Matadores de aluguel: códigos e mediações. na rota - Revista de ...
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Chico Men<strong>de</strong>s, lí<strong>de</strong>r dos camponeses do estado do<br />
Acre, <strong>de</strong> Margarida Alves, lí<strong>de</strong>r camponesa do estado<br />
da Paraíba, e do Padre Josimo Tavares, religioso<br />
que trabalhava junto aos camponeses do estado do<br />
Maranhão. Todas estas mortes foram praticadas por<br />
pistoleiros, a mando <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s proprietários rurais.<br />
O meu primeiro <strong>de</strong>safio foi o <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r a<br />
pistolagem no interior dos conflitos agrários. Iniciei,<br />
então, a pesquisa através do material divulgado <strong>na</strong><br />
imprensa sobre essa problemática. A pesquisa nos<br />
trouxe surpresas. Uma foi que os crimes <strong>de</strong> mando<br />
tinham uma forte incidência em assassi<strong>na</strong>tos no interior<br />
do campo político.<br />
As primeiras incursões pelos jor<strong>na</strong>is levaram<br />
a concluir que os crimes <strong>de</strong> pistolagem estão<br />
geralmente ligados a duas gran<strong>de</strong>s vertentes: o voto,<br />
que materializa a reprodução do mando político; e a<br />
terra, que preserva a domi<strong>na</strong>ção político-econômica.<br />
Encontra-se, também, a utilização <strong>de</strong> pistoleiros<br />
em “crimes passio<strong>na</strong>is”.<br />
É interessante fazer novas incursões <strong>na</strong> busca<br />
do uso mais específico do termo “pistoleiro” nesses<br />
crimes passio<strong>na</strong>is, <strong>na</strong> medida em que existe uma regra,<br />
referente à afirmação <strong>de</strong> que a questão da honra<br />
tem que ser “lavada” pela pessoa que se sente <strong>de</strong>sonrada.<br />
Se, a utilização <strong>de</strong> pistoleiros nos assassi<strong>na</strong>tos<br />
<strong>de</strong> adversários políticos, <strong>de</strong>monstra a importância<br />
do voto como sustentáculo do po<strong>de</strong>r, o assassi<strong>na</strong>to<br />
<strong>de</strong> camponeses mostra a importância que assume a<br />
proprieda<strong>de</strong> territorial, <strong>de</strong>ixando transparecer a voracida<strong>de</strong><br />
da estratégia usada para sua manutenção.<br />
Nas questões ligadas à luta pela terra, o gran<strong>de</strong><br />
alvo têm sido os lí<strong>de</strong>res camponeses, ou pessoas<br />
envolvidas <strong>na</strong> organização e representação dos trabalhadores<br />
rurais. Nas disputas pela representação<br />
política, o alvo é a elimi<strong>na</strong>ção do opositor <strong>na</strong> esfera<br />
da política partidária, tendo como cenário as disputas<br />
familiares, tão presentes <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o fi<strong>na</strong>l do século<br />
XIX.<br />
Uma dimensão instigante para se a<strong>na</strong>lisar o<br />
uso da pistolagem são as diferentes estratégias e os<br />
diferentes efeitos simbólicos. Os crimes ligados à<br />
42 <strong>Revista</strong> <strong>de</strong> CiênCias soCiais v. 37 n. 1 2006<br />
terra, que implicam a elimi<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res camponeses<br />
ou <strong>de</strong> agentes pastorais, parecem inserir-se em<br />
um contexto <strong>de</strong> maior visibilida<strong>de</strong>. Essa visibilida<strong>de</strong><br />
da ação ou dos acontecimentos que antece<strong>de</strong>m<br />
o crime tem como corolário a questão <strong>de</strong> “espalhar<br />
o medo”, numa clara <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Os<br />
crimes, entretanto, que implicam a elimi<strong>na</strong>ção <strong>de</strong><br />
adversários políticos mantêm um certo anonimato.<br />
Depois que os crimes são efetivados, existe, sistematicamente,<br />
uma campanha <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> uma<br />
opinião pública contrária à vítima. Esta passa a ser<br />
acusada, ou caluniada <strong>de</strong> diversos <strong>de</strong>litos, o que anula<br />
uma possível sanção pública contra o assassi<strong>na</strong>to.<br />
Em outras ocasiões, o crime é colocado como sendo<br />
<strong>de</strong> outra <strong>na</strong>tureza, não política.<br />
O jogo da política, com regras <strong>de</strong>mocráticas,<br />
representa uma conquista, um ganho – o uso do<br />
po<strong>de</strong>r simbólico, envolvendo toda uma discussão,<br />
um jogo <strong>de</strong> palavras, e nunca a elimi<strong>na</strong>ção física do<br />
adversário. Essa perspectiva não significa pensar o<br />
fenômeno da pistolagem como resíduo <strong>de</strong> um passado<br />
atrasado. Para mim, foi fundamental enten<strong>de</strong>r<br />
os mecanismos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e os processos sociais em<br />
jogo, nessa prática, recorrente nos períodos eleitorais,<br />
caracterizados como períodos <strong>de</strong> radicalização<br />
das disputas entre as facções.<br />
As minhas preocupações passavam por enten<strong>de</strong>r<br />
o uso da pistolagem como prática do passado<br />
e do presente, ou seja: o que tem <strong>de</strong> novo e <strong>de</strong><br />
recorrente nessa prática? É uma prática <strong>de</strong> velhos<br />
costumes com uma nova roupagem? Se, o campo<br />
da política tem como uma <strong>de</strong> suas regras a disputa<br />
e convivência entre partes contrárias, qual o espaço<br />
sociopolítico que ocupa a elimi<strong>na</strong>ção física do oponente?<br />
A pistolagem ocorre somente em áreas on<strong>de</strong><br />
o mando político se reproduz <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> marcos tradicio<strong>na</strong>is?<br />
A pesquisa caminhou, inicialmente, por várias<br />
indagações que, ao longo do tempo, foram sendo<br />
modificadas, aclaradas e incorporadas a outras.<br />
As preocupações não ficaram mais restritas<br />
aos conflitos agrários. Instigavam-me, cada vez<br />
mais, duas questões: por que existe uma recorrência<br />
<strong>de</strong> soluções violentas nos <strong>de</strong>sfechos dos conflitos so-