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1000 Universos <strong>03</strong><br />
algum carinho mas a Andreia simplesmente ignorou que alguém<br />
estivesse ali.<br />
Olga fungou baixinho. Sentia um nó que apertava <strong>de</strong>masiado na<br />
garganta. – Então não há melhorias <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a última vez. Às vezes<br />
questiono-me se não será melhor trazê-la para casa. Quem sabe se<br />
junto <strong>de</strong> mim, dos avós e das coisas que lhe são familiares, ela tivesse<br />
qualquer tipo <strong>de</strong> recuperação.<br />
- D. Olga, já tivemos esta conversa antes. Tirar a Andreia daqui,<br />
agora, seria um enorme recuo. É certo que a rapariga não fala nem<br />
interage mas acho que ambos estamos <strong>de</strong> acordo que é melhor ela<br />
estar assim do que da maneira que estava quando vivia convosco. Não<br />
acha?<br />
- Sim, Sr. Dr. Mas custa tanto… - as lágrimas teimosas já corriam<br />
pela face.<br />
- Eu sei, D. Olga, eu sei. Custa a todos. O que mais <strong>de</strong>sejo é que<br />
todos os pacientes <strong>de</strong>ste hospital, ultrapassem os seus problemas e<br />
voltem para as suas famílias – a afirmação saíra-lhe realmente sincera.<br />
- Passo esta semana por aí. Boa tar<strong>de</strong>, Dr. Pascoal. Com licença –<br />
<strong>de</strong>sligou o telefone ainda antes do médico po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>spedir-se. Pousou<br />
o auscultador e fechou os olhos, rendida pelo silêncio exaustivo.<br />
Há muito tempo que vivia assim. Num profundo e <strong>de</strong>primente silêncio.<br />
Sentia a falta da voz doce <strong>de</strong> Andreia, a contar as aventuras do dia, das<br />
gargalhadas que intercalava entre os episódios pitorescos. Queria, por<br />
<strong>de</strong>mais, a sua cria <strong>de</strong>baixo da sua asa.<br />
Deveria ser perto da hora do almoço. Sentia o estômago roncar e<br />
o tédio começava a apo<strong>de</strong>rar-se <strong>de</strong> si. Sabia que daí a nada, alguém<br />
levar-lhe-ia um prato <strong>de</strong> comida e essa seria a sua oportunida<strong>de</strong> para<br />
resolver aquela infeliz confusão.<br />
Ouviu passos no corredor. Eram pesarosos e lentos. Era aquela<br />
mulher outra vez. A carniceira. Endireitou os fios <strong>de</strong> cabelo que<br />
estavam <strong>de</strong>salinhados e olhou rapidamente para a roupa que vestia.<br />
Precisava <strong>de</strong> um banho urgentemente.<br />
- Toca a levantar. O almoço está pronto – disse a velha.<br />
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