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René Dotti - Instituto Ciência e Fé

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AROLDO MURÁ G. HAYGERT<br />

VOZES<br />

DO PARANA<br />

RETRATOS DE PARANAENSES<br />

ALEXANDRE CURI<br />

ARY DE CHRISTAN<br />

BENTO GARCIA JUNIOR<br />

GLEISI HOFFMANN<br />

2<br />

GUSTAVO FRUET<br />

IRINEO DA COSTA RODRIGUES<br />

JAIME LERNER<br />

JOÃO OSÓRIO BRZEZINSKI<br />

LUIZ ALFREDO MALUCELLI<br />

LUIZ FERNANDO DE QUEIROZ<br />

ELIN TALLAREK DE QUEIROZ<br />

PEDRO CORRÊA DE OLIVEIRA<br />

RAUL TR0MBINI<br />

RENÉ<br />

DOTTI<br />

RICARDO HOEPERS, PE.<br />

RICARDO PASQUINI<br />

WALDO VIEIRA<br />

WILSON DE ARAÚJO BUENO


© 2009 Aroldo Murá G. Haygert<br />

Produção editorial<br />

Editora Esplendor<br />

Jubal Sérgio Dohms<br />

Revisão<br />

Agostinho Baldin<br />

Luis Henrique Zanon Franco de Macedo (referências)<br />

Projeto gráfico e capa<br />

Jubal Sérgio Dohms<br />

sobre layout de Clarissa Martinez Menini<br />

(para o primeiro livro da coleção)<br />

Arte<br />

Carlos Augusto Rougemont<br />

Gilberto Nunes Guerra<br />

Fotos<br />

01, 19, 21, 24 e 25: Alice Varajão<br />

02 a 18, 22 e 23: arquivo pessoal<br />

Dados internacionais de catalogação na fonte<br />

Bibliotecária responsável: Angela M. S. Cherobim<br />

H412 Haygert, Aroldo Murá G.<br />

Vozes do Paraná: retratos de paranaenses /<br />

Aroldo Murá G. Haygert - Curitiba: Esplendor;<br />

Convivium 2009.<br />

300p.: il.; 23 x 28cm.<br />

ISBN 978-85-98364-21-6<br />

1 a Edição<br />

1. Paraná – Biografia. I.Título<br />

Impresso no Brasil<br />

CDD ( 22ª ed.) 920.098162<br />

Para adquirir este livro, entre em contato com a<br />

CONVIVIUM EDITORA LTDA.<br />

Av. Sete de Setembro 5569, sala 1106<br />

Curitiba PR<br />

CEP 80240 001<br />

Telefone (41) 3243 2530<br />

contato@conviviumeditora.com<br />

EDITORA ESPLENDOR<br />

Rua Deputado Mário de Barros 752 -<br />

Juvevê<br />

Curitiba-PR<br />

CEP 80530 280<br />

Telefone (41) 3253 4608<br />

eduardo@esplendorbrasil.com.br<br />

apresentação<br />

Este segundo volume de VOZES DO PARANÁ nasceu<br />

porque, sendo parte de um projeto pessoal do autor,<br />

foi empurrado por resultados além do esperado. Houve<br />

muitas manifestações positivas sobre perfis com que<br />

mostrei homem e mulheres singulares da vida paranaense.<br />

De todas as expressões, a que mais me animou foi o<br />

olhar sapiente que sobre este trabalho colocou o crítico<br />

literário e analista da sociedade brasileira – vide História<br />

da Inteligência Brasileira e Um Brasil Diferente –, o<br />

mestre Wilson Martins.<br />

As observações da genial personalidade brasileira (ele<br />

ainda não teve o justo reconhecimento de sua terra) são<br />

lições que ficam. Eu as recolhi absolutamente surpreso,<br />

compungido, até, pois não imaginava merecer meu livro<br />

avaliações de um nome tão paradigmático da cultura<br />

brasileira.<br />

Este segundo volume nasce com o compromisso de<br />

ampliar os “retratos” de paranaenses, salientando sua<br />

obra, pois se trata de gente que ajuda a definir o Paraná<br />

contemporâneo de maneira particularmente saliente.<br />

São novos construtores da sociedade, parceiros da<br />

História. Uma parcela pequeníssima, é certo, mas bem<br />

representativa de um Paraná multifacetado.<br />

O livro tem só essa pretensão: registrar as pisadas de<br />

alguns, escolhidos entre milhões de paranaenses, como<br />

parte de uma mostra preciosa. Conhecê-los pode ser um<br />

exercício lúdico, em certos casos; noutros, um desvendar<br />

de tipos psicológicos que orgulham o Paraná, por<br />

sua obra até internacional.<br />

A leitura dos feitos desses personagens pode propiciar<br />

uma boa imersão em realidades valiosas, nem sempre<br />

muito conhecidas, absolutamente importantes para o<br />

melhor entendimento dessa terra de todas as gentes.<br />

Aroldo Murá G.Haygert<br />

aroldo@cienciaefe.org.br<br />

Curitiba, 26 de maio de 2009


<strong>René</strong><br />

<strong>Dotti</strong><br />

Peregrino do Direito,<br />

campeão<br />

dos direitos civis,<br />

reformador<br />

de códigos<br />

VOZES DO PARANÁ 2<br />

Hoje ele pertence ao patriciado de Curitiba, e seu<br />

nome é do domínio nacional no mundo do Direito – Penal,<br />

sobretudo –, jurista que contribuiu decisivamente<br />

para a renovação de códigos (como o Penal), e cujos<br />

pareceres podem orientar decisões de tribunais Brasil<br />

afora. Tê-lo como patrono é alívio e dá segurança àquele<br />

que busca valer seus alegados direitos. Seu escritório no<br />

centro de Curitiba, quatro andares de um prédio central,<br />

tem atmosfera britânica na decoração, no mobiliário,<br />

no auditório, na sala de reuniões, nas gravuras de<br />

caça à raposa, em telas de pintores como G. Matter e/<br />

ou Hanemann de Campos, nos milhares de volumes da<br />

biblioteca catalogada, livros encadernados por mestres<br />

artesãos.<br />

A biblioteca guarda atmosfera próxima a de uma de<br />

mosteiro beneditino, de monges de dedicação ao cultivo<br />

do espírito pelos livros, e ao trabalho. Pode-se até imaginar<br />

aquele espaço povoado por novos “copistas medievais”<br />

sob o signo de um novo ora et labora... Sugere ser<br />

um scriptorium, só que da era da informática, com os<br />

“miniaturistas de agora” escaneando longos estudos de<br />

luminares do Direito, como Beccaria, Lombroso, Carrara...<br />

Jovens, quase todos, 23 advogados e advogadas exibem<br />

seus nomes no cartão de apresentação da banca<br />

do professor <strong>René</strong> Ariel <strong>Dotti</strong> como um grande prêmio<br />

conquistado. Pois trabalhar sob a orientação do mestre<br />

curitibano é galardão, assim como premiado foi o mais<br />

recente jovem bacharel selecionado para fazer parte da<br />

equipe, depois de ampla e demorada bateria de testes<br />

realizada neste janeiro de 2009.<br />

Cláudia Penovich, formada em Direito, acompanha o<br />

mestre há 20 anos. Mais que secretária, a assessora é a<br />

fiel guardiã da memória do jurista, conhece tudo – do<br />

arquivo histórico pessoal à agenda diária e aqueles que<br />

têm prioridade no acolhimento do mestre. Essas pessoas<br />

não são identificadas por classe social, contas bancárias<br />

ou prestígio político. São homens e mulheres que podem<br />

simplesmente representar uma elite cultural e que<br />

por isso ganham as atenções de <strong>René</strong> <strong>Dotti</strong>. Jornalistas<br />

e sua missão de informar, por exemplo, serão sempre<br />

prioritários no atendimento do advogado, pronto a usar<br />

sua didática ampla para destrinchar interpretações e a<br />

dar pareceres de que o País pede sobre a mídia (como<br />

4 5


é o caso da mais expressiva colunista diária do Paraná,<br />

jornalista Ruth Bolognese) ou muitos outros domínios,<br />

excetos os ramos do Trabalho e Tributário.<br />

A advogada e mestra em Processo Civil pela Universidade<br />

Federal do Paraná (UFPR), Rogéria <strong>Dotti</strong>, filha de<br />

<strong>René</strong>, é a segunda pessoa na hierarquia da banca. Cláudia<br />

Penovich vem em seguida. Os advogados que estão<br />

na linha de ponta da banca, ao lado do mestre e da filha,<br />

são Julio Brotto e Beno Brandão.<br />

Um dos pareceres mais significativos de <strong>Dotti</strong> ficou<br />

O bebê do Ahú<br />

na cuidadosa<br />

foto de estúdio.<br />

pronto no final de 2008. Revela, em seu raciocínio e<br />

nas conexões que faz, a largueza de visão própria de um<br />

cientista do Direito.<br />

O consulente foi uma das duas personalidades mais<br />

conhecidas e acatadas do catolicismo de hoje no Brasil<br />

(o outro é o padre Marcelo Rossi), monsenhor Jônas<br />

Abib, fundador da “Canção Nova”, movimento popular,<br />

conservador e ao mesmo tempo renovador do catolicismo<br />

brasileiro, com acústica internacional (tem reconhecimento<br />

pontifício do Vaticano e áreas missionárias<br />

em 30 países). Comanda cadeia de rádio espalhada pelo<br />

país, editora, emissora de televisão com cobertura nacional<br />

e milhões de seguidores. Seus meios de comunicação<br />

não têm anúncios comerciais, são mantidos pela<br />

fé dos amigos da Canção Nova.<br />

De convicções próximas do espiritismo, formadas na<br />

infância por influência da mãe – que foi sua verdadeira<br />

mater et magistra –, <strong>Dotti</strong> produziu, no entanto, uma<br />

peça antológica no parecer em que defende o sacerdote<br />

católico da acusação (e denúncia do MP da Bahia,<br />

acatada por um juiz de Direito de Salvador, em abril de<br />

2008), de ter cometido crime de preconceito religioso<br />

contra o kardecismo e manifestações espirituais afrobrasileiras.<br />

O ponto de partida das acusações foi o livro “Sim sim,<br />

não não”, com 400 mil exemplares já vendidos, no qual<br />

padre Jonas condena os cultos afro-brasileiros e pede<br />

que católicos se livrem de objetos do culto dos orixás.<br />

No parecer, <strong>René</strong> vai às raízes, recorre ao pai do espiri-<br />

VOZES DO PARANÁ 2<br />

tismo, Alan Kardec, recolhendo suas palavras e escritos,<br />

em muitos dos quais ele mesmo defende o direito de<br />

seus opositores contestarem publicamente a doutrina<br />

que codificara.<br />

<strong>Dotti</strong> se documenta com fotos colhidas no túmulo de<br />

Kardec, no Père Lachaise, o cemitério das celebridades,<br />

em Paris. Lá, a lápide do túmulo de Kardec o identifica<br />

como fundador da “filosofia” do espiritismo. Filosofia,<br />

doutrina, não religião, diz o parecer.<br />

A liberdade de púlpito<br />

<strong>Dotti</strong> desclassificou a incriminação do padre por motivo<br />

religioso. No fundo, expôs uma linha de clara defesa<br />

do que se poderia chamar de “liberdade de púlpito”. Um<br />

direito de pregação religiosa que, no entanto, jamais<br />

acatará a promoção de lutas religiosas ou de “guerras<br />

santas”. Trata-se, disse, de direito de expressão e manifestação<br />

do pensamento, garantido pela Constituição e,<br />

também, pela Declaração Universal dos Direitos Huma-<br />

Com os pais e a irmã,<br />

início da década<br />

de 1940.<br />

6 7


<strong>René</strong> <strong>Dotti</strong><br />

nos. Direito de catequese, de proselitismo, de exegese<br />

de textos sagrados, de apologia doutrinária.<br />

Numa recomendação direta ao mesmo Ministério Público<br />

da Bahia que incriminara o padre, <strong>Dotti</strong> sugere<br />

que o MP cuide, isso sim, de animais e da vida selvagem<br />

que estariam sendo destruídos a pretexto de cultos,<br />

como, talvez, os que foram objeto da decisão judicial.<br />

Até o folclorista Câmara Cascudo ajuda a ampliar a<br />

consistência do parecer de <strong>René</strong> <strong>Dotti</strong>, sendo citado<br />

por sua notória autoridade: Cascudo não considera candomblé<br />

e umbanda religiões.<br />

“Só faltou recorrer a Teilhard de Chardin e a sua<br />

Messe sur le monde, para completar a argumentação<br />

ampla”, brinca um teólogo calvinista, depois de ler o<br />

documento, completando: “Pensei mesmo que <strong>Dotti</strong> ia<br />

chegar à noosfera, aquele estágio da Evolução exposto<br />

pelo jesuíta...”<br />

Ainda a propósito das crenças de <strong>Dotti</strong>, para alargar<br />

a compreensão das concepções que o movem: ele acata<br />

<strong>René</strong> e a irmã<br />

Rosie Mary<br />

uma visão espiritual pessoal dentro de uma teodiceia<br />

oriental, centrada nas concepções de um Senhor imanente<br />

e impessoal. E isto inclui atitudes místicas de<br />

auto-aperfeiçoamento e aceitação da chamada lei cármica.<br />

Cenário Ahú de baixo,<br />

uma síntese de Curitiba<br />

Empresários de todos os portes, do Brasil todo, políticos,<br />

jornalistas, gente da área cultural, professores e<br />

operadores do Direito dividem-se como clientes deste<br />

hoje patrício, nascido na Rua Marechal Hermes, no ano<br />

de 1934, bairro Ahú de Baixo, “a 200 metros do lugar<br />

onde o papa João Paulo II celebrou missa, em 1980”,<br />

lembra <strong>René</strong> Ariel <strong>Dotti</strong>.<br />

Filho de Gabriel <strong>Dotti</strong>, um pintor de casas, muitas delas<br />

da alta burguesia de então, dotado de rara sensibilidade,<br />

incomum mesmo para a época em que esse profissional<br />

tinha de pintar filigranas e rosáceas nas áreas<br />

trabalhadas; a mãe, Adelina <strong>Dotti</strong>, costureira, era uma<br />

artista na modelagem e confecção de vestidos; <strong>René</strong><br />

dividia as atenções na casa de madeira – como quase<br />

todas as da vizinhança e mais ou menos identificadoras<br />

de boa parte de Curitiba daqueles tempos – com a irmã,<br />

Rosie Mary, hoje morando em Santos.<br />

Estudou o fundamental – o primário, como se dizia<br />

então – ali perto, no Grupo Escolar Prieto Martinez.<br />

Próximo da casa e da escola, a Sociedade Recreativa<br />

União Cultural do Ahú (URCA), o grande ponto de reunião<br />

do bairro e adjacências, aglutinadora dos italianos,<br />

seus filhos e netos que, com os poloneses e seus descendentes,<br />

eram maioria absoluta naquela atmosfera da<br />

infância de <strong>Dotti</strong>.<br />

Pode parecer exagero, mas uma das lembranças mais<br />

vívidas que <strong>Dotti</strong> guarda daquele mundo encantado do<br />

Ahú e do aconchego familiar é da idade de “uns dois<br />

anos”, com a mãe a levantá-lo em movimentos seguidos,<br />

comemorando a passagem do dirigível Zepellin pelos<br />

céus curitibanos.<br />

Na URCA o pai e os amigos se reuniam aos domingos<br />

para comentar detalhes das partidas de futebol,<br />

algumas das quais tinham visto; outras, simplesmente<br />

VOZES DO PARANÁ 2<br />

acompanhado pelas rádios que eram donas absolutas da<br />

audiência dos curitibanos, a Rádio Guairacá e a Rádio<br />

Clube Paranaense. <strong>René</strong> muitas vezes se envolveu naquele<br />

rito aglutinador da família e de amigos do pai,<br />

com o acréscimo de ser aficcionado da Rádio Nacional<br />

e seu futebol com Jorge Curi e Antônio Cordeiro, além<br />

de seu rádio-teatro.<br />

Era a Rádio Nacional também do “Papel Carbono”, de<br />

Renato Murce, do “Atire a primeira Pedra”, com Paulo<br />

Gracindo, dos rádio-atores de rara grandeza, como<br />

Mário Lago e Henriqueta Brieba, Roberto e Floriano<br />

Faissal, dos programas de auditório capitaneados por<br />

Manoel Barcellos e César de Alencar, as crônicas de César<br />

Ladeira, o Repórter Esso, com Heron Domingues, “o<br />

primeiro a dar as últimas”... E o “primo pobre”, vivido<br />

por Brandão Filho, campeão do humor. Como esquecer<br />

a PRK-30, humor afiadíssimo a refletir parte da história<br />

de um Brasil que aprendia a conviver com os valores<br />

rurais e a sociedade urbana em consolidação?<br />

Um mundo com Linda e Dircinha Batista, Emilinha e<br />

Marlene, Francisco Carlos, Francisco Alves, mais o insuperável<br />

maestro Ghiarone e os novelistas Samuel Weltmann<br />

e Janet Clair... Um mundo mágico, enfim, que<br />

Tempo de grupo<br />

escolar, no Ahú<br />

(1945).<br />

8 9


<strong>René</strong> <strong>Dotti</strong><br />

mais aguçaria a imaginação do jovem sobre o maravilhoso<br />

Rio de Janeiro. Expectativa ampliada pelo rádio e<br />

espetáculos teatrais que lá se sucediam.<br />

Os caminhos de <strong>René</strong> o levariam a uma fuga “para o<br />

centro” de Curitiba, que então parecia distante daquelas<br />

ruas sem calçamentos do Ahú de Baixo, em que transitavam<br />

muitas charretes e também as típicas carroças<br />

dos colonos poloneses, puxadas a cavalo, transportando<br />

hortifrutigranjeiros oferecidos de porta em porta. Tudo<br />

a poucos metros do majestoso Palácio Iguaçu, sede do<br />

Governo, inaugurado por Bento Munhoz da Rocha em<br />

1953, pelo Centenário da Emancipação Política do Paraná.<br />

O ginásio ele o fez nos colégios Novo Ateneu e Iguaçu,<br />

na Praça Rui Barbosa, este regido por dona Isabel Parodi.<br />

Mas o grande ateneu, inesquecível e que lhe marcou<br />

o intelecto e a sensibilidade, foi o Colégio Estadual do<br />

Paraná, do qual foi aluno de 1951 a 1953 – esse, o ano<br />

do Centenário do Paraná. O colégio fixou-lhe a imagem<br />

de professores de um padrão de qualidade quase irrepetível,<br />

presenças fortes e apaziguadoras das ânsias e<br />

ímpetos juvenis. Gente como o professor Francisco Ri-<br />

beiro, professor Sandoval, professor João Mazzarotto....<br />

Da essencial escola de cidadania e aprendizado político<br />

que foi o Centro Estudantil do Colégio Estadual do<br />

Paraná (CECEP), <strong>René</strong> foi dirigente. A posse, recorda,<br />

teve a presença de um intelectual raro, um refinado cidadão,<br />

com alma de pesquisador, o professor Newton da<br />

Silva Carneiro, então secretário de Educação e Cultura.<br />

Carneiro teve gesto que marcou <strong>Dotti</strong> indelevemente,<br />

episódio impensável nos dias de hoje, o de um secretário<br />

de Educação prestigiando os primeiros passos de<br />

cidadania de um grupo de estudantes secundaristas...<br />

O ano de 1953 foi também o da fundação de uma das<br />

instituições culturais mais significativas de uma época<br />

em que o teatro tinha papel capital em Curitiba, a Sociedade<br />

Paranaense de Teatro (SPT), fundada pelo hoje<br />

ator global Ary Fontoura.<br />

Sociedade cuja presidência de honra coube a um ícone<br />

dos meios de comunicações sociais curitibanos daqueles<br />

tempos, o radialista e também advogado Arthur<br />

de Souza (“Revista Matinal”, todas as manhã, na PRB-2,<br />

Rádio Clube Paranaense). A patronesse era a professora<br />

universitária Eny Caldeira, educadora de gerações.<br />

Recebendo o diploma<br />

de bacharel do<br />

Diretor da Faculdade<br />

de Direito da UFPR,<br />

prof. Ernani Guarita<br />

Cartaxo.<br />

10 11<br />

Na peça<br />

“A importância de<br />

chamar-se Ernesto”.<br />

Prêmio de Melhor<br />

Ator, pelo Teatro do<br />

Estudantes, em 1953.<br />

VOZES DO PARANÁ 2


<strong>René</strong> <strong>Dotti</strong><br />

Ao lado da SPT tinham vida própria e inserção profunda<br />

na sociedade curitibana outros grupos teatrais<br />

que, ditos amadores, cumpriam um eficiente trabalho<br />

de garantir diversão e propagar novos horizontes culturais.<br />

Lala Schneider, por exemplo, funcionária do SESI,<br />

firmava-se no Teatro do SESI como aquela que seria a<br />

atriz paranaense de perfil insuperável. Alguém que não<br />

quis mudar-se de sua província para os muitos palcos<br />

nacionais e televisão que lhe foram abertos.<br />

Armando Maranhão, com o Teatro do Estudante do<br />

Paraná, e Telmo Faria, estavam no rol dos incentivadores<br />

e batalhadores das artes cênicas que então desconheciam<br />

as facilidades e patrocínios hoje concedidos às<br />

atividades culturais. Com Maranhão fazia-se, isto sim, a<br />

grande ponte com o embaixador Paschoal Carlos Magno<br />

e sua irmã Orlanda, patronos do Teatro do Estudante<br />

do Brasil, e das caravanas que viajariam Brasil afora em<br />

catequese cultural...<br />

Na Sociedade Paranaense de Teatro <strong>René</strong> foi quase<br />

tudo: de secretário-geral a diretor teatral, figurinista,<br />

ator, cenógrafo. Apaixonou-se pelo palco, ganhou prêmios,<br />

como quando fez o Archibaldo, em “A Importância<br />

de se chamar Ernesto”, de Oscar Wilde, encenada<br />

pelo grupo de Maranhão, e na qual <strong>Dotti</strong> figurou como<br />

ator cedido pela SPT.<br />

Componentes da<br />

peça “Nada”. Em pé,<br />

da esquerda para a<br />

direita: Adir, Luiz<br />

Silvestre, Mario<br />

Guimarães, Calvo,<br />

Carlos Afonso,<br />

Célio, <strong>René</strong> <strong>Dotti</strong>,<br />

Ciro Gonçalves,<br />

Halina Dyminska,<br />

Fany Fontoura,<br />

Walter Cardoso, Ary<br />

Fontoura, Lelita<br />

Martinez, Jupira<br />

Costa, Henriette<br />

Dyminska, Odelair<br />

Rodrigues e Divo<br />

Dacol.<br />

Esses capítulos do teatro, que hoje preenchem de gratas<br />

lembranças a memória de <strong>Dotti</strong>, se passaram nos<br />

50s, começando em 1952, no Colégio Estadual do Paraná.<br />

Terminam em 1958, mas são para o jurista parte da<br />

“glória que fica”. As lições do diretor Norberto Teixeira<br />

e de Ary Fontoura seriam, costuma dizer <strong>Dotti</strong>, sapientes<br />

companheiras colocadas depois também em prática<br />

em outras frentes profissionais. Pois o trabalho em teatro<br />

– costuma dizer – ensina disciplina de vida, fortalece<br />

o hábito da leitura, a expressão verbal, a avaliação de<br />

tipos psicológicos, desenvolve o sentido da pesquisa em<br />

torno de fatos e pessoas, organiza o espírito para viver<br />

em grupo e aceitar as diversidades espirituais e psicológicas<br />

dos outros, assegura <strong>Dotti</strong>.<br />

Há momentos na vida de <strong>René</strong> que o fazem inseparável<br />

– definitivamente – da história do teatro paranaense,<br />

como quando dirigiu, em 1955, no pequeno auditório<br />

do Guaíra, a comédia “O Homem que tinha Tudo”, de<br />

Eddy Franciosi (elenco: Ary Fontoura, Leatriz Lopes,<br />

Sinval Martins, Celita Alvarenga, Marlene Mazza, Leny<br />

Helena, Odelair Rodrigues, Mário Guimarães, Halina<br />

Dyminska, Luiz Silvestre e Wilson Cavazzani).<br />

E, não fosse um certo “estalo”, em 1958, ele nem concluiria<br />

o Curso de Direito na UFPR, tal seu envolvimento<br />

com o palco e o magnetismo que sobre ele exerciam<br />

o palco e a plateia. Um magnetismo que a memória<br />

guarda, e as fotografias expõem como momentos imorredouros.<br />

Um destes, quando dança com Suzy Florenzano<br />

(depois médica, já falecida, irmã de Emílio Zola<br />

Florenzano e Rogério) na revista musical “Interessa?”,<br />

de Ary Fontoura.<br />

Fez-se advogado, grau conferido pelo diretor da faculdade,<br />

Ernani Guarita Cartaxo, em 1958: perdeu a<br />

Sociedade de Teatro, ganhou a sociedade abrangente.<br />

Ganharam, de forma muito especial, os que, no período<br />

ditatorial inaugurado em 1964, só queriam o direito<br />

do livre pensar, e dos quais <strong>Dotti</strong> se tornou constante<br />

e bem sucedido defensor. De graça. Vitória do Direito<br />

sobre o palco e a plateia.<br />

Seguro obrigatório,<br />

início da vida de jurista<br />

Como as demais dependências do Escritório Professor<br />

<strong>René</strong> <strong>Dotti</strong>, o auditório é um espaço clássico, confortável,<br />

com design britânico. Nas paredes, fotos históricas<br />

da vida do jurista, com personalidades locais e nacionais<br />

VOZES DO PARANÁ 2<br />

do Direito, do teatro, da literatura, do empresariado, da<br />

política...<br />

No hall, um busto do pai, Gabriel <strong>Dotti</strong>, assinado pelo<br />

escultor Nelson Matulevicius, num nicho de destaque.<br />

O pai dá o nome ao espaço, homenagem àquele que,<br />

com a mãe, dona Adelina, foi dono de fértil labor, gerador<br />

desse cientista do Direito, intelectual singular,<br />

“um libertário incorrigível”, opina o jornalista e constituinte<br />

de 1988 Airton Cordeiro, que foi aluno de <strong>Dotti</strong><br />

na UFPR. Opinião partilhada por outro jornalista,<br />

Celso Ferreira do Nascimento, da Gazeta do Povo, que<br />

acrescenta: “Nada que seja clamor por justiça é alheio<br />

a <strong>Dotti</strong>, em quem, no fundo, ainda vivem muito fortemente<br />

ideais do outrora jornalista. Ele encarna um bom<br />

resumo do Liberdade, Igualdade e Fraternidade da Revolução<br />

Francesa”. E para o deputado federal Gustavo<br />

Fruet, doutor em Direito, também um cativado ex-aluno<br />

do mestre, “o professor <strong>René</strong> <strong>Dotti</strong> foi um construtor de<br />

conhecimentos, um provocador permanente para que<br />

descobríssemos o Direito em suas grandes linhas, as filosóficas,<br />

sobremaneira”. Para Gustavo, nas aulas, <strong>René</strong><br />

“Nada”, com Camilo<br />

(Ary Fontoura),<br />

Alfredinho (<strong>René</strong>)<br />

e Rogério (Divo).<br />

12 13


<strong>René</strong> <strong>Dotti</strong><br />

<strong>René</strong>, Secretário de<br />

Estado da Cultura,<br />

com Ary Fontoura,<br />

em 1987.<br />

abria espaço para que os alunos expusessem os objetivos<br />

de suas vidas e suas ligações com a causa do Direito,<br />

sobre como queriam construir o futuro...<br />

Mas, de novo, o teatro é chamado “à lide”, para identificar<br />

um dos momentos capitais da carreira do futuro<br />

causídico de oratória refinada, professor e jurista: foi<br />

com a vinda do Rio de Janeiro de um professor do antigo<br />

Serviço Nacional de Teatro (SNT), 1953, para ensinar<br />

dicção aos atores de teatro de Curitiba que se revela<br />

nosso orador. Algo parecido com que ocorreu a Demóstenes,<br />

excluídas as pedras na boca para os exercícios de<br />

oratória...<br />

O fonoaudiólogo fez o “milagre” de eliminar certos<br />

momentos de gagueira de <strong>Dotti</strong>. E assim possibilitou<br />

a explosão de talentos do ator – e orador – até então<br />

contidos.<br />

A introdução no mundo real do Direito e da Justiça<br />

ocorre em 1958, levado que foi pelo criminalista Élio<br />

Narezi, que o indica como estagiário no Ministério Público<br />

estadual. Depois, entra para a grande “universidade”<br />

da prática, como estagiário no escritório do criminalista<br />

Salvador de Maio, um nome indissociável da história<br />

da Tribuna do Júri no Paraná. Ao lado de Salvador, em<br />

1959, insere-se num dos grandes momentos de Curitiba,<br />

ao defender o “Turco”, na antológica “Guerra do<br />

Pente”, cujo epicentro foi a Praça Tiradentes; foi uma<br />

revolta de massa, com direito a toda sorte de desordem,<br />

intervenção policial pesada, tanques do exército, repercussão<br />

nacional. Tudo a pretexto de punir o comerciante<br />

árabe da Praça Tiradentes que se negara a entregar a<br />

um cliente nota fiscal válida para promoção “Seu talão<br />

vale um milhão” realizada pela Secretaria Estadual da<br />

Fazenda. No fundo, o que se viveu foi uma guerra civil<br />

em miniatura.<br />

<strong>Dotti</strong> e seu mestre Salvador de Maio conseguiram o<br />

que parecia impossível diante do clamor público por punição<br />

gerado pelos cidadãos revoltados: obtiveram da<br />

Justiça direito à fiança para o comerciante libanês.<br />

O cenário dessa entrada de <strong>Dotti</strong> no imenso proscênio<br />

do Direito foi o edifício Azulay, na Rua Dr.Muricy, esquina<br />

de Rua XV de Novembro.<br />

O moço maravilhou-se, já nos primeiro momento –<br />

não com o cenário físico do escritório de Salvador, que<br />

era austero – com as lições recebidas e também com as<br />

VOZES DO PARANÁ 2<br />

companhias de outros causídicos de grande porte, que<br />

já formavam, ao lado do criminalista de Maio, o “creme”<br />

dos advogados curitibanos. Eram eles vizinhos e parceiros<br />

no mesmo edifício – Élio Narézi, Augusto Prolik, Flávio<br />

Leite D’Avila.<br />

Curiosamente, na Faculdade de Direito da UFPR <strong>Dotti</strong><br />

escolhera o Direito Civil como “primeira opção”. E<br />

em 1958, produziria tese mostrando seu interesse pelo<br />

cível: “A responsabilidade civil por atos praticados em<br />

estado de necessidade”. Em síntese, a tese sugeria a<br />

necessidade de existir seguro obrigatório para automóveis,<br />

diante de situações em que se poderiam reclamar<br />

indenizações materiais. Assim ganhou o concurso de<br />

teses da escola.<br />

Começa a defesa dos perseguidos<br />

Em 1961, no mesmo Edifício Azulay, ficando próximo<br />

ao mestre Salvador de Maio e aos outros advogados<br />

– Prolik, Narezi, D’Ávila – estabelece-se sozinho, numa<br />

sala pequena, acanhada, banheiro no corredor. A sala<br />

de espera não existia, não havia espaço. Os consulentes<br />

esperavam sentados no corredor, duas cadeiras. Uma<br />

porta vaivém (ou de saloon de faroeste) era a separação.<br />

Nem sonhar com recepcionista.<br />

Ali, dois dias depois do início do movimento militar<br />

que levou Castello Branco ao poder – 3 de abril de 1964<br />

– <strong>Dotti</strong> iniciaria o sacerdócio da defesa dos perseguidos<br />

políticos, dos acusados de “subversão” e de infração a<br />

uma lei draconiana, a de Segurança Nacional, utilizada<br />

e manipulada para punições a mancheias dos que simplesmente<br />

se opusessem ao regime.<br />

A peregrinação de <strong>Dotti</strong> em defesa de jornalistas, escritores,<br />

sindicalistas, professores, militares, estudantes,<br />

começaria em 1964, indo da Auditoria Militar da<br />

5ª Região Militar, em Curitiba, a escalões superiores,<br />

como o STM. E só terminaria em 1981 quando, alinhado<br />

a outros campeões dos direitos civis – Heleno Fragoso,<br />

José Carlos Dias e Marcelo Cerqueira, por exemplo –<br />

consegue a absolvição dos sete estudantes catarinenses<br />

identificados entre a massa de universitários que em<br />

Florianópolis, com vaias e xingamentos, provocaram a<br />

ira do presidente João Figueiredo e comitiva.<br />

Lembrando: em 1979 o presidente da República fora<br />

à capital catarinense em visita oficial. Hospedado na<br />

14 15


<strong>René</strong> <strong>Dotti</strong><br />

casa do governador Jorge Bornhausen, Figueiredo descontentou<br />

fortemente a opinião pública local e, particularmente,<br />

a universitária, ao homenagear publicamente<br />

o marechal Floriano, historicamente repudiado pelos<br />

catarinenses. A isso se acrescentavam outros fatores explosivos,<br />

como a alta do custo de vida, e outros elementos<br />

ideais para a explosão de protestos.<br />

Irado, sangue quente, Figueiredo perdeu a compostura,<br />

respondeu aos xingamentos com palavrões e tentou<br />

sair “no braço”. Os estudantes, imediatamente foram<br />

presos e fichados.<br />

A questão só foi resolvida dois anos depois, na Auditoria<br />

Militar da Quinta Região, em Curitiba, com a defesa<br />

acendrada dos advogados pedindo justiça. O veredicto<br />

foi 3 X 2 pró-estudantes. Final feliz: os estudantes, seus<br />

familiares e amigos resolveram entoar o hino nacional,<br />

obrigando, assim, os militares se perfilarem e cantar<br />

junto com os recém-absolvidos.<br />

Uma das testemunhas presentes na Auditoria foi o jor-<br />

nalista Ricardo Kotscho, que fez a cobertura nacional<br />

do caso de grande repercussão para os defensores dos<br />

direitos civis e o Estado de Direito.<br />

Em novembro de 2004 <strong>Dotti</strong> foi homenageado especial<br />

da Assembleia Legislativa de Santa Catarina, pelos<br />

25 anos desse fato hoje histórico.<br />

Os jornalistas da Última Hora<br />

No Paraná o nome de <strong>René</strong> <strong>Dotti</strong>, ao mesmo tempo<br />

em que se ia firmando com o de criminalista de primeira<br />

linha, construindo uma carreira de conferencista e<br />

de professor de Direito Penal na UFPR, começada em<br />

1962, solidificava-se pela atuação na Justiça Militar.<br />

Sempre em defesa do direito de opinião, do direito de<br />

contestação, do livre pensar. Assim como fez em defesa<br />

de uma dúzia de jornalistas da Última Hora do Paraná,<br />

em que apareciam indiciados por “infração à Lei<br />

de Segurança Nacional”, jornalistas como Luiz Geraldo<br />

Mazza, Walmor Marcelino, Peri de Oliveira e Milton Ca-<br />

<strong>Dotti</strong> no elenco<br />

de “Sinhá Moça<br />

Chorou”.<br />

VOZES DO PARANÁ 2<br />

Fotografia para<br />

publicidade da peça<br />

teatral “A mulher sem<br />

pecado” (8/1952).<br />

16 17


<strong>René</strong> <strong>Dotti</strong><br />

valcanti, Silvio Back, Milton Ivan Heller, Adherbal Fortes<br />

de Sá Junior, Jairo Regis, entre outros. O Supremo<br />

Tribunal Federal concedeu um habeas corpus, em 1967,<br />

arquivando o processo. Pelo absurdo das acusações e<br />

por envolver profissionais da comunicação social, o caso<br />

teve retumbante repercussão nacional. Se fossem condenados,<br />

os jornalistas receberiam, em conjunto, a pena<br />

total de mil anos.<br />

Em 1967, outra atuação de ampla acústica no país, a<br />

defesa de prisioneiros políticos envolvidos na chamada<br />

Operação Três Passos. O alvo primeiro era o coronel do<br />

Exército Jefferson Cardim de Alencar Osório. Mas os investigadores<br />

castrenses classificaram como “conspiradores”<br />

o ex-ministro do Trabalho Amaury de Oliveira e<br />

Silva, o médico e ex deputado Walter Pecoits – liderança<br />

do Sudoeste do Paraná – o então superintendente da Supra<br />

(Superintendência da Reforma Agrária), mais tarde<br />

desembargador de Justiça do Tribunal do Rio Grande do<br />

Sul, Elizeu do Gomes Torres. <strong>Dotti</strong> conseguiu absolver<br />

os três.<br />

Quando relembra esses, dentre outros casos rumorosos<br />

que defendeu na Justiça Militar, <strong>Dotti</strong> faz como que<br />

uma pausa, a voz ganha uma inflexão entre o dramático<br />

e o saudoso, recordando, ao mesmo tempo, José<br />

Propaganda de peça<br />

teatral. <strong>Dotti</strong> é astro.<br />

Lamartine Correa de Oliveira Lira, mestre do Direito<br />

Civil cedo levado pela morte e companheiro de tribuna<br />

de defesa.<br />

Lamartine, amigo, não se conteve, no discurso para os<br />

afilhados da turma de Direito da UFPR, 1966, e fez uma<br />

sentida reflexão sobre “a volta dos bárbaros”. Foi uma<br />

seta certeira no movimento militar. Sentindo-se limitado,<br />

a partir daí, para atuar na justiça militar, passou<br />

seus clientes para <strong>Dotti</strong>.<br />

A experiência em jornal e<br />

a carreira universitária<br />

A propósito de jornalistas, registre-se a passagem de<br />

<strong>René</strong> pelo jornal que, fundado em 1956, iria revolucionar<br />

a imprensa do Paraná, o Diário do Paraná, da cadeia<br />

Diários Associados, de Assis Chateaubriand.<br />

Lá fez mais do que escrever material sobre teatro, às<br />

vezes substituindo Eddy Franciosi, noutras produzindo<br />

crítica teatral. E nos domingos, escrevia uma crônica em<br />

que a apreensão de casos aparentemente prosaicos, na<br />

verdade eram quase sempre exercício de uma alma poética<br />

a expandir-se. Crônicas retratando, muitas vezes,<br />

ternas donzelas de uma Curitiba, que as exigia retraídas<br />

e recatadas; ou de situações humanas universais, mas<br />

> pág. 223<br />

“Vida privada”, parte de uma rica produção<br />

Quem conhece bem <strong>René</strong> <strong>Dotti</strong> garante que o título<br />

pelo qual mais lhe agrada ser identificado é o de professor.<br />

E que de sua ampla obra, livros publicados em várias<br />

partes do país – e por editoras importantes da área do<br />

Direito, como a Editora Revista dos Tribunais e Editora<br />

Forense – o mais acalentado por <strong>René</strong> é “Proteção da vida<br />

privada e liberdade de informação”, de 1980. Com ele<br />

venceu o Concurso Nacional de Letras Jurídicas “De Plácido<br />

e Silva”, realizado pelo Governo do Paraná e Gazeta<br />

do Povo, em 1978. A monografia, indicada por unanimidade<br />

à premiação, foi julgada por Oswaldo Trigueiro, Seabra<br />

Fagundes, Miguel Reale, Washington de Barros Monteiro,<br />

Benjamin de Moraes Filho, José Munhoz de Mello,<br />

Ary Florêncio Guimarães, Altino Portugal Soares Pereira<br />

e Élio Narézi.<br />

A edição do livro está esgotada, não o conteúdo, a sustentação<br />

filosófica irrepreensível, e a exposição do bom<br />

Direito a apoiar-lhe as teses. É atualíssimo, ampliaramse,<br />

isto sim, nos últimos anos, as invasões à vida privada<br />

com novas parafernálias eletrônicas e exarcerbação do<br />

chamado “estado policial”. O professor <strong>Dotti</strong> expõe sua<br />

“ira santa” contra esse estado de coisas, numa catequese<br />

contínua. Com o avanço de ações arbitrárias, ampliam-se<br />

seus protestos. Tal como fez contra os senhores da vida e<br />

da morte durante o movimento de 1964.<br />

O livro sugere a ampliação da escalada de controle da<br />

cidadania.<br />

Tudo muito atual, a argumentação do jurista, montada<br />

há quase 30 anos, é lastreada na defesa do homem e seu<br />

direito à privacidade. A argumentação não vacila, indo às<br />

variedades constitucionais do Brasil de vários tempos, ao<br />

pensamento de sábios como Pontes de Miranda, Cesare<br />

Beccaria, Clóvis Bevilacqua, Giorgio Del Vecchio, Josaphat<br />

Marinho, Angel Sanchez de la Torre, e uma centena<br />

mais do panteão dos referenciais juristas-humanistas.<br />

Eça de Queiroz, em artigo publicado em “Correspondência<br />

de Fradique Mendes”, Porto, 1900, igualmente<br />

compõe a alentada bibliografia da obra atualíssima.<br />

Na obra citada, <strong>Dotti</strong> registra preocupações de campeões<br />

dos direitos civis- como ele –, com os avanços tecnológicos,<br />

a Informática, particularmente,que já açoitavam<br />

o direito mais sagrado do ser humano, o de ter sua vida<br />

guardada como sacrário indevassável. Vida a salvo das<br />

bisbilhotices do Estado e dos inúmeros meios, particulares<br />

ou não, de arapongagem, como os snis, seprocs, organismos<br />

de segurança e informação (novos títulos para<br />

sanhas insaciáveis) e assemelhados.<br />

Resguarda, evidentemente, peculiares situações, com<br />

amparo legal – e do moral – em que a segurança e os<br />

direitos fundamentais da sociedade estão realmente em<br />

jogo.<br />

VOZES DO PARANÁ 2<br />

Grandes contribuições<br />

Do currículum de <strong>Dotti</strong>, eis alguns pontos. Não quer<br />

dizer que os outros sejam menos salientes. Eles explicam<br />

um pouco dessa vida rara do advogado e cientista do Direito<br />

entregue à defesa da cidadania.<br />

Claro que <strong>Dotti</strong> não é um serafim, não vive em paragens<br />

angelicais. Mas ninguém duvida que é um tipo humano<br />

com luz muito própria e absolutamente coerente,<br />

colado com a realidade de um país com déficits enormes,<br />

como a administração da justiça.<br />

E é justamente por viver na terra dos homens, de ser<br />

habitante das “duas cidades” – a ideal e também a real<br />

– que <strong>Dotti</strong> faz um capítulo muito único, o de exemplar<br />

peregrino em busca de Thêmis, a deusa da Justiça. Sua<br />

obra pode ser avaliada pela importância de alguns pontos<br />

salientes, como os que seguem:<br />

• Professor titular de Direito Penal da Universidade Federal<br />

do Paraná, do qual também é professor de Direito<br />

Processual Penal no curso de pós-graduação;<br />

• Vice-presidente do Comitê Científico da Associação<br />

Internacional de Direito Penal;<br />

• Presidente de honra para o Brasil do <strong>Instituto</strong> Panamericano<br />

de Política Criminal, IPAN;<br />

• Membro da Sociedade Mexicana de Criminologia;<br />

• Co-autor do anteprojeto de reforma da Parte Geral<br />

do Código Penal (lei 7.209, de 11-7-1984);<br />

• Co-autor do Anteprojeto da Lei de Execução Penal do<br />

Brasil (lei 7.210, de 11-7-1984);<br />

• Membro da Comissão de Reforma da Parte Especial<br />

do Código Penal (portaria 581, de 10-12-91, do ministro<br />

da Justiça);<br />

• Membro da comissão instituída pela Escola Nacional<br />

de Magistratura para reforma do Código de Processo<br />

Penal;<br />

• Membro da comissão instituída pelo ministro da Justiça<br />

para promover estudos e propor soluções para simplificar<br />

a Lei de Execução Penal;<br />

• Membro da Comissão de Revisão dos anteprojetos de<br />

reforma setorial do Código de Processo Penal, instituída<br />

pelo ministro da Justiça (portaria 349, publicada no<br />

DOU de 17-9-1993);<br />

• Membro da Comissão para a reforma do sistema eleitoral,<br />

instituída pelo presidente do TSE, ministro Carlos<br />

Velloso (1995);<br />

• Membro da Comissão para a realização de estudos<br />

de modernização da legislação penal, criada pelo ministro<br />

da Justiça (portaria 315, publicada no DOU de 10-<br />

4-2005) que redigiu o projeto da lei 9.613, de 3-3-1998<br />

(lavagem de dinheiro);<br />

• Membro a Comissão para elaboração do Anteprojeto<br />

18 19


<strong>René</strong> <strong>Dotti</strong><br />

do Código Penal, instituída pelo ministro da Justiça (portaria<br />

1.265, de 16-12-97, DOU de 17-12-1997);<br />

• Membro do Grupo Especial de Trabalho, instituído<br />

pelo ministro da Justiça, para formular diagnóstico do<br />

sistema penal brasileiro e apresentar propostas para seu<br />

aperfeiçoamento (portaria 531, 20-9-1999, DOU de 30-<br />

9-1999); relator do anteprojeto de nova lei de imprensa<br />

(Comissão da Ordem dos Advogados do Brasil, 1991);<br />

• Em 2002, <strong>Dotti</strong> fez parte de Comissão criada pelo<br />

ministro da Justiça para avaliação dos juizados especiais<br />

criminais, bem como apresentar propostas de iniciativas<br />

legislativas e ações governamentais;<br />

• Em 2005, foi membro da Comissão incumbida de rever<br />

e atualizar os delitos eleitorais, instituída pelo presidente<br />

do TSE;<br />

• Foi membro das Comissões de Temário da XV e XVI<br />

Conferência Nacional da OAB, realizada em setembro de<br />

1996 e setembro de 1999;<br />

• Vencedor do Prêmio Heleno Fragoso de Direitos Humanos;<br />

• Medalha do Mérito Legislativo da Câmara dos Depu-<br />

tados, por relevantes serviços prestados ao poder Legislativo<br />

e ao Brasil;<br />

• Medalha José Rodrigues Vieira Neto, da OAB-PR,<br />

concedida uma vez a cada três anos ao advogado que tenha<br />

prestado relevantes serviços à Justiça, ao Direito e à<br />

classe dos advogados (em 2006);<br />

• Homenageado com placa dando seu nome à Sala de<br />

Conferências da Faculdade de Direito da UNIBRASIL, de<br />

Curitiba, (2007);<br />

• Foi membro do Conselho Diretor do <strong>Instituto</strong> Latinoamericano<br />

das Nações Unidas para a Prevenção do Delito<br />

e do Tratamento do Delinqüente; foi presidente do<br />

Conselho Nacional de Política Penitenciária; professor<br />

convidado da Escola de Magistratura do Paraná; foi juiz<br />

do TER/PR;<br />

• Dentre seus livros, “Curso de Direito Penal – Parte Geral”,<br />

2001, Forense, segunda edição em 2004; “Reforma<br />

Penal Brasileira”, Forense, 1998; “Casos Criminais Célebres”,<br />

Revista dos Tribunais, 3ª. Edição, 2003; Breviário<br />

Forense, Editora Juruá, 2003; segunda edição, 2008.<br />

Memória dos palcos:<br />

<strong>Dotti</strong> com elenco<br />

de “A Família dos<br />

Linhares”.<br />

focadas, quase sempre, no clima curitibano com todas<br />

as suas peculiaridades e atmosfera.<br />

O trabalho de repórter e/ou crítico de teatro era considerado<br />

indispensável na Curitiba de então. Todos os<br />

grandes jornais da Capital (Gazeta do Povo, Diário do<br />

Paraná, O Dia e Estado do Paraná) tinham seus jornalistas<br />

especializados para acompanhar o mundo do palco e<br />

plateia, em que despontavam, além dos já citados anteriormente,<br />

nomes como Roberto Menghini, Cícero Camargo<br />

de Oliveira, Maurício Távora, Jane Martins, João<br />

da Glória com suas operetas, Glauco Flores de Sá Brito<br />

– poeta e diretor de teatro –, Aristeu Berger, etc.<br />

Dono de inteligência e espírito inquietos, <strong>René</strong> <strong>Dotti</strong><br />

foi muito além de mostrar e analisar teatro como diversão:<br />

no clima de redação de jornal mergulhou quase<br />

sem limites. Ali foi observando o gênio alvoroçado do<br />

designer (então chamado apenas diagramador) Benjamin<br />

Steiner, vindo da Argentina, ao lado de jornalistas<br />

paulistanos para implantar aquele jornal de vanguarda.<br />

O DP era o primeiro jornal do Paraná a ser diagramado,<br />

VOZES DO PARANÁ 2<br />

dos primeiros do Brasil.<br />

As ideias renovadoras chegaram de fora, a massa crítica<br />

era local e da melhor qualidade. Dessa massa crítica,<br />

<strong>Dotti</strong> torna-se atento observador e também parte,<br />

convivendo com gente de peso e repercussão na sociedade,<br />

como Eduardo Rocha Virmond, Léo de Almeida<br />

Neves, Luiz Geraldo Mazza, Silvio Back, Vinicius Coelho,<br />

Roberto Novaes, Ayrton Luiz Baptista, Emilio Zola<br />

Florenzano, Carlos Danilo Costa Côrtes, Dino Almeida,<br />

Fernando Pessoas Ferreira, Walmor Coelho, Walmor<br />

Marcelino, José Richa – que depois seria governador do<br />

Estado – Mário Maranhão, hoje cardiologista com trânsito<br />

internacional.<br />

O clima de redação de jornal marca qualquer um.<br />

<strong>Dotti</strong> não foi exceção, não passou incólume ao aprendizado,<br />

às vezes matreiro, muitas vezes sublinhado pela<br />

desconfiança “inata” dos bons repórteres. Cedo entendeu<br />

o papel básico do jornalista: entregar seu recado de<br />

forma e linguagem diretas, com ética e espírito público,<br />

sabendo que “não é candidato à academia”, mas “a ser<br />

20 21


<strong>René</strong> <strong>Dotti</strong><br />

entendido pelo leitor”, conforme a máxima de Reinaldo<br />

Jardim.<br />

A redação ensinou <strong>Dotti</strong> a computar informação com<br />

a rapidez dos bons repórteres, a aguçar seu espírito libertário,<br />

a ampliar a arte do questionamento. Tudo isso<br />

ajudaria a alentar a bagagem do futuro causídico que<br />

nele estava em gestação.<br />

Ficou no Diário do Paraná até 1961, quando começou<br />

a advogar autonomamente. Formar-se em direito era então<br />

um verdadeiro prêmio, pois raros eram os cursos, e<br />

todos de boa para alta qualidade. Em seguida, em 1962,<br />

ingressou na carreira do magistério na UFPR. O primeiro<br />

concurso, o de ingresso formal, é em 1966; seguiramse<br />

outros, em 70, 76 e 81 (titular, com nota 9,90).<br />

Hoje aposentado da Universidade, <strong>Dotti</strong> é um lamento<br />

só: acha que a ditadura conseguiu o que queria, fragilizou<br />

o magistério superior, retirou-lhe a importância ao<br />

acabar com as faculdades, substituindo as congregações<br />

pelos departamentos:<br />

– O que temos hoje é um faz de conta que ensino, faz<br />

de conta que aprendo... – desabafa <strong>Dotti</strong>.<br />

<strong>René</strong> imbui-se de uma espécie de ira santa, quando<br />

aborda o fim da cátedra, instituição, e a cujo acesso<br />

só se chegava mediante concursos difíceis. A cátedra<br />

conferia prestígio político e social a seus titulares, e às<br />

universidades, a oportunidade de exporem-se por meio<br />

desses notáveis, uma elite.<br />

A defesa de uma tese era acontecimento na cidade.<br />

Com o fim da cátedra, “marginalizou-se a nobreza da<br />

categoria do professor”.<br />

“Com o fim das congregações e das faculdades, dividese<br />

para reinar por meio de departamentos, uma violência<br />

que amesquinha o valor do professor”, opina.<br />

Nessa espécie de catarse, <strong>Dotti</strong> deixa registrada uma<br />

pergunta capital: “Qual o papel que a universidade representa<br />

hoje, na formulação das grandes linhas do pensamento<br />

e ação que devem refletir na sociedade? Onde<br />

encontrar a universidade presente nas fundamentais<br />

questões contemporâneas, como o planejamento das<br />

cidades, a segurança pública, a educação...”, questiona,<br />

Nota final no<br />

concurso para<br />

professor titular –<br />

9,9.<br />

Com Eduardo Rocha<br />

Virmond no jantar<br />

de ex-jornalistas<br />

do Diário do Paraná,<br />

em 2005.<br />

em tom de amargura e sapiência de scholar que é o humanista<br />

por excelência.<br />

As influências e os grandes do direito<br />

No tom de voz pausada, faz penetrante e rápida análise<br />

dos temas que aborda; meticuloso, manuseia com<br />

destreza ampla documentação que, de forma quase instantânea<br />

e discretamente sua assessora Cláudia Penovich<br />

lhe traz, como que para confirmar ou acentuar assertivas<br />

do mestre. São documentos que saem de arquivos<br />

de aço, da biblioteca, dos arquivos do PC ou das páginas<br />

da Internet, ou chegam em cópias xérox que serão na<br />

hora reproduzidas. Ou ainda em originais. Como que<br />

chancelando a exposição do jurisconsulto.<br />

Quando fala da Academia Paranaense de Letras, de<br />

que é membro – e para cujas recentes posses de “imortais”<br />

proferiu penetrantes saudações, como nas de Oriovisto<br />

Guimarães e Belmiro Castor –, dá impressão de<br />

VOZES DO PARANÁ 2<br />

fazer uma genuflexão mental.<br />

Em seguida, puxa um assunto paralelo, o da posse de<br />

Getúlio Vargas na Academia Brasileira de Letras (ABL),<br />

um desses prêmios nunca justificados suficientemente,<br />

e com o qual a Casa de Machado de Assis bajulou o condotière<br />

de então. E entrega a seu interlocutor uma cópia<br />

do discurso de posse de Vargas (talvez escrito pelo intelectual<br />

Lourival Fontes, o homem do Departamento de<br />

Imprensa e Propaganda, DIP, o órgão federal encarregado<br />

de fazer censura aos meios de comunicação). O original<br />

foi por ele comprado num sebo carioca, onde jazia<br />

esquecido. Trata-se de apenas uma das preciosidades<br />

em forma de documentos que <strong>Dotti</strong> pode ir revelando,<br />

como o prestidigitador que mesmeriza o interlocutor<br />

curioso e ansioso por novidades.<br />

Lê muito, preferência para obras de Direito, em português,<br />

espanhol e italiano. A língua de Dante é o idioma<br />

que maneja com mais frequência, depois do nosso. Mas<br />

22 23


<strong>René</strong> <strong>Dotti</strong><br />

vem de uma geração que conhece bem o francês, pode<br />

traduzir o idioma de Molière sem dificuldades. Alemão,<br />

não conhece e inglês só para o essencial. Latim, conhece-o<br />

no básico, haurido no Colégio Estadual, e depois,<br />

forçosamente ampliado no contato com os clássicos do<br />

Direito.<br />

No momento, seus interesses estão voltados para conhecer<br />

todos (se possíveis) meandros da Segunda Guerra<br />

Mundial, pesquisando uma bibliografia vasta que só<br />

amplia sua curiosidade sobre o tema. Mas tem tempo<br />

para variantes, como para o livro “Veredictos e Condenações”,<br />

do prêmio Nobel de Literatura de 1981, Elias<br />

Canetti.<br />

Em suas conferências, <strong>Dotti</strong> irá sempre expor familiaridade<br />

com os grandes pensadores do Direito, os que<br />

mais influenciaram sua formação, como Beccaria (século<br />

XVIII), Carrara, Ferri e Lombroso (século XIX) e<br />

Bettiol (século XX).<br />

Sobre Bettiol, que conheceu em Curitiba, nos anos<br />

Julgamento dos<br />

estudantes<br />

de Florianópolis<br />

na Auditoria Militar,<br />

em 1981.<br />

60s, quando o pensador italiano aqui fez conferências,<br />

<strong>Dotti</strong> recolheu “uma grande lição de vida”. O constituinte<br />

italiano de 1947 transferiu-lhe a certeza – a partir<br />

de sua experiência pessoal – “de que é nos momentos<br />

de adversidade que se deve aprimorar o que se tem de<br />

bom, as grandes qualidades”.<br />

Bettiol, recorda <strong>Dotti</strong>, não tendo ido para o front, na<br />

Segunda Guerra, aproveitou esse certo vácuo para fazer<br />

profunda imersão no Direito, Filosofia, Política, anos<br />

1930/40. O resultado foi uma obra de matrizes únicas.<br />

No conforto de seu gabinete, ou na biblioteca em que<br />

preside a primeira parte da reunião diária de pauta com<br />

seus associados – a partir de 8h30 da manhã –, <strong>René</strong> vai<br />

respondendo pausadamente aos pedidos de avaliação de<br />

personalidades do Direito. Sem titubear, garante que na<br />

geração anterior à sua, de grandes advogados criminalistas<br />

do Paraná, Francisco Cunha Pereira Filho foi presença<br />

impressionantemente forte. “Um orador com paixão,<br />

empolgava o júri, era impossível ficar-se alheio aos<br />

> pág. 228<br />

Salva mandatos e relata “impeachment”<br />

O ano de 1992 entrou na história do país pelos gritos<br />

da juventude de cara pintada com o “fora Collor”.<br />

<strong>René</strong> não foi às ruas, mas agiu com os melhores instrumentos<br />

de que dispunha, ajudando a desalojar do Planalto<br />

o então presidente acusado de toda sorte de rupturas<br />

constitucionais e morais. Pois, juntamente com outros<br />

juristas do maior peso possível – ex-ministro do STF<br />

Evandro Lins e Silva, Fábio Konder Comparato e Miguel<br />

Reale Junior – foi co-relator da petição de impeachment<br />

de Fernando Collor da Presidência da República, apresentada<br />

ao presidente da Câmara naquele ano.<br />

Se Collor não lhe deve nada, Requião teve boa parte de<br />

sua carreira política salva por <strong>Dotti</strong>. Foi assim: defendeu<br />

o governador Requião (primeiro mandato), quando foi<br />

expulso do PMDB, por votação de membros do Diretório<br />

Nacional, acusado que era de ter ofendido o presidente<br />

do partido, Orestes Quércia. A decisão pró-expulsão (104<br />

votos contra quatro) foi anulada mediante mandado de<br />

segurança de <strong>Dotti</strong> impetrado no Tribunal Superior Eleitoral<br />

(TSE).<br />

O causídico foi o socorro e castelo forte de Requião<br />

em outras duas ocasiões vitais para sua carreira política:<br />

defendeu-o (no primeiro Governo no Palácio Iguaçu),<br />

quando teve o mandato cassado pelo TRE-PR, rescaldo<br />

do episódio “Ferreirinha”. Neste ponto <strong>Dotti</strong> é enfático:<br />

“Todos sabemos que Requião estava limpo no caso. Os<br />

criadores do personagem foram outros”. Evita ampliar<br />

o assunto.<br />

O recurso de <strong>Dotti</strong> ao TSE foi vitorioso, com a anulação<br />

do processo, que não foi reaberto; outra defesa vitoriosa<br />

em favor de Requião foi a que levou <strong>Dotti</strong> ao TSE contra a<br />

cassação do mandato do então senador, acusado de abuso<br />

do poder econômico.<br />

Ironias da política: Quércia e Requião são hoje aliados<br />

muito próximos.<br />

Em 1971, o senador Álvaro Dias (de quem <strong>Dotti</strong> seria,<br />

depois, no Governo do Estado, secretário de Cultura)<br />

era uma das várias personalidades políticas (MDB) mais<br />

promissoras da época que foram ao escritório de <strong>René</strong><br />

<strong>Dotti</strong> pedir-lhe remédio jurídico contra decisões arbitrária<br />

da Mesa da Assembleia. Os outros: Antônio Casemiro<br />

Belinati, José Mugiatti Filho, Nivaldo Kriger, Domício<br />

Scaramella, Nelson Buffara, Maurício Fruet, Sebastião<br />

Rodrigues Junior. A questão central envolvia o projeto<br />

de emenda constitucional número 3 que o governador<br />

Haroldo Leon Peres e seus seguidores não queriam que<br />

fosse sequer discutido. Impetrou o Mandato de Segurança<br />

34/71, no Tribunal de Justiça do Paraná.<br />

Nem mesmo o presidente Luiz Ignácio Lula da Silva,<br />

então deputado constituinte de 1988, deixa de constar<br />

do rol de homens públicos aos quais <strong>Dotti</strong> colocou seus<br />

VOZES DO PARANÁ 2<br />

conhecimentos em jogo. Neste caso, deu parecer jurídico<br />

em favor do então parlamentar a pedido de um dos nomes<br />

legendários da vida pública brasileira, fundador do<br />

PT, militante católico de grande atuação, campeão também<br />

da defesa dos direitos humanos – Hélio Bicudo.<br />

Sempre que a imprensa esteve em perigo, como na era<br />

Collor, <strong>Dotti</strong> reforçou a defesa do direito de informar do<br />

jornalista. Deu parecer a favor de Otavio Frias Junior, da<br />

Folha de São Paulo, acusado pelo presidente Fernando<br />

Collor de crime de imprensa. Motivo: Frias denunciara a<br />

existência de publicidade institucional sem licitação por<br />

parte do Governo Federal (1991).<br />

No átrio do Tribunal do Júri de Curitiba, a Associação<br />

dos Magistrados do Paraná colocou, em 10 de dezembro<br />

de 2008, uma placa de bronze com homenagem a <strong>Dotti</strong>.<br />

Os adjetivos da placa grifam essa realidade do Direito<br />

Penal brasileiro: “Pelos 50 anos de brilhante atividade<br />

profissional e contribuição à cultura jurídica e ao aprimoramento<br />

do Tribunal do Júri”.<br />

Só naquele espaço do Tribunal do Júri, no Centro Cívico,<br />

<strong>Dotti</strong> defendeu cerca de 100 processos. Em alguns<br />

casos, advogado do acusado; em outros, em favor das vítimas.<br />

Da Câmara de Curitiba, recebeu o “Prêmio Pablo Neruda”.<br />

As peregrinações de <strong>René</strong> <strong>Dotti</strong> deixam pisadas da passagem<br />

de um obstinado. São pegadas que ficam, além<br />

de tantas já citadas, como no jornal “O Nicolau”, criado<br />

por <strong>René</strong> para a Secretaria de Estado da Cultura, e que<br />

ganhou ressonância no país. Foi um jornal de vanguarda<br />

cultural entregue à direção do escritor Wilson Bueno;<br />

ou no “Jornal de Cultura”, do Centro Acadêmico Hugo<br />

Simas (CAHS), no qual, em 1956, <strong>Dotti</strong> foi secretário<br />

de Redação, e o diretor de Redação, Sebastião França;<br />

na publicação ia a fundo na abordagem de temas – como<br />

o racismo nos Estados Unidos – ou a crítica à cola na<br />

universidade, denúncia contra o trote universitário (já<br />

naquele tempo) e declaração em defesa da liberdade de<br />

convicção religiosa, filosófica e política...<br />

Assim é <strong>René</strong> Ariel <strong>Dotti</strong>: um brasileiro com história (é<br />

muito mais do que currículo) garantiu a entrada de muitos<br />

na História do Brasil contemporâneo; assim como<br />

frustrou carreiras e propostas arbitrárias (caso Collor)<br />

com suas intervenções precisas nos tribunais.<br />

No resto, ele só quer Pax et Bonum, a Paz e Bem de<br />

Francisco de Assis, de preferência com Vivaldi, ao fundo.<br />

Dá para compreender, então, porque <strong>Dotti</strong> é bem mais<br />

do que mero operador do Direito? Ou porque é um exemplo<br />

perfeito de construtor da sociedade?<br />

24 25


Ao lado:<br />

No auditório do<br />

escritório, <strong>René</strong> <strong>Dotti</strong><br />

recebe convidados<br />

para conferências,<br />

debates e encontros<br />

com a equipe<br />

que o apóia.<br />

Abaixo:<br />

Com o então<br />

presidente do<br />

Supremo,<br />

hoje Ministro da<br />

Defesa, Nelson Jobim.<br />

seus argumentos magistralmente apresentados”, diz.<br />

Outro grande da mesma área, aponta, foi Eros Gradowski,<br />

enquanto que como civilista nomeia Vieira Neto,<br />

um marxista histórico, também campeão das liberdades<br />

civis. E ainda José Lamartine Correa de Oliveira Lira,<br />

uma liderança nos movimentos católicos paranaenses,<br />

grande influência nos núcleos católicos que lutaram<br />

contra a ditadura.<br />

Lamartine, embora civilista, atuou também por um<br />

tempo na justiça militar, e teve capital importância<br />

como aglutinador de crentes que lutavam pela democracia,<br />

liderando grupos de reflexão e de ajuda a perseguidos<br />

políticos. Reuniam-se no mosteiro beneditino<br />

fundado por monges franceses (Père Felipe). O mosteiro<br />

depois foi transferido para Goiás Velho, GO.<br />

Dentre os advogados criminalistas de hoje, tem grande<br />

respeito pelo trabalho de Antonio Acir Breda, que foi<br />

seu aluno na UFPR, e pelo professor Jacinto Nelson de<br />

Miranda Coutinho. Assim como refere-se com particular<br />

respeito ao mestre de Direito Constitucional Cleverson<br />

Ao lado do busto<br />

do pai, Gabriel,<br />

obra do escultor<br />

Matulenicius.<br />

VOZES DO PARANÁ 2<br />

Merlin Cleve.<br />

As opiniões de <strong>René</strong> <strong>Dotti</strong> são absorvidas com unção<br />

quase religiosa por estudantes e profissionais do Direito,<br />

quando o jurisconsulto responde-lhes a indagações<br />

tipo:“quais os grandes dos tribunais superiores?”<br />

Para <strong>Dotti</strong>, no Supremo Tribunal Federal (STF) os ministros<br />

Celso Mello e Marco Aurélio Mello são irretocáveis,<br />

pelo conhecimento que têm dos grandes mestres,<br />

pelos votos que refletem espíritos liberais em sintonia<br />

com o tempo de hoje. Suas decisões respondem a realidades<br />

– às vezes difíceis de serem aceitas – trazidas<br />

pelos novos conhecimentos científicos e tecnológicos.<br />

Posicionam-se firmes diante de certos usos e costumes,<br />

aos quais a justiça não pode meramente ignorar.<br />

No STJ, o ministro Nilson Naves.<br />

Grandes teóricos do Direito no Brasil de hoje? Para<br />

<strong>Dotti</strong>, o primus interpares, entre os constitucionalistas<br />

é o carioca Luiz Roberto Barrozo, e entre os penalistas,<br />

Miguel Reale Junior, um fiel herdeiro da ampla sensibilidade<br />

e largueza intelectual do pai, Miguel Reale. E Nilo<br />

26 27


<strong>René</strong> <strong>Dotti</strong><br />

Batista, “grande talento e notável humanista”.<br />

Incisivo, não titubeia em nominar Tereza Wambier,<br />

professora da USP – e residindo em Curitiba – como o<br />

nome que mais produz com qualidade em processo civil;<br />

assim como cita Ivens Gandra Martins, por sua contribuição<br />

como tributarista e em Direito Público.<br />

Direito alternativo e súmula vinculante<br />

Com os gaúchos surgiram no Brasil as doutrinas do<br />

chamado Direito Alternativo, nos 60/70s. Pretendiam<br />

liberar os juízes das formas barrocas de administrar o<br />

Direito, nascendo também em oposição às muitas liturgias<br />

da justiça.<br />

“Era uma alternativa que magistrados, apoiados por<br />

professores e advogados, haviam encontrado para fazer<br />

barreira a estruturas opressoras”, explica um desembargador<br />

aposentado do Tribunal de Justiça do Rio Grande<br />

do Sul.<br />

<strong>René</strong> <strong>Dotti</strong> não foge à discussão, opina: “Por outro<br />

lado, não se pode chegar à ditadura da cabeça do juiz, a<br />

pretexto de lutar contra a ditadura da lei.”<br />

Sem meias palavras, define a perigosa possibilidade a<br />

que pode levar o Direito Alternativo: “A pior ditadura é a<br />

dos juízes, como já a condenava Cesare Beccaria. Ela se<br />

esconde em decisões empoladas, para despistar falta de<br />

conhecimento”. <strong>Dotti</strong> é também contrário à orientação<br />

de que “é preciso consultar o espírito da lei”. Pois, diz, a<br />

lei tem de ser clara, acima de tudo. Lei que não é clara,<br />

então, seria lei injusta.<br />

Acha positivo o estabelecimento da súmula vinculante<br />

A mulher, Rosarita,<br />

coloca em <strong>René</strong><br />

o pelerine:<br />

entrada na Academia<br />

Paranaense<br />

de Letras.<br />

pelo Supremo, pois reduz a carga dos processos a serem<br />

apreciados pela justiça. “Oitenta por cento das ações<br />

são geradas pelo poder público, pelo calote oficial. O Estado<br />

é que congestiona as pautas dos tribunais”, analisa<br />

<strong>Dotti</strong>, cuja posição a súmula conflita com a de outros<br />

ases do Direito e organismos da classe advocatícia.<br />

Corporativismo, tudo indica, não conta na ótica de<br />

<strong>René</strong> <strong>Dotti</strong> que, como outros cientistas do Direito, sabe<br />

que justiça tardia vira injustiça.<br />

Não lhe peçam que ofenda a consciência<br />

<strong>Dotti</strong> não se altera, o tom de voz apenas se amplia<br />

suavemente, com empolgações de orador que não deixa<br />

escapar oportunidades, que pesa o impacto e o valor<br />

semântico de cada palavra, quando faz a defesa oral de<br />

suas teses. Ou quando, por exemplo, no dia 29 de março,<br />

todos os anos, participa de um jantar muito significativo<br />

VOZES DO PARANÁ 2<br />

Com o amigo Belmiro<br />

Valverde Jobim<br />

Castor, parceria<br />

literária e social em<br />

benefício do Centro<br />

de Educação João<br />

Paulo II.<br />

para si e dezenas de amigos – a festa do “Aniversário do<br />

Diário do Paraná”. É a reunião dos antigos companheiros<br />

do DP, num dos restaurantes de Santa Felicidade, e<br />

ele, o orador obrigatório, quase oficial.<br />

Seu discurso, nessas ocasiões, é inventário afetivo<br />

de uma época em que a mídia escrita realmente tinha<br />

importância na sociedade brasileira. A fala é imersão<br />

nos anos passados/recentes, até fazendo paralelo com<br />

a realidade de hoje. Abordar os “atrasos” tecnológicos<br />

daqueles dias do DP – como as máquinas linotipos e<br />

suas usinas de chumbo –, soa como espécie de troféu.<br />

Privilégio de poucos, compartilhado com gente especial,<br />

como aqueles ouvintes do jantar, atentos, donos de<br />

entusiasmados aplausos. É a reunião de muitas velhas<br />

águias da imprensa curitibana. É quase uma espécie de<br />

“ordem dos jornalistas veteranos”, para não dizer “velhos”,<br />

este um adjetivo que encontra resistência no gru-<br />

28 29


<strong>René</strong> <strong>Dotti</strong><br />

po para classificar aquele importante “arquivo humano”<br />

da história recente do Estado.<br />

O discurso de <strong>René</strong> é essencial, aguardado, virá com<br />

revelações conservadas, muitas delas como espécie de<br />

segredos de Estado ao longo dos anos. Como, por exemplo,<br />

quando ele e Luiz Geraldo Mazza introduziram barbaridades<br />

não declináveis na coluna de Dino Almeida,<br />

o jamais superado colunista diário do chamado society<br />

paranaense. E que foram publicadas, para desespero<br />

do kaiser Adherbal Stresser, o presidente do Diários e<br />

Emissoras Associados no Paraná, a que pertencia o “Diário<br />

do Paraná”.<br />

<strong>René</strong> nunca deixa de lembrar, num oportuno paralelismo,<br />

o quanto Dino replicava, na pose e no estilo paradigmáticos,<br />

o Jacinto de Thormes (Maneco Muller),<br />

colunista social carioca dos anos 50/60s.<br />

O jantar é mais que encontro de veteranos, alguns alquebradas<br />

pelo tempo, cabelos brancos, quase todos escondendo<br />

queixas de saúde mais graves, esperáveis em<br />

colegas de gerações como aquela do ano de 1956.<br />

São muitos os mais jovens, mas já cinquentões – entrando<br />

nos sessenta – do velho e extinto DP que não<br />

Com parte do staff<br />

do seu escritório,<br />

<strong>Dotti</strong> repassa<br />

conhecimentos.<br />

faltam ao jantar anual e recrutam os preguiçosos: João<br />

José Werzbitski, Leo Krieger, Bernardo Bittencourt,<br />

Luiz Augusto Juk.<br />

<strong>Dotti</strong> é assim mesmo, multifacetado, procurando<br />

atender uma agenda cultural variada, enorme, nacional<br />

– e, às vezes – internacional.<br />

O repouso é em casa, ao lado de Rosarita, com quem<br />

casou há 40 anos. Ela foi aluna de <strong>Dotti</strong> e, num jantar de<br />

final de curso da UFPR, literalmente o tirou para dançar.<br />

Nunca mais se distanciaram. O casal tem duas filhas,<br />

casadas, Rogéria, advogada, e Claúdia, veterinária,<br />

e três netos. O mais velho deles tem oito anos.<br />

Na casa, bom gosto. E também o mais expressivo indicador<br />

de que seu dono é alguém diferenciado: lá existe<br />

um palco e, pela paredes, quadros compondo uma pinacoteca<br />

de expressão, com artistas paranaenses, na maioria.<br />

Há Miguel Bakun, De Bona – os grandes mestres da<br />

pintura do Paraná.<br />

“Quando fazemos reuniões, por que não ter um espaço<br />

adequado para a leitura de uma peça teatral, a exibição<br />

de um conjunto de câmera?”, indaga, com naturalidade,<br />

esse <strong>Dotti</strong> dono de espírito cultivado.<br />

Seus livros, seus pareceres, suas conferências, sua participação<br />

em organismos de ponta do Direito brasileiro<br />

e internacional fazem-no um tipo raro.<br />

É umas das vozes do Paraná, cuja intervenção permitiu<br />

que alguns políticos brasileiros continuassem na carreira.<br />

Como aconteceu com o governador Roberto Requião<br />

com quem não mais partilha da mesma mesa.<br />

Os dois foram amigos, embora <strong>Dotti</strong> sempre se mantivesse<br />

mais próximo de Álvaro Dias, de cujo governo foi<br />

secretário de Cultura.<br />

Pois <strong>Dotti</strong> conseguiu absolvição de Requião na justiça<br />

eleitoral (leia em boxe à página 227).<br />

<strong>René</strong> é assim mesmo: firme, não transige no essencial.<br />

Como elimina, diante de uma pergunta, qualquer<br />

avaliação positiva – a menor que seja – dos militares do<br />

ciclo 1964: “Nenhum deles prestou para o Brasil, foram<br />

ditadores”.<br />

Com a autoridade de um campeão de batalhas pelo<br />

Estado de Direito, é taxativo em certos “não”.<br />

Foi assim que respondeu recentemente, neste 2009<br />

No escritório,<br />

um ambiente<br />

clássico, clima de<br />

trabalho e reflexão.<br />

VOZES DO PARANÁ 2<br />

– com “não” – ao chefe de gabinete de um ministro de<br />

Estado, que lhe pedia manifestação, em forma de artigo<br />

para um determinado jornal, em favor da decisão governamental<br />

de conceder asilo político ao italiano Cesare<br />

Battisti, condenado por crimes de sangue na Itália.<br />

Afinal, diz, nunca dará seu aval para transformar o ilícito<br />

em lícito. Razão pela qual jamais concordou com<br />

a tese do advogado e bispo, São Roberto Belarmino –<br />

propter necessitatis illicitum efficitur licitum (“diante da<br />

necessidade, pode-se transformar o ilícito em lícito”).<br />

E igualmente descarta a alegada “necessidade” de<br />

“ajudar a consolidar a democracia” com seu endosso à<br />

solução dada ao caso Battisti. Porque a democracia pela<br />

qual <strong>Dotti</strong> historicamente luta está acima de soluções<br />

políticas, muito menos se sustenta em pareceres com<br />

intenções mágicas e/ou panaceias. Pajelanças e prestação<br />

de “serviços” dessa natureza não se incluem no<br />

currículo de quem tem história de vida por zelar. E que<br />

– sem ufanismos, pura realidade – está entre os atores<br />

principais do Direito no País.<br />

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