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Matadores de aluguel: códigos e mediações. na rota - Revista de ...

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Privilegiei, sempre, entrevistar pessoas tidas<br />

como “pistoleiros”, pessoas que tinham uma inserção<br />

direta no “mundo da pistolagem”. Coloquei em<br />

segundo plano as entrevistas com informantes que<br />

falavam sobre realida<strong>de</strong>s e situações <strong>de</strong> terceiros.<br />

Neste sentido, a minha “hierarquia <strong>de</strong> credibilida<strong>de</strong>”<br />

era dada pela prática e pela vivência no interior do<br />

sistema <strong>de</strong> pistolagem, diferentemente da situação<br />

colocada por Becker (1993: 32), em que a “hierarquia<br />

<strong>de</strong> credibilida<strong>de</strong>” é dada pelo lugar <strong>de</strong> superiorida<strong>de</strong><br />

no seio da organização estudada. As <strong>de</strong>scrições <strong>de</strong><br />

experiências, as histórias <strong>de</strong> vida e os relatos sobre<br />

o cotidiano ocuparam o centro das minhas preocupações.<br />

Nas pesquisas em que o limite entre a investigação<br />

sociológica e a investigação policial é muito<br />

tênue, o entrevistado vê o entrevistador como<br />

alguém que vai escutar e divulgar a versão que ele<br />

gostaria que se tor<strong>na</strong>sse pública. A entrevista é uma<br />

oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o informante passar a sua verda<strong>de</strong>,<br />

como disse uma pessoa tida como pistoleiro, e que se<br />

encontrava em liberda<strong>de</strong>: “Essa reportagem que eu<br />

estou fazendo aqui com o senhor, se eu não fizesse,<br />

podia até ser melhor; mas, podia ser pior. Porque o<br />

senhor só vai botar o que eu disser, não é?”.<br />

A entrevista é o momento <strong>de</strong> se explicar, buscando<br />

uma justificativa para um público. Ela é uma<br />

espécie <strong>de</strong> “contra-<strong>de</strong>poimento” da versão que o entrevistado<br />

quer divulgar. Versão, que é negação das<br />

informações divulgadas <strong>na</strong> imprensa, ou mesmo, nos<br />

processos judiciais. Um prisioneiro, con<strong>de</strong><strong>na</strong>do por<br />

crime <strong>de</strong> pistolagem, afirmou: “Eu vou falar porque<br />

eu quero que o senhor saiba a verda<strong>de</strong> e não as mentiras<br />

que a imprensa conta <strong>de</strong> mim”. 3 É o momento<br />

<strong>de</strong> falarem, <strong>de</strong> se fazerem ouvir. Nestas situações, a<br />

assimetria e a hierarquização prevalecentes <strong>na</strong>s entrevistas<br />

são, em parte, <strong>de</strong>sfeitas, e o entrevistado<br />

passa a comandar o <strong>de</strong>poimento. Nesta pesquisa, em<br />

alguns casos, a relação <strong>de</strong> domi<strong>na</strong>ção, presente no<br />

momento da entrevista, era rompida e o entrevistado<br />

passava a conduzir o processo, assumindo uma<br />

postura lúdica, através da fala.<br />

Existe um perigo permanente no ato <strong>de</strong> entrevistar<br />

pessoas que cometeram homicídios e, especi-<br />

ficamente, pessoas que cometeram “crimes <strong>de</strong> pistolagem”.<br />

Não falo somente <strong>de</strong> um perigo físico, mas,<br />

principalmente, <strong>de</strong> um perigo no campo da epistemologia.<br />

É o risco constante <strong>de</strong> assumir o ponto <strong>de</strong><br />

vista do discurso jurídico, numa tentativa <strong>de</strong> conhecer<br />

a “verda<strong>de</strong>ira versão”, com base <strong>na</strong>s provas. Este<br />

perigo é, em parte, ressaltado pelos informantes, que<br />

vêem o entrevistador como representante da justiça.<br />

Um outro perigo está no campo da i<strong>de</strong>ntificação<br />

entre o entrevistador e o entrevistado. O fato <strong>de</strong><br />

pesquisar pessoas que estão em permanente e contínuo<br />

perigo (algumas já presas) <strong>de</strong> aumentarem as<br />

punições ou, ainda, <strong>de</strong> serem mortas, nos fez conviver,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início da pesquisa, com a “hermenêutica<br />

da <strong>de</strong>sconfiança” (ZALUAR, 1993: 88).<br />

O discurso dos entrevistados sobre suas inserções<br />

nos crimes “<strong>de</strong> encomenda” está diretamente<br />

balizado pela possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> julgamento, por<br />

po<strong>de</strong>res judiciais, incluindo os <strong>códigos</strong> punitivos,<br />

existentes no sistema <strong>de</strong> pistolagem. Neste sentido, é<br />

possível fazer a seguinte tipologia: presos que já foram<br />

julgados; presos que aguardam outro julgamento;<br />

e possíveis pistoleiros, que se encontram soltos.<br />

Estas indicações <strong>de</strong>marcam, nitidamente, os seus<br />

discursos, as suas falas.<br />

As entrevistas com os possíveis pistoleiros foram<br />

conduzidas <strong>de</strong>ntro da “lógica da suspeita”. Estava<br />

sempre com uma sensação ou, em outras palavras,<br />

tinha a convicção <strong>de</strong> que eles estavam escon<strong>de</strong>ndo<br />

informações e dissimulando situações. Montei, então,<br />

várias estratégias e diversas armadilhas. Não só<br />

para obter mais informações, mas, especificamente,<br />

esperando que alguns se <strong>de</strong>clarassem “pistoleiros”.<br />

Essa <strong>de</strong>claração representava a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conseguir<br />

um maior número possível <strong>de</strong> dados, <strong>de</strong>ntro<br />

do meu “quebra-cabeça”. Representava, também, que<br />

os procedimentos metodológicos, as estratégias e os<br />

subterfúgios tinham alcançado êxito. Estava à minha<br />

frente uma pessoa que “praticava o comportamento”<br />

esperado. Aquilo que eu queria estudar. Entretanto,<br />

este assumido lugar <strong>de</strong> pistoleiro não anulava a “lógica<br />

da suspeita”.<br />

Tive consciência, em todo o percurso da pesquisa,<br />

<strong>de</strong> que estava pesquisando um objeto cheio <strong>de</strong><br />

BARREIRA, C. <strong>Matadores</strong> <strong>de</strong> <strong>aluguel</strong>: <strong>códigos</strong> e <strong>mediações</strong>..., p. 41-52<br />

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