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A FORÇA DA COMUNIDADE<br />
Os detratores dos desfiles da escola de samba – e existem<br />
muitos - costumam propalar que as escolas de samba hoje<br />
em dia são todas iguais. Que se prestigia o espetáculo em<br />
detrimento dos componentes, e que as baterias estão mais<br />
preocupadas em inventar firulas do que sustentar o vigor<br />
do samba e da dança.<br />
Como diz na gíria: tudo papo furado.<br />
A vitalidade das escolas de samba e, por consequência, do<br />
desfile das escolas reside exatamente na constante revitalização<br />
que acontece.<br />
Só não vê quem não quer.<br />
O que essas pessoas não percebem é que tudo muda, a<br />
cidade, as pessoas, o modo de se observar o que se passa<br />
ao redor e a quantidade de informações que chega para<br />
todos e de todas as formas.<br />
É isso que determina a mutação incontrolável da nossa<br />
maior festa e do seu momento maior.<br />
Não há fórmulas estabelecidas ou não teríamos as surpresas<br />
que a cada ano nos são apresentadas.<br />
Aí está, acredito, o fator que torna imprevisível e excitante<br />
os desfiles das escolas de samba. As características básicas<br />
de cada uma permanecem mas, cada uma a seu modo,<br />
trata de surpreender o público e a comissão julgadora.<br />
Com o passar do tempo, os enredos vêm adquirindo uma<br />
linguagem especial no que diz respeito ao desenvolvimento.<br />
É aí que o carnavalesco revela sua criatividade e integração<br />
com o todo da escola. Essa integração é absolutamente<br />
necessária, porque não se deve trair as ansiedades<br />
dos componentes.<br />
A visão estética da escola, ainda que esta expressão pareça<br />
sofisticada e pedante, existe, e de maneira até<br />
contundente. Esta visão é o resultado das suas observações<br />
e do processamento que cada pessoa<br />
ou grupo costumam dar à carga de informações<br />
que todo mundo recebe hoje em dia,<br />
seja pela televisão, internet, twitter,<br />
iPod ou outras ferramentas que<br />
estão à disposição de qualquer um,<br />
não importa onde resida.<br />
HAROLDO COSTA<br />
Portanto, o carnavalesco tem que estar atento a esta realidade,<br />
que se torna sua também à medida que ele convive<br />
com as bases, e passa a adotar este olhar que faz a diferença.<br />
E esta é a força da comunidade. Que não é um coletivo<br />
ou ajuntamento de pessoas que moram numa mesma<br />
região, mas sim a expressão de uma forma solidária às vezes<br />
imposta pelas circunstâncias, mas que depois ganha<br />
uma poderosa significação e personalidade próprias.<br />
É isto que se observa na <strong>Beija</strong>-<strong>Flor</strong>. É uma escola que reflete<br />
a sua comunidade e dela recebe toda a seiva que faz, de<br />
cada desfile, uma ato de paixão, de entrega e amor total.<br />
Assistir a um ensaio na quadra é viver momentos de inesquecível<br />
beleza. O empenho com que os vários setores<br />
se dedicam é no mínimo comovente. Ali está a base do<br />
samba, a crença no seu poder e na sua importância como<br />
elemento transformador. Não há como ficar indiferente à<br />
batida da bateria que, por horas a fio, mantém o ritmo sem<br />
alteração e com uma pontuação rígida e permanente. As<br />
alas fluem e refluem como onda em maré cheia. É visível<br />
o orgulho que eles sentem e transmitem. Não há idade<br />
nem sexo, todos estão lá como que exercendo uma missão<br />
especial, única, onde cada um tem uma parte a cumprir.<br />
É a força da comunidade, base da existência e do sucesso<br />
da <strong>Beija</strong>-<strong>Flor</strong>. Ganhar é uma contingência, o desfile é uma<br />
competição, e devem existir ganhadores e perdedores. Mas<br />
isso não afeta o principal, sem o qual nenhuma escola<br />
existe; a compreensão que a comunidade<br />
tem do seu papel no momento glorioso<br />
e sempre diferente dos desfiles<br />
das escolas de samba.<br />
Março <strong>2011</strong> 55