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São 33 comunidades<br />
- cerca de seis mil pessoas<br />
com relação de<br />
parentesco - ocupando<br />
uma área de seis mil<br />
quilômetros quadrados. Oriximiná<br />
equivale à metade do<br />
Estado de São Paulo. O cotidiano,<br />
as cerimônias, a cultura<br />
dos remanescentes dos antigos<br />
quilombos que vivem da pesca<br />
e da agricultura de subsistência,<br />
as raízes afro-indígenas<br />
chamam a atenção. Uma das<br />
aiuê (festa em kimbundo,<br />
dialeto africano) mais importantes<br />
é a de São Benedito, que<br />
no candomblé é Ossaim, orixá<br />
da floresta, dono das ervas,<br />
o médico de todo o panteão<br />
afro. Ela é celebrada no dia 6<br />
de janeiro na comunidade de<br />
Jauari, quando os quilombolas<br />
saúdam o padroeiro e as riquezas<br />
obtidas durante o ano.<br />
O prefeito Argemiro<br />
Diniz gosta de relatar que os<br />
quilombos de Oriximiná são<br />
preservados até hoje. Para<br />
chegar nesses lugares antes<br />
inacessíveis, só de avião ou<br />
viajando dias de barco. Para<br />
uma comunidade quilombola<br />
visitar outra, por exemplo, às<br />
vezes são necessárias 12 horas<br />
de navegação.<br />
O extrativismo da castanha<br />
determinou uma ocupação<br />
peculiar do território pelos<br />
quilombolas no município.<br />
Os principais mocambos ficavam<br />
nos altos dos rios, em<br />
trechos navegáveis, acima das<br />
cachoeiras dos rios Curuá,<br />
Trombetas e Erepecuru. As<br />
áreas das residências e dos<br />
roçados - habitualmente localizados<br />
nas margens dos rios<br />
e dos lagos - são ocupadas no<br />
verão (para nós a seca), período<br />
em que os comunitários se<br />
dedicam mais intensamente às<br />
atividades agrícolas e à pesca. Já<br />
na época das chuvas, muitos<br />
quilombolas (às vezes famílias<br />
inteiras) vão para as matas a<br />
fim de coletar a castanha.<br />
Os quilombolas de Oriximiná<br />
têm conseguido na titulação<br />
de seus territórios fazer<br />
valer o direito de propriedade<br />
das áreas de extrativismo. Há<br />
quatro áreas tituladas: Boa<br />
Vista, Água Fria, Trombetas<br />
e Erepecuru, além do Alto<br />
Trombetas, parcialmente titulado<br />
(31% da área total).<br />
A castanha, que eles coletam<br />
e comercializam desde<br />
o século XIX, representa para<br />
eles importante fonte de renda<br />
e é um dos elos que os une aos<br />
ancestrais. O conhecimento<br />
dos castanhais é considerado<br />
uma herança deixada pelos antepassados.<br />
Dizem as comunidades<br />
remanescentes que<br />
foram os negros fugitivos que<br />
“descobriram” os castanhais.<br />
Até hoje, os conhecimentos<br />
sobre a atividade de extração<br />
da castanha são transmitidos<br />
de geração para geração.<br />
Não por acaso a coleta<br />
da castanha-do-pará é forte<br />
elemento da identidade<br />
étnica dos quilombolas de<br />
Oriximiná, onde os setores<br />
da população rural da região<br />
se dedicam preferencialmente<br />
à agricultura e à pecuária, a<br />
ponto de muito comumente<br />
se auto-definirem como<br />
“castanheiros”.<br />
Os territórios quilombolas<br />
em Oriximiná ainda<br />
registram grandes ocorrências<br />
de castanhais que - como as<br />
demais áreas de extrativismo,<br />
as zonas de caça, rios e os<br />
lagos onde se pratica a pesca<br />
- são considerados bens de<br />
uso comum. Isso significa<br />
que qualquer integrante das<br />
comunidades tem o direito de<br />
explorar os recursos naturais<br />
dessas áreas.<br />
Os quilombolas sempre<br />
enfrentaram muitas dificuldades<br />
na atividade da castanha.<br />
Havia uma carência enorme<br />
de meios de transporte e de<br />
condições para armazenar<br />
a produção. Acabavam dependendo<br />
de intermediários,<br />
conhecidos como regatões,<br />
que compravam o produto<br />
por preços irrisórios e vendiam<br />
a preços abusivos. Hoje<br />
os quilombolas contam com<br />
uma estrutura de transporte,<br />
comunicação e armazenamento<br />
que possibilita a venda<br />
da castanha direto às usinas de<br />
beneficiamento em Oriximiná,<br />
Óbidos e Belém.<br />
ATUALIDA<strong>DE</strong>S<br />
Raiz afro-indígena<br />
pulsa em Oriximiná<br />
Há muito eu havia prometido<br />
ao violonista paraense<br />
Maurício Gomes, que mora<br />
em Barcelona (Escola Superior<br />
de Música da Catalunha), escrever<br />
novas composições para<br />
violão, instrumento que andei<br />
arranhando, na juventude.<br />
Meu instrumento básico é o<br />
piano, que toco desde criança.<br />
Mas o violão me despertou<br />
caminhos para a composição<br />
popular, pois eu vinha de uma<br />
formação erudita, no Conservatório<br />
de Rachel Peluso, em S.<br />
Paulo. Com meu pai, aprendi a<br />
flexibilizar a divisão que puristas<br />
fazem entre música popular<br />
e a chamada erudita.<br />
Enviei ao Maurício a minha<br />
Ave Maria (Duo de Violão<br />
e Flauta), que ele repassou<br />
aos professores Xavier Coll<br />
(violão) e Montserrat Gascón<br />
(flauta); o arranjo, para Violão,<br />
de Lua Branca (Wilson Fonseca<br />
e Paulo Rodrigues dos Santos);<br />
e a minha Valsa Santarena nº 1<br />
(Violão).<br />
Ainda vinha surpresa por<br />
aí. Maurício está formando um<br />
duo de canto e violão com a<br />
soprano Patrícia Endo, gaúcha,<br />
que mora em Milão. E me solicitou<br />
obras para o repertório<br />
do novo duo. Ele reside na<br />
Espanha e ela, na Itália, mas<br />
pretendem divulgar a música<br />
VICENTE<br />
MALHEIROS<br />
DA FONSECA<br />
vjmf@terra.com.br<br />
Ária, bandola e violão<br />
nacional.<br />
Da conversa virtual entre<br />
o Brasil e a Europa, compus<br />
a Ária para Patrícia (Duo<br />
para Soprano e Violão), que<br />
dediquei à notável soprano<br />
brasileira.<br />
Dela recebi esta mensagem:<br />
“Caríssimo Vicente:<br />
adorei a ‘nossa’ ária. Realmente<br />
gostei muitíssimo e agora estou<br />
já me perguntando como devo<br />
resolver a questão do acento<br />
paraense. Você a concebeu com<br />
todos os acentos regionais?<br />
Parabéns e estou muito emocionada.<br />
Obrigada, Patrícia”.<br />
Respondi-lhe: “meu pai<br />
costumava dizer que a partitura<br />
é apenas um projeto arquitetado<br />
pelo compositor; mas a música<br />
se realiza, se completa, com<br />
a interpretação. Assim, deixo a<br />
seu critério o modo como a<br />
ênfase rítmica ou musical será<br />
aplicada, na execução da peça.<br />
A meu ver, o intérprete tem<br />
que ser livre diante das idéias<br />
sugeridas pelo compositor.<br />
Mário de Andrade dizia que<br />
o compositor oferece a síntese<br />
essencial, deixando as sutilezas<br />
para a invenção do executor da<br />
obra. Não tenho dúvida de que<br />
a sua experiência e o seu talento<br />
saberão aproveitar e enriquecer<br />
os valores prosódicos da<br />
alma brasileira para extrair os<br />
<strong>DE</strong>ZEMBRO - 2007 7<br />
elementos essenciais e imprescindíveis<br />
que a música possa<br />
oferecer. Na verdade, nem sei<br />
lhe dizer bem se eu concebi<br />
a peça com acentos regionais.<br />
O ato de compor me parece<br />
tão espontâneo, intuitivo e até<br />
vital, que nem me dou conta<br />
do que acontece. Quando mais<br />
do que de repente... a música<br />
está feita. Tudo vem de uma<br />
fagulha de inspiração. Depois,<br />
é claro, a paciência, os mínimos<br />
detalhes e o acabamento final,<br />
que demandam uma tarefa de<br />
muita dedicação, mas bastante<br />
prazerosa. É isso aí... Mas é<br />
claro que me sinto, aqui na<br />
minha ‘aldeia’, um músico<br />
amazônico-brasileiro, talvez<br />
com pretensões (veja só a ousadia)<br />
de ser universal.”<br />
Outra surpresa. A pedido<br />
da soprano Carla Maffioletti,<br />
brasileira, que mora na Holanda<br />
e integra o corpo de cantores<br />
da Orquestra de André Rieu,<br />
compus peças para o Mandoline-Ensemble<br />
The Strings<br />
(onde ela toca violão), dirigido<br />
por Annemie Hermans,<br />
dedicando-lhe o chorinho<br />
Irurá (Quarteto de Bandolim,<br />
Bandola e Violões). Ela gostou<br />
da peça e vai gravá-la.<br />
Incentivado com a idéia,<br />
escrevi arranjos para violão<br />
(18, até agora), sobre músicas<br />
de meu avô José Agostinho da<br />
Fonseca, enquanto aguardo a<br />
realização de um projeto concebido<br />
pelo violonista Salomão<br />
Habib: a edição de uma coletânea<br />
de transcrições de minhas<br />
músicas para violão.<br />
Termino com o fecho da<br />
letra da ária, um acróstico:<br />
“E no acalanto que vem da<br />
canção/Nesta modinha que é<br />
ária também/Dou meu recado<br />
com muito fervor/O mistério<br />
da vida bem diz: faço tudo com<br />
amor”.