No embalo do povão - Revista Metrópole
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Elieser César<br />
Quem, em sã consciência, compraria<br />
água potável de uma empresa que se chama<br />
Limpa fossas? E você, leitor corajoso, faria<br />
sua primeira viagem num bimotor de uma<br />
companhia aérea que ostenta o agourento<br />
nome de BATA? Que tal levar aquela garota,<br />
sofisticada e exigente, que você tanto<br />
deseja conquistar, para dançar numa boate<br />
chamada Do jeito que seu nêgo gosta?<br />
Se ela não topar? Calma, leve-a na Borracharia<br />
para dar uma calibrada nos “pneuzinhos”...<br />
O moribun<strong>do</strong> que acredita na<br />
ressurreição <strong>do</strong>s mortos pode pedir à família<br />
que o enterre num caixão da Renascer. Sua<br />
mulher é aquela que faz uma marcação cerrada<br />
e ordena que você volte imediatamente<br />
para casa, após o trabalho, se não o bicho<br />
vai pegar...? Não brigue com a megera in<strong>do</strong>mada<br />
por causa disso. Diga que está no<br />
Caminho de Casa, relaxe e tome mais uma<br />
cerveja , pensan<strong>do</strong> na fada que você queria<br />
em seu lar.<br />
Bata, Renascer, Caminho de Casa, Borracharia<br />
e Do jeito que seu nêgo gosta são<br />
nomes de estabelecimentos comercias que<br />
mostram a criatividade <strong>do</strong> marketing popular.<br />
O primeiro é a sigla de Bahia Transportes<br />
Aéreos, Renascer é a única funerária<br />
que promete, no nome, a ressurreição <strong>do</strong>s<br />
mortos, Caminho de Casa e Borracharia<br />
são casas noturnas e Do jeito que seu nêgo<br />
gosta, uma humilde e animada danceteria<br />
localizada na entrada da Estação da Lapa.<br />
notas da <strong>Metrópole</strong><br />
Cidade<br />
É cada nome invoca<strong>do</strong>...<br />
Criatividade e cretinice no batismo <strong>do</strong>s estabelecimentos comerciais<br />
Inusita<strong>do</strong>s, esdrúxulos, engraça<strong>do</strong>s, excêntricos<br />
e bizarros, nomes como estes revelam a<br />
força, a inventividade, o bom gosto e mesmo<br />
o la<strong>do</strong> kitsch <strong>do</strong> marqueteiro ama<strong>do</strong>r.<br />
Para muitos comerciantes, mais <strong>do</strong> que<br />
um ornamento artístico, o nome da empresa<br />
deve chamar a atenção <strong>do</strong> potencial cliente.<br />
É cada nome invoca<strong>do</strong>... Daí resultam jóias<br />
da criatividade popular como Cabana Franga<br />
Fogosa, esta em Itacimirim, no Litoral <strong>No</strong>rte,<br />
Restaurante Boca de Galinha, no Subúrbio<br />
Ferroviário de Salva<strong>do</strong>r, Motel Tocaia, Motel<br />
Corpo a Corpo, Funerária Deus Te Espera,<br />
Espero que chova, vídeo-loca<strong>do</strong>ra situada<br />
em Itapuã, Farmácia Longa Vida (em Cas-<br />
Chameguinho <strong>do</strong> jeito que “o nêgo dela gosta”<br />
Por que não te calas?<br />
Hugo Chávez, presidente da<br />
Venezuela, afirmou que os<br />
conflitos no Tibete, a questão<br />
diplomática entre Bolívia e<br />
Equa<strong>do</strong>r e a independência de<br />
Kosovo são parte de um plano<br />
<strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s para<br />
desestruturar os países em<br />
desenvolvimento. Só faltou<br />
culpar os ianques pela fome na<br />
África, pela dengue no Rio de<br />
Janeiro e pela barata no cabelo<br />
de Luciana Gimenez.<br />
COOPERPHOTO<br />
Galega <strong>do</strong> Leitte<br />
Cláudia Leitte, em entrevista<br />
à Folha de São Paulo, disse<br />
que as suas influências são<br />
Sarah Vaughan, Etta James e<br />
B.B. King. Imaginamos que<br />
sua música seja inspirada em<br />
Sarah Vaughan, seu jeitinho<br />
falante em Etta James e seu<br />
vestuário, especialmente os<br />
shorts minúsculos, em B.B.<br />
King.<br />
telo Branco), dedetiza<strong>do</strong>ra Barata <strong>No</strong>jenta,<br />
Segunda vez (brechó infantil, na Avenida Antônio<br />
Carlos Magalhães), Bar <strong>do</strong>s mentirosos,<br />
como se auto-intitula um boteco <strong>do</strong> Cabula,<br />
e – sublime inspiração! – Pé na Cova, um bar<br />
vizinho ao cemitério em Camaçari.<br />
Quem quiser conferir a grosseira “pomposidade”<br />
de muitos nomes, alguns deles dignos<br />
representantes da “estética <strong>do</strong> grotesco”, basta<br />
dar um giro pelas ruas da cidade ou simplesmente<br />
abrir os classifica<strong>do</strong>s da lista telefônica.<br />
É diversão garantida, pois há marcas para to<strong>do</strong>s<br />
os gostos. A Desentupi<strong>do</strong>ra e Limpa Fossa<br />
Veloz é, talvez, a líder <strong>do</strong> ranking <strong>do</strong>s serviços<br />
inusita<strong>do</strong>s, pois anuncia “lavagem de tanques,<br />
transporte de água potável e carro-pipa”.<br />
A Veloz é provavelmente a única empresa<br />
brasileira que limpa merda e serve água. Já<br />
passageiro que viaja pela Bata não acredita<br />
absolutamente em superstição e muito menos<br />
no destino escrito nas estrelas da aviação comercial<br />
<strong>do</strong> Brasil. Caso, contrário, encomendaria,<br />
antes <strong>do</strong> vôo, os serviços da Renascer.<br />
Há dez anos, o engenheiro mecânico Leonar<strong>do</strong><br />
Alves de Miranda se viu diante de um<br />
desafio semântico, quan<strong>do</strong> decidiu abrir um<br />
bar na varanda da casa <strong>do</strong>s pais. Que nome<br />
colocar? Varandão? Não, era muito comum.<br />
A sugestão partiu <strong>do</strong> chefe dele numa empresa<br />
<strong>do</strong> Pólo Petroquímico de Camaçari: Ao Léu.<br />
A clientela gostou, o nome pegou, a pequena<br />
empresa <strong>do</strong>méstica cresceu e teve que mudar<br />
de endereço. Hoje, é o Restaurante Ao Léu, na<br />
Pituba. O sucesso foi tamanho que Leonar<strong>do</strong><br />
resolveu largar o emprego para cuidar <strong>do</strong>s<br />
negócios. “O pessoal gostou logo <strong>do</strong> nome. Eu<br />
passei a gostar depois”, confessa o engenheiroempresário.<br />
Do outro la<strong>do</strong> da cidade, em Plataforma, o<br />
comerciante Nilton Souza pensou em batizar<br />
seu estabelecimento comercial de Restaurante<br />
Nilmar, uma aglutinação <strong>do</strong> nome dele com<br />
o da mulher, Edmar, mas lembrou-se de um<br />
vizinho apelida<strong>do</strong> de Boca de Galinha. Tascou<br />
o nome no restaurante e, hoje, o Boca de Galinha<br />
é um <strong>do</strong>s restaurantes mais procura<strong>do</strong>s<br />
da Cidade Baixa.<br />
Cu <strong>do</strong> Padre<br />
Aliás, bares e restaurantes representam<br />
um prato cheio para a criatividade popular.<br />
Por este cardápio onomástico desfilam lugares<br />
mais aconchegantes como Habeas Copos,<br />
Póstu<strong>do</strong>, Extu<strong>do</strong>, Boomerangue, Armazém,<br />
Boteco <strong>do</strong> França e outros, digamos (com to<strong>do</strong><br />
respeito) pebas, como o premonitório Pé na<br />
Cova e herético Cu <strong>do</strong> Padre, como é popularmente<br />
chama<strong>do</strong> um bar situa<strong>do</strong> atrás da<br />
igreja de Pinheiros, em São Paulo. Cruz cre<strong>do</strong>!<br />
Já pensou: depois da missa o sacristão chega<br />
para o coroinha e convida: “Vamos tomar<br />
umas e comer um tira-gosto no Cu <strong>do</strong> Padre”.<br />
Na capital paulista existe ainda, perto <strong>do</strong> viaduto<br />
da USP, o Bar das Putas, assim chama<strong>do</strong> porque<br />
ali as prostitutas se escondiam da polícia.<br />
E o que dizer <strong>do</strong> Bar B. Binho, na Rua Maragogipe,<br />
no Rio Vermelho? Do De Passagem,<br />
no Horto Florestal. Do Alphorria, em Santo<br />
Antônio e o global Plim-Plim, na Avenida<br />
Juracy Magalhães Jr.? Ou da barbearia Barbeiro<br />
de meu pai, próximo à igrejinha <strong>do</strong><br />
Rio Vermelho? Já no Retiro há um bar em<br />
que os casais podem brigar, mas dificilmente<br />
vão parar na delegacia: Quem ama não<br />
sente <strong>do</strong>r.<br />
Em Cajazeiras V o destaque vai para a Funerária<br />
Soares. <strong>No</strong>me sóbrio, convenhamos.<br />
Porém, o endereço não podia ser mais apropria<strong>do</strong>:<br />
Estrada <strong>do</strong> Mata<strong>do</strong>uro, nº 1. Esta é para<br />
confundir até os de casa: a Sorveteria Amaralina<br />
fica na Barra e a Sorveteria da Barra, na Pituba.<br />
Já as farmácias oferecem nomes para to<strong>do</strong> tipo<br />
de <strong>do</strong>r de cabeça: Amor à Vida, Cura, Sadia,<br />
Erva Doce e uma infinidade de santas, para o<br />
caso de um milagre, se o remédio falhar.<br />
<strong>No</strong> Retiro, há um bar<br />
em que os casais<br />
podem brigar, mas<br />
dificilmente vão parar<br />
na delegacia: Quem<br />
ama não sente <strong>do</strong>r<br />
Inspira<strong>do</strong> na impunidade <strong>do</strong>s políticos corruptos,<br />
um comerciante abriu a CPI da Pizza.<br />
A casa terminou fechan<strong>do</strong>, por falta de quórum.<br />
Em Daniel Gomes, bairro carente da Estrada<br />
Velha <strong>do</strong> Aeroporto, o comerciante Carlos<br />
Ferreira, abriu o Bar e Restaurante Senadinho.<br />
Ali, segun<strong>do</strong> o estudante de jornalismo Carlos<br />
Eduar<strong>do</strong> Freitas, “ao contrário <strong>do</strong> Sena<strong>do</strong> oficial,<br />
ninguém viola o painel (a caixa registra<strong>do</strong>ra),<br />
não se discute aumentos abusivos de salários,<br />
nem em outras mor<strong>do</strong>mias que há em Brasília”.<br />
<strong>No</strong> Senadinho, nenhum parlamentar falta à<br />
sessão. Também ninguém diz: “Vossa excelência<br />
é um bom ladrão!”. Quem fiscaliza o cumprimento<br />
das regras (ou melhor, <strong>do</strong> regimento<br />
interno) é o garçom Anailton Bacelar, que ocupa<br />
cargo de confiança. Em Guarajuba existe o Bar<br />
Prefeitinho, (homenagem ao alcaide que só<br />
trabalha um pouquinho?). Como se saída das<br />
páginas <strong>do</strong> realismo mágico, funcionou durante<br />
muitos anos, na Boca <strong>do</strong> Rio, a Churrascaria Boi<br />
nos Aires. Os pratos principais eram picanha nas<br />
nuvens e rodízio nas estrelas.<br />
O boleiro que quiser bater um “baba pra<br />
pirão”, basta jogar no Campo <strong>do</strong> Lasca, na<br />
Massaranbuda. <strong>No</strong> mesmo bairro há também<br />
uma academia de feras: Academia Pit Bull,<br />
onde, conforme a propaganda, os malha<strong>do</strong>s<br />
lutam pela paz. Há ainda o Motel Bora, Bora<br />
– “Vumbora, mulher, vumbora, logo”, convida<br />
o gentleman abafa<strong>do</strong> – a Padaria Elétrica, a<br />
funerária Real Paraíso, o restaurante Vamos<br />
que vamos, versão gastronômica <strong>do</strong> Bora, Bora.<br />
Agora, se você sair ao léu, pelas ruas da cidade,<br />
for, de passagem, ao armazém, pensan<strong>do</strong><br />
em obter a alphorria <strong>do</strong> emprego chato e mal<br />
remunera<strong>do</strong> e, por fim, tomar o caminho de<br />
casa, muito cuida<strong>do</strong>: você já bebeu demais e<br />
poderá precisar <strong>do</strong>s serviços da Renascer, principalmente<br />
se o pezinho inchou. •<br />
40 <strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - abril de 2008 41