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Os Maias - Unama

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www.nead.unama.br<br />

pelo peito, e o cãozinho felpudo ao colo. Vinham ambos rosnando o quer que fosse,<br />

com mau modo um para o outro, e em espanhol.<br />

Carlos ficou a olhar para aquele par com a melancolia de quem contempla os<br />

pedaços d'um belo mármore quebrado. Não esperou mais pelos outros, nem os quis<br />

encontrar. Correu á Lawrence por um caminho diferente, ávido de uma certeza: — e<br />

ai, o criado que lhe apareceu, disse-lhe que o Sr. Salcede e os Sr.s. Castro Gomes<br />

tinham partido na véspera para Mafra...<br />

— E de lá?...<br />

O criado ouvira dizer ao Sr. Damaso que de lá voltavam a Lisboa.<br />

— Bem, disse Carlos atirando o chapéu para cima da mesa, traga-me você<br />

um cálice de cognac, e uma pouca d’água fresca.<br />

Cintra, de repente, pareceu-lhe intoleravelmente deserta e triste. Não teve<br />

animo de voltar ao palácio, nem quis sair mais d'ali; e arrancando as luvas,<br />

passeando em volta da mesa de jantar, onde murchavam os ramos da véspera,<br />

sentia um desejo desesperado de galopar para Lisboa, correr ao Hotel Central,<br />

invadir-lhe o quarto, vê-la, saciar os seus olhos n'ela!... Porque, o que o irritava<br />

agora era não poder encontrar, na pequenez de Lisboa, onde toda a gente se<br />

acotovela, aquela mulher que ele procurava ansiosamente! Duas semanas farejara o<br />

Aterro como um cão perdido: fizera peregrinações ridículas de teatro em teatro:<br />

n'uma manhã de domingo percorrera as missas! E não a tornara a ver. Agora sabiaa<br />

em Cintra, voava a Cintra, e não a via também. Ela cruzava-o uma tarde, Bela<br />

como uma deusa transviada no Aterro, deixava-lhe cair n'alma por acaso um dos<br />

seus olhares negros, e desaparecia, evaporava-se, como se tivesse realmente<br />

remontado ao céu, d'ora em diante invisível e sobrenatural: e ele ali ficava, com<br />

aquele olhar no coração, perturbando todo o seu ser, orientando surdamente os<br />

seus pensamentos, desejos, curiosidades, toda a sua vida interior, para uma<br />

adorável desconhecida, de quem ele nada sabia senão que era alta e loira, e que<br />

tinha uma cadelinha escocesa... Assim acontece com as estrelas d'acaso! Elas não<br />

são d'uma essência diferente, nem contém mais luz que as outras: mas, por isso<br />

mesmo que passam fugitivamente e se esvaem, parecem despedir um fulgor mais<br />

divino, e o deslumbramento que deixam nos olhos é mais perturbador e mais longo...<br />

Ele não a tornara a ver. Outros viam-n'a. O Taveira vira-a. No Grêmio, ouvira um<br />

alferes de lanceiros falar d'ela, perguntar quem era, porque a encontrava todos os<br />

dias. O alferes encontrava-a todos os dias. Ele não a via, e não sossegava...<br />

O criado trouxe o cognac. Então Carlos, preparando vagarosamente o seu<br />

refresco, conversou com ele, falou um momento dos dois rapazes ingleses, depois<br />

da espanhola obesa... Enfim, dominando uma timidez, Quase corando, fez, através<br />

de grandes silêncios, perguntas sobre os Castro Gomes. E cada resposta lhe<br />

parecia uma aquisição preciosa. A senhora era muito madrugadora, dizia o criado:<br />

ás sete horas tinha tomado banho, estava vestida, e saia só. O Sr. Castro Gomes,<br />

que dormia n'um quarto separado, nunca se mexia antes do meio dia; e, á noite,<br />

ficava uma eternidade á mesa, fumando cigarretes e molhando os beiços em<br />

copinhos de cognac e água. Ele e o Sr. Damaso jogavam o dominó. A senhora tinha<br />

montões de flores no quarto; e tencionavam ficar até domingo, mas fôra ela que<br />

apressara a partida...<br />

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