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Curso Intensivo de Pós-Graduação em Administração - ECG / TCE-RJ

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CURSO INTENSIVO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM<br />

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - CIPAD<br />

Marlos Luiz <strong>de</strong> Araújo Costa<br />

Rita <strong>de</strong> Cássia da Silva Branco<br />

EDUCAÇÃO PARA CIDADANIA E A CORTE DE CONTAS<br />

DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2007


EDUCAÇÃO PARA CIDADANIA E A CORTE DE CONTAS<br />

DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO<br />

por<br />

Marlos Luiz <strong>de</strong> Araújo Costa<br />

Rita <strong>de</strong> Cássia da Silva Branco<br />

Orientador: Vera Lúcia <strong>de</strong> Almeida Corrêa<br />

Trabalho <strong>de</strong> conclusão <strong>de</strong> curso apresentado ao<br />

<strong>Curso</strong> <strong>Intensivo</strong> <strong>de</strong> <strong>Pós</strong>-<strong>Graduação</strong> <strong>em</strong><br />

<strong>Administração</strong> Pública da Fundação Getúlio Vargas<br />

como requisito parcial para a obtenção do certificado<br />

do curso <strong>de</strong> pós-graduação, do Programa FGV<br />

Manag<strong>em</strong>ent.<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2007


Costa, Marlos Luiz <strong>de</strong> Araújo; Branco, Rita <strong>de</strong> Cássia da Silva.<br />

Educação para cidadania e a Corte <strong>de</strong> Contas do Estado do Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro . /<br />

Marlos Luiz <strong>de</strong> Araújo Costa. Rita <strong>de</strong> Cássia da Silva Branco.<br />

55 f., enc.<br />

Orientador: Vera Lúcia <strong>de</strong> Almeida Corrêa.<br />

Trabalho <strong>de</strong> conclusão <strong>de</strong> <strong>Curso</strong>. <strong>Curso</strong> <strong>Intensivo</strong> <strong>de</strong> <strong>Pós</strong>-<strong>Graduação</strong> <strong>em</strong><br />

<strong>Administração</strong> Pública. Fundação Getulio Vargas.<br />

1. História do Brasil. 2. Educação. 3. Cidadania. 4. Direitos Humanos. 5.<br />

Escola <strong>de</strong> Contas.


FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS<br />

PROGRAMA FGV MANAGEMENT<br />

<strong>Curso</strong> <strong>Intensivo</strong> <strong>de</strong> <strong>Pós</strong>-<strong>Graduação</strong> <strong>em</strong> <strong>Administração</strong> Pública<br />

O Trabalho <strong>de</strong> Conclusão <strong>de</strong> <strong>Curso</strong><br />

EDUCAÇÃO PARA CIDADANIA E A CORTE DE CONTAS DO<br />

ESTADO DO RIO DE JANEIRO,<br />

elaborado por Marlos Luiz <strong>de</strong> Araújo Costa e Rita <strong>de</strong> Cássia da Silva Branco<br />

e aprovado pela Coor<strong>de</strong>nação Acadêmica do <strong>Curso</strong> <strong>Intensivo</strong> <strong>de</strong> <strong>Pós</strong>-<strong>Graduação</strong><br />

<strong>em</strong> <strong>Administração</strong> Pública foi aceito como requisito parcial para a obtenção do<br />

certificado do curso <strong>de</strong> pós-graduação, do Programa FGV Manag<strong>em</strong>ent.<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro, ____/_____/2007<br />

___________________________________________<br />

Prof. Armando dos Santos Cunha<br />

Coor<strong>de</strong>nador Acadêmico


Termo <strong>de</strong> Autenticida<strong>de</strong><br />

Os alunos Marlos Luiz <strong>de</strong> Araújo Costa e Rita <strong>de</strong> Cássia da Silva Branco,<br />

abaixo-assinados, do <strong>Curso</strong> <strong>Intensivo</strong> <strong>de</strong> <strong>Pós</strong>-<strong>Graduação</strong> <strong>em</strong> <strong>Administração</strong><br />

Pública, do Programa FGV Manag<strong>em</strong>ent, realizado no período <strong>de</strong> 07 <strong>de</strong> outubro<br />

<strong>de</strong> 2005 a 14 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2007, <strong>de</strong>claram que o conteúdo do trabalho <strong>de</strong><br />

conclusão <strong>de</strong> curso intitulado: EDUCAÇÃO PARA CIDADANIA E A<br />

CORTE DE CONTAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, é autêntico,<br />

original, e <strong>de</strong> sua autoria exclusiva.<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro, 14 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2007<br />

_____________________________<br />

_____________________________


A viag<strong>em</strong> não acaba nunca. Só os viajantes<br />

acabam.<br />

O fim <strong>de</strong> uma viag<strong>em</strong> é apenas o começo<br />

doutra.<br />

É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez<br />

o que já se viu, ver na primavera o que se via<br />

no verão.<br />

Ver <strong>de</strong> dia o que se viu <strong>de</strong> noite, ver com sol<br />

on<strong>de</strong> primeiramente a chuva caíra.<br />

Ver a seara ver<strong>de</strong>, o fruto maduro, a pedra que<br />

mudou <strong>de</strong> lugar, a sombra que aqui não estava.<br />

É preciso voltar aos passos que foram dados,<br />

para repetir, e para traçar caminhos novos ao<br />

lado <strong>de</strong>les. É preciso recomeçar a viag<strong>em</strong><br />

s<strong>em</strong>pre.<br />

Saramago,1990


SUMÁRIO<br />

1. INTRODUÇÃO...................................................................................................................6<br />

2. CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA NO BRASIL – BREVE HISTÓRICO..................9<br />

2.1. Período colonial............................................................................................................9<br />

2.2. Do Brasil Império a Primeira República (1822 a 1930)........................................10<br />

2.3. A Era Vargas (1930 a 1945)......................................................................................15<br />

2.4. O Período D<strong>em</strong>ocrático (1945 a 1964)......................................................................19<br />

2.5. O Governo militar (1964-1985).................................................................................22<br />

2.6. .A cidadania após a re<strong>de</strong>mocratização.....................................................................25<br />

3. EDUCAÇÃO COMO PRÁTICA DA LIBERDADE.....................................................28<br />

3.1. Paulo Freire................................................................................................................28<br />

3.2. D<strong>em</strong>erval Saviani.......................................................................................................30<br />

4. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS................................................................................37<br />

4.1. A formação do conceito <strong>de</strong> pessoa............................................................................37<br />

4.2. As etapas históricas na afirmação dos Direitos Humanos.....................................40<br />

4.3. A evolução dos Direitos Humanos no Brasil...........................................................43<br />

5. TRANSFORMAÇÕES RECENTES DO ESTADO BRASILEIRO.............................46<br />

6. O TRIBUNAL DE CONTAS E A INOVAÇÃO..............................................................49<br />

7. CONCLUSÃO...................................................................................................................52<br />

BIBLIOGRAFIA.....................................................................................................................54


1 INTRODUÇÃO<br />

Proclamada <strong>em</strong> 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é consi<strong>de</strong>rada o marco<br />

inicial para todo o mundo da promoção dos princípios da dignida<strong>de</strong> humana. A <strong>de</strong>claração, e<br />

posteriormente os tratados, as conferências e pactos, instituíram entre as nações um sist<strong>em</strong>a<br />

complexo <strong>de</strong> proteção e vigilância aos direitos humanos. Mas, apesar <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s avanços<br />

alcançados até hoje os direitos fundamentais ainda encontram-se <strong>de</strong>sprotegidos.<br />

A pobreza generalizada, a exclusão sócio-econômica, as guerras civis, os massacres e a fome<br />

entre outras mazelas tomam dimensões preocupantes principalmente <strong>em</strong> países como o Brasil.<br />

As assimetrias sociais, na qual está mergulhada a socieda<strong>de</strong> brasileira, a cada dia tornam-se<br />

mais evi<strong>de</strong>ntes, as políticas públicas não aten<strong>de</strong>m satisfatoriamente as <strong>de</strong>mandas da<br />

população. Diante <strong>de</strong> tal cenário, o exercício da cidadania fica comprometido.<br />

Sabe-se que qu<strong>em</strong> faz um Estado é o povo, e por isso não é apenas o Estado que garante a<br />

cidadania, mas principalmente o cidadão consciente dos seus direitos e <strong>de</strong>veres que faz com<br />

que o Estado fique a serviço da cidadania.<br />

Para que isto ocorra, o processo educativo torna-se indispensável na formação do brasileiro,<br />

uma vez que a educação - para a cidadania – t<strong>em</strong> como pressuposto promover o pleno<br />

<strong>de</strong>senvolvimento das potencialida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conhecimento, <strong>de</strong> julgamento e <strong>de</strong> escolha do<br />

educando <strong>de</strong> forma que possa viver <strong>de</strong> forma consciente <strong>em</strong> socieda<strong>de</strong>.<br />

Todos os países que resolveram ou minimizaram seus probl<strong>em</strong>as sociais como o alto índice <strong>de</strong><br />

criminalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> corrupção, <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s econômicas e sociais, etc., investiram <strong>em</strong><br />

educação. E <strong>em</strong>bora, com tantos alunos matriculados no primeiro segmento do ensino<br />

fundamental, o sist<strong>em</strong>a educacional brasileiro, e especificamente o fluminense, carece <strong>de</strong><br />

qualida<strong>de</strong>, pois é muito comum os alunos concluír<strong>em</strong> o ensino básico mal sabendo ler. Essa<br />

educação pública n<strong>em</strong> <strong>de</strong> longe aten<strong>de</strong> ao fim sublime da educação, que é transformar.<br />

Transformar crianças, jovens e adultos <strong>em</strong> cidadãos titulares dos três direitos que compõ<strong>em</strong> a<br />

cidadania: direitos civis, direitos políticos e direitos sociais.<br />

6


Assim e com o objetivo <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar que a educação para a construção da cidadania po<strong>de</strong>rá<br />

ser uma causa abraçada por quaisquer segmentos da socieda<strong>de</strong>, iniciamos o nosso trabalho<br />

com uma breve história do Brasil, enfocando os entraves que contribuíram para que os<br />

probl<strong>em</strong>as centrais <strong>de</strong> nosso país, como a violência urbana, o <strong>de</strong>s<strong>em</strong>prego, o analfabetismo, a<br />

má qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> educação, a oferta ina<strong>de</strong>quada dos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e saneamento, e as<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais e econômicas continu<strong>em</strong> s<strong>em</strong> solução.<br />

D<strong>em</strong>onstramos também que com o fim da ditadura militar <strong>em</strong> 1985, a palavra cidadania caiu<br />

na boca do povo, a Constituição <strong>de</strong> 1988 foi <strong>de</strong>nominada <strong>de</strong> Constituição Cidadã e<br />

acreditamos que também tivéramos conquistado a garantia <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> participação, <strong>de</strong><br />

segurança, <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, <strong>de</strong> <strong>em</strong>prego, <strong>de</strong> justiça social, quando na verda<strong>de</strong> somente a<br />

garantia <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> participação prosperaram.<br />

Traçamos uma linha evolutiva para mostrarmos que apesar <strong>de</strong> a idéia <strong>de</strong> uma igualda<strong>de</strong><br />

essencial entre todos os homens ter surgido no período <strong>de</strong>nominado <strong>de</strong> Axial (séculos VIII a<br />

II a C), foram necessários vinte e cinco séculos para que a primeira organização internacional<br />

englobasse quase a totalida<strong>de</strong> dos povos da terra e proclamasse, na abertura <strong>de</strong> uma<br />

Declaração Universal <strong>de</strong> Direitos Humanos, que todos os homens nasc<strong>em</strong> livres e iguais <strong>em</strong><br />

dignida<strong>de</strong> e direitos. Apontamos como as nossas constituições trataram da questão dos<br />

direitos humanos, <strong>de</strong>ntre os quais se encontra o direito à educação.<br />

Utilizamos a classificação <strong>de</strong> Marshall que <strong>de</strong>sdobrou a cidadania <strong>em</strong> direitos civis, políticos<br />

e sociais, sendo cidadão pleno aquele que é titular dos três direitos. Enfatizamos os direitos<br />

sociais por permitir<strong>em</strong> às socieda<strong>de</strong>s politicamente organizadas a redução dos excessos <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> produzidos pelo capitalismo, garantindo um mínimo <strong>de</strong> b<strong>em</strong> estar para todos. A<br />

idéia central <strong>em</strong> que se baseiam os direitos sociais é a da justiça social. Dentre os direitos<br />

sociais encontra-se o direito à educação, que t<strong>em</strong> sido historicamente um pré-requisito para a<br />

expansão dos outros direitos, pois, a ausência <strong>de</strong> uma população educada t<strong>em</strong> sido um dos<br />

principais obstáculos à construção da cidadania civil e política.<br />

Assim, e consi<strong>de</strong>rando a dinâmica da socieda<strong>de</strong>, que muda e exige mudança do Estado e <strong>de</strong><br />

suas instituições para aten<strong>de</strong>r o fim pela qual exist<strong>em</strong>, qual seja o b<strong>em</strong> comum, o Tribunal <strong>de</strong><br />

Contas do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, através <strong>de</strong> sua Escola <strong>de</strong> Contas, <strong>em</strong> uma função<br />

7


inovadora, transformar-se-á <strong>em</strong> um instrumento valioso na construção <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong><br />

cidadã, <strong>de</strong>senvolvendo metodologia para uma educação <strong>de</strong>mocrática e conscientizadora.<br />

Apontamos também as transformações recentes do papel do Estado e as exigências da<br />

socieda<strong>de</strong> brasileira mo<strong>de</strong>rna. Com base na Carta Magna <strong>de</strong> 1988, construímos um cenário<br />

para discutir a possibilida<strong>de</strong> da Corte <strong>de</strong> Contas <strong>de</strong> nosso estado, diante das novas exigências<br />

sociais, assumir a função <strong>de</strong> orientador educacional <strong>de</strong> políticas públicas fluminenses,<br />

voltadas para uma educação <strong>em</strong>ancipadora.<br />

Como o viés principal <strong>de</strong>ste trabalho é a educação para a cidadania, não po<strong>de</strong>ríamos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />

mencionar algumas teorias pedagógicas. Entretanto, e por não ser este trabalho um tratado<br />

sobre teorias educacionais, nos restringimos às teorias <strong>de</strong> Paulo Freire e <strong>de</strong> D<strong>em</strong>erval Saviani,<br />

pois esses dois brasileiros ao apresentar<strong>em</strong> alternativas <strong>de</strong> ensino cujo fim seria a libertação e<br />

construção <strong>de</strong> um novo indivíduo brasileiro capaz <strong>de</strong> tomar as ré<strong>de</strong>as <strong>de</strong> seu próprio <strong>de</strong>stino,<br />

transformando-se <strong>em</strong> cidadão pleno, contribuíram para a formação da concepção da educação<br />

como um ato político e transformador da realida<strong>de</strong> social.<br />

A educação para a cidadania reveste-se <strong>de</strong> extr<strong>em</strong>a importância por abordar uma questão<br />

fundamental para que possamos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ocupar o ranking <strong>de</strong> campeão das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s<br />

sociais, da criminalida<strong>de</strong>, da corrupção, etc., fazendo com que esta nação cumpra o seu papel<br />

no cenário mundial ao lado <strong>de</strong> nações que superaram seus probl<strong>em</strong>as internos.<br />

Por fim, gostaríamos <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar que os autores têm consciência das amarras históricas <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>r nas quais a socieda<strong>de</strong> brasileira e suas instituições estão presas. Mas, escolh<strong>em</strong>os ousar<br />

e <strong>de</strong>senvolver um trabalho que <strong>de</strong>monstre que sonhar por um país menos <strong>de</strong>sigual fruto do<br />

esforço <strong>de</strong> todos s<strong>em</strong>pre é possível, e que o sonho <strong>de</strong> hoje po<strong>de</strong>rá se tornar a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

amanhã, pois como disse Bernard Shaw: Imaginar é o princípio da criação. Nós imaginamos o<br />

que <strong>de</strong>sejamos, quer<strong>em</strong>os o que imaginamos e, finalmente, criamos aquilo que quer<strong>em</strong>os.<br />

8


2 CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA NO BRASIL – BREVE HISTÓRICO<br />

2.1 O período colonial<br />

O período <strong>de</strong> três séculos <strong>de</strong> colonização portuguesa não propiciou a formação <strong>de</strong> uma<br />

socieda<strong>de</strong> cidadã, pois a escravidão e a gran<strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> não constituíram ambiente<br />

favorável à formação <strong>de</strong> futuros cidadãos. Os escravos não tinham os direitos civis básicos à<br />

integrida<strong>de</strong> física, à liberda<strong>de</strong>, à própria vida. Entre os escravos e senhores existia uma<br />

população legalmente livre, mas a que faltavam quase todas as condições para o exercício dos<br />

direitos civis, sobretudo a educação. Por outro lado, não se po<strong>de</strong> dizer que os senhores foss<strong>em</strong><br />

cidadãos, pois apesar <strong>de</strong> ser<strong>em</strong> livres e ter<strong>em</strong> o direito <strong>de</strong> votar e ser<strong>em</strong> votados nas eleições<br />

municipais, faltava-lhes o sentido <strong>de</strong> cidadania, a noção <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos perante a lei.<br />

Eram simples potentados que absorviam parte das funções do Estado, sobretudo as funções<br />

judiciárias.<br />

Os direitos civis beneficiavam a poucos, os direitos políticos a pouquíssimos, dos direitos<br />

sociais ainda não se falava. A assistência social estava a cargo da Igreja e <strong>de</strong> particulares.<br />

Outro aspecto da administração colonial portuguesa que dificultava o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong><br />

uma consciência <strong>de</strong> direitos era o <strong>de</strong>scaso pela educação primária. “(...) <strong>em</strong> 1872, meio século<br />

após a in<strong>de</strong>pendência, apenas 16% da população era alfabetizada” (CARVALHO, 2004,<br />

p.23).<br />

Quanto à educação superior, <strong>em</strong> contraste com a Espanha, Portugal nunca permitiu a criação<br />

<strong>de</strong> universida<strong>de</strong>s <strong>em</strong> sua colônia. As escolas superiores só foram admitidas após a chegada da<br />

corte, <strong>em</strong> 1808. Os brasileiros que quisess<strong>em</strong>, e pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong>, ir para Universida<strong>de</strong> tinham que ir<br />

para Portugal, sobretudo a Coimbra.<br />

As características <strong>de</strong> nossa socieda<strong>de</strong> colonial teve como conseqüência uma “apatia” social<br />

sendo raras as manifestações cívicas durante aquele período. Excetuadas as revoltas escravas,<br />

das quais a mais importante foi a <strong>de</strong> Palmares, quase todas as outras foram conflitos entre<br />

setores dominantes ou reações <strong>de</strong> brasileiros contra o domínio colonial.<br />

9


Chegou-se ao fim do período colonial com um país dotado <strong>de</strong> unida<strong>de</strong> territorial, lingüística,<br />

cultural e religiosa formado por uma população analfabeta, uma socieda<strong>de</strong> escravocrata, uma<br />

economia monocultura e latifundiária e um Estado absolutista, on<strong>de</strong> a gran<strong>de</strong> maioria da<br />

população estava excluída dos direitos civis e políticos e não possuía um sentimento <strong>de</strong><br />

nacionalida<strong>de</strong>.<br />

2.2 Do Brasil Império a Primeira República (1822 a 1930)<br />

Com a in<strong>de</strong>pendência <strong>em</strong> 1822, não houve modificação do panorama brasileiro, pois <strong>de</strong> um<br />

lado a herança colonial era por <strong>de</strong>mais negativa e por outro, o processo <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência<br />

envolveu conflitos muito limitados. “A principal característica política brasileira foi a<br />

negociação entre a elite nacional, a coroa portuguesa e a Inglaterra, tendo como figura<br />

mediadora o príncipe D. Pedro” (CARVALHO, 2004, p.26). Essa negociação garantiu a<br />

manutenção da monarquia conservadora com a casa <strong>de</strong> Bragança e a continuida<strong>de</strong> do mo<strong>de</strong>lo<br />

social do período colonial.<br />

Com todo o seu liberalismo a Constituição outorgada <strong>de</strong> 1824, representou um avanço no que<br />

se refere aos direitos políticos ao esten<strong>de</strong>r o direito <strong>de</strong> voto à maioria da população masculina.<br />

Contudo, isso não representou um direito <strong>de</strong> cidadania, porque a maioria dos homens não<br />

tinha noção do que representava um governo representativo e o que significava escolher<br />

alguém como seu representante político.<br />

Na prática, a extensão do voto se traduziu numa disputa acirrada entre o domínio político<br />

local, pois per<strong>de</strong>r as eleições significava per<strong>de</strong>r prestígio social e po<strong>de</strong>r sobre os cargos<br />

públicos, como <strong>de</strong>legados e juizes. Assim, para garantir a manutenção do po<strong>de</strong>r local, as<br />

eleições tornaram-se espetáculos tumultuados, violentos <strong>em</strong> que se acabava ganhando<br />

literalmente no grito.<br />

A total <strong>de</strong>sorganização e incapacida<strong>de</strong> do governo <strong>em</strong> organizar as eleições favoreceu a<br />

criação <strong>de</strong> figuras especializadas <strong>em</strong> burlá-las. Po<strong>de</strong>mos citar os cabalistas (cuja função era<br />

alistar o maior número possível <strong>de</strong> votantes), os fósforos (pessoa que se passava pelo<br />

verda<strong>de</strong>iro votante) e o capanga eleitoral (cuidava da parte mais truculenta do processo).<br />

Ainda existiam a eleição “a bico <strong>de</strong> pena”, que se dava através <strong>de</strong> um preenchimento <strong>de</strong> ata,<br />

mesmo quando não aparecia nenhum eleitor.<br />

10


Nessas circunstâncias, o voto não representava o direito <strong>de</strong> participar da vida política do país<br />

era um ato <strong>de</strong> obediência forçada ao po<strong>de</strong>r local. E à medida que os votantes enten<strong>de</strong>ram a<br />

importância que o voto tinha para os políticos locais, transformaram-no <strong>em</strong> uma mercadoria a<br />

ser vendida pelo melhor preço. O encarecimento do voto e a frau<strong>de</strong> generalizada levaram à<br />

uma crescente campanha pelo voto direto com o estabelecimento <strong>de</strong> uma renda limitadora e<br />

pela proibição <strong>de</strong> voto aos analfabetos.<br />

Em 1831 o Brasil caminhou para trás per<strong>de</strong>ndo a vantag<strong>em</strong> que adquirira com a Constituição<br />

<strong>de</strong> 1824, pois a Câmara dos Deputados aprovou uma lei que, apesar <strong>de</strong> introduzir o voto<br />

direto e facultativo limitou-o ao excluir os analfabetos, visto que somente 20% da população<br />

masculina era alfabetizada, e passou a exigir uma renda <strong>de</strong> 200 mil réis.<br />

A Primeira República (1889-1930) não significou gran<strong>de</strong> mudança. A Constituição<br />

republicana <strong>de</strong> 1891, eliminou apenas a exigência <strong>de</strong> renda. A principal barreira ao voto, a<br />

exclusão dos analfabetos, foi mantida assim como também foi mantida a proibição <strong>de</strong> voto às<br />

mulheres, aos mendigos, aos soldados e aos m<strong>em</strong>bros das or<strong>de</strong>nações religiosas. Foi<br />

introduzida a fe<strong>de</strong>ração nos mol<strong>de</strong>s dos Estados Unidos, o que facilitou a formação <strong>de</strong> sólidas<br />

oligarquias estaduais que conseguiram envolver todos os mandões locais, bloqueando<br />

qualquer tentativa <strong>de</strong> oposição política.<br />

Nesse cenário, as práticas eleitorais fraudulentas foram aperfeiçoadas e os eleitores<br />

continuavam a ser coagidos, comprados, enganados ou simplesmente excluídos. Mas, apesar<br />

<strong>de</strong> todas as leis que restringiam o direto do voto e <strong>de</strong> todas as práticas que o <strong>de</strong>turpavam, não<br />

houve no Brasil, até 1930, movimentos populares exigindo maior participação eleitoral. A<br />

única exceção foi o movimento pelo voto f<strong>em</strong>inino, que acabou sendo introduzido após a<br />

revolução <strong>de</strong> 1930.<br />

A herança colonial pesou mais na área dos direitos civis. O novo país herdou a escravidão,<br />

que negava a condição humana do escravo, a gran<strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> rural, fechada à ação da lei,<br />

e um Estado comprometido com o po<strong>de</strong>r privado. Três <strong>em</strong>pecilhos ao exercício da cidadania<br />

civil.<br />

11


A escravidão era amplamente difundida no Brasil e os seus valores estavam tão enraizados <strong>em</strong><br />

toda a socieda<strong>de</strong> brasileira que até mesmos os escravos, <strong>em</strong>bora repudiass<strong>em</strong> a sua condição,<br />

quando libertos admitiam escravizar os outros. Dentro <strong>de</strong>sse panorama é importante l<strong>em</strong>brar a<br />

posição da Igreja Católica que <strong>de</strong>fendia a interpretação <strong>de</strong> que a Bíblia admitia a escravidão,<br />

pois o que se <strong>de</strong>veria evitar era escravidão da alma, causada pelo pecado, e não a do corpo. O<br />

máximo que os pensadores luso-brasileiros encontravam na Bíblia <strong>em</strong> favor dos escravos era<br />

a exortação <strong>de</strong> São Paulo aos senhores no sentido <strong>de</strong> tratá-los com justiça e eqüida<strong>de</strong>.<br />

A escravidão somente foi colocada seriamente <strong>em</strong> questão após o final da guerra contra o<br />

Paraguai, quando se mostrara perigosa para a <strong>de</strong>fesa nacional ao impedir a formação <strong>de</strong> um<br />

exército <strong>de</strong> cidadãos, o que enfraquecia a segurança interna. O principal argumento que se<br />

apresentava no Brasil <strong>em</strong> favor da abolição era, o que José Murilo <strong>de</strong> Carvalho <strong>de</strong>nominou <strong>de</strong><br />

“Razão Nacional”, utilizada por José Bonifácio e Joaquim Nabuco. Para eles a escravidão era<br />

um obstáculo à formação <strong>de</strong> uma verda<strong>de</strong>ira nação e <strong>de</strong> forças armadas po<strong>de</strong>rosas, na medida<br />

<strong>em</strong> que impedia a integração social e política do país, o <strong>de</strong>senvolvimento das classes sociais e<br />

do mercado <strong>de</strong> trabalho, causando o crescimento exagerado do Estado e do número dos<br />

funcionários públicos, falseando o governo representativo.<br />

Os valores <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> individual, base dos direitos civis, não tinham importância <strong>em</strong> nosso<br />

país, pois a <strong>de</strong>fesa pelo fim da escravidão não se fundamentava no iluminismo libertário, na<br />

ênfase nos direitos naturais, na liberda<strong>de</strong> individual. Estava pautada nos aspectos<br />

comunitários da vida religiosa e política. Insistia na supr<strong>em</strong>acia do todo sobre as partes, da<br />

cooperação sobre a competição e da hierarquia sobre a igualda<strong>de</strong>.<br />

Mas, a influência <strong>de</strong> um Estado absolutista, <strong>em</strong> Portugal, acrescida da influência da<br />

escravidão, no Brasil, <strong>de</strong>turpou essa visão comunitária da vida, resultando <strong>em</strong> apelos, quase<br />

s<strong>em</strong>pre ignorados, <strong>em</strong> favor <strong>de</strong> um tratamento benevolente dos súditos e dos escravos. O<br />

melhor que se podia obter nessas circunstâncias era o paternalismo do governo e dos<br />

senhores, que podia minorar sofrimentos, mas nunca construir uma autêntica comunida<strong>de</strong> e<br />

muito menos uma cidadania ativa.<br />

Isso se refletiu no tratamento dado aos ex-escravos após a abolição. Aos libertos não foram<br />

dadas n<strong>em</strong> escolas, n<strong>em</strong> terras, n<strong>em</strong> <strong>em</strong>prego. Passada a euforia da libertação, muitos<br />

regressaram a sua fazenda para retomar o trabalho por baixos salários. Outros se dirigiram às<br />

12


cida<strong>de</strong>s, como Rio <strong>de</strong> Janeiro, on<strong>de</strong> foram engrossar a gran<strong>de</strong> parcela da população s<strong>em</strong><br />

<strong>em</strong>prego fixo. On<strong>de</strong> havia dinamismo econômico causado pela expansão do café, como São<br />

Paulo, os <strong>em</strong>pregos foram ocupados pelos imigrantes italianos. Lá os ex-escravos foram<br />

expulsos ou relegados aos trabalhos mais brutos e mais mal pagos.<br />

As conseqüências foram duradouras para a população negra. Ela teve que enfrentar sozinha o<br />

<strong>de</strong>safio da ascensão social, e freqüent<strong>em</strong>ente precisou fazê-lo por rotas originais, como o<br />

futebol, o samba e o carnaval. Mas a escravidão não afetou somente o escavo, que não<br />

<strong>de</strong>senvolveu a consciência <strong>de</strong> seus direitos civis. Afetou também o senhor que não admitia os<br />

direitos civis dos escravos e exigia privilégios para si próprio.<br />

O outro gran<strong>de</strong> obstáculo à expansão da cidadania foi a gran<strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> rural. Até 1930, o<br />

Brasil era um país predominant<strong>em</strong>ente agrícola. Sua economia estava baseada na exportação<br />

<strong>de</strong> café, <strong>de</strong> açúcar e <strong>de</strong> algodão. Na socieda<strong>de</strong> rural, dominavam os gran<strong>de</strong>s proprietários que<br />

antes <strong>de</strong> 1888, eram também, na gran<strong>de</strong> maioria, proprietários <strong>de</strong> escravos. Eram eles e os<br />

comerciantes urbanos que sustentavam a política do coronelismo. E foi <strong>em</strong> São Paulo e Minas<br />

Gerais que esse sist<strong>em</strong>a político atingiu a perfeição e contribuiu para o domínio que os dois<br />

estados exerceram sobre a fe<strong>de</strong>ração na primeira República.<br />

O coronelismo impedia a participação política porque negava os direitos civis. Nas fazendas<br />

imperava a lei do coronel, seus trabalhadores e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes não eram cidadãos do Estado<br />

brasileiro eram seus súditos. Nesse sist<strong>em</strong>a político <strong>em</strong> que o coronel controlava os cargos <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>legado, <strong>de</strong> juizes, <strong>de</strong> coletor <strong>de</strong> impostos, etc., a justiça e a polícia estavam postas a serviço<br />

do po<strong>de</strong>r privado. E a justiça privada ou controlada por agentes privados é a negação da<br />

justiça. Seus amigos e aliados eram protegidos, seus inimigos eram perseguidos ou ficavam<br />

simplesmente sujeitos aos rigores da lei. E daí que v<strong>em</strong> o jargão popular: para os amigos tudo,<br />

para os inimigos a lei.<br />

Isso <strong>de</strong>monstra que a lei que <strong>de</strong>via ser a garantia <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos, acima do arbítrio do<br />

governo e do po<strong>de</strong>r privado tornava-se apenas instrumento <strong>de</strong> castigo, arma contra os<br />

inimigos, algo a ser usado <strong>em</strong> benefício próprio. Nessas circunstâncias não po<strong>de</strong>ria haver<br />

cidadãos políticos. Mesmo que lhes fosse permitido votar, eles não teriam as condições<br />

necessárias para o exercício in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do direito político.<br />

13


A assistência social era exercida pelas irmanda<strong>de</strong>s religiosas, socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> auxílio mútuo e<br />

as santas casas <strong>de</strong> misericórdia. O governo pouco cogitava <strong>de</strong> legislação trabalhista e <strong>de</strong><br />

proteção ao trabalhador. Houve até retrocesso na legislação. A constituição republicana <strong>de</strong><br />

1891 retirou do estado a obrigação <strong>de</strong> fornecer educação primária, constante da constituição<br />

<strong>de</strong> 1824, e proibia ao governo fe<strong>de</strong>ral interferir na regulamentação do trabalho. Tal<br />

interferência era consi<strong>de</strong>rada violação da liberda<strong>de</strong> do exercício profissional.<br />

Somente <strong>em</strong> 1926, quando a constituição sofreu sua primeira reforma, é que o governo fe<strong>de</strong>ral<br />

foi autorizado a legislar sobre o trabalho. Mas, fora o Código <strong>de</strong> Menores <strong>de</strong> 1927, nada foi<br />

feito até 1930. Durante a primeira república, a presença do governo nas relações entre patrões<br />

e <strong>em</strong>pregados era questão <strong>de</strong> polícia. No campo <strong>de</strong> legislação social, apenas algumas tímidas<br />

medidas foram adotadas, a maioria <strong>de</strong>las após a assinatura pelo Brasil do tratado <strong>de</strong> Versalhes<br />

(1919) e do ingresso do país na Organização Internacional do Trabalho (OIT).<br />

O que houve <strong>de</strong> mais importante nesse período foi a criação <strong>de</strong> uma Caixa <strong>de</strong> aposentadoria e<br />

pensão para os ferroviários <strong>em</strong> 1923. Logo, o sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> caixas expandiu-se para outras<br />

<strong>em</strong>presas sendo o germe da legislação social da década seguinte. As poucas medidas tomadas<br />

restringiam-se ao meio urbano. No campo a pequena assistência social que existia era<br />

exercida pelos coronéis. Os gran<strong>de</strong>s proprietário eram o único recurso dos trabalhadores<br />

quando se tratava <strong>de</strong> comprar r<strong>em</strong>édios, <strong>de</strong> chamar um médico, <strong>de</strong> ser levado a um hospital e<br />

<strong>de</strong> ser enterrado.<br />

A dominação exercida pelos coronéis incluía esses aspectos paternalistas que lhe davam<br />

alguma legitimida<strong>de</strong>. Em troca do trabalho e da lealda<strong>de</strong> o trabalhador recebia proteção contra<br />

a polícia e assistência <strong>em</strong> momentos <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>. Esses lados das relações mascaravam a<br />

exploração do trabalhador e ajuda a explicar a durabilida<strong>de</strong> dos po<strong>de</strong>r dos coronéis.<br />

A urbanização evoluiu lentamente concentrando-se <strong>em</strong> algumas capitais, principalmente do<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro e São Paulo. Em 1920 havia no Brasil 275.512 operários industriais urbanos, e<br />

<strong>em</strong>bora esse número fosse pequeno, representava alguma diversida<strong>de</strong> social e política. No<br />

Rio, a industrialização era mais antiga e o operariado, mais nacional formada por portugueses<br />

e negros, inclusive ex-escravos. Em São Paulo a maioria era composta por italianos e<br />

espanhóis.<br />

14


Surgiram movimentos operários, influenciados, <strong>em</strong> sua maioria, pelo anarquismo trazido<br />

pelos imigrantes europeus. Enfrentaram repressões comandadas pelos patrões e pelo governo.<br />

Com a criação do PCdoB <strong>em</strong> 1922, formada por ex-anarquista, a influência anarquista<br />

<strong>de</strong>clinou e o movimento operário como um todo per<strong>de</strong>u força durante a década <strong>de</strong> 20, só<br />

vindo a ressurgir após 1930. Sob o ponto <strong>de</strong> vista da cidadania o movimento operário<br />

representou um avanço inegável, sobretudo no que se refere aos direitos civis. Lutava por<br />

direitos básicos, como o <strong>de</strong> organizar-se, <strong>de</strong> manifestar-se, <strong>de</strong> escolher o trabalho, e por uma<br />

legislação trabalhista e por direitos sociais.<br />

Os anarquistas rejeitavam qualquer relação com o Estado e com a política, o Congresso e até<br />

mesmo a idéia <strong>de</strong> pátria. O Estado para eles, não passava <strong>de</strong> um servidor da classe capitalista,<br />

o mesmo se dando com os partidos políticos, as eleições e até mesmo a idéia <strong>de</strong> pátria. Assim<br />

é que os poucos direitos políticos civis conquistados não pu<strong>de</strong>ram ser postos a serviços dos<br />

direitos políticos.<br />

Ao final da colônia, antes da chegada da corte portuguesa, não havia pátria brasileira, e a<br />

colônia portuguesa estava preparada para o mesmo <strong>de</strong>stino da colônia espanhola: fragmenta-<br />

se <strong>em</strong> vários países distintos. Não havia sentimento <strong>de</strong> pátria comum entre os habitantes da<br />

colônia. A i<strong>de</strong>ntificação <strong>em</strong>otiva era com a província, o Brasil era apenas uma construção<br />

política, um ato <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> movido pela mente e não pelo coração.<br />

Foram as lutas contra inimigos estrangeiros que criaram alguma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. O principal<br />

acontecimento que contribui para a formação da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> brasileira foi a guerra contra o<br />

Paraguai, que envolveu gran<strong>de</strong>s parcelas da população. Mas até 1930, não havia povo<br />

organizado politicamente n<strong>em</strong> sentimento nacional consolidado. O povo não tinha lugar no<br />

sist<strong>em</strong>a político, seja no Império, seja na República. O Brasil era ainda para ela uma realida<strong>de</strong><br />

abstrata. E aos gran<strong>de</strong>s acontecimentos políticos nacionais ele não participava, assistia.<br />

2.3 A Era Vargas (1930 – 1964)<br />

Em 3 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1930, o presi<strong>de</strong>nte da república Washington Luís foi <strong>de</strong>posto por um<br />

movimento armado dirigido por civis e militares <strong>de</strong> três estados da fe<strong>de</strong>ração, Minas Gerias,<br />

Rio Gran<strong>de</strong> do Sul e Paraíba, pondo fim à Primeira República.<br />

15


Entre 1930 e 1937, o Brasil viveu uma fase <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> agitação política. O movimento que<br />

levou ao fim da primeira República era heterogêneo do ponto <strong>de</strong> vista social e i<strong>de</strong>ológico. Os<br />

dois blocos principais eram as dissidências oligárquicas, que queriam ajustes na situação<br />

anterior e os jovens militares civis que queriam reformas mais profundas que feriam os<br />

interesses das oligarquias . A principal era a reforma agrária.<br />

Do lado oposto, as velhas oligarquias, sobretudo a <strong>de</strong> São Paulo que procuravam bloquear as<br />

reformas. O receio dos proprietários aumentou <strong>de</strong>pois da a<strong>de</strong>são do capitão Luís Carlos<br />

Prestes ao Partido Comunista <strong>em</strong> fins <strong>de</strong> 1930, que passou a pregar uma revolução segundo o<br />

mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> 1917, feita pela aliança entre operários, camponeses e soldados. Isso era anát<strong>em</strong>a<br />

para as oligarquias e também para alguns segmentos conservadores do país que começaram<br />

difundir a idéia <strong>de</strong> que o exército era um perigo não à or<strong>de</strong>m atual, mas às próprias<br />

instituições basilares do organismo nacional.<br />

O prolongamento do governo revolucionário provocou também o crescimento da<br />

oposição, sobretudo <strong>em</strong> São Paulo, on<strong>de</strong> as elites se reuniram para pedir o fim da intervenção<br />

fe<strong>de</strong>ral no estado e a volta do país ao regime constitucionalista. Em 1932, a elite paulista<br />

revolta-se contra o governo fe<strong>de</strong>ral, na chamada Revolução Constitucionalista. Pediram o fim<br />

do governo ditatorial e a convocação <strong>de</strong> eleição para escolher uma ass<strong>em</strong>bléia constituinte.<br />

Sua causa era aparent<strong>em</strong>ente inatacável: a restauração da legalida<strong>de</strong>, do governo<br />

constitucional. Mas seu espírito era conservador: buscava-se frear as reformas, <strong>de</strong>ter o<br />

tenentismo e restabelecer o controle do governo fe<strong>de</strong>ral pelos estados.<br />

Apesar <strong>de</strong> seu conteúdo conservador, a revolta paulista foi uma <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> entusiasmo<br />

cívico, pois houve mobilização geral. Não favoreceu a formação da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> brasileira, mas<br />

revelou e reforçou um forte sentimento <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> paulista. Apesar <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r a guerra, os<br />

paulistas ganharam no campo das eleições, foi convocada eleição para ass<strong>em</strong>bléia<br />

constituinte, <strong>em</strong>1933, foi introduzido o voto secreto e criada uma justiça eleitoral, as mulheres<br />

ganharam o direito ao voto e foi introduzida a representação classista (os <strong>de</strong>putados eram<br />

escolhidos pelos sindicatos) <strong>em</strong> uma tentativa <strong>de</strong> reduzir a influência das oligarquias estaduais<br />

no congresso nacional.<br />

A constituinte confirmou Getúlio Vargas na presidência e elaborou uma constituição inspirada<br />

na <strong>de</strong> Weimar, <strong>de</strong> conteúdo liberal. Entretanto, os reformistas autoritários viam no<br />

16


liberalismo uma simples estratégia par evitar as mudanças e preservar o domínio oligárquico.<br />

Após a constitucionalização do país, a luta política recru<strong>de</strong>sceu. Formaram-se dois gran<strong>de</strong>s<br />

movimentos políticos: um à esquerda, Aliança Nacional Libertadora (ANL) li<strong>de</strong>rada por Luís<br />

Carlos Prestes, sob orientação da Terceira Internacional; outra à direita, Ação Integralista<br />

Brasileira (AIB) <strong>de</strong> orientação fascista, dirigida por Plínio Salgado.<br />

Os partidários da ANL e da AIB divergiam i<strong>de</strong>ologicamente <strong>em</strong> vários pontos mas se<br />

ass<strong>em</strong>elhavam quando mobilizavam a massa, pregavam o fortalecimento do governo central,<br />

<strong>de</strong>fendiam um estado intervencionista, <strong>de</strong>sprezavam o liberalismo, propunham reformas<br />

econômicas e sociais. Eram movimentos que atraíam setores da classe média industrial<br />

urbana, que eram os que se sentiam mais prejudicados pelo domínio oligárquico.<br />

Sob a influência do Partido Comunista, a ANL, <strong>de</strong>cidiu radicalizar sua posição promovendo<br />

uma revolução popular. S<strong>em</strong> apoio popular o governo não teve dificulda<strong>de</strong>s <strong>em</strong> reprimi-la, e<br />

a aproveitou a situação para expulsar do exército os el<strong>em</strong>entos mais radicais e para exagerar o<br />

perigo <strong>de</strong> uma revolta no país. A luta contra o comunismo serviu ainda ao governo para<br />

preparar o fim do curto experimento constitucional inaugurado <strong>em</strong> 1934.<br />

Com o apoio dos generais Góis Monteiro e Gaspar Dutra, que acreditavam que o papel do<br />

exército seria tutelar o governo e a nação, através <strong>de</strong> um projeto que incluísse propostas <strong>de</strong><br />

transformações econômicas e sociais <strong>de</strong>ntro dos limites da or<strong>de</strong>m, Vargas, <strong>em</strong> 1937 pôs fim<br />

ao regime constitucional.<br />

O golpe <strong>de</strong> 1937 e o estabelecimento do Estado Novo, cuja ban<strong>de</strong>ira era a luta contra o<br />

comunismo e a postura nacionalista e industrializante do governo, teve o apoio entusiasta do<br />

integralismo. Esse nacionalismo econômico só cresceu com o passar do t<strong>em</strong>po <strong>de</strong>vido à luta<br />

<strong>de</strong> Vargas pelo estabelecimento <strong>de</strong> uma si<strong>de</strong>rurgia nacional e pelo monopólio estatal da<br />

extração e refino <strong>de</strong> petróleo.<br />

Assim, as transformações econômicas pelas quais passaram o país a partir <strong>de</strong> 1930, explicam<br />

a pequena resistência ao Estado Novo. E a aceitação do golpe indica que os avanços<br />

<strong>de</strong>mocráticos posteriores a 1930 ainda eram frágeis. A oposição só ganhou forças por efeito<br />

das mudanças externas trazidas com o final da Segunda Guerra Mundial.<br />

17


De 1929 a 1945 o país viveu sob o regime ditatorial civil, garantido pelas forças armadas, <strong>em</strong><br />

que as manifestações políticas eram proibidas, o governo legislava por <strong>de</strong>creto, a censura<br />

controlava a imprensa, os cárceres se enchiam <strong>de</strong> inimigos do regime. Mas, se os direitos<br />

políticos foram limitados e sujeitos a vários recuos, o mesmo não aconteceu com os direitos<br />

sociais. Vasta legislação trabalhista foi promulgada, culminando na Consolidação das Leis<br />

Trabalhistas (CLT). Na área da previdência social o avanço foi notável, a partir <strong>de</strong> 1933<br />

criaram-se os institutos <strong>de</strong> aposentadorias e pensões para as diversas categorias trabalhistas,<br />

com a contínua ampliação da re<strong>de</strong> <strong>de</strong> beneficiados, esten<strong>de</strong>ndo a previdência social a quase<br />

todos os trabalhadores urbanos.<br />

Um dos aspectos do autoritarismo estado-novista, que rejeitava o conflito social, revelou-se<br />

no esforço <strong>de</strong> organizar patrões e operários, através da sindicalização obrigatória, controlada<br />

pelo governo. Só os sindicalizados gozavam <strong>de</strong> proteção do Estado contra os <strong>em</strong>presários, e<br />

somente eles podiam beneficiar-se da legislação previ<strong>de</strong>nciária. Desta forma, os operários<br />

viviam um dil<strong>em</strong>a: liberda<strong>de</strong> s<strong>em</strong> proteção ou proteção s<strong>em</strong> liberda<strong>de</strong>.<br />

Entretanto, essa legislação previ<strong>de</strong>nciária, que excluía categorias importantes <strong>de</strong><br />

trabalhadores, como os rurais, que ainda eram a maioria, revela uma concepção política social<br />

como privilégio e não como direito, na medida <strong>em</strong> que favorecia <strong>de</strong> modo particular aqueles<br />

que se enquadravam na esfera sindical corporativa montada pelo Estado. Essa política social,<br />

se traduzia <strong>em</strong> uma cidadania limitada, pois, se se protegia com legislação trabalhista,<br />

constrangia-se com a legislação sindical.<br />

O período <strong>de</strong> 1930 a 1945 foi a era dos direitos sociais. Nele foi implantado o grosso da<br />

legislação previ<strong>de</strong>nciária e trabalhista, foi a era do avanço sindical. Mas essa legislação<br />

introduzida <strong>em</strong> ambiente <strong>de</strong> baixa participação política e <strong>de</strong> precária vigência <strong>de</strong> direitos civis,<br />

tornaram duvidosa sua <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> conquista <strong>de</strong>mocrática e comprometeram <strong>em</strong> parte sua<br />

contribuição para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma cidadania ativa e reivindicadora. Nesse contexto,<br />

os direitos sociais eram vistos como um favor do governo <strong>em</strong> troca do qual <strong>de</strong>viam gratidão e<br />

lealda<strong>de</strong>. E a cidadania que resultou foi passiva e receptora.<br />

18


2.4 O Período D<strong>em</strong>ocrático (1945- 1964)<br />

Após a <strong>de</strong>rrubada <strong>de</strong> Vargas é eleito presi<strong>de</strong>nte do Brasil o general Eurico Gaspar Dutra. A<br />

Constituição <strong>de</strong> 1946 manteve as conquistas sociais do período anterior e garantiu os<br />

tradicionais direitos civis e políticos. A influência <strong>de</strong> Vargas marcou todo o período, que<br />

acabou sendo eleito pelo voto popular <strong>em</strong> 1950. Seu segundo governo foi marcado por<br />

radicalização populista e nacionalista, que contava com apoio dos trabalhadores, <strong>de</strong> sua<br />

máquina sindical, do Exército, do <strong>em</strong>presariado nacionalista, da intelectualida<strong>de</strong> e do PTB.<br />

A oposição vinha dos liberais agrupados na União D<strong>em</strong>ocrática Nacional (UDN), dos<br />

militares anticomunistas, do <strong>em</strong>presariado brasileiro ligado ao capital internacional e do<br />

próprio capital internacional, representado pelas gran<strong>de</strong>s multinacionais do petróleo.<br />

Petróleo, política sindical e trabalhadores foram as causas dos principais enfrentamentos<br />

políticos que resultaram na conspiração da oposição para <strong>de</strong>rrubar o presi<strong>de</strong>nte, exigindo a<br />

sua renúncia. Entretanto, Vargas preferiu se matar. A reação popular foi imediata e mostrou<br />

que mesmo na morte o prestígio do ex-presi<strong>de</strong>nte mantinha-se intacto, Vargas tornara-se um<br />

herói popular <strong>de</strong>vido a sua política trabalhista.<br />

Após a morte <strong>de</strong> Vargas, seguiram-se golpes e contragolpes para garantir ou impedir a posse<br />

<strong>de</strong> Juscelino Kubitschek. Apesar da oposição civil e <strong>de</strong> revoltas militares, a habilida<strong>de</strong> do<br />

novo presi<strong>de</strong>nte permitiu-lhe dirigir o governo mais dinâmico e <strong>de</strong>mocrático da história<br />

republicana. O Estado investia <strong>em</strong> obras <strong>de</strong> infra-estrutura e procurou atrair capital privado<br />

nacional e estrangeiro para promover a industrialização do país.<br />

Os conflitos do último governo <strong>de</strong> Vargas não tinham <strong>de</strong>saparecidos, mas eram amortecidos<br />

pelas altas taxas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento econômico, que girava <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> 10% ao ano, que<br />

distribuíam benefícios a todos, operários e patrões, industriais nacionais e estrangeiros. O<br />

salário mínimo real atingiu seus índices mais altos. Apesar <strong>de</strong> tudo, os trabalhadores rurais<br />

permaneceram <strong>de</strong> fora da legislação trabalhista e sindical.<br />

O governo <strong>de</strong> Kubitschek se traduziu <strong>em</strong> uma política <strong>de</strong> conciliação <strong>de</strong> interesses, e mesmo<br />

ao final do período, quando começaram a surgir sinais <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s, Juscelino encerrou o<br />

seu mandato <strong>em</strong> paz, elegendo o seu sucessor Jânio Quadros, <strong>em</strong> 1960. Seu governo foi curto.<br />

19


Tomou posse <strong>em</strong> janeiro <strong>de</strong> 1961 e renunciou <strong>em</strong> agosto do mesmo ano. Como os ministros<br />

militares não aceitaram a posse <strong>de</strong> seu vice-presi<strong>de</strong>nte (João Goulart), instalou-se uma crise<br />

política, renovando a disputa que dividia políticos e militares, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o governo <strong>de</strong> Vargas.<br />

Por <strong>de</strong>z dias, o país se viu à beira da guerra civil. A solução encontrada pelo Congresso foi<br />

adotar o sist<strong>em</strong>a parlamentarista, que retirava do presi<strong>de</strong>nte gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong> seus po<strong>de</strong>res. Mas<br />

Goulart e as forças que o apoiava buscaram reverter a situação e restaurar o presi<strong>de</strong>ncialismo.<br />

Devido a pressões políticas, o Congresso marcou um plebiscito que <strong>em</strong> 1963 <strong>de</strong>cidiu a favor<br />

do presi<strong>de</strong>ncialismo. Jango assumiu os plenos po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> um presi<strong>de</strong>nte.<br />

A partir <strong>de</strong> então, a luta política rapidamente se radicalizou <strong>em</strong> uma oposição entre esquerda e<br />

direita. As direitas, civil e militar, começaram a se organizar e a se preparar para o confronto.<br />

O bordão do anticomunismo foi usado intensamente. Planos para <strong>de</strong>rrubar o presi<strong>de</strong>nte<br />

começaram a ser traçados, contando com a simpatia do governo norte-americano.<br />

Do lado da esquerda a unida<strong>de</strong> era frágil, o que levou à ausência <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> combativa,<br />

entretanto alguns segmentos se fizeram presentes, como os sindicatos, cuja cúpula estava sob<br />

o comando <strong>de</strong> alguns m<strong>em</strong>bros do Partido Comunista. Surg<strong>em</strong> também organizações<br />

nacionais unificadas <strong>de</strong> trabalhadores, como o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) e o<br />

Pacto <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong> e Ação (PUA). Nesse período a União Nacional dos Estudantes (UNE)<br />

adquire gran<strong>de</strong> dinamismo e influência.<br />

Surgiram ameaças <strong>de</strong> greve <strong>em</strong> favor das reformas <strong>de</strong> base (compreendia reforma agrária,<br />

bancária, educacional e política), do movimento dos sargentos e contra o estado <strong>de</strong> sítio.<br />

Leonel Brizola, do PDT, organizou <strong>em</strong> grupo paramilitar, preparado para agir à marg<strong>em</strong> dos<br />

mecanismos legais. No Congresso, formou-se uma Frente Parlamentar Nacionalista. Surg<strong>em</strong> o<br />

Partido Comunista do Brasil (P C do B) e o Partido da Política Operária. (POLOP).<br />

A mobilização política atingiu também a Igreja Católica, que passou a investir no movimento<br />

estudantil, no movimento operário e na educação <strong>de</strong> base. A gran<strong>de</strong> novida<strong>de</strong>, no entanto,<br />

veio do campo. Os trabalhadores rurais, posseiros e pequenos proprietários entraram na<br />

política com voz própria. O movimento começou no Nor<strong>de</strong>ste <strong>em</strong> 1955, sob o nome <strong>de</strong> Liga<br />

Camponesa. Ganhou notorieda<strong>de</strong> com a a<strong>de</strong>são <strong>de</strong> Francisco Julião, que <strong>em</strong> 1960 foi a Cuba.<br />

20


A partir daí, a política da Liga se radicalizou e o movimento passou a contar com o apoio<br />

financeiro <strong>de</strong> Cuba.<br />

Essa aproximação assustou os proprietários <strong>de</strong> terras, cuja reação se tornou mais violenta. Os<br />

Estados Unidos da América também se inquietaram e começaram a dirigir para o Nor<strong>de</strong>ste<br />

pessoal e recurso da Aliança para o Progresso. Na tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>smobilizar os trabalhadores<br />

do campo, <strong>em</strong> 1953, o governo promulgou o Estatuto do Trabalhador Rural, que pela primeira<br />

vez, estendia ao campo a legislação sindical e social.<br />

O sindicalismo rural, acoplado a um movimento nacional <strong>de</strong> esquerda, que reclamava<br />

mudanças estruturais, inclusive reforma agrária, parecia ameaça real. Muitos fazen<strong>de</strong>iros se<br />

prepararam para a resistência armada, e <strong>em</strong> alguns pontos do país houve conflitos violentos<br />

envolvendo fazen<strong>de</strong>iros e trabalhadores rurais.<br />

Em 1963, sargentos da Marinha e Aeronáutica se rebelaram <strong>em</strong> Brasília, pren<strong>de</strong>ndo o<br />

Presi<strong>de</strong>nte da Câmara dos Deputados e um Ministro da Supr<strong>em</strong>a Corte. A gravida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

revolta cresceu quando a UNE a o CGT <strong>de</strong>ram apoio aos sargentos.<br />

João Goulart ce<strong>de</strong>u à força da esquerda e realizou comícios populares, com o objetivo <strong>de</strong><br />

pressionar o Congresso a aprovar a reforma <strong>de</strong> base. O primeiro aconteceu no Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

<strong>em</strong> 13 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1964. A oposição reage e também realiza comícios, sob o l<strong>em</strong>a: Marcha<br />

da família com Deus pela Liberda<strong>de</strong>. Diversas revoltas militares que se seguiram culminou<br />

com o golpe militar <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> março. As gran<strong>de</strong>s massas, <strong>em</strong> nome das quais falavam os<br />

lí<strong>de</strong>res da esquerda não apareceram para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r o governo. As que apareceram foram as da<br />

classe média para celebrar a queda do presi<strong>de</strong>nte.<br />

O período <strong>de</strong> 1930 a 1937 representou um primeiro ensaio <strong>de</strong> participação popular na política<br />

nacional. Após 1945, o ambiente internacional era novamente favorável à <strong>de</strong>mocracia<br />

representativa, e isto se refletiu na Constituição <strong>de</strong> 1946. A participação do povo na política<br />

cresceu significativamente, tanto pelo lado das eleições, como da ação política organizada <strong>em</strong><br />

partidos, sindicatos, ligas <strong>de</strong> camponeses e outras associações.<br />

As práticas eleitorais ainda estavam longe <strong>de</strong> perfeição. A frau<strong>de</strong> era facilitada por não haver<br />

cédula oficial para votar, e os coronéis mantinham várias práticas antigas <strong>de</strong> compra <strong>de</strong> voto e<br />

21


coerção <strong>de</strong> eleitores. Entretanto, fazia-se progresso <strong>em</strong> direção a uma eleição limpa. A rápida<br />

urbanização do país facilitava a mudança. O eleitor urbano era muito menos vulnerável ao<br />

aliciamento e à coerção. Mas, era vulnerável aos apelos populistas, e foi ele qu<strong>em</strong> <strong>de</strong>u vitória<br />

a Vargas <strong>em</strong> 1950, a Kubitschek <strong>em</strong> 1955 e a Goulart (como vice-presi<strong>de</strong>nte) <strong>em</strong> 1960.<br />

No populismo, o povo era massa <strong>de</strong> manobra <strong>em</strong> disputas entre grupos dominantes e baseava-<br />

se <strong>em</strong> apelos paternalistas ou carismáticos, não <strong>em</strong> coerção. A relação populista era dinâmica.<br />

A cada eleição fortaleciam-se os partidos populares e aumentava o grau <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência e<br />

discernimento dos eleitores. O progressivo amadurecimento <strong>de</strong>mocrático po<strong>de</strong> ser verificado<br />

na evolução partidária. Foi nesse período que surgiram partidos nacionais, <strong>de</strong> massa e com<br />

programas <strong>de</strong>finidos.<br />

Apesar do avanço da <strong>de</strong>mocracia ela foi a pique <strong>em</strong> 1964. Esse fato po<strong>de</strong> ser explicado por<br />

dois ângulos: primeiro, porque as elites, tanto da direita, quanto da esquerda, não tinham<br />

convicções <strong>de</strong>mocráticas e se envolveram <strong>em</strong> uma corrida pelo controle do governo que<br />

<strong>de</strong>ixava <strong>de</strong> lado a prática da <strong>de</strong>mocracia representativa, e segundo porque não havia<br />

organizações civis fortes e representativas que pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> refrear o curso da radicalização.<br />

O golpe <strong>de</strong> 1964, pôs a per<strong>de</strong>r o que se tinha conquistado <strong>em</strong> mobilização e aprendizado<br />

político. O país entrou <strong>em</strong> nova fase <strong>de</strong> supressão das liberda<strong>de</strong>s, <strong>em</strong> novo regime ditatorial,<br />

sob o controle direto dos militares.<br />

Os direitos sociais não evoluíram durante o período <strong>de</strong>mocrático, pois apesar da legislação<br />

previ<strong>de</strong>nciária e trabalhista, os trabalhadores rurais e autônomos e as <strong>em</strong>pregadas domésticas<br />

continuaram <strong>de</strong>samparados. S<strong>em</strong> nenhuma organização, os <strong>em</strong>pregados constituíam um<br />

gran<strong>de</strong> mercado informal <strong>de</strong> trabalho <strong>em</strong> que predominavam relações pessoais que l<strong>em</strong>bravam<br />

práticas escravistas.<br />

2.5 O governo militar (1964-1985)<br />

Derrubado Goulart, os políticos civis que tinham apoiado o golpe, sobretudo os da UDN,<br />

foram surpreendidos pela <strong>de</strong>cisão dos militares <strong>em</strong> assumir o po<strong>de</strong>r diretamente. O general<br />

Castelo Branco foi imposto a um Congresso já expurgado <strong>de</strong> muitos oposicionistas. Os<br />

22


direitos civis e políticos foram duramente atingidos pelas medidas <strong>de</strong> repressão. Os<br />

instrumentos legais <strong>de</strong> repressão foram ao “atos institucionais”.<br />

O primeiro, <strong>de</strong> 09 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1964, cassou os direitos políticos, pelo período <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos, <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res políticos, sindicais, intelectuais e militares. O segundo, <strong>de</strong> 02 <strong>de</strong><br />

outubro <strong>de</strong> 1965, aboliu a eleição direta para presi<strong>de</strong>nte da República, dissolveu os partidos<br />

políticos, reformou o judiciário e restringiu o direito <strong>de</strong> opinião.<br />

Nova retomada autoritária aconteceu <strong>em</strong> 1968, com o Ato Institucional nº 5 (AI-5), o mais<br />

radical <strong>de</strong> todos, o que mais atingiu os direitos políticos e civis, <strong>em</strong> repressão à mobilização<br />

<strong>de</strong> alguns setores da socieda<strong>de</strong>, sobretudo os operários e os estudantes, contra o governo. O<br />

congresso foi fechado, o habeas corpus para crimes contra a segurança nacional foi suspenso<br />

e todos os atos <strong>de</strong>correntes do AI-5 foram colocados fora da apreciação judicial.<br />

Sob o general Médice, as medidas repressivas atingiram seu ponto culminante. Nova lei <strong>de</strong><br />

segurança nacional foi introduzida, incluindo a pena <strong>de</strong> morte por fuzilamento. A máquina <strong>de</strong><br />

repressão cresceu rapidamente e tornou-se quase autônoma <strong>de</strong>ntro do governo. A censura à<br />

imprensa eliminou a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> opinião, não havia reunião, os partidos eram regulados e<br />

controlados pelo governo, os sindicatos estavam sob ameaça constante <strong>de</strong> intervenção, era<br />

proibido fazer greve, o direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa era cerceado pelas prisões arbitrárias, a justiça militar<br />

julgava crimes civis, a inviolabilida<strong>de</strong> do lar e da correspondência não existia, a integrida<strong>de</strong><br />

física era violada pela tortura nos cárceres do governo, o próprio direito à vida era<br />

<strong>de</strong>srespeitado.<br />

O período militar foi a época do milagre econômico brasileiro, <strong>em</strong> que a taxa <strong>de</strong> crescimento<br />

manteve-se <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> 10% e foi quando o Brasil conquistou no México o tricampeonato<br />

mundial <strong>de</strong> futebol. O governo Médice, que reprimia ferozmente a oposição, soube aproveitar<br />

o momento <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> exaltação patriótica para aumentar a sua popularida<strong>de</strong>. Uma onda <strong>de</strong><br />

nacionalismo xenófobo e reacionário percorreu o país.<br />

A rápida expansão da economia veio acompanhada <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s transformações na <strong>de</strong>mografia<br />

e na composição <strong>de</strong> oferta <strong>de</strong> <strong>em</strong>pregos, houve gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamento da população do campo<br />

para a cida<strong>de</strong> e aumento do número <strong>de</strong> <strong>em</strong>pregados. Paralelamente, à migração para a cida<strong>de</strong><br />

23


ocorreu um <strong>de</strong>slocamento maciço <strong>de</strong> pessoas do setor primário, para o secundário e o<br />

terciário.<br />

Salvo curtas interrupções o Congresso permaneceu aberto e <strong>em</strong> funcionamento, com um<br />

sist<strong>em</strong>a bipartidário entre o partido do governo (Aliança Renovadora Nacional – ARENA) e<br />

o partido da oposição (Movimento D<strong>em</strong>ocrático Brasileiro – MDB). O eleitorado cresceu<br />

sist<strong>em</strong>aticamente durante o governo militar.<br />

Ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que cerceavam os direitos políticos e civis, os militares investiam na<br />

expansão dos direitos sociais. Unificaram e universalizaram a previdência com a criação <strong>em</strong><br />

1966 do Instituto Nacional <strong>de</strong> Previdência Social (INPS) e do Fundo <strong>de</strong> Assistência Rural<br />

(FUNRURAL), <strong>em</strong> 1971, que efetivamente incluía os trabalhadores do campo. As duas<br />

categorias urbanas excluídas da previdência (<strong>em</strong>pregadas domésticas e trabalhadores<br />

autônomos) foram incorporadas à previdência <strong>em</strong> 1972 e 1973, respectivamente.<br />

Para aten<strong>de</strong>r à exigência dos <strong>em</strong>presários, acabaram com a estabilida<strong>de</strong> no <strong>em</strong>prego e para<br />

compensar criaram o Fundo <strong>de</strong> Garantia por T<strong>em</strong>po <strong>de</strong> Serviço (FGTS) <strong>em</strong> 1966. Criou-se<br />

também o Banco Nacional <strong>de</strong> Habitação (BNH), cuja função era facilitar a compra da casa<br />

própria aos trabalhadores <strong>de</strong> menor renda, e como coroamento das políticas sociais, foi criado<br />

<strong>em</strong> 1974, o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS).<br />

Em 1974, o general Ernesto Geisel promoveu um lento retorno à <strong>de</strong>mocracia, processo que<br />

ficou conhecido como abertura política. O general diminuiu as restrições à propaganda<br />

eleitoral, revogou o AI- 5, restabeleceu o habeas corpus, atenuou a Lei <strong>de</strong> Segurança Nacional<br />

e permitiu o retorno <strong>de</strong> cento e vinte exilados políticos. Em 1979, o Congresso votou lei <strong>de</strong><br />

anistia e foi abolido o bipartidarismo, dando espaço a que seis novos partidos políticos<br />

surgiss<strong>em</strong>. Foi permitida eleição direta para governadores <strong>de</strong> estados. Como ato final, os<br />

militares se abstiveram <strong>de</strong> impor um general como candidato à sucessão presi<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong> 1985.<br />

Paralelamente às medidas <strong>de</strong> abertura política, houve, a partir <strong>de</strong> 1974, a retomada e<br />

renovação <strong>de</strong> movimentos <strong>de</strong> oposição. O MDB, apesar das constantes cassações <strong>de</strong> mandatos<br />

e violação da lei, manteve-se na oposição. Os sindicatos passaram a ter nova organização e<br />

lutavam por sua in<strong>de</strong>pendência, na busca <strong>de</strong> negociações diretas com os <strong>em</strong>pregadores por<br />

meio <strong>de</strong> contratos coletivos. A socieda<strong>de</strong> também se modificou. A Igreja Católica, no espírito<br />

24


da teologia da libertação, moveu-se na direção da <strong>de</strong>fesa dos direitos humanos. Os<br />

movimentos urbanos e as associações <strong>de</strong> profissionais <strong>de</strong> classe média se expandiram.<br />

Além do MDB e da Igreja Católica, outras organizações se afirmaram como pontos <strong>de</strong><br />

resistência ao governo militar. Dentre eles a Organização dos Advogados do Brasil (OAB), a<br />

Associação Brasileira <strong>de</strong> Imprensa (ABI) e a Socieda<strong>de</strong> Brasileira para o Progresso da Ciência<br />

(SBPC). Menos organizados, mas não menos eficientes na ação oposicionista, foram os<br />

artistas e intelectuais.<br />

O auge da mobilização popular foi a campanha pelas eleições diretas, <strong>em</strong> 1984, que foi a<br />

maior da história do país. Os comícios transformaram-se <strong>em</strong> gran<strong>de</strong>s festas cívicas. A<br />

ban<strong>de</strong>ira nacional foi recuperada como símbolo cívico. O hino nacional foi revalorizado e<br />

reconquistado pelo povo. Com a eleição <strong>de</strong> Tancredo Neves chega ao fim o período <strong>de</strong><br />

governos militares, apesar <strong>de</strong> permaneceram resíduos <strong>de</strong> autoritarismo nas leis e nas práticas<br />

sociais e políticas.<br />

Os avanços nos direitos sociais e a retomada dos direitos políticos, não resultaram <strong>em</strong> avanços<br />

dos direitos civis. Foram eles que mais sofreram no período militar. Como conseqüência da<br />

abertura política esses direitos foram restituídos, mas continuaram beneficiando apenas<br />

parcela reduzida da população. A maioria continuou fora do alcance e proteção da lei e dos<br />

tribunais.<br />

2.6 A cidadania após a re<strong>de</strong>mocratização<br />

A constituinte <strong>de</strong> 1988, redigiu e aprovou a Constituição mais liberal e <strong>de</strong>mocrática que o país<br />

já teve, merecendo por isso, o nome <strong>de</strong> Constituição Cidadã. Os direitos políticos adquiriram<br />

amplitu<strong>de</strong> nunca antes atingida. Entretanto, a <strong>de</strong>mocracia política não resolveu os probl<strong>em</strong>as<br />

econômicos mais sérios do país, como a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> e o <strong>de</strong>s<strong>em</strong>prego. Continuaram os<br />

probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong> área social, sobretudo da educação, dos serviços sociais e do saneamento.<br />

Houve ainda o agravamento dos direitos civis no que se refere à segurança individual.<br />

A Constituição <strong>de</strong> 1988, ampliou também os direitos sociais. Os indicadores básicos <strong>de</strong><br />

qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida passaram por lenta melhoria: o progresso mais importante se <strong>de</strong>u na área <strong>de</strong><br />

educação fundamental, que é fator <strong>de</strong>cisivo para a cidadania. O analfabetismo diminuiu e a<br />

25


escolarida<strong>de</strong> aumentou, entretanto, essa melhora é tímida, pois o índice <strong>de</strong> repetência ainda e<br />

muito alto, e são necessários mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos para se completar os oito anos do ensino<br />

fundamental. No campo da previdência social <strong>de</strong> positivo houve a elevação da aposentadoria<br />

dos trabalhadores rurais para o piso <strong>de</strong> um salário mínimo e a introdução da renda vitalícia<br />

mensal para idosos e <strong>de</strong>ficientes. Mas apesar dos avanços, o principal probl<strong>em</strong>a <strong>de</strong>sse direito<br />

social está no valor das aposentadorias.<br />

A maior dificulda<strong>de</strong> na área social está na persistência das gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais, que<br />

caracterizam o país <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua in<strong>de</strong>pendência. A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> é sobretudo <strong>de</strong> natureza<br />

regional e racial. A escandalosa <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> que concentra nas mãos <strong>de</strong> poucos a riqueza<br />

nacional t<strong>em</strong> como conseqüência níveis dolorosos <strong>de</strong> pobreza e miséria.<br />

Os direitos civis estabelecidos antes do regime militar foram recuperados após 1985 e<br />

ampliados com a Constituição <strong>de</strong> 1988. No entanto, dos direitos que compõ<strong>em</strong> a cidadania, no<br />

Brasil são os civis que apresentam maiores <strong>de</strong>ficiências <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> seu conhecimento,<br />

extensão e garantias, e a ausência <strong>de</strong> uma educação eficiente é fator que explica o<br />

comportamento das pessoas no que se refere ao exercício <strong>de</strong> direitos civis e políticos. Os mais<br />

educados se filiam mais a sindicatos, a órgãos <strong>de</strong> classe, a partidos políticos. A falta <strong>de</strong><br />

garantia dos direitos civis se verifica sobretudo no segurança individual, à integrida<strong>de</strong> física e<br />

ao acesso à justiça.<br />

O rápido crescimento das cida<strong>de</strong>s (que favorece os direitos políticos) transformou o Brasil <strong>em</strong><br />

um país predominant<strong>em</strong>ente urbano <strong>em</strong> poucos anos. Junto com a urbanização surgiram as<br />

metrópoles com gran<strong>de</strong> concentração <strong>de</strong> populações marginalizadas, que são privadas <strong>de</strong><br />

serviços urbanos, <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> segurança e <strong>de</strong> justiça. Nelas a combinação <strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>em</strong>prego,<br />

trabalho informal e tráfico <strong>de</strong> drogas criaram um campo fértil para a proliferação da violência,<br />

sobretudo na forma <strong>de</strong> homicídios dolosos. A precarieda<strong>de</strong> dos direitos civis lançava sombras<br />

ameaçadoras sobre o futuro da cidadania.<br />

O probl<strong>em</strong>a é agravado pela ina<strong>de</strong>quação dos órgãos encarregados da segurança pública para<br />

o cumprimento <strong>de</strong> sua função. O judiciário também não cumpre o seu papel. O acesso à<br />

justiça é limitado à pequena parcela da população, mesmo nos gran<strong>de</strong>s centros. A maioria ou<br />

<strong>de</strong>sconhece seus direitos, ou, se os conhece, não t<strong>em</strong> condições <strong>de</strong> os fazer valer <strong>de</strong>vido aos<br />

custos e à <strong>de</strong>mora do processo.<br />

26


Do ponto <strong>de</strong> vista da garantia dos direitos civis, os cidadãos brasileiros po<strong>de</strong>m ser divididos<br />

<strong>em</strong> classes. Os <strong>de</strong> primeira, que estão acima <strong>de</strong> lei e consegu<strong>em</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r seus interesses pelo<br />

po<strong>de</strong>r do dinheiro e do prestígio social. Os <strong>de</strong> segunda, que estão sujeitos às leis, e são os <strong>de</strong><br />

classe média e; os cidadãos <strong>de</strong> terceira classe, que é a gran<strong>de</strong> população marginal das gran<strong>de</strong>s<br />

cida<strong>de</strong>s. São invariavelmente pardos ou negros, analfabetos ou com educação fundamental<br />

incompleta. São parte da comunida<strong>de</strong> política nacional apenas no nome. Na prática, ignoram<br />

seus direitos civis ou os têm <strong>de</strong>srespeitado por outros cidadãos, pelo governo, pela polícia.<br />

Estes cidadãos estão entre os vinte três por cento <strong>de</strong> famílias que receb<strong>em</strong> até dois salários<br />

mínimos. Para eles vale apenas o Código Penal.<br />

27


3 EDUCAÇÃO COMO PRÁTICA DA LIBERDADE<br />

O objetivo <strong>de</strong>ste capítulo é apontar duas teorias pedagógicas que têm como proposta uma<br />

educação <strong>em</strong>ancipadora, cujo resultado seria a construção <strong>de</strong> cidadãos plenos, que são aqueles<br />

que <strong>de</strong>têm os direitos civis, políticos e sociais. Como não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, iniciamos por<br />

um dos expoentes da educação que teve sua vida <strong>de</strong>dicada à belíssima missão <strong>de</strong> educar,<br />

Paulo Freire.<br />

3.1 Paulo Freire "Ninguém ignora tudo, ninguém sabe tudo". Nasceu <strong>em</strong> Recife, <strong>em</strong> 1921 e<br />

faleceu <strong>em</strong> 1997. Teve sua formação acadêmica <strong>em</strong> Direito, mas a partir da década <strong>de</strong> 40,<br />

passou a ter mais contato com o mundo da educação. Suas primeiras ativida<strong>de</strong>s educacionais<br />

foram <strong>de</strong>senvolvidas no SESI – Serviço Social da Indústria e no MCP – Movimento <strong>de</strong><br />

Cultura Popular, no qual criou o Programa <strong>de</strong> Alfabetização e a criação <strong>de</strong> círculos <strong>de</strong> cultura.<br />

Em 1963, João Goulart o convidou para <strong>de</strong>senvolver um programa nacional <strong>de</strong> alfabetização<br />

<strong>de</strong> adultos e para trabalhar com educação básica. No entanto, <strong>em</strong> 1964, Paulo Freire foi<br />

obrigado a paralisar suas ativida<strong>de</strong>s por causa do Golpe Militar e, com isso, teve a<br />

oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escrever e publicar <strong>em</strong> 1969: A educação como prática da liberda<strong>de</strong>.<br />

De 1964 a 1980, Paulo Freire ficou exilado no Chile on<strong>de</strong> teve a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> continuar a<br />

<strong>de</strong>senvolver suas teorias e ativida<strong>de</strong>s. Em 1969, foi nomeado especialista da UNESCO, e<br />

passou a dar aulas na Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Harvad, nos EUA. E <strong>em</strong> 1970, mudou-se para Genebra,<br />

exercendo ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> consultor do Conselho Mundial <strong>de</strong> Igrejas, dando assessoria a<br />

diversos países africanos, <strong>de</strong>senvolvendo programas <strong>de</strong> alfabetização e <strong>de</strong> apoio a<br />

reconstrução <strong>de</strong>sses países.<br />

Freire foi um dos fundadores do PT <strong>em</strong> 1989. Assumiu o cargo <strong>de</strong> Secretário Municipal <strong>de</strong><br />

Educação <strong>em</strong> São Paulo até 1991. Enquanto ocupava esse cargo, tinha como marca principal,<br />

tentativas <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocratizar as escolas para a alfabetização <strong>de</strong> jovens e adultos. Em 1992, Paulo<br />

Freire volta a realizar suas ativida<strong>de</strong>s nas universida<strong>de</strong>s escrevendo suas obras e participando<br />

<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> conferências.<br />

28


Ao analisar a socieda<strong>de</strong> capitalista enten<strong>de</strong>u que o hom<strong>em</strong> explorado, s<strong>em</strong> direito à justiça,<br />

acaba per<strong>de</strong>ndo a sua vocação natural, que é a sua humanização, e essa perda, ainda que<br />

constitua fato concreto na história, não é <strong>de</strong>stino, mas resultado <strong>de</strong> uma or<strong>de</strong>m injusta que<br />

gera a violência. Outro traço constatado por Freire, é a reprodução das mesmas condições que<br />

sofreram, isto é, os que sofreram <strong>em</strong> algum momento <strong>de</strong> sua experiência existencial acabam<br />

reproduzindo o mesmo sofrimento. Assim, se o trabalhador rural, por ex<strong>em</strong>plo, quer a reforma<br />

agrária não é para se libertar, mas para passar a ter terra, e com esta, tornar-se proprietário ou<br />

patrão <strong>de</strong> novos <strong>em</strong>pregados.<br />

Há também uma irresistível atração pelo mesmo padrão <strong>de</strong> vida da elite. Participar <strong>de</strong>stes<br />

padrões constitui uma incontida aspiração. Na sua alienação os explorados quer<strong>em</strong>, a todo<br />

custo, parecer com o opressor. Imitá-lo. Esse comportamento verifica-se, sobretudo, na classe<br />

média, cujo anseio é ser<strong>em</strong> iguais à elite.<br />

Assim, nas socieda<strong>de</strong>s cuja dinâmica estrutural conduz à dominação <strong>de</strong> consciência, a<br />

pedagogia dominante é a pedagogia das classes dominantes. A pedagogia <strong>de</strong> nosso sist<strong>em</strong>a<br />

educacional não aten<strong>de</strong> as necessida<strong>de</strong>s dos cidadãos <strong>de</strong> terceira classe, pois consiste <strong>em</strong><br />

<strong>de</strong>spejar conteúdos que são retalhos da realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sconectados da totalida<strong>de</strong> <strong>em</strong> que se<br />

formam. A narração, <strong>de</strong> que o educador, é o sujeito, conduz educandos à m<strong>em</strong>orização<br />

mecânica do conteúdo narrado. A narração os transforma <strong>em</strong> “vasilhas” a ser<strong>em</strong> “enchidos”<br />

pelo educador.<br />

Nesta distorcida visão da educação, não há criativida<strong>de</strong>, não há transformação, não há saber.<br />

Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os<br />

homens faz<strong>em</strong> no mundo, com o mundo e com os outros. Quanto mais os educandos se<br />

exercitam no arquivamento <strong>de</strong> <strong>de</strong>pósitos que lhes são feitos, tanto menos <strong>de</strong>senvolverão <strong>em</strong> si<br />

a consciência crítica. Quanto mais se lhes imponha passivida<strong>de</strong>, tanto mais ingenuamente<br />

ten<strong>de</strong>m a adaptar<strong>em</strong>-se ao mundo, à realida<strong>de</strong> parcializada nos <strong>de</strong>pósitos recebido.<br />

Essa "Educação Bancária", na qual o professor é um banco <strong>de</strong> saberes, <strong>em</strong> que os<br />

conhecimentos são <strong>de</strong>positados, faz surgir a divisão entre os que sab<strong>em</strong> e os que não sab<strong>em</strong>.<br />

29


Preocupado com esta questão, Paulo Freire, pensador comprometido com a vida, nos<br />

presenteou com uma pedagogia que t<strong>em</strong> por fim a prática da liberda<strong>de</strong>. A prática da liberda<strong>de</strong><br />

só encontrará a<strong>de</strong>quada expressão numa pedagogia <strong>em</strong> que o oprimido tenha condições <strong>de</strong><br />

reflexivamente, <strong>de</strong>scobrir-se e conquistar-se como sujeito <strong>de</strong> sua própria <strong>de</strong>stinação histórica<br />

(FREIRE, 1966). Em primeiro momento por meio <strong>de</strong> mudança da percepção do mundo, <strong>em</strong><br />

segundo lugar pela expulsão dos mitos criados e <strong>de</strong>senvolvidos pela estrutura dominante.<br />

A educação que se impõe aos que verda<strong>de</strong>iramente se compromet<strong>em</strong> com a libertação <strong>de</strong>ve<br />

ser aquela que consi<strong>de</strong>ra os homens como corpos conscientes <strong>em</strong> constante probl<strong>em</strong>atização<br />

com o mundo <strong>em</strong> que viv<strong>em</strong>. A educação libertadora, é um ato <strong>de</strong> constante conhecimento, <strong>de</strong><br />

diálogo. Rompe com os esqu<strong>em</strong>as verticais. Ato <strong>de</strong> <strong>de</strong>svelamento da realida<strong>de</strong>, busca a<br />

<strong>em</strong>ersão crítica da realida<strong>de</strong>. Quanto mais se probl<strong>em</strong>atizam os educandos, como seres no<br />

mundo e com o mundo, tanto mais se sentirão <strong>de</strong>safiados. Desafiados compreen<strong>de</strong>m o <strong>de</strong>safio<br />

na própria ação.<br />

3.2 D<strong>em</strong>erval Saviani “O hom<strong>em</strong> é um ser que age e que transforma.” Nasceu <strong>em</strong> Santo<br />

Antônio <strong>de</strong> Posse – SP, <strong>em</strong> 03/02/44 (<strong>de</strong> direito, pois <strong>de</strong> fato nasceu <strong>em</strong> 25/12/43). Participou<br />

do movimento JOC - Juventu<strong>de</strong> Operária Católica. Fez o curso <strong>de</strong> Filosofia na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Filosofia, Ciências e Letras <strong>de</strong> São Bento da PUC/SP. Trabalhava, nesta época, no Banco<br />

Ban<strong>de</strong>irantes e concluiu seu curso <strong>de</strong> Filosofia, <strong>em</strong> 1966, tendo vivenciado profundas<br />

mudanças na socieda<strong>de</strong>, causadas pelo Golpe Militar <strong>em</strong> 1964.<br />

Lecionou Filosofia <strong>em</strong> escola pública. Por volta <strong>de</strong> 1966 passou a trabalhar <strong>em</strong> um órgão da<br />

Secretaria <strong>de</strong> Educação <strong>de</strong> São Paulo. Em 1967 atuou como professor do <strong>Curso</strong> <strong>de</strong> Pedagogia<br />

da PUC/SP e ajudou a criar os <strong>Curso</strong>s <strong>de</strong> Mestrado e Doutorado <strong>em</strong> Filosofia da Educação<br />

nessa Instituição. Em 1970 foi lecionar na recém criada Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> São Carlos<br />

on<strong>de</strong> ajudou a implantar, <strong>em</strong> 1976 o Mestrado <strong>em</strong> Educação, <strong>em</strong> convênio com a Fundação<br />

Carlos Chagas. Concluiu <strong>em</strong> 1971 o Doutorado, na área <strong>de</strong> Ciências Humanas: Filosofia da<br />

Educação, na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Filosofia Ciências e Letras <strong>de</strong> São Bento, da PUC/SP. Em 1978<br />

retornou como professor da PUC/SP e ajudou a criar o Doutorado <strong>em</strong> Educação nesta<br />

Instituição. Em 1979 ajudou a criar a ANDE – Associação Nacional <strong>de</strong> Educação. Foi o<br />

fundador da ANPED e do CEDES.<br />

30


Em 1986 concluiu a Livre Docência na área <strong>de</strong> Ciências Humanas: História da Educação na<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação da UNICAMP. Em 1988 participou da elaboração <strong>de</strong> um anteprojeto<br />

da LDB - Lei <strong>de</strong> Diretrizes e Bases da Educação. Em 1988 coor<strong>de</strong>nou o programa <strong>de</strong> pós-<br />

graduação da UNICAMP. Atualmente é professor na UNICAMP e também está envolvido<br />

com diversos projetos educacionais e <strong>de</strong> pesquisa.<br />

Dermeval Saviani s<strong>em</strong>pre <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u <strong>de</strong> forma sist<strong>em</strong>ática e intransigente a escola pública. Sua<br />

ativida<strong>de</strong> intelectual, <strong>de</strong>stina-se a explicitar valores necessários à libertação dos oprimidos.<br />

Em todas as suas obras preocupou-se <strong>em</strong> analisar a prática educacional inserida num processo<br />

político-social, com um objetivo pedagógico, enquanto resposta à sua atuação como professor<br />

<strong>em</strong> sala <strong>de</strong> aula e sua interação com os alunos. A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> articular teoria e prática<br />

levou Saviani a buscar alternativas, traduzidas ou expressas na concepção que ele <strong>de</strong>nominou<br />

<strong>de</strong> Pedagogia Histórico-Crítica.<br />

A Pedagogia Histórico-Crítica (PHC) e a formação do hom<strong>em</strong> integral (indivíduo para-si)<br />

nela presente é uma pedagogia <strong>de</strong> cunho socialista e marxista. O núcleo <strong>de</strong>sta corrente<br />

pedagógica é formado pela concepção <strong>de</strong> que a natureza humana não é dada ao hom<strong>em</strong> mas é<br />

por ele produzida sobre a base da natureza bio-física. Consequent<strong>em</strong>ente, o trabalho educativo<br />

é o ato <strong>de</strong> produzir, direta e intencionalmente, <strong>em</strong> cada indivíduo singular, a humanida<strong>de</strong> que<br />

é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. (SAVIANI, 2000)<br />

A PHC surgiu no início dos anos 80, e o seu objetivo é retomar a crítica e a dialética no<br />

discurso pedagógico. Como crítica enten<strong>de</strong>-se a necessária produção <strong>de</strong> uma análise que leve<br />

<strong>em</strong> conta os condicionantes sociais e históricos que <strong>de</strong>terminam e são <strong>de</strong>terminados pela<br />

educação, ou seja, uma análise crítica não enxerga a escola ou a educação fora do universo<br />

social e histórico, pois estes são formadores da educação <strong>em</strong> cada período histórico.<br />

Por outro lado a realida<strong>de</strong> nos mostra que a socieda<strong>de</strong> se <strong>de</strong>senvolve para além da educação,<br />

ou seja, se baseia nas relações econômicas capitalistas, que por sua vez <strong>de</strong>terminam a política,<br />

a socieda<strong>de</strong>, a cultura e, também, a educação. Para esta pedagogia, a humanida<strong>de</strong> não se dá<br />

pela transmissão genética, mas é produzida social e historicamente pelos homens <strong>em</strong><br />

socieda<strong>de</strong>, e o saber é o el<strong>em</strong>ento primordial da educação, sendo necessária uma transmissão<br />

crítica <strong>de</strong>sse saber que provoque o <strong>de</strong>senvolvimento dos conhecimentos e, por conseguinte, o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da socieda<strong>de</strong> e dos indivíduos.<br />

31


Assim, o saber que diretamente interessa à educação é aquele que <strong>em</strong>erge como resultado do<br />

trabalho educativo. Entretanto, para chegar a esse resultado a educação t<strong>em</strong> que partir, t<strong>em</strong><br />

que tomar como referência, como matéria-prima <strong>de</strong> sua ativida<strong>de</strong>, o saber objetivo produzido<br />

historicamente. (SAVIANI, 2000). Esse saber histórico é fruto dos esforços dos homens para<br />

produzir as condições para sua sobrevivência (alimentos, moradia, <strong>de</strong>fesa contra inimigos<br />

entre outros) o que levou ao <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico, científico, cultural, o que<br />

possibilitou chegarmos à condição atual da socieda<strong>de</strong> capitalista.<br />

A produção <strong>de</strong>sse saber, portanto, v<strong>em</strong> se <strong>de</strong>senvolvendo através da História e é no<br />

capitalismo que a escola torna-se o meio dominante da educação. A escola, portanto, é o local<br />

<strong>em</strong> que os saberes sociais são transmitidos para as novas gerações. Entretanto, estes saberes<br />

não estão ao alcance <strong>de</strong> todos os brasileiros. São apropriados apenas por uma pequena parcela<br />

da socieda<strong>de</strong> que historicamente ocupou a posição dominante e que por sua vez luta para que<br />

esta situação permaneça como está (manutenção do status quo) e, por isso, apoiam as<br />

pedagogias que procuram esvaziar a escola dos saberes.<br />

Saviani (2000) divi<strong>de</strong> <strong>em</strong> três as tarefas da PHC com relação à educação escolar e os saberes:<br />

- Primeiro, <strong>de</strong>ve-se i<strong>de</strong>ntificar as formas mais <strong>de</strong>senvolvidas <strong>em</strong> que se expressa o saber<br />

produzido historicamente, reconhecendo as condições <strong>de</strong> sua produção e compreen<strong>de</strong>ndo as<br />

suas principais manifestações b<strong>em</strong> como as tendências atuais <strong>de</strong> transformação;<br />

- Segundo, <strong>de</strong>ve-se converter o saber objetivo <strong>em</strong> saber escolar <strong>de</strong> modo a torná-lo assimilável<br />

pelos alunos, o que exige um esforço dos professores e todos os envolvidos com a educação<br />

para que o saber social possa ser transmitido no t<strong>em</strong>po e espaço da escola.<br />

- Terceiro, <strong>de</strong>ve-se prover os meios necessários para que os alunos não apenas assimil<strong>em</strong> o<br />

saber objetivo enquanto resultado, mas apreendam o processo <strong>de</strong> sua produção b<strong>em</strong> como as<br />

tendências <strong>de</strong> sua transformação. (SAVIANI, 2000, p.14)<br />

As três tarefas da PHC indicam um posicionamento para a formação integral do ser humano:<br />

adquirir os conhecimentos social e historicamente produzidos e que, portanto, são parte <strong>de</strong> sua<br />

constituição como ser humano <strong>em</strong> socieda<strong>de</strong>, e <strong>de</strong>senvolver a consciência do processo integral<br />

<strong>de</strong> produção e reprodução dos saberes. Isso o levará a perceber a si e à socieda<strong>de</strong> <strong>em</strong> que vive<br />

nos seus meandros estruturais (econômicos) e superestruturais (cultura, política, religião,<br />

educação etc.).<br />

32


Indo além na relação entre saberes e a educação, Saviani (2000) cita que a educação escolar<br />

<strong>de</strong>ve centrar sua ação nos saberes sist<strong>em</strong>atizados na socieda<strong>de</strong>, ou seja, na ciência, e que a<br />

escola <strong>de</strong>ve ser responsável pela transmissão-assimilação <strong>de</strong>sses conhecimentos. Este é o fim<br />

a atingir, é aí que cabe encontrar a fonte natural para elaborar os métodos e as formas <strong>de</strong><br />

organização do conjunto das ativida<strong>de</strong>s da escola, isto é, o currículo.<br />

A escola é uma instituição cujo papel consiste na socialização do saber sist<strong>em</strong>atizado [...] A<br />

escola diz respeito ao conhecimento elaborado e não ao saber fragmentado; à cultura erudita e<br />

não à cultura popular [...] A escola existe, pois, para propiciar a aquisição dos instrumentos<br />

que possibilitam o acesso ao saber elaborado (ciência), b<strong>em</strong> como o próprio acesso aos<br />

rudimentos <strong>de</strong>sse saber. (SAVIANI, 2000, p.18-19)<br />

O objetivo <strong>de</strong>ste processo <strong>de</strong> transmissão-assimilação, segundo o autor, não é a repetição,<br />

mas, justamente o contrário, é libertar. Mas a liberda<strong>de</strong> não se conquista s<strong>em</strong> esforço, s<strong>em</strong> o<br />

fortalecimento da internalização dos saberes, que constitu<strong>em</strong> a base sobre a qual a liberda<strong>de</strong><br />

se efetivará. Basta observarmos vários níveis e processos <strong>de</strong> aprendizag<strong>em</strong> baseados no<br />

esforço repetitivo, como na música, por ex<strong>em</strong>plo.<br />

Um músico, para adquirir a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> criar, precisa passar por um período (longo aliás) <strong>em</strong><br />

que se exercitará no instrumento repetidamente até que possa incorporar o instrumento como<br />

sua “segunda natureza”, ou seja, dominá-lo a tal ponto <strong>em</strong> que o instrumento já não seja<br />

segredo para ele, mas, ao contrário, seja uma extensão <strong>de</strong> seu próprio corpo e conhecimento.<br />

O mesmo acontece com o aprendizado para motorista. Antes <strong>de</strong> chegar a ser um bom<br />

motorista o aprendiz precisa passar pelo estágio <strong>em</strong> que os movimentos são medidos e<br />

sincronizados repetidamente, até que o motorista possa, enfim, dirigir s<strong>em</strong> se per<strong>de</strong>r <strong>em</strong><br />

pensamentos sobre a seqüência a ser feita no trânsito.<br />

A libertação só se dá porque tais aspectos foram apropriados, dominados e internalizados,<br />

passando, <strong>em</strong> conseqüência, a operar no interior <strong>de</strong> nossa própria estrutura orgânica. Po<strong>de</strong>r-se-<br />

ia dizer que o que ocorre, nesse caso, é uma superação no sentido dialético da palavra. Os<br />

aspectos mecânicos foram negados por incorporação e não por exclusão. Foram superados<br />

porque negados enquanto el<strong>em</strong>entos externos e afirmados como el<strong>em</strong>entos internos.<br />

33


Para o autor o aprendizado acontece após um caminho <strong>de</strong> incorporação dos conhecimentos à<br />

natureza humana, ou seja, o hom<strong>em</strong>, ser naturalmente biológico, vai sendo formado pela<br />

incorporação <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos da cultura, dos conhecimentos produzidos pelos homens ao longo<br />

da história e que, portanto, são el<strong>em</strong>entos que constitu<strong>em</strong> a própria humanida<strong>de</strong>, entendida<br />

esta como uma produção dinâmica e sócio-histórica.<br />

Os conhecimentos, a partir <strong>de</strong> sua incorporação, <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> ser el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> alienação e<br />

passam a ser el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> constituição da humanida<strong>de</strong> dos indivíduos; <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> ser<br />

el<strong>em</strong>entos externos para ser<strong>em</strong> internalizados, formando a “segunda natureza” humana (a<br />

primeira é a natureza biológica, a segunda é a natureza social e histórica).<br />

Esta incorporação à natureza humana dos conhecimentos produzidos pelos homens e<br />

transmitidos pela escola dá a esta instituição social um papel claro <strong>de</strong> ser um elo <strong>de</strong> ligação<br />

entre os conhecimentos espontâneos, cotidianos, do senso comum, para outro tipo <strong>de</strong><br />

conhecimento, sist<strong>em</strong>atizado, científico. Não significa dizer que se <strong>de</strong>spreze a cultura popular,<br />

mas apenas que se possa incorporá-la através da aquisição da cultura erudita. A cultura erudita<br />

possibilita a <strong>de</strong>codificação da cultura popular mas, segundo Saviani, o contrário, ou seja,<br />

apenas a aquisição da cultura popular não possibilita a <strong>de</strong>codificação da cultura erudita, o que<br />

t<strong>em</strong> sido causa <strong>de</strong> privilégios das classes dominantes, que <strong>de</strong>tém também a cultura erudita,<br />

que é privilegiada na socieda<strong>de</strong> capitalista.<br />

Portanto, o saber, na PHC, t<strong>em</strong> o viés <strong>de</strong> possibilitar a tomada <strong>de</strong> consciência e produzir nos<br />

homens a humanida<strong>de</strong> negada pela socieda<strong>de</strong> capitalista, baseada na alienação e reprodução<br />

dos valores burgueses. Para isso lança mão dos conteúdos historicamente acumulados pelos<br />

homens <strong>em</strong> socieda<strong>de</strong> e também da incorporação <strong>de</strong>stes conhecimentos.<br />

Como formadora do ser humano, a educação é também um processo <strong>de</strong> trabalho, mas trabalho<br />

“não-material”, ou seja, não produz objetos físicos (automóveis, por ex<strong>em</strong>plo), mas produz a<br />

formação do educando. O trabalho educativo concretiza-se na aula, e esta t<strong>em</strong> uma<br />

peculiarida<strong>de</strong> que a <strong>de</strong>staca das <strong>de</strong>mais ativida<strong>de</strong>s: ela é produzida e consumida ao mesmo<br />

t<strong>em</strong>po (produzida pelo professor e consumida pelos alunos).<br />

Ao falarmos <strong>de</strong> trabalho educativo não po<strong>de</strong>mos nos esquecer da figura principal <strong>de</strong>ste<br />

processo, que é o professor. Este, na concepção da PHC, t<strong>em</strong> um relevante papel na<br />

34


transmissão <strong>de</strong> conhecimentos para os alunos. Para que esta transmissão ocorra <strong>de</strong> maneira<br />

crítica, o educador precisa ter com o seu trabalho uma relação que implique uma consciência<br />

com o fim específico <strong>de</strong>ste trabalho, que é a formação do “indivíduo-educando-concreto” (o<br />

aluno). Não basta formar indivíduos, é preciso saber para que tipo <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>, para que tipo<br />

<strong>de</strong> prática social o educador está formando indivíduos.<br />

Dada esta relevância, o educador <strong>de</strong>ve manter uma relação consciente com seu trabalho, <strong>de</strong><br />

modo que possa realizá-lo da melhor maneira possível visando a formação do hom<strong>em</strong><br />

integral, da individualida<strong>de</strong> para-si <strong>em</strong> cada educando. Caso o educador não tenha esta relação<br />

consciente, seu trabalho acaba por reproduzir a alienação da socieda<strong>de</strong> e, portanto, seu<br />

trabalho não alcançará os objetivos propostos pela PHC.<br />

Para que o professor <strong>de</strong>senvolva na sua tarefa diária a Pedagogia Histórico-Crítica é<br />

necessário que se reconheça no educando. Quando isto acontecer a ativida<strong>de</strong> do educador não<br />

será apenas um meio para satisfazer a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sobrevivência física, mas sim a<br />

satisfação <strong>de</strong> uma necessida<strong>de</strong> vital para ele enquanto indivíduo, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formar<br />

outros indivíduos <strong>de</strong> maneira humanizadora.<br />

Para a PHC, portanto, o papel do professor ganha uma centralida<strong>de</strong>, pois, passam a ser<br />

responsáveis pelo trabalho educativo, que, por sua vez, t<strong>em</strong> como objetivo a formação do<br />

educando através da transmissão crítica dos conhecimentos produzidos pelos homens <strong>em</strong><br />

socieda<strong>de</strong>.<br />

Após apresentarmos resumidamente essas duas correntes pedagógicas, salta aos olhos que<br />

uma educação como prática <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> t<strong>em</strong> um sentido amplo: é sobretudo, o processo <strong>de</strong><br />

aprendizag<strong>em</strong> <strong>de</strong> uma ética atenta a integrida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada ser humano e que respeita o direito<br />

<strong>de</strong> todos a uma existência digna. Essa educação libertária também está comprometida com a<br />

apropriação e a construção <strong>de</strong> conhecimentos, porque conhecimentos são as matérias primas<br />

s<strong>em</strong> as quais não se po<strong>de</strong> participar do processo permanente <strong>de</strong> criação e recriação da<br />

existência.<br />

Educação significa educar para a socieda<strong>de</strong>. É a socialização do patrimônio <strong>de</strong> conhecimento<br />

acumulado, o saber sobre os meios <strong>de</strong> obter o conhecimento e as formas <strong>de</strong> convivência<br />

35


social. É também educar para a convivência social e para a cidadania, para a tomada <strong>de</strong><br />

consciência e do exercício dos direitos e <strong>de</strong>veres do cidadão.<br />

Educar para a cidadania, é educar para a ética, para a solidarieda<strong>de</strong>, para a comunhão, e para a<br />

participação. Educação para a cidadania não é uma modalida<strong>de</strong> especial <strong>de</strong> educação é<br />

sinônimo <strong>de</strong> educação <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>. Isto não t<strong>em</strong> relação com recursos materiais abundantes,<br />

instalações mo<strong>de</strong>rnas e funcionais, ou métodos eficientes <strong>de</strong> ensino e avaliação . Qualida<strong>de</strong> da<br />

educação não se avalia por sua materialida<strong>de</strong>, e sim pelo conjunto <strong>de</strong> valores que são<br />

compartilhados entre educadores e educandos, estejam eles nas escolas, centros comunitários,<br />

nas organizações não governamentais, ou <strong>em</strong> qualquer outra agência comprometida com os<br />

processos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento social.<br />

Cidadania não é lição a ser ensinada ou transmitida, mas uma série <strong>de</strong> posturas a ser<strong>em</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvidas e estimuladas. Posturas que façam germinar <strong>em</strong> cada um, a idéia e o sentimento<br />

do que é viver <strong>em</strong> função do b<strong>em</strong> comum. Educar para a cidadania é fortalecer a auto-estima<br />

das pessoas, é possibilitar o acesso <strong>de</strong> todos aos bens culturais <strong>de</strong> nossa socieda<strong>de</strong>, é<br />

<strong>de</strong>senvolver as capacida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interação e participação, o pensamento criativo e reflexivo<br />

Educar é um ato que visa à convivência social, a cidadania e a tomada <strong>de</strong> consciência política.<br />

A educação escolar, além <strong>de</strong> ensinar o conhecimento científico, <strong>de</strong>ve assumir a incumbência<br />

<strong>de</strong> preparar as pessoas para o exercício da cidadania. A cidadania é entendida como o acesso<br />

aos bens materiais e culturais produzidos pela socieda<strong>de</strong>, e ainda significa o exercício pleno<br />

dos direitos e <strong>de</strong>veres previstos pela Constituição da República.<br />

A educação para a cidadania preten<strong>de</strong> fazer <strong>de</strong> cada pessoa um agente <strong>de</strong> transformação. Isso<br />

exige uma reflexão que possibilite compreen<strong>de</strong>r as raízes históricas da situação <strong>de</strong> miséria e<br />

exclusão <strong>em</strong> que vive boa parte da população. A formação política, que t<strong>em</strong> no universo<br />

escolar um espaço privilegiado, <strong>de</strong>ve propor caminhos para mudar as situações <strong>de</strong> opressão.<br />

Muito <strong>em</strong>bora outros segmentos particip<strong>em</strong> <strong>de</strong>ssa formação, como a família ou os meios <strong>de</strong><br />

comunicação, não haverá <strong>de</strong>mocracia substancial se inexistir essa responsabilida<strong>de</strong><br />

propiciada, sobretudo, pelo ambiente escolar.<br />

36


4 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS<br />

“ (...) a parte mais bela e importante <strong>de</strong> toda a História é a revelação <strong>de</strong> que todos os seres<br />

humanos, apesar das inúmeras diferenças biológicas e culturais que os distingue entre si,<br />

merec<strong>em</strong> igual respeito, como únicos entes no mundo capazes <strong>de</strong> amar, <strong>de</strong>scobrir a verda<strong>de</strong> e<br />

criar a beleza. É o reconhecimento universal <strong>de</strong> que, <strong>em</strong> razão <strong>de</strong>ssa radical igualda<strong>de</strong>,<br />

ninguém - nenhum indivíduo, gênero, etnia, classe social, grupo religioso ou nação – po<strong>de</strong><br />

afirmar-se superior aos <strong>de</strong>mais” (COMPARATO, 2005 – p.1).<br />

Iniciamos esse capítulo com as belíssimas palavras <strong>de</strong> Fábio Kon<strong>de</strong>r Comparato para mostrar<br />

que quando houver a supr<strong>em</strong>acia dos direitos humanos, isto é, quando se instalar <strong>em</strong> nossa<br />

pátria uma verda<strong>de</strong>ira preocupação com o b<strong>em</strong> estar <strong>de</strong> todos haverá a redução das<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s entre irmãos resultando <strong>em</strong> uma convivência, senão fraterna, pelos menos<br />

civilizada.<br />

4.1 A formação do conceito <strong>de</strong> pessoa<br />

É difícil precisar a gênese dos direitos humanos. A idéia <strong>de</strong> que os indivíduos e grupos<br />

humanos po<strong>de</strong>m ser reduzidos a um conceito ou categoria geral, que a todos engloba, e <strong>de</strong><br />

elaboração recente na História. Foi durante o período <strong>de</strong>nominado <strong>de</strong> Axial (séculos VIII a II<br />

A C.) que começou a surgir a idéia <strong>de</strong> uma igualda<strong>de</strong> essencial entre todos os homens. Essa<br />

concepção nasce vinculada a uma instituição social <strong>de</strong> capital importância: a lei escrita, como<br />

regra geral e uniforme, aplicável a todos os indivíduos que viv<strong>em</strong> numa socieda<strong>de</strong> organizada.<br />

A lei escrita alcançou entre os ju<strong>de</strong>us uma posição sagrada como manifestação da própria<br />

divinda<strong>de</strong>. Mas foi <strong>em</strong> Atenas que a pre<strong>em</strong>inência da lei escrita, tornou-se o fundamento da<br />

socieda<strong>de</strong> política suplantando a soberania <strong>de</strong> um indivíduo ou <strong>de</strong> grupo ou classe social.<br />

A causa principal do reconhecimento <strong>de</strong> direitos naturais <strong>em</strong> favor do indivíduo é <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />

filosófica-religiosa. A igualda<strong>de</strong> essencial do hom<strong>em</strong> foi expressa mediante oposição entre a<br />

individualida<strong>de</strong> própria <strong>de</strong> cada hom<strong>em</strong> e a sua personalida<strong>de</strong>. A filosofia estóica<br />

(<strong>de</strong>senvolvida durante os séculos III A. C. a III D.C.) que discutiu e aprofundou o termo<br />

personalida<strong>de</strong>, organizou-se <strong>em</strong> torno das idéias <strong>de</strong> unida<strong>de</strong> moral do ser humano e a<br />

37


dignida<strong>de</strong> do hom<strong>em</strong>, consi<strong>de</strong>rado filho <strong>de</strong> Zeus e possuidor, <strong>em</strong> conseqüência, <strong>de</strong> direitos<br />

inatos e iguais <strong>em</strong> todas as partes do mundo, não obstante as inúmeras diferenças individuais<br />

e grupais.<br />

Na tradição bíblica, Deus é o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> pessoa para todos os homens. S<strong>em</strong> dúvida, o<br />

cristianismo, proclamando o dogma da Santíssima Trinda<strong>de</strong> (três pessoas com uma só<br />

substância) quebrou a unida<strong>de</strong> absoluta a transcen<strong>de</strong>ntal da pessoa divina. Mas, <strong>em</strong><br />

compensação Jesus <strong>de</strong> Nazaré concretizou na história o mo<strong>de</strong>lo ético <strong>de</strong> pessoa, e tornou aos<br />

homens mais acessível a sua imitação. A partir da pregação <strong>de</strong> Paulo <strong>de</strong> Tarso, o verda<strong>de</strong>iro<br />

fundador da religião cristã enquanto corpo doutrinário, rompeu-se a concepção <strong>de</strong> povo<br />

escolhido surgindo a idéia <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos os seres humanos diante da filiação divina.<br />

A igualda<strong>de</strong> evangélica exigia o estudo sobre a natureza comum a todos os homens, o que<br />

acabou sendo realizado a partir dos conceitos <strong>de</strong>senvolvidos pela filosofia grega. A primeira<br />

discussão conceitual entre os doutores da Igreja foi sobre a natureza <strong>de</strong> Jesus Cristo. Como<br />

dogma <strong>de</strong> fé, concluiu-se, com base nos conceitos estóicos, que Jesus Cristo apresentava<br />

uma dupla natureza: humana e divina, numa única pessoa (COMPARATO, 2005. p. 19).<br />

Boécio, no século VI, inaugurou a segunda fase da elaboração <strong>de</strong> pessoa que influenciou<br />

todo o pensamento medieval. Pessoa é a própria substância do hom<strong>em</strong> que dá ao ser as<br />

características <strong>de</strong> permanência e invariabilida<strong>de</strong>. É essa igualda<strong>de</strong> da essência da pessoa que<br />

forma o núcleo do conceito universal <strong>de</strong> direitos humanos.<br />

Essa <strong>de</strong>finição boeciana <strong>de</strong> pessoa foi integralmente adotada por Santo Tomás <strong>de</strong> Aquino, e<br />

<strong>de</strong> acordo com CANOTILHO, as concepções cristãs medievais, especialmente o direito<br />

natural tomista, ao distinguir entre lex divina, lex natura e lex positiva, abriram o caminho<br />

para a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> submeter o direito positivo às normas jurídicas naturais, fundadas na<br />

própria natureza dos homens.<br />

A terceira fase na elaboração do conceito <strong>de</strong> pessoa como sujeito <strong>de</strong> direitos universais<br />

anteriores e superiores a toda or<strong>de</strong>nação estatal adveio com a filosofia kantiana. Para Kant<br />

só o ser racional possui a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> agir segundo a representação <strong>de</strong> leis ou princípios e<br />

existe como um fim <strong>em</strong> si mesmo. Daí <strong>de</strong>corre que todo hom<strong>em</strong> t<strong>em</strong> dignida<strong>de</strong> e não um<br />

preço, como as coisas. “Pela sua vonta<strong>de</strong> racional, a pessoa, ao mesmo t<strong>em</strong>po que se<br />

38


submete às leis da razão prática, é a fonte <strong>de</strong>ssas mesmas leis, <strong>de</strong> âmbito universal, segundo<br />

o imperativo categórico – ‘age unicamente segundo a máxima, pela qual tu possas querer,<br />

ao mesmo t<strong>em</strong>po, que ela se transforme <strong>em</strong> lei geral’”(COMPARATO – 2005. p22).<br />

A idéia <strong>de</strong> que o hom<strong>em</strong> é um fim <strong>em</strong> si mesmo implica só o <strong>de</strong>ver negativo <strong>de</strong> não<br />

prejudicar ninguém, mas necessariamente o <strong>de</strong>ver positivo <strong>de</strong> agir no sentido <strong>de</strong> favorecer a<br />

felicida<strong>de</strong> alheia, que se constitui a melhor justificativa <strong>de</strong> reconhecimento dos direitos e<br />

liberda<strong>de</strong>s individuais como também dos direitos humanos à realização <strong>de</strong> políticas públicas<br />

<strong>de</strong> conteúdo econômico e social, tal qual enunciado na Declaração Universal dos Direitos<br />

Humanos.<br />

A quarta etapa histórica na elaboração do conceito <strong>de</strong> pessoa <strong>de</strong>u-se com a <strong>de</strong>scoberta do<br />

mundo dos valores. É o fundamento último da liberda<strong>de</strong> que se assenta o mundo das<br />

preferências valorativas, isto é, cada um <strong>de</strong> nós aprecia algo, porque o objeto <strong>de</strong>ssa<br />

apreciação t<strong>em</strong> objetivamente um valor. A pessoa é, ao mesmo t<strong>em</strong>po, o legislador<br />

universal <strong>em</strong> função dos valores éticos que aprecia, e o sujeito que se submete<br />

voluntariamente a essas mesmas normas.<br />

Essa realida<strong>de</strong> axiológica transformou toda a teoria jurídica. Os direitos humanos foram<br />

i<strong>de</strong>ntificados com os valores mais importantes <strong>de</strong> convivência humana, aqueles s<strong>em</strong> os<br />

quais as socieda<strong>de</strong>s acabam perecendo por um processo irreversível <strong>de</strong> <strong>de</strong>sagregação.<br />

A quinta e última etapa abriu-se no século XX, contra a crescente <strong>de</strong>spersonalização do<br />

hom<strong>em</strong> no mundo cont<strong>em</strong>porâneo, como reflexo da mecanização e burocratização da vida<br />

<strong>em</strong> socieda<strong>de</strong>. A reflexão filosófica acentuou o caráter único, inigualável e irreprodutível da<br />

personalida<strong>de</strong> individual.<br />

As conseqüências <strong>de</strong>ssa última etapa na elaboração do conceito <strong>de</strong> pessoa para a teoria<br />

jurídica <strong>em</strong> geral e para o sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> direitos humanos <strong>em</strong> particular, são da maior<br />

importância. O caráter único e insubstituível <strong>de</strong> cada ser humano, portador <strong>de</strong> um valor<br />

próprio, veio <strong>de</strong>monstrar que a dignida<strong>de</strong> da pessoa existe singularmente <strong>em</strong> todo indivíduo.<br />

A Declaração Universal dos Direitos Humanos con<strong>de</strong>nsou toda a riqueza <strong>de</strong>ssa longa<br />

elaboração teórica, ao proclamar <strong>em</strong> seu art. VI, que todo hom<strong>em</strong> t<strong>em</strong> direito <strong>de</strong> ser, <strong>em</strong><br />

todos os lugares, reconhecido como pessoa.<br />

39


4.2 As etapas históricas na afirmação dos Direitos Humanos<br />

No processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e construção dos direitos fundamentais do hom<strong>em</strong>,<br />

observam-se importantes antece<strong>de</strong>ntes históricos. A eclosão da consciência histórica dos<br />

direitos humanos só se <strong>de</strong>u após um longo trabalho centrado <strong>em</strong> torno da limitação do po<strong>de</strong>r<br />

político. O reconhecimento <strong>de</strong> que as instituições <strong>de</strong> governo <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser utilizadas para o<br />

serviços dos governados foi o primeiro passo <strong>de</strong>cisivo na admissão da existência <strong>de</strong> direitos<br />

que, inerentes à própria condição humana, <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser reconhecidos a todos e não po<strong>de</strong>m ser<br />

havidos como mera concessão dos que exerc<strong>em</strong> o po<strong>de</strong>r.<br />

Nesse sentido, <strong>de</strong>ve-se reconhecer que a proto-história dos direitos humanos começa nos<br />

séculos XI a X a C., quando se instituiu, sob Davi, o reino unificado <strong>de</strong> Israel, que<br />

estabeleceu pela primeira vez na história política <strong>de</strong> humanida<strong>de</strong>, a figura do rei-sacerdote,<br />

que se apresenta, não como <strong>de</strong>us ou legislador, mas como <strong>de</strong>legado do Deus único e o<br />

responsável supr<strong>em</strong>o pela execução <strong>de</strong> lei divina. Surgia, assim, o <strong>em</strong>brião daquilo que<br />

muitos séculos <strong>de</strong>pois passou a ser <strong>de</strong>signado como o Estado <strong>de</strong> Direito, isto é, uma<br />

organização política <strong>em</strong> que os governantes não criam direito para justificar o seu po<strong>de</strong>r,<br />

mas submet<strong>em</strong>-se aos princípios e normas editados por uma autorida<strong>de</strong> superior.<br />

Essa limitação institucional do po<strong>de</strong>r do governo foi retomada no século VI a C. com a<br />

criação das primeiras instituições <strong>de</strong>mocráticas atenienses e no século seguinte com a<br />

fundação da república romana.<br />

Com a extinção do império romano do Oci<strong>de</strong>nte, <strong>em</strong> 453 da era cristã, iniciou-se o período<br />

<strong>de</strong>nominado <strong>de</strong> Ida<strong>de</strong> Média com uma nova civilização , amálgama <strong>de</strong> instituições clássicas,<br />

valores cristãos e costumes germânicos. A Alta Ida<strong>de</strong> Média (sécs. V a X ) foi marcada pelo<br />

esfacelamento do po<strong>de</strong>r político e econômico. E com a instauração do feudalismo, que tinha<br />

como uma <strong>de</strong> suas características a concentração <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, os direitos humanos foram<br />

esquecidos. Contra os abusos <strong>de</strong>ssa reconcentração <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r surge a Magna Carta da<br />

Inglaterra <strong>em</strong> 1215. No <strong>em</strong>brião dos direitos humanos <strong>de</strong>spontou antes <strong>de</strong> tudo o valor da<br />

liberda<strong>de</strong>. Porém não a liberda<strong>de</strong> para todos, mas <strong>em</strong> favor, principalmente dos estamentos<br />

superiores da socieda<strong>de</strong>.<br />

Na Baixa Ida<strong>de</strong> Média (sécs. XI a XV/XVI), com o surgimento das cida<strong>de</strong>s, teve início a<br />

primeira experiência histórica <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> classes, on<strong>de</strong> a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> social já não é<br />

40


<strong>de</strong>terminada pelo direito, mas resulta principalmente das diferenças <strong>de</strong> situação patrimonial<br />

<strong>de</strong> famílias e indivíduos. E é também as cida<strong>de</strong>s o território da liberda<strong>de</strong> pessoal.<br />

Durante os dois séculos que se seguiram à Ida<strong>de</strong> Média, a Europa conheceu um<br />

extraordinários recru<strong>de</strong>scimento da concentração <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res. Foi a época <strong>em</strong> que se<br />

elaborou a teoria da monarquia absoluta, com Jean Bodin e Thomas Hobbes, <strong>em</strong> que se<br />

fundaram os impérios coloniais ultracentralizadores. Ao mesmo t<strong>em</strong>po ressurge na<br />

Inglaterra o sentimento <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>claradas na Magna Carta, generalizando-se a<br />

consciência dos perigos representados pelo po<strong>de</strong>r absoluto, tanto da realeza dos Stuart<br />

quanto na ditadura republicana do Lord Protector.<br />

A instituição-chave para a limitação do po<strong>de</strong>r monárquico e a garantia das liberda<strong>de</strong>s na<br />

socieda<strong>de</strong> civil foi o Parlamento. A partir do Bill of Rights a idéia <strong>de</strong> um governo<br />

representativo, ainda que não <strong>de</strong> todo o povo, começa a firmar-se com garantia institucional<br />

indispensável das liberda<strong>de</strong>s civis.<br />

“Todos os seres humanos são, pela sua natureza, igualmente livres e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, e<br />

possu<strong>em</strong> certos direitos inatos, dos quais ao entrar<strong>em</strong> no estado <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> não po<strong>de</strong>m, por<br />

nenhum tipo <strong>de</strong> pacto, privar ou <strong>de</strong>spojar sua posterida<strong>de</strong>; nomeadamente, a fruição da vida<br />

e da liberda<strong>de</strong>, com os meios <strong>de</strong> adquirir e possuir a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> bens, b<strong>em</strong> como <strong>de</strong><br />

procurar e obter a felicida<strong>de</strong> e a segurança.”<br />

O artigo I da Declaração da Virgínia, <strong>de</strong> 1776, constitui o registro <strong>de</strong> nascimento dos direitos<br />

humanos na História. É o reconhecimento solene <strong>de</strong> que todos os homens são igualmente<br />

vocacionados, pela sua própria natureza, ao aperfeiçoamento constante <strong>de</strong> si mesmos. A<br />

“busca da felicida<strong>de</strong>” repetida na Declaração <strong>de</strong> In<strong>de</strong>pendência dos Estados Unidos da<br />

América <strong>em</strong> 1776, é a razão <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>sses direitos inerentes à própria condição humana.<br />

Treze anos <strong>de</strong>pois, no ato <strong>de</strong> abertura da Revolução Francesa, a mesma idéia <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e<br />

igualda<strong>de</strong> dos seres humanos é reafirmada e reforçada: “Os homens nasc<strong>em</strong> e permanec<strong>em</strong><br />

livres e iguais <strong>em</strong> direitos” (art. 1º da Declaração dos Direitos do Hom<strong>em</strong> e do Cidadão <strong>de</strong><br />

1789). A conseqüência imediata da proclamação <strong>de</strong> que todos os seres humanos são<br />

essencialmente iguais <strong>em</strong> dignida<strong>de</strong> e direitos, foi uma mudança radical nos fundamentos e<br />

legitimida<strong>de</strong> política que propiciou a formação da <strong>de</strong>mocracia mo<strong>de</strong>rna. É ainda, a<br />

Declaração da Virgínia que inova ao pregar <strong>em</strong> seu artigo II que “ Todo po<strong>de</strong>r pertence ao<br />

41


povo, e por conseguinte <strong>de</strong>le <strong>de</strong>riva. Os magistrados [governantes] são seus fiduciários e<br />

servidores responsáveis a todo t<strong>em</strong>po perante ele.”<br />

As instituições da <strong>de</strong>mocracia mo<strong>de</strong>rna liberal – limitação vertical <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res, como os<br />

direitos individuais, e limitação horizontal, com a separação das funções legislativa,<br />

executiva e judiciária – adaptaram-se perfeitamente ao espírito <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> do movimento<br />

<strong>de</strong>mocrático. Essa fase marca a geração dos primeiros direitos humanos.<br />

Se as <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> direitos norte-americanas e a <strong>de</strong>claração francesa representaram a<br />

<strong>em</strong>ancipação histórica do indivíduo, os direitos <strong>de</strong> caráter econômico e social só foi<br />

afirmado no correr do século XX, com as Constituição mexicana <strong>de</strong> 1917 e a Constituição<br />

<strong>de</strong> Weimar <strong>de</strong> 1919. Os direitos humanos <strong>de</strong> proteção ao trabalhador só pu<strong>de</strong>ram prosperar a<br />

partir do momento histórico <strong>em</strong> que os donos do capital foram obrigados e se compor com<br />

os trabalhadores. É importante ressaltar a contribuição do movimento socialista que<br />

percebeu que os flagelos sociais eram <strong>de</strong>jetos do sist<strong>em</strong>a capitalista <strong>de</strong> produção, cuja lógica<br />

consiste <strong>em</strong> atribuir aos bens <strong>de</strong> capital um valor muito superior ao das pessoas.<br />

A primeira fase <strong>de</strong> internacionalização dos direitos humanos, teve início na segunda<br />

meta<strong>de</strong> do século XIX e findou com a 2ª Guerra Mundial, manifestando-se basicamente<br />

<strong>em</strong> três setores: o direito humanitário, a luta contra a escravidão e a regulação dos direitos<br />

do trabalhador assalariado.<br />

Ao <strong>em</strong>ergir da 2ª Gran<strong>de</strong> Guerra, após quinze anos <strong>de</strong> massacre e atrocida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> toda a<br />

sorte, a humanida<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>u, mais do que <strong>em</strong> qualquer outra época da História o<br />

valor supr<strong>em</strong>o da dignida<strong>de</strong> humana. Com a Declaração Universal dos Direitos do<br />

Hom<strong>em</strong> <strong>em</strong> 1948, os direitos individuais, pela sua transcendência, extrapolam os limites<br />

<strong>de</strong> cada Estado para se tornar uma questão <strong>de</strong> interesse internacional.<br />

Após meio século do fim da 2ª Guerra Mundial diversas convenções internacionais<br />

celebradas no âmbito da Organização das Nações Unidas assentaram no plano<br />

internacional os direitos individuais <strong>de</strong> natureza civil e política, ou os direitos <strong>de</strong> conteúdo<br />

econômico e social e afirmaram a existência <strong>de</strong> novas espécies <strong>de</strong> direitos humanos:<br />

direitos aos povos e direitos da humanida<strong>de</strong>. É o aprofundamento e a <strong>de</strong>finitiva<br />

internacionalização dos direitos humanos.<br />

42


“Surge agora à vista o termo final do longo processo <strong>de</strong> unificação da humanida<strong>de</strong>. E com<br />

isso, abre-se a última gran<strong>de</strong> encruzilhada da evolução histórica: ou a humanida<strong>de</strong> ce<strong>de</strong>rá<br />

à pressão conjugada da força militar e do po<strong>de</strong>rio econômico-financeiro, fazendo<br />

prevalecer uma coesão puramente técnica entre os diferentes povos e Estados, ou<br />

construir<strong>em</strong>os enfim a civilização da cidadania mundial, com o respeito integral aos<br />

direitos humanos, segundo o princípio da solidarieda<strong>de</strong> ética” (COMPARATO, 2005<br />

p.57).<br />

É importante finalizar essa sessão com a classificação que BONAVIDES <strong>de</strong>u aos direitos<br />

fundamentais como <strong>de</strong> primeira, segunda, terceira e quarta geração. São <strong>de</strong> primeira<br />

geração, os direitos da liberda<strong>de</strong>, os direitos civis e políticos, os que têm por titular o<br />

indivíduo e que são oponíveis ao Estado; <strong>de</strong> segunda geração, os direitos sociais, culturais,<br />

econômicos, coletivos; <strong>de</strong> terceira geração: o direito ao <strong>de</strong>senvolvimento, à paz, ao meio-<br />

ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> quarta geração: o<br />

direito à <strong>de</strong>mocracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo.<br />

4.3 A evolução dos Direitos Humanos no Brasil<br />

Tornou-se costume <strong>de</strong>sdobrar a cidadania <strong>em</strong> direitos civis, políticos e sociais. Para<br />

MARSHALL, direitos civis são aqueles direitos que concretizam a liberda<strong>de</strong> individual, como<br />

os direitos à livre movimentação e ao livre pensamento, à celebração <strong>de</strong> contratos e à<br />

aquisição ou manutenção da proprieda<strong>de</strong>; b<strong>em</strong> como o direito <strong>de</strong> acesso aos instrumentos<br />

necessários à <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> todos os direitos anteriores (ou seja: o direito à justiça), garant<strong>em</strong> as<br />

relações civilizadas entres as pessoas. Sua pedra <strong>de</strong> toque é a liberda<strong>de</strong> individual.<br />

São direitos políticos, aqueles direitos que compõ<strong>em</strong>, no seu conjunto, a prerrogativa <strong>de</strong><br />

participar do po<strong>de</strong>r político; prerrogativa essa que envolve tanto a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alguém se<br />

tornar m<strong>em</strong>bro do governo (isto é, a elegibilida<strong>de</strong>) quanto a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alguém escolher<br />

o governo (através do exercício do voto). Finalmente, os direitos sociais equival<strong>em</strong> à<br />

prerrogativa <strong>de</strong> acesso a um mínimo <strong>de</strong> b<strong>em</strong> estar e segurança materiais, o que po<strong>de</strong> ser<br />

interpretado como o acesso <strong>de</strong> todos os indivíduos ao nível mais el<strong>em</strong>entar <strong>de</strong> participação no<br />

padrão <strong>de</strong> civilização vigente. Garant<strong>em</strong> a participação na riqueza coletiva. Eles inclu<strong>em</strong> o<br />

direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, à saú<strong>de</strong> e permit<strong>em</strong> às socieda<strong>de</strong>s<br />

43


politicamente organizadas <strong>de</strong> reduzir os excessos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> produzidas pelos<br />

capitalismo.<br />

É importante notar que, na ótica <strong>de</strong> nosso autor, não basta que tais direitos sejam “<strong>de</strong>clarados”<br />

e figur<strong>em</strong> nalgum texto legal para que eles se concretiz<strong>em</strong> e possam ser consi<strong>de</strong>rados <strong>em</strong><br />

plena operação na vida real. Segundo Marshall, a concretização <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>sses tipos <strong>de</strong><br />

direito <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da <strong>em</strong>ergência <strong>de</strong> quadros institucionais específicos. Assim, os direitos civis<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m, para que sejam respeitados e cumpridos, do <strong>de</strong>senvolvimento da profissão<br />

especializada <strong>de</strong> <strong>de</strong>fensor <strong>de</strong> particulares (isto é, da profissão <strong>de</strong> advogado); da capacitação<br />

financeira <strong>de</strong> toda a socieda<strong>de</strong> para arcar com as custas dos litígios (o que implica a<br />

assistência judiciária aos pobres); b<strong>em</strong> como da conquista, por parte dos magistrados, <strong>de</strong><br />

in<strong>de</strong>pendência diante das pressões exercidas por particulares econômica e socialmente<br />

po<strong>de</strong>rosos. Já os direitos políticos só se viabilizam caso a Justiça e a Polícia cri<strong>em</strong> condições<br />

concretas para o exercício dos direitos <strong>de</strong> votar crítica.<br />

Cidadania, segundo Marshall, é a participação integral do indivíduo na comunida<strong>de</strong> política;<br />

tal participação se manifestando, por ex<strong>em</strong>plo, como lealda<strong>de</strong> ao padrão <strong>de</strong> civilização aí<br />

vigente e à sua herança social, e como acesso ao b<strong>em</strong>-estar e à segurança materiais aí<br />

alcançados. diferentes tipos <strong>de</strong> prerrogativas – os chamados direitos - que o Estado reconhece<br />

a todos os indivíduos; prerrogativas a que correspon<strong>de</strong>m correlatamente obrigações para com<br />

o Estado: isto é, os chamados <strong>de</strong>veres.<br />

No Brasil, nota-se que todas as Constituições trouxeram <strong>em</strong> seu texto <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> direitos,<br />

sendo que a Constituição do Império, foi a primeira Carta do mundo a positivar os direitos<br />

fundamentais. A Constituição <strong>de</strong> 1824, continha uma das mais avançadas <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong><br />

direitos fundamentais do século XIX. Todavia, os direitos reconhecidos e garantidos só<br />

serviam à elite aristocrática, pois não se preten<strong>de</strong>u reformar a estrutura sócio-econômica da<br />

socieda<strong>de</strong>, baseada na proprieda<strong>de</strong> escrava.<br />

A Constituição <strong>de</strong> 1891 trazia os direitos e garantias individuais <strong>de</strong> modo genérico. A<br />

Constituição <strong>de</strong> 1934 passou a assegurar também os direitos <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong> e os políticos.<br />

Com a Carta ditatorial <strong>de</strong> 1937, ocorre um retrocesso dos direitos fundamentais, <strong>em</strong> especial<br />

os concernentes às relações políticas. As Constituições <strong>de</strong> 1946 e <strong>de</strong> 1967 voltam a consagrar<br />

os direitos e garantias individuais, b<strong>em</strong> como os <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong> e os políticos.<br />

44


Em 1968, o Ato Institucional nº 5 restringe severamente os direitos fundamentais, com uma<br />

normativida<strong>de</strong> ditatorial on<strong>de</strong> os direitos individuais mais el<strong>em</strong>entares foram cerceados.<br />

Durante quase vinte anos, era possível a <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> se fechar o parlamento, pren<strong>de</strong>r<br />

pessoas s<strong>em</strong> or<strong>de</strong>m judicial, cassar mandatos eletivos, suspen<strong>de</strong>r direitos políticos, <strong>de</strong>ntre<br />

outras inúmeras agressões aos direitos humanos.<br />

Após a re<strong>de</strong>mocratização, a Constituição <strong>de</strong> 1988 surge como produto da luta pela construção<br />

<strong>de</strong> um Estado D<strong>em</strong>ocrático on<strong>de</strong> fosse assegurado para todos os cidadãos, a garantia da<br />

existência dos direitos humanos fundamentais. O Título II da Carta sintetiza o conteúdo <strong>de</strong><br />

todas as manifestações mo<strong>de</strong>rnas dos direitos fundamentais da pessoa humana. Formalmente,<br />

a Constituição vigente abarca todas as gerações dos direitos fundamentais.<br />

Todavia, ainda há um longo caminho a percorrer para que os direitos formalmente garantidos<br />

pela Carta <strong>de</strong> 1988, sejam efetivamente exercidos pela maior parte da população brasileira até<br />

que seja inteiramente cumprido o objetivo fundamental da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil,<br />

previsto no art. 3º, I, da Constituição, qual seja, o <strong>de</strong> construir uma socieda<strong>de</strong> livre, justa e<br />

solidária.<br />

45


5 TRANSFORMAÇÕES RECENTES DO ESTADO BRASILEIRO<br />

O Estado <strong>de</strong>ve ser encarado como processo histórico a par <strong>de</strong> outros. Quer como idéia ou<br />

concepção jurídica ou política, quer como sist<strong>em</strong>a institucional, o Estado não se cristaliza<br />

nunca numa fórmula acabada. Está <strong>em</strong> contínua mutação, através <strong>de</strong> várias fases do<br />

<strong>de</strong>senvolvimento progressivo. Os fins que se propõe impel<strong>em</strong>-no para novos mol<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

estruturação e eles próprios vão-se modificando e o mais das vezes, ampliando.<br />

Po<strong>de</strong>mos i<strong>de</strong>ntificar ao longo do século XX, três fases distintas no tocante ao exercício das<br />

funções do Estado no Brasil. A primeira fase, i<strong>de</strong>ntificada como liberal, exibe um Estado <strong>de</strong><br />

funções reduzidas, confinadas à segurança, justiça e serviços essenciais. Na segunda fase,<br />

com o Estado social ou mo<strong>de</strong>rno, a máquina estatal assume diretamente papéis econômicos,<br />

tanto como condutor do <strong>de</strong>senvolvimento, como distributivista, <strong>de</strong>stinados a diminuir algumas<br />

distorções do mercado e a amparar os contingentes que ficavam à marg<strong>em</strong> do progresso<br />

econômico. A última fase, que po<strong>de</strong>ríamos chamar <strong>de</strong> pós-mo<strong>de</strong>rna, encontra o Estado sob<br />

crítica <strong>de</strong>nsa, i<strong>de</strong>ntificado com a idéia <strong>de</strong> ineficiência, <strong>de</strong>sperdício <strong>de</strong> recursos, lentidão,<br />

burocracia e corrupção.<br />

O discurso do novo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que viv<strong>em</strong>os é o da privatização e do terceiro setor. No âmbito<br />

da cidadania, afloram os chamados direitos difusos, que t<strong>em</strong> por característica a pluralida<strong>de</strong><br />

in<strong>de</strong>terminada <strong>de</strong> seus titulares e a indivisibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu objeto. Neles se inclui por ex<strong>em</strong>plo,<br />

a proteção ao consumidor, ao meio-ambiente, aos bens históricos e artísticos.<br />

O Brasil chega à pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> s<strong>em</strong> ter logrado ser liberal n<strong>em</strong> mo<strong>de</strong>rno. O Estado<br />

brasileiro s<strong>em</strong>pre foi onipresente, pois a característica do patrimonialismo s<strong>em</strong>pre foi<br />

constante <strong>em</strong> nossa cultura <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os t<strong>em</strong>pos <strong>de</strong> colônia.<br />

Nesse contexto, o “inchamento” do Estado é um processo contínuo <strong>de</strong> muitas décadas com a<br />

economia brasileira sendo impulsionada por iniciativa oficial. Após a Constituição <strong>de</strong> 1988 e,<br />

com o avanço da i<strong>de</strong>ologia neo-liberal ao longo da década <strong>de</strong> 90, o tamanho e o papel do<br />

Estado passaram para o centro do <strong>de</strong>bate.<br />

46


Com a crítica ao gigantismo do Estado internalizada e <strong>de</strong>fendida pelos setores mais elitizados,<br />

o Estado brasileiro na década <strong>de</strong> 90 sofre um conjunto amplo <strong>de</strong> reformas econômicas e<br />

institucionais, através <strong>de</strong> <strong>em</strong>endas à Constituição e por legislação infraconstitucional, e que<br />

po<strong>de</strong>m ser agrupadas <strong>em</strong> três categorias: a extinção <strong>de</strong> restrições ao capital estrangeiro, a<br />

flexibilização <strong>de</strong> monopólios estatais e a privatização.<br />

Estas transformações modificaram as bases sobre as quais se dava a atuação do Estado no<br />

domínio econômico, tanto no que diz respeito à prestação <strong>de</strong> serviços públicos como à<br />

exploração <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s econômicas. A diminuição expressiva da atuação <strong>em</strong>preen<strong>de</strong>dora do<br />

Estado transferiu sua responsabilida<strong>de</strong> principal para o campo da regulação e fiscalização dos<br />

serviços <strong>de</strong>legados à iniciativa privada e das ativida<strong>de</strong>s econômicas que exig<strong>em</strong> regime<br />

especial.<br />

Neste novo cenário <strong>em</strong> que o Estado sai <strong>de</strong> uma postura intervencionista para um<br />

posicionamento mais regulador, torna-se indispensável uma busca mais efetiva pelo exercício<br />

da cidadania, pois esta é uma exigência <strong>de</strong> maturida<strong>de</strong> da socieda<strong>de</strong> brasileira mo<strong>de</strong>rna. Sabe-<br />

se que a Constituição <strong>de</strong> 1988 ampliou os conceitos <strong>de</strong> cidadão e cidadania. Hoje, não mais<br />

se trata <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar a cidadania como a simples qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gozar dos direitos políticos,<br />

mas conferir um núcleo mínimo e irredutível <strong>de</strong> direitos fundamentais que <strong>de</strong>v<strong>em</strong> se impor à<br />

ação dos po<strong>de</strong>res públicos e do po<strong>de</strong>r econômico.<br />

A cidadania, segundo SILVA , "consiste na consciência <strong>de</strong> pertinência à socieda<strong>de</strong> estatal<br />

como titular dos direitos fundamentais, da dignida<strong>de</strong> como pessoa humana, da integração<br />

participativa no processo do po<strong>de</strong>r, com a igual consciência <strong>de</strong> que essa situação subjetiva<br />

envolve também <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> respeito à dignida<strong>de</strong> do outro e <strong>de</strong> contribuir para o<br />

aperfeiçoamento <strong>de</strong> todos". Ser cidadão, <strong>de</strong>ste modo, é ter consciência dos direitos e <strong>de</strong>veres<br />

constitucionalmente estabelecidos e participar ativamente <strong>de</strong> todas as questões que envolv<strong>em</strong><br />

o âmbito <strong>de</strong> sua comunida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> seu bairro, <strong>de</strong> sua cida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> seu Estado e <strong>de</strong> seu país.<br />

Destarte, a Carta <strong>de</strong> 1988 endossa esse novo conceito <strong>de</strong> cidadania, que t<strong>em</strong> na dignida<strong>de</strong> da<br />

pessoa humana seu maior sentido. Consagra-se, <strong>de</strong> uma vez por todas, os pilares universais<br />

dos direitos humanos cont<strong>em</strong>porâneos fundados na sua universalida<strong>de</strong>, indivisibilida<strong>de</strong> e<br />

inter<strong>de</strong>pendência. A Constituição da República endossa, explicitamente, uma concepção<br />

47


cont<strong>em</strong>porânea <strong>de</strong> cidadania, afinada com as novas exigências da <strong>de</strong>mocracia e fundada no<br />

duplo pilar da universalida<strong>de</strong> e indivisibilida<strong>de</strong> dos direitos humanos.<br />

A Constituição da República consigna <strong>em</strong> seu art. 205, que a "educação, direito <strong>de</strong> todos e<br />

<strong>de</strong>ver do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da socieda<strong>de</strong>,<br />

visando ao pleno <strong>de</strong>senvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua<br />

qualificação para o trabalho". Nota-se <strong>de</strong>ste modo, que não há direitos humanos s<strong>em</strong> o<br />

exercício pleno da cidadania, e que não há cidadania s<strong>em</strong> uma a<strong>de</strong>quada educação para o seu<br />

exercício, pois somente com a interação <strong>de</strong>stes três fatores – direitos humanos, cidadania e<br />

educação – é que se po<strong>de</strong>rá falar <strong>em</strong> um Estado D<strong>em</strong>ocrático assegurador do exercício dos<br />

direitos e liberda<strong>de</strong>s fundamentais <strong>de</strong>correntes da condição <strong>de</strong> ser humano.<br />

48


6 O TRIBUNAL DE CONTAS E A INOVAÇÃO<br />

A promulgação da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988, entre outras mudanças, dilatou o papel da<br />

<strong>de</strong>mocracia social e participativa, elevou a eficiência a princípio constitucional como <strong>de</strong>ver<br />

para todo o governo e ampliou as funções institucionais dos órgãos <strong>de</strong> controle externo. Estas<br />

transformações refletiram <strong>em</strong> todas as estruturas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e, <strong>em</strong> especial nas Cortes <strong>de</strong><br />

Contas do Brasil, que tiveram suas funções institucionais ampliadas.<br />

Posteriormente, nos anos 90, a promulgação da Emenda Constitucional n.19, estabeleceu<br />

novos princípios <strong>de</strong> <strong>Administração</strong> Pública vinculando os resultados do Estado com o<br />

atendimento ao cidadão e suas <strong>de</strong>mandas. A partir daí, o Brasil t<strong>em</strong> vivenciado gran<strong>de</strong>s<br />

transformações no setor.<br />

Assim, quando as Cortes <strong>de</strong> Contas cumpr<strong>em</strong> suas funções constitucionais, precisam ir além<br />

e assumir o seu papel na construção da <strong>de</strong>mocracia, rumo a um futuro promissor com ações<br />

e projetos inovadores para que, <strong>de</strong>ntro da legitimida<strong>de</strong> institucional, produza, efeitos<br />

concretos e <strong>de</strong> resultados tanto na fiscalização da aplicação dos recursos quanto na<br />

mensuração da eficiência da gestão e das políticas públicas.<br />

A percepção <strong>de</strong>sse entendimento é uma necessida<strong>de</strong> atual e imperiosa para o reconhecimento,<br />

o enfrentamento dos <strong>de</strong>safios, e para a adoção <strong>de</strong> ações e atitu<strong>de</strong>s estratégicas inovadoras<br />

neste milênio. O processo é <strong>de</strong>safiador e complexo, mas os Tribunais <strong>de</strong> Contas, operando<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>stes novos padrões <strong>de</strong> controle, po<strong>de</strong>rão contribuir para o fortalecimento da<br />

cidadania, adotando ações e mecanismos que permitam <strong>de</strong>senvolver uma consciência ética<br />

para que as dificulda<strong>de</strong>s ainda encontradas nas práticas da <strong>Administração</strong> Pública sejam<br />

superadas. Os Tribunais <strong>de</strong> Contas, ao exercer o Controle Externo <strong>em</strong> parceria com agentes<br />

<strong>de</strong> Controle Social, po<strong>de</strong>m ser agentes essenciais <strong>de</strong> efetivida<strong>de</strong> nas relações Estado-<br />

Socieda<strong>de</strong>.<br />

Acreditando que não exist<strong>em</strong> amarrar quando <strong>de</strong>sejamos fazer alguma coisa, i<strong>de</strong>alizamos um<br />

programa voltado para a educação a ser <strong>de</strong>senvolvido pela Escola <strong>de</strong> Contas e Gestão do<br />

Tribunal <strong>de</strong> Contas do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, cuja proposta é engajar os profissionais da<br />

49


educação no compromisso do <strong>de</strong>senvolvimento da cidadania.<br />

Desta forma, e consi<strong>de</strong>rando as transformações pelas quais estão passando a socieda<strong>de</strong> e o<br />

Estado, o Tribunal <strong>de</strong> Contas do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro <strong>em</strong> uma postura mais que<br />

inovadora, po<strong>de</strong>mos dizer até ousada, <strong>de</strong>verá ir ao encontro daqueles que mais precisam <strong>de</strong><br />

amparo e que serão o nosso amanhã. Se serão um sonho ou pesa<strong>de</strong>lo, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da escolha que<br />

fizermos.<br />

A Escola <strong>de</strong> Contas e Gestão do Tribunal <strong>de</strong> Contas do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, ao<br />

antecipar as <strong>de</strong>mandas da socieda<strong>de</strong> po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>senvolver um programa educacional a ser<br />

aplicado na re<strong>de</strong> pública <strong>de</strong> educação estadual e nos noventa e um municípios que estão sob<br />

a jurisdição do Tribunal <strong>de</strong> Contas do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

O programa teria como público alvo, professores, diretores, coor<strong>de</strong>nadores e orientadores<br />

pedagógicos da re<strong>de</strong> pública estadual. O objetivo seria capacitar e motivar os profissionais <strong>de</strong><br />

educação levando-os a perceber que apesar das dificulda<strong>de</strong>s que enfrentam diariamente no<br />

ambiente <strong>de</strong> trabalho, como baixos salários, falta <strong>de</strong> material, etc., os seus alunos, e mais<br />

precisamente o país, precisam <strong>de</strong> uma educação <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> para que possamos superar as<br />

dificulda<strong>de</strong>s que cercam a todos nós.<br />

O ponto <strong>de</strong> partida seria um concurso <strong>de</strong> monografia, sobre os <strong>de</strong>safios da educação, cuja<br />

participação ficaria restrita somente aos profissionais da educação da re<strong>de</strong> pública. Em<br />

segundo momento, convocariam todos os participantes do concurso para realizar uma<br />

pesquisa sobre a percepção que a comunida<strong>de</strong> na qual trabalham t<strong>em</strong> sobre o papel <strong>de</strong><br />

educação e que mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> escola <strong>de</strong>sejam para si e seus filhos.<br />

A partir do resultado da pesquisa, e consi<strong>de</strong>rando as múltiplas realida<strong>de</strong>s da comunida<strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> estão inseridas as escolas, <strong>de</strong>ve-se criar uma pedagogia flexível on<strong>de</strong> cada professor<br />

adaptasse a sua disciplina da maneira que achasse mais confortável, porque enten<strong>de</strong>mos que<br />

mais importante do que adotar esta ou aquela linha pedagógica é <strong>de</strong>spertar no professor o seu<br />

compromisso com a educação para a cidadania.<br />

Dentro da cada disciplina <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser incluídos t<strong>em</strong>as sobre a Constituição Fe<strong>de</strong>ral, direitos<br />

50


fundamentais, o papel do Po<strong>de</strong>r Judiciário, do Po<strong>de</strong>r Executivo e do Po<strong>de</strong>r Legislativo e<br />

outros t<strong>em</strong>as que possam levar os educandos a formar ou reformar a noção que t<strong>em</strong> sobre o<br />

estado das coisas <strong>em</strong> que viv<strong>em</strong>. Aproveitando a oportunida<strong>de</strong>, e para fortalecer o papel do<br />

Tribunal <strong>de</strong> Contas junto à população carente, <strong>de</strong>ve-se fazer uma divulgação das suas<br />

atribuições constitucionais e o relevante papel que <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penha na fiscalização da coisa<br />

pública.<br />

Essa proposta t<strong>em</strong> o objetivo <strong>de</strong> ser mais um instrumento para a construção da uma socieda<strong>de</strong><br />

menos <strong>de</strong>sigual, como também mostrar que é possível que todas as instituições, quer públicas<br />

quer privadas, se comprometam com o b<strong>em</strong> comum <strong>de</strong> todos os brasileiros. E se a educação<br />

é o pilar sobre o qual se constrói uma socieda<strong>de</strong> melhor, não há motivos para que a<br />

preocupação com esta área fique restrita ao Po<strong>de</strong>r Executivo, através <strong>de</strong> sua secretaria <strong>de</strong><br />

educação. Todos po<strong>de</strong>m contribuir com idéias para uma educação <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>.<br />

51


7 CONCLUSÃO<br />

Tentamos mostrar com este trabalho, que preferimos chamar exercício <strong>de</strong> reflexão, que a<br />

mudança é a tônica da História da humanida<strong>de</strong>. Estamos <strong>em</strong> constante reelaboração <strong>de</strong> nós<br />

mesmos quando incorporamos novas maneiras <strong>de</strong> nos organizar – criação do Estado -, quando<br />

enten<strong>de</strong>mos que todos os homens são portadores <strong>de</strong> uma igualda<strong>de</strong> essencial – criação dos<br />

direitos humanos – ou mesmo quando perceb<strong>em</strong>os, através do sofrimento, que somente o b<strong>em</strong><br />

comum po<strong>de</strong>rá superar o caos <strong>em</strong> que está mergulhada a humanida<strong>de</strong>, <strong>em</strong> especial a socieda<strong>de</strong><br />

brasileira.<br />

Percorr<strong>em</strong>os um longo caminho <strong>de</strong> cento e setenta e oito anos <strong>de</strong> história do Brasil e<br />

verificamos que a libertação dos escravos não trouxe consigo a igualda<strong>de</strong> efetiva. Essa<br />

igualda<strong>de</strong> era afirmada nas leis, mas negada na prática. Até hoje a população negra ocupa<br />

posição inferior <strong>em</strong> todos os indicadores <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida. É a parcela menos educada da<br />

população, com os <strong>em</strong>pregos menos qualificados e menores salários e com os piores índices<br />

<strong>de</strong> ascensão social.<br />

Os progressos são inegáveis, mas falta um longo caminho. As mudanças trazidas pelo<br />

renascimento liberal <strong>de</strong>senvolveram a cultura do consumo entre os excluídos que não quer<strong>em</strong><br />

ser cidadãos, mas sim consumidores. É a cidadania pregada pelos novos liberais. E a cultura<br />

do consumo dificulta o <strong>de</strong>satamento do nó, que torna tão lenta a marcha da cidadania entre<br />

nós impedindo a redução das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s e o fim da divisão dos brasileiros <strong>em</strong> castas<br />

separados pela educação, pela renda, pela cor.<br />

A Constituição <strong>de</strong> 1988, endossa <strong>de</strong> forma explícita a concepção cont<strong>em</strong>porânea <strong>de</strong> cidadania,<br />

afinada com as novas exigências da <strong>de</strong>mocracia e fundada no duplo pilar da universalida<strong>de</strong> e<br />

indivisibilida<strong>de</strong> dos direitos humanos, também entrega ao Estado e ao cidadão – <strong>de</strong> forma<br />

implícita – a tarefa <strong>de</strong> educar (<strong>de</strong>ver) e ser educado (direito) <strong>em</strong> direitos humanos e cidadania.<br />

Assim, os compromissos expressos na Constituição colocam-nos a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> superação<br />

das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s educacionais observadas na socieda<strong>de</strong> brasileira, ao <strong>de</strong>finir a educação<br />

como um direito social garantindo a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> condições para acesso e permanência na<br />

escola com um padrão mínimo <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> para todos.<br />

52


A educação <strong>de</strong>ve se dar <strong>de</strong> forma a que os princípios éticos fundamentais que o cercam sejam<br />

assimilados por todos nós, passando a orientar nossas ações, <strong>em</strong> busca da reconstrução dos<br />

direitos <strong>em</strong> nosso país. Só assim é que o efetivo exercício da cidadania e o respeito aos<br />

direitos estarão completos.<br />

Assim, perfilhando as idéias <strong>de</strong> Paulo Freire e D<strong>em</strong>erval Saviani, enten<strong>de</strong>mos que somente<br />

através da educação po<strong>de</strong>r<strong>em</strong>os alterar o curso <strong>de</strong> nossa história. Será preciso então o<br />

engajamento <strong>de</strong> homens comprometidos com a ruptura para elaborar uma pedagogia cujo<br />

objetivo seja recuperar a humanida<strong>de</strong> dos não-cidadãos.<br />

Para tornar os brasileiros cidadãos plenos é necessário que o Estado, através <strong>de</strong> seus gestores,<br />

<strong>de</strong>ve propor ações que compatibiliz<strong>em</strong> as priorida<strong>de</strong>s do governo e o querer da coletivida<strong>de</strong>.<br />

Mas, para <strong>em</strong>preen<strong>de</strong>r essas ações o Estado <strong>de</strong>ve ser ético-político, e a ética, quando estudada<br />

no âmbito da gestão pública, apresenta uma interligação profunda entre Estado e socieda<strong>de</strong>,<br />

principalmente quanto ao exercício da cidadania.<br />

Esse processo envolve muitos atores e não restam dúvidas <strong>de</strong> que o Tribunal <strong>de</strong> Contas do<br />

Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, através <strong>de</strong> sua Escola <strong>de</strong> Contas e Gestão, se constitui <strong>em</strong> um<br />

<strong>de</strong>sses atores, diretamente envolvidos no processo <strong>de</strong> difusão <strong>de</strong> direitos, <strong>de</strong> garantia <strong>de</strong><br />

exercício <strong>de</strong> direitos e sobretudo <strong>de</strong> exercício pleno da cidadania.<br />

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