Matadores de aluguel: códigos e mediações. na rota - Revista de ...
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aparecem <strong>na</strong> ce<strong>na</strong>: políticos, latifundiários, juízes,<br />
advogados e policiais. Estes representam, contraditoriamente,<br />
o “lado legal” da organização.<br />
A complexida<strong>de</strong> do sistema <strong>de</strong><br />
pistolagem, com diversas partes encobertas<br />
e invisíveis, é que dá a dimensão do po<strong>de</strong>r da<br />
organização criminosa. O pistoleiro passa a ser<br />
uma peça nesta engre<strong>na</strong>gem não conhecida, e<br />
o <strong>de</strong>sconhecimento do sistema é diretamente<br />
proporcio<strong>na</strong>l ao po<strong>de</strong>r que a ele é atribuído pelo<br />
pistoleiro.<br />
O segredo e a não-publicida<strong>de</strong> do seu funcio<strong>na</strong>mento<br />
seriam o sustentáculo e a salvaguarda do<br />
sistema. Neste sentido, as organizações criminosas<br />
temem mais a imprensa do que a Justiça. Os seus<br />
componentes sabem que uma intensa campanha da<br />
imprensa empurra a opinião pública a reagir contra<br />
o silêncio e o abuso imperante.<br />
A omissão dos órgãos <strong>de</strong> segurança e a postura<br />
parcial da Justiça possibilitam a liberda<strong>de</strong> e a absolvição<br />
dos “homens fora da lei”, gerando prestígio<br />
e força para as organizações, ao mesmo tempo em<br />
que produz medo e silêncio entre a população.<br />
As agressões físicas e os homicídios têm se<br />
convertido em argumentos normais <strong>de</strong> persuasão<br />
para as organizações criminosas, quando querem<br />
que a socieda<strong>de</strong> aceite suas prepotências.<br />
Os processos judiciais que envolvem componentes<br />
<strong>de</strong>stas organizações e, especificamente, do<br />
sistema <strong>de</strong> pistolagem, são geralmente arquivados<br />
por “insuficiência <strong>de</strong> provas”, principalmente quando<br />
estão em julgamento os mandantes, elo mais forte<br />
da ca<strong>de</strong>ia do sistema.<br />
Nos setores menos favorecidos economicamente,<br />
o silêncio aparece como o comportamento<br />
possível, diante do arbítrio do sistema <strong>de</strong> pistolagem,<br />
numa percepção concreta <strong>de</strong> que esta violência po<strong>de</strong><br />
ser acio<strong>na</strong>da a qualquer momento. Para os setores<br />
mais favorecidos economicamente, o silêncio po<strong>de</strong><br />
ser o resultado <strong>de</strong> uma avaliação segundo a qual o<br />
alvo da pistolagem é direcio<strong>na</strong>do e não difuso. Neste<br />
sentido, o ponto a que se dirige a pistolagem, em<br />
termos <strong>de</strong> agressão física, já está, em princípio, <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do.<br />
Uma organização criminosa se reproduz, por<br />
um lado, a partir da existência <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> social,<br />
dos seus <strong>códigos</strong> e do segredo do seu funcio<strong>na</strong>mento,<br />
e, por outro lado, pelo medo e pelo silêncio imposto<br />
à socieda<strong>de</strong>. Reproduz-se, também, pela <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong><br />
dos po<strong>de</strong>res públicos, através <strong>de</strong> acordos e negócios<br />
ilícitos com o po<strong>de</strong>r político e econômico.<br />
A atuação dos pistoleiros <strong>na</strong>s resoluções dos<br />
conflitos, interpessoais e <strong>de</strong> terceiros, põe em suspense<br />
o monopólio da violência física.<br />
A recorrência da violência física <strong>na</strong>s resoluções<br />
dos conflitos sociais aponta para uma fragilida<strong>de</strong><br />
do autocontrole do indivíduo, como também<br />
das sanções sociais. A autocompulsão, mediada pelos<br />
elementos <strong>de</strong> coragem e valentia, em vez <strong>de</strong> representar<br />
uma perda <strong>de</strong> prestígio, reforça um capital<br />
social. A força física entra como um dado positivo,<br />
no cômputo geral da diferenciação e <strong>na</strong> escala do<br />
prestígio social.<br />
Os pistoleiros têm duas opções: colocam-se<br />
como vingadores, ou então, como corajosos; uma<br />
coragem que é um elemento negado nos mandantes.<br />
Entretanto, como já escrevi, os pistoleiros entram <strong>na</strong><br />
troca <strong>de</strong> “dons”: coragem x dinheiro. A coragem, provavelmente,<br />
é o atributo pessoal mais realçado entre<br />
os pistoleiros. Sendo um aspecto <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>nte, <strong>de</strong><br />
distinção, <strong>na</strong> iniciação dos crimes <strong>de</strong> pistolagem, a<br />
coragem é um capital pessoal, para ter firmeza diante<br />
dos perigos. Na discussão, aparece claramente a<br />
diferença entre coragem, como sinônimo <strong>de</strong> ousadia<br />
e bravura, e valentia, como sinônimo <strong>de</strong> força e vigor.<br />
Numa escala i<strong>de</strong>al, o pistoleiro é suficientemente<br />
ousado para resolver conflitos <strong>de</strong> outrem, mas não<br />
suficientemente forte para resolver uma “briga”.<br />
A vingança como ingrediente <strong>de</strong>sses crimes,<br />
mesmo sendo reivindicada por alguns pistoleiros,<br />
situa vários pontos. À proporção que o pistoleiro se<br />
profissio<strong>na</strong>liza, vai se <strong>de</strong>senraizando do seu grupo, e<br />
per<strong>de</strong>ndo, também, uma das características da vingança<br />
que é a <strong>de</strong> proclamar a proeminência do grupo<br />
sobre o indivíduo.<br />
A ação do pistoleiro é, em princípio, individual;<br />
é impulsio<strong>na</strong>da por uma vonta<strong>de</strong> própria. O prestígio<br />
conseguido dificilmente é revertido em benefí-<br />
BARREIRA, C. <strong>Matadores</strong> <strong>de</strong> <strong>aluguel</strong>: <strong>códigos</strong> e <strong>mediações</strong>..., p. 41-52<br />
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