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LÍNGUA PORTUGUESA

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UNIdERSITÁRIO<br />

<strong>LÍNGUA</strong><br />

<strong>PORTUGUESA</strong><br />

INSTRUÇÃO: As questões de números 01 a 03 tomam por<br />

base um fragmento da crônica Conversa de<br />

Bastidores, do ficcionista brasileiro Graciliano<br />

Ramos (1892-1953), e um trecho da narrativa<br />

O Burrinho Pedrês, do ficcionista brasileiro<br />

João Guimarães Rosa (1908-1967).<br />

[...]<br />

Conversa de Bastidores<br />

Em fim de 1944, Ildefonso Falcão, aqui de passagem, apresentou-me<br />

J. Guimarães Rosa, secretário de embaixada, recémchegado<br />

da Europa.<br />

– O senhor figurou num júri que julgou um livro meu em<br />

1938.<br />

– Como era o seu pseudônimo?<br />

– Viator.<br />

– Ah! O senhor é o médico mineiro que andei procurando.<br />

Ildefonso Falcão ignorava que Rosa fosse médico, mineiro e<br />

literato. Fiz camaradagem rápida com o secretário de embaixada.<br />

– Sabe que votei contra o seu livro?<br />

– Sei, respondeu-me sem nenhum ressentimento.<br />

Achando-me diante de uma inteligência livre de mesquinhez,<br />

estendi-me sobre os defeitos que guardara na memória. Rosa<br />

concordou comigo. Havia suprimido os contos mais fracos. E<br />

emendara os restantes, vagaroso, alheio aos futuros leitores e à<br />

crítica. [...]<br />

Vejo agora, relendo Sagarana (Editora Universal – Rio – 1946),<br />

que o volume de quinhentas páginas emagreceu bastante e muita<br />

consistência ganhou em longa e paciente depuração. Eliminaramse<br />

três histórias, capinaram-se diversas coisas nocivas. As partes<br />

boas se aperfeiçoaram: O Burrinho Pedrês, A Volta do Marido<br />

Pródigo, Duelo, Corpo Fechado, sobretudo Hora e Vez de Augusto<br />

Matraga, que me faz desejar ver Rosa dedicar-se ao romance.<br />

Achariam aí campo mais vasto as suas admiráveis qualidades: a<br />

vigilância na observação, que o leva a não desprezar minúcias na<br />

aparência insignificante, uma honestidade quase mórbida ao reproduzir<br />

os fatos. Já em 1938 eu havia atentado nesse rigor, indicara<br />

a Prudente de Morais numerosos versos para efeito onomatopaico<br />

intercalados na prosa. [...]<br />

A arte de Rosa é terrivelmente difícil. Esse antimodernista<br />

repele o improviso. Com imenso esforço escolhe palavras simples<br />

e nos dá impressão de vida numa nesga de caatinga, num gesto<br />

de caboclo, uma conversa cheia de provérbios matutos. O seu<br />

diálogo é rebuscadamente natural: desdenha o recurso ingênuo de<br />

cortar ss, ll e rr finais, deturpar flexões, e aproximar-se, tanto<br />

quanto possível, da língua do interior.<br />

Devo acrescentar que Rosa é um animalista notável: fervilham<br />

bichos no livro, não convenções de apólogo, mas irracionais,<br />

direitos exibidos com peladuras, esparavões e os necessários<br />

movimentos de orelha e de rabos. Talvez o hábito de<br />

examinar essas criaturas haja aconselhado o meu amigo a trabalhar<br />

com lentidão bovina.<br />

1<br />

VUNESP 2003 – <strong>LÍNGUA</strong> <strong>PORTUGUESA</strong><br />

Certamente ele fará um romance, romance que não lerei,<br />

pois, se for começado agora, estará pronto em 1956, quando os<br />

meus ossos começarem a esfarelar-se.<br />

[...]<br />

(Graciliano Ramos, Conversa de bastidores. In: Linhas tortas)<br />

O Burrinho Pedrês<br />

Nenhum perigo, por ora, com os dois lados da estrada tapados<br />

pelas cercas. Mas o gado gordo, na marcha contraída, se<br />

desordena em turbulências. Ainda não abaixaram as cabeças, e o<br />

trote é duro, sob vez de aguilhoadas e gritos.<br />

– Mais depressa, é para esmoer?! – ralha o Major. – Boiada<br />

boa!...<br />

Galhudos, gaiolos, estrelos, espácios, combucos, cubetos,<br />

lobunos, lompardos, caldeiros, cambraias, chamurros, churriados,<br />

corombos, cornetos, bocalvos, borralhos, chumbados, chitados,<br />

vareiros, silveiros... E os tocos da testa do mocho macheado, e as<br />

armas antigas do boi cornalão...<br />

– P’ra trás, boi-vaca!<br />

– Repele Juca... Viu a brabeza dos olhos? Vai com sangue no<br />

cangote...<br />

– Só ruindade e mais ruindade, de em-desde o redemunho da<br />

testa até na volta da pá! Este eu não vou perder de olho, que ele é<br />

boi espirrador...<br />

Apuram o passo, por entre campinas ricas, onde pastam ou<br />

ruminam outros mil e mais bois. Mas os vaqueiros não esmorecem<br />

nos eias e cantigas, porque a boiada ainda tem passagens<br />

inquietantes: alarga-se e recomprime-se, sem motivo, e mesmo<br />

dentro da multidão movediça há giros estranhos, que não os deslocamentos<br />

normais do gado em marcha – quando sempre alguns<br />

disputam a colocação na vanguarda, outros procuram o centro, e<br />

muitos se deixam levar, empurrados, sobrenadando quase, com os<br />

mais fracos rolando para os lados e os mais pesados tardando<br />

para trás, no coice da procissão.<br />

– Eh, boi lá!... Eh-ê-ê-eh, boi!... Tou! Tou! Tou...<br />

As ancas balançam, e as vagas de dorsos, das vacas e touros,<br />

batendo com as caudas, mugindo no meio, na massa embolada,<br />

com atritos de couros, estralos de guampas, estrondos e baques,<br />

e o berro queixoso do gado junqueira, de chifres imensos, com<br />

muita tristeza, saudade dos campos, querência dos pastos de lá<br />

do sertão...<br />

“Um boi preto, um boi pintado,<br />

cada um tem sua cor.<br />

Cada coração um jeito<br />

de mostrar o seu amor.”<br />

Boi bem bravo, bate baixo, bota baba, boi berrando... Dança<br />

doido, dá de duro, dá de dentro, dá direito... Vai, vem, volta, vem<br />

na vara, vai não volta, vai varando...<br />

“Todo passarinh’ do mato<br />

tem seu pio diferente.<br />

Cantiga de amor doído<br />

não carece ter rompante...”.<br />

Pouco a pouco, porém, os rostos se desempanam e os<br />

homens tomam gesto de repouso nas selas, satisfeitos. Que de<br />

trinta, trezentos ou três mil, só está quase pronta a boiada quando<br />

as alimárias se aglutinam em bicho inteiro – centopeia –, mesmo<br />

prestes assim para surpresas más.<br />

(João Guimarães Rosa, O burrinho pedrês. In: Sagarana)


UNIdERSITÁRIO<br />

1. No artigo Conversa de Bastidores, publicado em 1946,<br />

Graciliano Ramos revela haver votado em Maria Perigosa, de<br />

Luís Jardim, e não em Contos, de Viator (pseudônimo de Guimarães<br />

Rosa), no desempate final de um concurso promovido<br />

em 1938 pela Editora José Olympio. Sem desanimar com a<br />

derrota, Guimarães Rosa veio a publicar seu livro, com modificações,<br />

em 1946, sob o título de Sagarana, que o revelou<br />

como um dos maiores escritores da modernidade no Brasil.<br />

Releia as duas passagens e, a seguir,<br />

a) interprete o que quer dizer Graciliano, no contexto, com a<br />

expressão “achando-me diante de uma inteligência livre<br />

de mesquinhez”;<br />

b) localize, numa das cinco falas de personagens do fragmento<br />

de Guimarães Rosa, um exemplo que confirme a<br />

observação de Graciliano, de que o autor de Sagarana, ao<br />

representar tais falas, “desdenha o recurso ingênuo de<br />

cortar ss, ll e rr finais”.<br />

Resolução<br />

a) Graciliano Ramos faz alusão à atitude que Guimarães<br />

Rosa assume diante do fazer literário, encarando-o<br />

como uma atividade na qual só o exercício da prática<br />

poderá levar à supressão das falhas. Motivo pelo qual<br />

se mantém impermeável às críticas.<br />

b) “– Mais depressa, é para esmoer?! – ralha o major –<br />

Boiada boa!...”<br />

Neste fragmento, o ritmo da fala, determinado pela<br />

cadência obtida pela escolha dos vocábulos e dos<br />

recursos de pontuação, substitui a “simplificação<br />

ingênua” que levaria o autor a grafar “esmoê” em<br />

lugar de “esmoer”.<br />

2. O estilo narrativo de Guimarães Rosa, como o próprio Graciliano<br />

lembra em seu artigo, é caracterizado, entre outros aspectos,<br />

pelo alto índice de musicalidade, pelo recurso a procedimentos<br />

rítmicos e rímicos característicos da poesia, como por exemplo<br />

no nono parágrafo, que pode ser lido como uma seqüência<br />

de 16 versos de cinco sílabas (As ancas balançam,/e as<br />

vagas de dorsos,/das vacas e touros,/ batendo com as caudas,/etc.)<br />

ou de 8 versos de onze sílabas (As ancas balançam,<br />

e as vagas de dorsos,/das vacas e touros, batendo com<br />

as caudas,/etc.). Depois de observar atentamente este comentário<br />

e os exemplos,<br />

a) indique, no trecho de O Burrinho Pedrês, outro parágrafo<br />

que possa ser integralmente lido sob a forma de versos<br />

regulares;<br />

b) estabeleça, com base em sua leitura, o número de sílabas<br />

de cada verso e o número de versos que tal parágrafo<br />

contém.<br />

Resolução<br />

a) Os parágrafos que podem ser reorganizados integralmente<br />

em versos regulares são o terceiro e o décimo<br />

primeiro.<br />

2<br />

VUNESP 2003 – <strong>LÍNGUA</strong> <strong>PORTUGUESA</strong><br />

b) Trata-se do terceiro parágrafo:<br />

“ga/lhu/dos,/ ga/io/los,/ es/tre/los,/ es/pá/cios,<br />

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11<br />

com/bu/tos,/ cu/be/tos,/ lo/bu/nos,/ lom/par/dos,<br />

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11<br />

cal/dei/ros,/ cam/braias,/ cha/mur/ros, /chu/rri/ a /dos,<br />

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11<br />

co/rom/bos,/ cor/ne/tos,/ bo/cal/vos,/ bor/ra/lhos,<br />

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11<br />

chum/ba/dos,/ chi/ta/dos,/ var/ei/ros,/ sil/vei/ros...<br />

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11<br />

E os/ to/cos/ da/ tes/ta/ do/ mo/cho/ ma/chea/do,<br />

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11<br />

e as/ ar/mas/ an/ti/gas/ do/ boi/ cor/na/lão/...”<br />

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11<br />

– Sete versos eneassílabos (de onze sílabas).<br />

Ou do décimo primeiro parágrafo:<br />

“Boi/ bem/ bra/vo,/ ba/te/ bai/xo,<br />

1 2 3 4 5 6 7<br />

bo/ta/ ba/ba,/ boi/ ber/ran/do...<br />

1 2 3 4 5 6 7<br />

Dan/ça/ doi/do,/ dá/ de/ du/ro,<br />

1 2 3 4 5 6 7<br />

dá/ de/ den/tro,/ dá/ di/rei/to...<br />

1 2 3 4 5 6 7<br />

Vai,/ vem,/ vol/ta,/ vem/ na/ va/ra,<br />

1 2 3 4 5 6 7<br />

vai/ não/ vol/ta,/ vai/ va/ran/do...”<br />

1 2 3 4 5 6 7<br />

– Seis versos heptassílabos ou redondilhos maiores<br />

(de 7 sílabas).<br />

3. Muitas palavras podem atuar nas frases como representantes<br />

de diferentes classes e exercer, portanto, diferentes funções<br />

sintáticas. Tendo em mente esta informação,<br />

a) determine, com base em características formais da frase<br />

em que se encontra, a classe de palavras em que se enquadra<br />

a palavra eias, empregada por Guimarães Rosa no<br />

sétimo parágrafo do trecho citado;<br />

b) considerando que, no quarto período do antepenúltimo<br />

parágrafo de seu texto, Graciliano Ramos representou três<br />

palavras visualmente por meio das letras dobradas rr, ll e<br />

ss, reescreva esse período, substituindo tais letras dobradas<br />

pelas palavras correspondentes.


UNIdERSITÁRIO<br />

Resolução<br />

a) A palavra “eias” é um substantivo, já que sofreu o<br />

processo de derivação imprópria ao receber o artigo<br />

“os”.<br />

b) O seu diálogo é rebuscadamente natural: desdenha o<br />

recurso ingênuo de cortar “esses”, “eles” e “erres”.<br />

INSTRUÇÃO: As questões de números 04 a 07 tomam por<br />

base o poema Soneto, do poeta romântico brasileiro<br />

José Bonifácio, o Moço (1827-1886), e o<br />

poema Visita à Casa Paterna, do poeta parnasiano<br />

brasileiro Luís Guimarães Júnior (1845-<br />

1898).<br />

Soneto<br />

Deserta a casa está... Entrei chorando,<br />

De quarto em quarto, em busca de ilusões!<br />

Por toda a parte as pálidas visões!<br />

Por toda a parte as lágrimas falando!<br />

05 Vejo meu pai na sala, caminhando,<br />

Da luz da tarde aos tépidos clarões,<br />

De minha mãe escuto as orações<br />

Na alcova, aonde ajoelhei rezando.<br />

Brincam minhas irmãs (doce lembrança!...),<br />

10 Na sala de jantar... Ai! mocidade,<br />

És tão veloz, e o tempo não descansa!<br />

Oh! sonhos, sonhos meus de claridade!<br />

Como é tardia a última esperança!...<br />

Meu Deus, como é tamanha esta saudade!...<br />

(José Bonifácio, o Moço. Poesias. São Paulo:<br />

Conselho Estadual de Cultura, 1962)<br />

Visita à Casa Paterna<br />

Como a ave que volta ao ninho antigo,<br />

Depois de um longo e tenebroso inverno,<br />

Eu quis também rever o lar paterno,<br />

O meu primeiro e virginal abrigo:<br />

05 Entrei. Um Gênio carinhoso e amigo,<br />

O fantasma, talvez, do amor materno,<br />

Tomou-me as mãos, — olhou-me, grave e terno,<br />

E, passo a passo, caminhou comigo.<br />

Era esta a sala... (Oh! se me lembro! e quanto!)<br />

10 Em que da luz noturna à claridade,<br />

Minhas irmãs e minha mãe... O pranto<br />

Jorrou-me em ondas... Resistir quem há-de?<br />

Uma ilusão gemia em cada canto,<br />

Chorava em cada canto uma saudade.<br />

(Luís Guimarães Junior, Sonetos e Rimas)<br />

4. Em nota de rodapé ao Soneto de José Bonifácio, o Moço, os<br />

organizadores da edição mencionada, Alfredo Bosi e Nilo<br />

Scalzo, fazem o seguinte comentário: “Talvez tenha-se inspirado<br />

neste soneto o parnasiano Luís Guimarães Jr., ao compor<br />

o famoso ‘Visita à casa paterna’.” Releia os poemas atentamente<br />

e, em seguida,<br />

3<br />

VUNESP 2003 – <strong>LÍNGUA</strong> <strong>PORTUGUESA</strong><br />

a) enuncie o tema comum aos dois textos;<br />

b) indique dois aspectos da forma poemática (versificação,<br />

rimas, estrofes) em que haja identidade entre os dois poemas.<br />

Resolução<br />

a) Ambos os textos trabalham com o tema da nostalgia,<br />

da evocação de reminiscências: “Deserta a casa<br />

está... Entrei chorando,/De quarto em quarto, em<br />

busca de ilusões” (Soneto, José Bonifácio)<br />

“Eu quis também rever o lar paterno/o meu primeiro e<br />

virginal abrigo” (Visita à Casa Paterna, Luís Guimarães<br />

Jr.)<br />

b) O verso decassílabo:<br />

1 2 3 4 5 6<br />

“De/ser/ta a/ca/sa es/tá...<br />

7 8 9 10<br />

En/trei/ cho/ran/do (Soneto)<br />

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10<br />

“En/trei./ Um /Gê/nio/ ca/ri/nho/so e a/mi/go<br />

e as rimas interpoladas:<br />

(Visita à Casa Paterna)<br />

“Vejo meu pai na sala caminhando<br />

Da luz da tarde aos tépidos clarões<br />

De minha mãe escuto as orações<br />

Na alcova, aonde ajoelhei rezando”<br />

(Soneto)<br />

“Como a ave que volta ao ninho antigo<br />

Depois de um longo e tenebroso inverno,<br />

Eu quis rever o lar paterno,<br />

O meu primeiro e virginal abrigo”<br />

(Visita à Casa Paterna)<br />

5. Uma das semelhanças mais notáveis entre os dois poemas<br />

está justamente nas personagens evocadas: pai, mãe, irmãs.<br />

Com base nesta informação,<br />

a) estabeleça a diferença entre Soneto e Visita à Casa<br />

Paterna quanto ao modo de aludirem ao pai de família;<br />

b) aponte, no poema de Luís Guimarães Jr., uma personagem<br />

que não é referida no de José Bonifácio.<br />

Resolução<br />

a) O texto de José Bonifácio fala do pai diretamente:<br />

“Vejo meu pai na sala, caminhando”, enquanto o de<br />

Luís Guimarães Jr. faz apenas uma alusão à figura<br />

do pai através do adjetivo “paterno”, que acompanha<br />

o substantivo “lar”: “Eu quis também rever o lar paterno”.


UNIdERSITÁRIO<br />

b) A personagem é o “Gênio carinhoso e amigo”, “o<br />

fantasma (...) do amor materno” que, personificado,<br />

conduz o poeta pelas mãos.<br />

6. Para atender a necessidades de ritmo e de rima, os poetas praticam<br />

com naturalidade e freqüência inversões e deslocamentos<br />

no padrão de disposição dos termos na oração (sujeito,<br />

verbo, complementos). Partindo desta constatação, analise<br />

a estrutura sintática das frases “Brincam minhas irmãs na<br />

sala de jantar” e “Chorava em cada canto uma saudade” e,<br />

logo após,<br />

a) reescreva-as na ordem que seus termos apresentariam de<br />

acordo com o padrão mencionado;<br />

b) demonstre as identidades que há entre as duas orações<br />

no que diz respeito às funções sintáticas dos termos que<br />

as constituem.<br />

Resolução<br />

a) Minhas irmãs brincam na sala de jantar.<br />

Uma saudade chorava em cada canto.<br />

b) Em ambas as orações encontra-se verbo intransitivo<br />

regendo adjunto adverbial de lugar.<br />

7. José Bonifácio, o Moço, era um poeta romântico, enquanto<br />

Luís Guimarães Jr. era um parnasiano com raízes românticas.<br />

Os dois poemas apresentam características que servem de<br />

exemplo para tais observações. Levando em conta este comentário,<br />

a) identifique um traço típico da poética romântica presente<br />

nos dois poemas;<br />

b) aponte, em Visita à Casa Paterna, um aspecto característico<br />

da concepção parnasiana de poesia.<br />

Resolução<br />

a) O traço romântico mais característico presente em<br />

ambos os textos é a função emotiva da linguagem,<br />

caracterizada pela abundância de pronomes possessivos<br />

e verbos de 1 a pessoa.<br />

Soneto<br />

“entrei” (1 o verso), “meu pai” (5 o verso), “De minha<br />

mãe escuto” (7 o verso), “ajoelhei” (8 o verso), “minhas<br />

irmãs” (9 o verso), “sonhos meus” (12 o verso), “Meu<br />

Deus” (14 o verso);<br />

Visita à Casa Paterna<br />

“eu quis” (3 o verso), “O meu primeiro...” (4 o verso),<br />

“Entrei” (5 o verso), “Tomou-me as mãos” (7 o verso),<br />

“olhou-me” (7 o verso), “caminhou comigo” (8 o verso),<br />

“Oh! se me lembro” (9 o verso), “Minhas irmãs e minha<br />

mãe” (11 o verso), “Jorrou-me” (12 o verso).<br />

e pela pontuação psicológica (abundância de exclamações<br />

e reticências).<br />

4<br />

VUNESP 2003 – <strong>LÍNGUA</strong> <strong>PORTUGUESA</strong><br />

b) O aspecto mais evidente da concepção parnasiana é<br />

o rigor formal:<br />

· a forma fixa soneto (2 quartetos e 2 tercetos);<br />

· métrica regular (verbos decassílabos);<br />

· presença de rimas.<br />

As questões de números 08 a 10 tomam por base o poema<br />

Lisbon Revisited, do heterônimo Álvaro de Campos do poeta<br />

modernista português Fernando Pessoa (1888-1935), e a letra<br />

da canção Metamorfose Ambulante, do cantor e compositor<br />

brasileiro Raul Seixas (1945-1989).<br />

Lisbon Revisited<br />

(1923)<br />

Não: não quero nada.<br />

Já disse que não quero nada.<br />

Não me venham com conclusões!<br />

A única conclusão é morrer.<br />

05 Não me tragam estéticas!<br />

Não me falem em moral!<br />

Tirem-me daqui a metafísica!<br />

Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem<br />

conquistas<br />

Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —<br />

10 Das ciências, das artes, da civilização moderna!<br />

Que mal fiz eu aos deuses todos?<br />

Se têm a verdade, guardem-na!<br />

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.<br />

Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.<br />

15 Com todo o direito a sê-lo, ouviram?<br />

Não me macem, por amor de Deus!<br />

Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?<br />

Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?<br />

Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.<br />

20 Assim, como sou, tenham paciência!<br />

Vão para o diabo sem mim,<br />

Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!<br />

Para que havemos de ir juntos?<br />

Não me peguem no braço!<br />

25 Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.<br />

Já disse que sou sozinho!<br />

Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia!<br />

Ó céu azul — o mesmo da minha infância —<br />

Eterna verdade vazia e perfeita!<br />

30 Ó macio Tejo ancestral e mudo,<br />

Pequena verdade onde o céu se reflete!<br />

Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!<br />

Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.<br />

Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...<br />

35 E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!<br />

(Fernando Pessoa, Ficções do Interlúdio/4:<br />

poesias de Álvaro de Campos)


UNIdERSITÁRIO<br />

Metamorfose Ambulante<br />

Prefiro ser essa metamorfose ambulante<br />

Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante<br />

Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo<br />

Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo<br />

05 Eu quero dizer agora o oposto do que eu disse antes<br />

Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante<br />

Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo<br />

Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo<br />

Sobre o que é o amor<br />

10 Sobre que eu nem sei quem sou<br />

Se hoje eu sou estrela amanhã já se apagou<br />

Se hoje eu te odeio amanhã lhe tenho amor<br />

Lhe tenho amor<br />

Lhe tenho horror<br />

15 Lhe faço amor<br />

eu sou um ator...<br />

É chato chegar a um objetivo num instante<br />

Eu quero viver nessa metamorfose ambulante<br />

Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo<br />

20 Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo<br />

Sobre o que é o amor<br />

Sobre que eu nem sei quem sou<br />

Se hoje eu sou estrela amanhã já se apagou<br />

Se hoje eu te odeio amanhã lhe tenho amor<br />

25 Lhe tenho amor<br />

Lhe tenho horror<br />

Lhe faço amor<br />

eu sou um ator...<br />

Eu vou desdizer aquilo tudo que eu lhe disse antes<br />

30 Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante<br />

Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo<br />

Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo<br />

Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo<br />

Do que ter aquela velha velha velha velha opinião formada<br />

sobre tudo...<br />

35 Do que ter aquela velha velha opinião formada sobre tudo...<br />

Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo...<br />

(Raul Seixas, Os grandes sucessos de Raul Seixas)<br />

8. O poema Lisbon Revisited (1923) e a canção Metamorfose<br />

Ambulante (1973) identificam-se por alguns aspectos formais<br />

e por focalizarem como tema a atitude de rebeldia do indivíduo<br />

aos modelos e padrões culturais que lhe são impostos.<br />

Releia-os com atenção e, a seguir,<br />

a) servindo-se de uma escala em cujos extremos estejam atitude<br />

eufórica (sensação de bem-estar e de alegria) e atitude<br />

disfórica (sensação de mal-estar, ansiedade, inquietação),<br />

demonstre qual dos dois textos está mais próximo do<br />

pólo da atitude disfórica;<br />

b) explique em que medida o verso de número 16 de Metamorfose<br />

Ambulante sintetiza o conteúdo da canção.<br />

Resolução<br />

a) O texto Lisbon Revisited é aquele que apresenta<br />

disforia, pois nele o eu-lírico tem claramente uma<br />

atitude de revolta e recusa com relação aos seus<br />

interlocutores e às convenções sociais. Isso fica<br />

patente em orações exclamativas, como:<br />

5<br />

VUNESP 2003 – <strong>LÍNGUA</strong> <strong>PORTUGUESA</strong><br />

“Que mal fiz eu aos deuses todos?”<br />

“Se têm a verdade, guardem-na!”<br />

“Vão para o diabo sem mim, ou deixem-me ir sozinho<br />

para o diabo!”<br />

“Deixem-me em paz!”<br />

b) “...eu sou um ator”<br />

Um ator representa papéis, ou seja, vive, ainda que<br />

ficticiamente, diversas possibilidades de existência;<br />

portanto, ao nomear-se ator, o eu-lírico aponta para<br />

situação almejada de constante mudança.<br />

9. Tanto no poema de Fernando Pessoa como na canção de<br />

Raul Seixas se observa o recurso intenso às repetições. Ciente<br />

deste fato,<br />

a) localize o verso de Metamorfose Ambulante que apresenta<br />

repetição insistente de uma mesma palavra e defina o<br />

efeito expressivo obtido pelo autor com essa repetição;<br />

b) considerando que o advérbio não é uma das palavras mais<br />

repetidas ao longo de Lisbon Revisited, estabeleça a relação<br />

semântica que a repetição dessa palavra tem com a<br />

atitude do eu-poemático ante os padrões sociais.<br />

Resolução<br />

a) “Do que ter aquela velha velha velha velha opinião<br />

formada sobre tudo”.<br />

A repetição do adjetivo “velha” transmite idéia de<br />

intensidade: muito velha ou velhíssima.<br />

b) A repetição do advérbio “não” reflete a atitude do eupoemático<br />

de recusa dos padrões sociais.<br />

10. Atentando para o fato de que a função conativa da linguagem<br />

é orientada para o destinatário da mensagem,<br />

a) identifique o modo verbal que, insistentemente empregado<br />

pelo eu-poemático, torna muito intensa a orientação<br />

para o destinatário no poema de Fernando Pessoa;<br />

b) considerando que, no verso de número 12, Raul Seixas,<br />

adotando o uso popular, empregou os pronomes te e lhe<br />

para referir-se a uma mesma pessoa, apresente duas alternativas<br />

que teria o poeta para escrever esse verso segundo<br />

a norma culta.<br />

Resolução<br />

a) O modo verbal predominante empregado pelo eupoemático<br />

é o Imperativo, tanto negativo como afirmativo.<br />

b) Se hoje o odeio, amanhã lhe tenho amor. (Referindose<br />

à 3 a pessoa)<br />

Se hoje te odeio, amanhã te tenho amor. (Referindose<br />

à 2 a pessoa)


UNIdERSITÁRIO<br />

REDAÇÃO<br />

INSTRUÇÃO: Leia os seguintes trechos.<br />

Não se pode ser sem rebeldia<br />

Eu acho que os adultos, pais e professores, deveriam compreender<br />

melhor que a rebeldia, afinal, faz parte do processo da<br />

autonomia, quer dizer, não é possível ser sem rebeldia. O grande<br />

problema está em como amorosamente dar sentido produtivo, dar<br />

sentido criador ao ato rebelde e de não acabar com a rebeldia.<br />

Tem professores que acham que a única saída para a rebelião,<br />

para a rebeldia é a punição, é a castração. Eu confesso que tenho<br />

grandes dúvidas em torno da eficácia do castigo.<br />

Eu acho que a liberdade não se autentica sem o limite da<br />

autoridade, mas o limite que a autoridade se deve propor a si<br />

mesma, para propor ao jovem a liberdade, é um limite que necessariamente<br />

não se explicita através de castigos. Eu acho que a<br />

liberdade precisa de limites, a autoridade inclusive tem a tarefa de<br />

propor os limites, mas o que é preciso, ao propor os limites, é<br />

propor à liberdade que ela interiorize a necessidade ética do limite,<br />

jamais através do medo.<br />

A liberdade que não faz uma coisa porque teme o castigo<br />

não está “eticizando-se”. É preciso que eu aceite a necessidade<br />

ética, aí o limite é compromisso e não mais imposição, é assunção.<br />

O castigo não faz isso. O castigo pode criar docilidade, silêncio.<br />

Mas os silenciados não mudam o mundo.<br />

(Paulo Freire, Pedagogia dos sonhos possíveis.<br />

Org. Ana M. A. Freire. Editora Unesp)<br />

Autoridade em Ética<br />

Pode-se dizer, em tese, que a essência da ética provém da<br />

pressão da comunidade sobre o indivíduo. O homem pouco tem de<br />

gregário, e nem sempre sente, instintivamente, os desejos comuns<br />

a sua grei. Esta, ansiosa para que o indivíduo aja no seu<br />

interesse, tem inventado vários artifícios com o fim de harmonizar<br />

os interesses individuais com os seus próprios. Um destes é o<br />

governo, outro é a lei e o costume, e o outro é a moral. A moral<br />

torna-se uma força eficiente de duas maneiras: primeiro, através<br />

do louvor e da censura dos que o cercam e das autoridades; e<br />

segundo, através do autolouvor e da autocensura, os quais são<br />

chamados de “consciência”. Por meio destas várias forças —<br />

governo, lei, moral — o interesse da comunidade se faz sentir<br />

sobre o indivíduo. [...]<br />

Chego agora a meu último problema, que se relaciona com<br />

os direitos do indivíduo, em contraposição aos da sociedade. A<br />

ética, nós o dissemos, é parte de uma tentativa para tornar o<br />

homem mais gregário do que a natureza o fez. As pressões que a<br />

moral exerce sobre o indivíduo são, pode-se dizer, devidas ao<br />

gregarismo apenas parcial da espécie humana. Mas isto é uma<br />

meia verdade. Muitas de suas melhores cousas vêm do fato de<br />

não ser ela completamente gregária. O homem tem seu valor<br />

intrínseco, e os melhores indivíduos fazem contribuições para o<br />

bem geral que não são solicitadas e que, muitas vezes, chegam a<br />

sofrer reação por parte do resto da comunidade. É, pois, uma<br />

parte essencial da busca do bem geral, o permitir aos indivíduos<br />

liberdades que não sejam, evidentemente, maléficas aos outros. É<br />

isto que dá origem ao permanente conflito entre a liberdade e a<br />

autoridade, e estabelece limites ao princípio de que a autoridade é<br />

a fonte da virtude.<br />

(Bertrand Russell. A sociedade humana na ética e na política.<br />

Título original: Human society in Ethics and Politics.<br />

Tradução de Oswaldo de Araujo Souza. São Paulo:<br />

Companhia Editora Nacional, 1956)<br />

6<br />

VUNESP 2003 – <strong>LÍNGUA</strong> <strong>PORTUGUESA</strong><br />

PROPOSIÇÃO<br />

A atuação do homem na sociedade, mediada por padrões e<br />

modelos de comportamento e sujeita a atritos e tensões entre<br />

os interesses da comunidade e os dos indivíduos, pode assumir<br />

as mais variadas formas, que vão do puro e simples<br />

enquadramento até à mais exacerbada rebeldia. Os dois trechos<br />

apresentados focalizam essa questão sob os pontos de<br />

vista pedagógico (Paulo Freire) e ético (Bertrand Russell).<br />

Tomando como base de reflexão, se achar necessário, os textos<br />

mencionados, a letra de Raul Seixas e o poema de<br />

Fernando Pessoa (Álvaro de Campos), bem como sua própria<br />

experiência e opinião, escreva uma redação de gênero dissertativo<br />

sobre o tema<br />

Comentário<br />

OS PADRÕES SOCIAIS<br />

E A LIBERDADE DO INDIVÍDUO.<br />

A proposta de Redação da VUNESP solicitou uma<br />

dissertação que analisasse “Os Padrões Sociais e a Liberdade<br />

do Indivíduo”.<br />

Por ser um tema de caráter filosófico, o vestibulando<br />

provavelmente sentiria maior dificuldade em apresentar,<br />

em sua redação, uma abordagem objetiva, sobretudo na<br />

argumentação.<br />

Antes de selecionar os argumentos, no entanto, era<br />

preciso que o aluno determinasse seu posicionamento<br />

(sua tese) a respeito do tema: de que forma o grupo<br />

social impede (ou não) a existência da liberdade individual?<br />

Para auxiliar a argumentação do texto, o candidato<br />

poderia explorar as idéias apresentadas nos textos da<br />

coletânea e do exame.<br />

Em Não se pode ser sem rebeldia, Paulo Freire<br />

ressalta o lado positivo da rebeldia, já que a falta dela<br />

pode acarretar (no contexto escolar) medo, comodismo,<br />

passividade. O educador, porém, ressalta que há necessidade<br />

de existirem limites.<br />

Já em Autoridade em Ética, Bertrand Russell expõe<br />

que a ética se origina da “pressão da comunidade sobre<br />

o indivíduo”, de tal forma que esse passe a atuar em prol<br />

da coletividade.<br />

Por fim, Álvaro de Campos, em Lisbon Revisited, e<br />

Raul Seixas, em Metamorfose Ambulante, radicalizam,<br />

propondo uma ruptura: a recusa de seguir padrões.


UNIdERSITÁRIO<br />

COMENTÁRIOS<br />

Língua Portuguesa<br />

7<br />

VUNESP 2003 – <strong>LÍNGUA</strong> <strong>PORTUGUESA</strong><br />

Como nos anos anteriores, a prova da VUNESP privilegiou a abordagem de textos de diferentes épocas e estilos, com<br />

questões comparativas.<br />

Quanto à Gramática, abordaram-se questões básicas de sintaxe e de formação de palavras (derivação imprópria).<br />

A prova de Literatura privilegiou questões estilísticas (o estilo poético de Guimarães Rosa, o formalismo do estilo parnasiano<br />

e a função emotiva valorizada no estilo romântico).

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