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Os Maias - Unama

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www.nead.unama.br<br />

— A cartilha, sim meu senhor, ainda que V. Ex.ª o diga assim com esse modo<br />

escarnica... A cartilha. Mas já não quero falar na cartilha... Há outras cousas. E se o<br />

digo tantas vezes, Sr. Afonso da Maia, é pelo amor que tenho ao menino.<br />

E recomeçou a discussão, que voltava sempre ao café, quando Custódio<br />

jantava na quinta.<br />

O bom homem achava horroroso que n'aquela idade um tão lindo moço,<br />

herdeiro d'uma casa tão grande, com futuras responsabilidades na sociedade, não<br />

soubesse a sua doutrina. E narrou logo ao Vilaça a história da D. Cecília Macedo: esta<br />

virtuosa senhora, mulher do escrivão, tendo passado Diante do portão da quinta,<br />

avistara o Carlinhos, chamara-o, carinhosa e amiga de crenças como era, e pedira-lhe<br />

que lhe dissesse o acto de contrição. E que respondeu o menino? Que nunca em tal<br />

ouvira falar! Estas cousas entristeciam. E o Sr.Afonso da Maia achava-lhe graça, riase!<br />

Ora ali estava o amigo Vilaça que podia dizer se era caso para jubilar. Não, o Sr.<br />

Afonso da Maia tinha muito saber, e correra muito mundo; mas d'uma cousa não o<br />

podia convencer, a ele pobre padre que nem mesmo o Porto vira ainda, é que<br />

houvesse felicidade e bom comportamento na vida sem a moral do catecismo.<br />

E Afonso da Maia respondia com bom humor:<br />

— Então que lhe ensinava você, abade, se eu lhe entregasse o rapaz? Que<br />

se não deve roubar o dinheiro das algibeiras, nem mentir, nem maltratar os<br />

inferiores, por que isso é contra os mandamentos da lei de Deus, e leva ao inferno,<br />

hein? É isso?...<br />

— Há mais alguma cousa...<br />

— Bem sei. Mas tudo isso que você lhe ensinaria que se não deve fazer, por<br />

ser um pecado que ofende a Deus, já ele sabe que se não deve praticar, por que é<br />

indigno d'um cavalheiro e d'um homem de bem...<br />

— Mas, meu senhor...<br />

— Ouça abade. Toda a diferença é essa. Eu quero que o rapaz seja virtuoso<br />

por amor da virtude e honrado por amor da honra; mas não por medo ás caldeiras<br />

de Pero Botelho, nem com o engodo de ir para o reino do céu...<br />

E acrescentou, erguendo-se e sorrindo:<br />

— Mas o verdadeiro dever de homens de bem, abade, é quando vem, depois<br />

de semanas de chuva, um dia d'estes, ir respirar pelos campos e não estar aqui a<br />

discutir moral. Portanto arriba! E se o Vilaça não está muito cansado, vamos dar ai<br />

um giro pelas fazendas...<br />

O abade suspirou como um santo que vê a negra impiedade dos tempos e<br />

Belzebu arrebatando as melhores rezes do rebanho; depois olhou a chavena e<br />

sorveu com delicias o resto do seu café.<br />

Quando Afonso da Maia, Vilaça e o abade recolheram do seu passeio pela<br />

freguesia, escurecera, havia luzes pelas salas, e tinham chegado já as Silveiras,<br />

senhoras ricas da quinta da Lagoas.<br />

D. Anna Silveira, a solteira e mais velha, passava pela talentosa da familia, e<br />

era em pontos de doutrina e de etiqueta uma grande autoridade em Resende. A<br />

viuva, D. Eugenia, limitava-se a ser uma excelente e pachorrenta senhora, de<br />

agradável nutrição, trigueirota e pestanuda; tinha dois filhos, a Therezinha, a noiva<br />

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