campanha para você porque<br />
Lomanto era uma pessoa distante.<br />
– (risos) E é uma coisa curiosa, porque<br />
o candidato da UDN, primeiramente, era<br />
o Josaphá Marinho.<br />
MK – Foi derrota<strong>do</strong> na convenção, não<br />
foi?<br />
– Foi derrota<strong>do</strong> na convenção por uma<br />
manobra dentro da própria UDN. Mas o<br />
negócio foi o seguinte: na eleição anterior,<br />
portanto, em 1960, eu apoiei fortemente<br />
a candidatura <strong>do</strong> Lott, um nacionalista<br />
seríssimo, uma figura decisiva para<br />
impedir o golpe de 1955. Ele impediu o<br />
golpe de 1954, no Getúlio, e a tentativa<br />
de outro golpe, um ano depois.<br />
MK – <strong>No</strong>vembro de 1955.<br />
– 11 de novembro de 1955. Esse golpe<br />
foi interrompi<strong>do</strong> pelo Lott. Porque ele tinha<br />
apoia<strong>do</strong> a primeira mudança de legislação<br />
eleitoral importante, a cédula única. Antes de<br />
62, nós tínhamos a cédula, cada um levava<br />
a sua cédula. Tanto que quan<strong>do</strong> o Getúlio<br />
foi eleito, em 50, sem estrutura nenhuma,<br />
você pagava para um datilógrafo qualquer<br />
bater a cédula “Presidente Getúlio Vargas” e<br />
pronto. Mas, naquela ocasião, já candidato,<br />
fui chama<strong>do</strong> pelo Dom Augusto para ter uma<br />
conversa no Palácio Episcopal. E ele me disse:<br />
“Eu soube que o senhor está receben<strong>do</strong> os<br />
votos <strong>do</strong>s comunistas”. Eu disse: “É verdade”.<br />
E ele disse: “Mas não é possível, o senhor tem<br />
que recusar os votos <strong>do</strong>s comunistas, porque<br />
nós não podemos aceitar. Se o senhor for<br />
aceitar os votos <strong>do</strong>s comunistas, eu vou pedir<br />
<strong>do</strong>s católicos que votem contra”. Eu disse:<br />
“Mas isso é uma coisa inadmissível, Dom<br />
Augusto, nós somos um Esta<strong>do</strong> republicano,<br />
o senhor sabe que eu não sou comunista.<br />
Eu sou professor titular de Direito<br />
Constitucional da Faculdade Católica de<br />
Direito, já sou há anos professor titular”.<br />
MK – Mas o cardeal era muito conserva<strong>do</strong>r,<br />
muito reacionário, não é? Dom Augusto Álvaro<br />
da Silva, um aristocrata inclusive, não é?<br />
– É, uma posição intolerante, radical, não<br />
é? Teologicamente radical.<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - abril de 2008<br />
29