Curso Intensivo de Pós-Graduação em Administração - ECG / TCE-RJ

CURSO INTENSIVO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - CIPAD
Marlos Luiz de Araújo Costa
Rita de Cássia da Silva Branco
EDUCAÇÃO PARA CIDADANIA E A CORTE DE CONTAS
DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Rio de Janeiro, 2007

EDUCAÇÃO PARA CIDADANIA E A CORTE DE CONTAS
DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
por
Marlos Luiz de Araújo Costa
Rita de Cássia da Silva Branco
Orientador: Vera Lúcia de Almeida Corrêa
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao
Curso Intensivo de Pós-Graduação em
Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas
como requisito parcial para a obtenção do certificado
do curso de pós-graduação, do Programa FGV
Management.
Rio de Janeiro, 2007

Costa, Marlos Luiz de Araújo; Branco, Rita de Cássia da Silva.
Educação para cidadania e a Corte de Contas do Estado do Rio de
Janeiro . /
Marlos Luiz de Araújo Costa. Rita de Cássia da Silva Branco.
55 f., enc.
Orientador: Vera Lúcia de Almeida Corrêa.
Trabalho de conclusão de Curso. Curso Intensivo de Pós-Graduação em
Administração Pública. Fundação Getulio Vargas.
1. História do Brasil. 2. Educação. 3. Cidadania. 4. Direitos Humanos. 5.
Escola de Contas.

FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
PROGRAMA FGV MANAGEMENT
Curso Intensivo de Pós-Graduação em Administração Pública
O Trabalho de Conclusão de Curso
EDUCAÇÃO PARA CIDADANIA E A CORTE DE CONTAS DO
ESTADO DO RIO DE JANEIRO,
elaborado por Marlos Luiz de Araújo Costa e Rita de Cássia da Silva Branco
e aprovado pela Coordenação Acadêmica do Curso Intensivo de Pós-Graduação
em Administração Pública foi aceito como requisito parcial para a obtenção do
certificado do curso de pós-graduação, do Programa FGV Management.
Rio de Janeiro, ____/_____/2007
___________________________________________
Prof. Armando dos Santos Cunha
Coordenador Acadêmico

Termo de Autenticidade
Os alunos Marlos Luiz de Araújo Costa e Rita de Cássia da Silva Branco,
abaixo-assinados, do Curso Intensivo de Pós-Graduação em Administração
Pública, do Programa FGV Management, realizado no período de 07 de outubro
de 2005 a 14 de abril de 2007, declaram que o conteúdo do trabalho de
conclusão de curso intitulado: EDUCAÇÃO PARA CIDADANIA E A
CORTE DE CONTAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, é autêntico,
original, e de sua autoria exclusiva.
Rio de Janeiro, 14 de agosto de 2007
_____________________________
_____________________________

A viagem não acaba nunca. Só os viajantes
acabam.
O fim de uma viagem é apenas o começo
doutra.
É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez
o que já se viu, ver na primavera o que se via
no verão.
Ver de dia o que se viu de noite, ver com sol
onde primeiramente a chuva caíra.
Ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que
mudou de lugar, a sombra que aqui não estava.
É preciso voltar aos passos que foram dados,
para repetir, e para traçar caminhos novos ao
lado deles. É preciso recomeçar a viagem
sempre.
Saramago,1990

SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO...................................................................................................................6
2. CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA NO BRASIL – BREVE HISTÓRICO..................9
2.1. Período colonial............................................................................................................9
2.2. Do Brasil Império a Primeira República (1822 a 1930)........................................10
2.3. A Era Vargas (1930 a 1945)......................................................................................15
2.4. O Período Democrático (1945 a 1964)......................................................................19
2.5. O Governo militar (1964-1985).................................................................................22
2.6. .A cidadania após a redemocratização.....................................................................25
3. EDUCAÇÃO COMO PRÁTICA DA LIBERDADE.....................................................28
3.1. Paulo Freire................................................................................................................28
3.2. Demerval Saviani.......................................................................................................30
4. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS................................................................................37
4.1. A formação do conceito de pessoa............................................................................37
4.2. As etapas históricas na afirmação dos Direitos Humanos.....................................40
4.3. A evolução dos Direitos Humanos no Brasil...........................................................43
5. TRANSFORMAÇÕES RECENTES DO ESTADO BRASILEIRO.............................46
6. O TRIBUNAL DE CONTAS E A INOVAÇÃO..............................................................49
7. CONCLUSÃO...................................................................................................................52
BIBLIOGRAFIA.....................................................................................................................54

1 INTRODUÇÃO
Proclamada em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é considerada o marco
inicial para todo o mundo da promoção dos princípios da dignidade humana. A declaração, e
posteriormente os tratados, as conferências e pactos, instituíram entre as nações um sistema
complexo de proteção e vigilância aos direitos humanos. Mas, apesar de grandes avanços
alcançados até hoje os direitos fundamentais ainda encontram-se desprotegidos.
A pobreza generalizada, a exclusão sócio-econômica, as guerras civis, os massacres e a fome
entre outras mazelas tomam dimensões preocupantes principalmente em países como o Brasil.
As assimetrias sociais, na qual está mergulhada a sociedade brasileira, a cada dia tornam-se
mais evidentes, as políticas públicas não atendem satisfatoriamente as demandas da
população. Diante de tal cenário, o exercício da cidadania fica comprometido.
Sabe-se que quem faz um Estado é o povo, e por isso não é apenas o Estado que garante a
cidadania, mas principalmente o cidadão consciente dos seus direitos e deveres que faz com
que o Estado fique a serviço da cidadania.
Para que isto ocorra, o processo educativo torna-se indispensável na formação do brasileiro,
uma vez que a educação - para a cidadania – tem como pressuposto promover o pleno
desenvolvimento das potencialidades de conhecimento, de julgamento e de escolha do
educando de forma que possa viver de forma consciente em sociedade.
Todos os países que resolveram ou minimizaram seus problemas sociais como o alto índice de
criminalidade, de corrupção, de desigualdades econômicas e sociais, etc., investiram em
educação. E embora, com tantos alunos matriculados no primeiro segmento do ensino
fundamental, o sistema educacional brasileiro, e especificamente o fluminense, carece de
qualidade, pois é muito comum os alunos concluírem o ensino básico mal sabendo ler. Essa
educação pública nem de longe atende ao fim sublime da educação, que é transformar.
Transformar crianças, jovens e adultos em cidadãos titulares dos três direitos que compõem a
cidadania: direitos civis, direitos políticos e direitos sociais.
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Assim e com o objetivo de demonstrar que a educação para a construção da cidadania poderá
ser uma causa abraçada por quaisquer segmentos da sociedade, iniciamos o nosso trabalho
com uma breve história do Brasil, enfocando os entraves que contribuíram para que os
problemas centrais de nosso país, como a violência urbana, o desemprego, o analfabetismo, a
má qualidade de educação, a oferta inadequada dos serviços de saúde e saneamento, e as
desigualdades sociais e econômicas continuem sem solução.
Demonstramos também que com o fim da ditadura militar em 1985, a palavra cidadania caiu
na boca do povo, a Constituição de 1988 foi denominada de Constituição Cidadã e
acreditamos que também tivéramos conquistado a garantia de liberdade, de participação, de
segurança, de desenvolvimento, de emprego, de justiça social, quando na verdade somente a
garantia de liberdade e de participação prosperaram.
Traçamos uma linha evolutiva para mostrarmos que apesar de a idéia de uma igualdade
essencial entre todos os homens ter surgido no período denominado de Axial (séculos VIII a
II a C), foram necessários vinte e cinco séculos para que a primeira organização internacional
englobasse quase a totalidade dos povos da terra e proclamasse, na abertura de uma
Declaração Universal de Direitos Humanos, que todos os homens nascem livres e iguais em
dignidade e direitos. Apontamos como as nossas constituições trataram da questão dos
direitos humanos, dentre os quais se encontra o direito à educação.
Utilizamos a classificação de Marshall que desdobrou a cidadania em direitos civis, políticos
e sociais, sendo cidadão pleno aquele que é titular dos três direitos. Enfatizamos os direitos
sociais por permitirem às sociedades politicamente organizadas a redução dos excessos de
desigualdade produzidos pelo capitalismo, garantindo um mínimo de bem estar para todos. A
idéia central em que se baseiam os direitos sociais é a da justiça social. Dentre os direitos
sociais encontra-se o direito à educação, que tem sido historicamente um pré-requisito para a
expansão dos outros direitos, pois, a ausência de uma população educada tem sido um dos
principais obstáculos à construção da cidadania civil e política.
Assim, e considerando a dinâmica da sociedade, que muda e exige mudança do Estado e de
suas instituições para atender o fim pela qual existem, qual seja o bem comum, o Tribunal de
Contas do Estado do Rio de Janeiro, através de sua Escola de Contas, em uma função
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inovadora, transformar-se-á em um instrumento valioso na construção de uma sociedade
cidadã, desenvolvendo metodologia para uma educação democrática e conscientizadora.
Apontamos também as transformações recentes do papel do Estado e as exigências da
sociedade brasileira moderna. Com base na Carta Magna de 1988, construímos um cenário
para discutir a possibilidade da Corte de Contas de nosso estado, diante das novas exigências
sociais, assumir a função de orientador educacional de políticas públicas fluminenses,
voltadas para uma educação emancipadora.
Como o viés principal deste trabalho é a educação para a cidadania, não poderíamos deixar de
mencionar algumas teorias pedagógicas. Entretanto, e por não ser este trabalho um tratado
sobre teorias educacionais, nos restringimos às teorias de Paulo Freire e de Demerval Saviani,
pois esses dois brasileiros ao apresentarem alternativas de ensino cujo fim seria a libertação e
construção de um novo indivíduo brasileiro capaz de tomar as rédeas de seu próprio destino,
transformando-se em cidadão pleno, contribuíram para a formação da concepção da educação
como um ato político e transformador da realidade social.
A educação para a cidadania reveste-se de extrema importância por abordar uma questão
fundamental para que possamos deixar de ocupar o ranking de campeão das desigualdades
sociais, da criminalidade, da corrupção, etc., fazendo com que esta nação cumpra o seu papel
no cenário mundial ao lado de nações que superaram seus problemas internos.
Por fim, gostaríamos de destacar que os autores têm consciência das amarras históricas de
poder nas quais a sociedade brasileira e suas instituições estão presas. Mas, escolhemos ousar
e desenvolver um trabalho que demonstre que sonhar por um país menos desigual fruto do
esforço de todos sempre é possível, e que o sonho de hoje poderá se tornar a realidade de
amanhã, pois como disse Bernard Shaw: Imaginar é o princípio da criação. Nós imaginamos o
que desejamos, queremos o que imaginamos e, finalmente, criamos aquilo que queremos.
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2 CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA NO BRASIL – BREVE HISTÓRICO
2.1 O período colonial
O período de três séculos de colonização portuguesa não propiciou a formação de uma
sociedade cidadã, pois a escravidão e a grande propriedade não constituíram ambiente
favorável à formação de futuros cidadãos. Os escravos não tinham os direitos civis básicos à
integridade física, à liberdade, à própria vida. Entre os escravos e senhores existia uma
população legalmente livre, mas a que faltavam quase todas as condições para o exercício dos
direitos civis, sobretudo a educação. Por outro lado, não se pode dizer que os senhores fossem
cidadãos, pois apesar de serem livres e terem o direito de votar e serem votados nas eleições
municipais, faltava-lhes o sentido de cidadania, a noção de igualdade de todos perante a lei.
Eram simples potentados que absorviam parte das funções do Estado, sobretudo as funções
judiciárias.
Os direitos civis beneficiavam a poucos, os direitos políticos a pouquíssimos, dos direitos
sociais ainda não se falava. A assistência social estava a cargo da Igreja e de particulares.
Outro aspecto da administração colonial portuguesa que dificultava o desenvolvimento de
uma consciência de direitos era o descaso pela educação primária. “(...) em 1872, meio século
após a independência, apenas 16% da população era alfabetizada” (CARVALHO, 2004,
p.23).
Quanto à educação superior, em contraste com a Espanha, Portugal nunca permitiu a criação
de universidades em sua colônia. As escolas superiores só foram admitidas após a chegada da
corte, em 1808. Os brasileiros que quisessem, e pudessem, ir para Universidade tinham que ir
para Portugal, sobretudo a Coimbra.
As características de nossa sociedade colonial teve como conseqüência uma “apatia” social
sendo raras as manifestações cívicas durante aquele período. Excetuadas as revoltas escravas,
das quais a mais importante foi a de Palmares, quase todas as outras foram conflitos entre
setores dominantes ou reações de brasileiros contra o domínio colonial.
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Chegou-se ao fim do período colonial com um país dotado de unidade territorial, lingüística,
cultural e religiosa formado por uma população analfabeta, uma sociedade escravocrata, uma
economia monocultura e latifundiária e um Estado absolutista, onde a grande maioria da
população estava excluída dos direitos civis e políticos e não possuía um sentimento de
nacionalidade.
2.2 Do Brasil Império a Primeira República (1822 a 1930)
Com a independência em 1822, não houve modificação do panorama brasileiro, pois de um
lado a herança colonial era por demais negativa e por outro, o processo de independência
envolveu conflitos muito limitados. “A principal característica política brasileira foi a
negociação entre a elite nacional, a coroa portuguesa e a Inglaterra, tendo como figura
mediadora o príncipe D. Pedro” (CARVALHO, 2004, p.26). Essa negociação garantiu a
manutenção da monarquia conservadora com a casa de Bragança e a continuidade do modelo
social do período colonial.
Com todo o seu liberalismo a Constituição outorgada de 1824, representou um avanço no que
se refere aos direitos políticos ao estender o direito de voto à maioria da população masculina.
Contudo, isso não representou um direito de cidadania, porque a maioria dos homens não
tinha noção do que representava um governo representativo e o que significava escolher
alguém como seu representante político.
Na prática, a extensão do voto se traduziu numa disputa acirrada entre o domínio político
local, pois perder as eleições significava perder prestígio social e poder sobre os cargos
públicos, como delegados e juizes. Assim, para garantir a manutenção do poder local, as
eleições tornaram-se espetáculos tumultuados, violentos em que se acabava ganhando
literalmente no grito.
A total desorganização e incapacidade do governo em organizar as eleições favoreceu a
criação de figuras especializadas em burlá-las. Podemos citar os cabalistas (cuja função era
alistar o maior número possível de votantes), os fósforos (pessoa que se passava pelo
verdadeiro votante) e o capanga eleitoral (cuidava da parte mais truculenta do processo).
Ainda existiam a eleição “a bico de pena”, que se dava através de um preenchimento de ata,
mesmo quando não aparecia nenhum eleitor.
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Nessas circunstâncias, o voto não representava o direito de participar da vida política do país
era um ato de obediência forçada ao poder local. E à medida que os votantes entenderam a
importância que o voto tinha para os políticos locais, transformaram-no em uma mercadoria a
ser vendida pelo melhor preço. O encarecimento do voto e a fraude generalizada levaram à
uma crescente campanha pelo voto direto com o estabelecimento de uma renda limitadora e
pela proibição de voto aos analfabetos.
Em 1831 o Brasil caminhou para trás perdendo a vantagem que adquirira com a Constituição
de 1824, pois a Câmara dos Deputados aprovou uma lei que, apesar de introduzir o voto
direto e facultativo limitou-o ao excluir os analfabetos, visto que somente 20% da população
masculina era alfabetizada, e passou a exigir uma renda de 200 mil réis.
A Primeira República (1889-1930) não significou grande mudança. A Constituição
republicana de 1891, eliminou apenas a exigência de renda. A principal barreira ao voto, a
exclusão dos analfabetos, foi mantida assim como também foi mantida a proibição de voto às
mulheres, aos mendigos, aos soldados e aos membros das ordenações religiosas. Foi
introduzida a federação nos moldes dos Estados Unidos, o que facilitou a formação de sólidas
oligarquias estaduais que conseguiram envolver todos os mandões locais, bloqueando
qualquer tentativa de oposição política.
Nesse cenário, as práticas eleitorais fraudulentas foram aperfeiçoadas e os eleitores
continuavam a ser coagidos, comprados, enganados ou simplesmente excluídos. Mas, apesar
de todas as leis que restringiam o direto do voto e de todas as práticas que o deturpavam, não
houve no Brasil, até 1930, movimentos populares exigindo maior participação eleitoral. A
única exceção foi o movimento pelo voto feminino, que acabou sendo introduzido após a
revolução de 1930.
A herança colonial pesou mais na área dos direitos civis. O novo país herdou a escravidão,
que negava a condição humana do escravo, a grande propriedade rural, fechada à ação da lei,
e um Estado comprometido com o poder privado. Três empecilhos ao exercício da cidadania
civil.
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A escravidão era amplamente difundida no Brasil e os seus valores estavam tão enraizados em
toda a sociedade brasileira que até mesmos os escravos, embora repudiassem a sua condição,
quando libertos admitiam escravizar os outros. Dentro desse panorama é importante lembrar a
posição da Igreja Católica que defendia a interpretação de que a Bíblia admitia a escravidão,
pois o que se deveria evitar era escravidão da alma, causada pelo pecado, e não a do corpo. O
máximo que os pensadores luso-brasileiros encontravam na Bíblia em favor dos escravos era
a exortação de São Paulo aos senhores no sentido de tratá-los com justiça e eqüidade.
A escravidão somente foi colocada seriamente em questão após o final da guerra contra o
Paraguai, quando se mostrara perigosa para a defesa nacional ao impedir a formação de um
exército de cidadãos, o que enfraquecia a segurança interna. O principal argumento que se
apresentava no Brasil em favor da abolição era, o que José Murilo de Carvalho denominou de
“Razão Nacional”, utilizada por José Bonifácio e Joaquim Nabuco. Para eles a escravidão era
um obstáculo à formação de uma verdadeira nação e de forças armadas poderosas, na medida
em que impedia a integração social e política do país, o desenvolvimento das classes sociais e
do mercado de trabalho, causando o crescimento exagerado do Estado e do número dos
funcionários públicos, falseando o governo representativo.
Os valores de liberdade individual, base dos direitos civis, não tinham importância em nosso
país, pois a defesa pelo fim da escravidão não se fundamentava no iluminismo libertário, na
ênfase nos direitos naturais, na liberdade individual. Estava pautada nos aspectos
comunitários da vida religiosa e política. Insistia na supremacia do todo sobre as partes, da
cooperação sobre a competição e da hierarquia sobre a igualdade.
Mas, a influência de um Estado absolutista, em Portugal, acrescida da influência da
escravidão, no Brasil, deturpou essa visão comunitária da vida, resultando em apelos, quase
sempre ignorados, em favor de um tratamento benevolente dos súditos e dos escravos. O
melhor que se podia obter nessas circunstâncias era o paternalismo do governo e dos
senhores, que podia minorar sofrimentos, mas nunca construir uma autêntica comunidade e
muito menos uma cidadania ativa.
Isso se refletiu no tratamento dado aos ex-escravos após a abolição. Aos libertos não foram
dadas nem escolas, nem terras, nem emprego. Passada a euforia da libertação, muitos
regressaram a sua fazenda para retomar o trabalho por baixos salários. Outros se dirigiram às
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cidades, como Rio de Janeiro, onde foram engrossar a grande parcela da população sem
emprego fixo. Onde havia dinamismo econômico causado pela expansão do café, como São
Paulo, os empregos foram ocupados pelos imigrantes italianos. Lá os ex-escravos foram
expulsos ou relegados aos trabalhos mais brutos e mais mal pagos.
As conseqüências foram duradouras para a população negra. Ela teve que enfrentar sozinha o
desafio da ascensão social, e freqüentemente precisou fazê-lo por rotas originais, como o
futebol, o samba e o carnaval. Mas a escravidão não afetou somente o escavo, que não
desenvolveu a consciência de seus direitos civis. Afetou também o senhor que não admitia os
direitos civis dos escravos e exigia privilégios para si próprio.
O outro grande obstáculo à expansão da cidadania foi a grande propriedade rural. Até 1930, o
Brasil era um país predominantemente agrícola. Sua economia estava baseada na exportação
de café, de açúcar e de algodão. Na sociedade rural, dominavam os grandes proprietários que
antes de 1888, eram também, na grande maioria, proprietários de escravos. Eram eles e os
comerciantes urbanos que sustentavam a política do coronelismo. E foi em São Paulo e Minas
Gerais que esse sistema político atingiu a perfeição e contribuiu para o domínio que os dois
estados exerceram sobre a federação na primeira República.
O coronelismo impedia a participação política porque negava os direitos civis. Nas fazendas
imperava a lei do coronel, seus trabalhadores e dependentes não eram cidadãos do Estado
brasileiro eram seus súditos. Nesse sistema político em que o coronel controlava os cargos de
delegado, de juizes, de coletor de impostos, etc., a justiça e a polícia estavam postas a serviço
do poder privado. E a justiça privada ou controlada por agentes privados é a negação da
justiça. Seus amigos e aliados eram protegidos, seus inimigos eram perseguidos ou ficavam
simplesmente sujeitos aos rigores da lei. E daí que vem o jargão popular: para os amigos tudo,
para os inimigos a lei.
Isso demonstra que a lei que devia ser a garantia de igualdade de todos, acima do arbítrio do
governo e do poder privado tornava-se apenas instrumento de castigo, arma contra os
inimigos, algo a ser usado em benefício próprio. Nessas circunstâncias não poderia haver
cidadãos políticos. Mesmo que lhes fosse permitido votar, eles não teriam as condições
necessárias para o exercício independente do direito político.
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A assistência social era exercida pelas irmandades religiosas, sociedades de auxílio mútuo e
as santas casas de misericórdia. O governo pouco cogitava de legislação trabalhista e de
proteção ao trabalhador. Houve até retrocesso na legislação. A constituição republicana de
1891 retirou do estado a obrigação de fornecer educação primária, constante da constituição
de 1824, e proibia ao governo federal interferir na regulamentação do trabalho. Tal
interferência era considerada violação da liberdade do exercício profissional.
Somente em 1926, quando a constituição sofreu sua primeira reforma, é que o governo federal
foi autorizado a legislar sobre o trabalho. Mas, fora o Código de Menores de 1927, nada foi
feito até 1930. Durante a primeira república, a presença do governo nas relações entre patrões
e empregados era questão de polícia. No campo de legislação social, apenas algumas tímidas
medidas foram adotadas, a maioria delas após a assinatura pelo Brasil do tratado de Versalhes
(1919) e do ingresso do país na Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O que houve de mais importante nesse período foi a criação de uma Caixa de aposentadoria e
pensão para os ferroviários em 1923. Logo, o sistema de caixas expandiu-se para outras
empresas sendo o germe da legislação social da década seguinte. As poucas medidas tomadas
restringiam-se ao meio urbano. No campo a pequena assistência social que existia era
exercida pelos coronéis. Os grandes proprietário eram o único recurso dos trabalhadores
quando se tratava de comprar remédios, de chamar um médico, de ser levado a um hospital e
de ser enterrado.
A dominação exercida pelos coronéis incluía esses aspectos paternalistas que lhe davam
alguma legitimidade. Em troca do trabalho e da lealdade o trabalhador recebia proteção contra
a polícia e assistência em momentos de necessidade. Esses lados das relações mascaravam a
exploração do trabalhador e ajuda a explicar a durabilidade dos poder dos coronéis.
A urbanização evoluiu lentamente concentrando-se em algumas capitais, principalmente do
Rio de Janeiro e São Paulo. Em 1920 havia no Brasil 275.512 operários industriais urbanos, e
embora esse número fosse pequeno, representava alguma diversidade social e política. No
Rio, a industrialização era mais antiga e o operariado, mais nacional formada por portugueses
e negros, inclusive ex-escravos. Em São Paulo a maioria era composta por italianos e
espanhóis.
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Surgiram movimentos operários, influenciados, em sua maioria, pelo anarquismo trazido
pelos imigrantes europeus. Enfrentaram repressões comandadas pelos patrões e pelo governo.
Com a criação do PCdoB em 1922, formada por ex-anarquista, a influência anarquista
declinou e o movimento operário como um todo perdeu força durante a década de 20, só
vindo a ressurgir após 1930. Sob o ponto de vista da cidadania o movimento operário
representou um avanço inegável, sobretudo no que se refere aos direitos civis. Lutava por
direitos básicos, como o de organizar-se, de manifestar-se, de escolher o trabalho, e por uma
legislação trabalhista e por direitos sociais.
Os anarquistas rejeitavam qualquer relação com o Estado e com a política, o Congresso e até
mesmo a idéia de pátria. O Estado para eles, não passava de um servidor da classe capitalista,
o mesmo se dando com os partidos políticos, as eleições e até mesmo a idéia de pátria. Assim
é que os poucos direitos políticos civis conquistados não puderam ser postos a serviços dos
direitos políticos.
Ao final da colônia, antes da chegada da corte portuguesa, não havia pátria brasileira, e a
colônia portuguesa estava preparada para o mesmo destino da colônia espanhola: fragmenta-
se em vários países distintos. Não havia sentimento de pátria comum entre os habitantes da
colônia. A identificação emotiva era com a província, o Brasil era apenas uma construção
política, um ato de vontade movido pela mente e não pelo coração.
Foram as lutas contra inimigos estrangeiros que criaram alguma identidade. O principal
acontecimento que contribui para a formação da identidade brasileira foi a guerra contra o
Paraguai, que envolveu grandes parcelas da população. Mas até 1930, não havia povo
organizado politicamente nem sentimento nacional consolidado. O povo não tinha lugar no
sistema político, seja no Império, seja na República. O Brasil era ainda para ela uma realidade
abstrata. E aos grandes acontecimentos políticos nacionais ele não participava, assistia.
2.3 A Era Vargas (1930 – 1964)
Em 3 de outubro de 1930, o presidente da república Washington Luís foi deposto por um
movimento armado dirigido por civis e militares de três estados da federação, Minas Gerias,
Rio Grande do Sul e Paraíba, pondo fim à Primeira República.
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Entre 1930 e 1937, o Brasil viveu uma fase de grande agitação política. O movimento que
levou ao fim da primeira República era heterogêneo do ponto de vista social e ideológico. Os
dois blocos principais eram as dissidências oligárquicas, que queriam ajustes na situação
anterior e os jovens militares civis que queriam reformas mais profundas que feriam os
interesses das oligarquias . A principal era a reforma agrária.
Do lado oposto, as velhas oligarquias, sobretudo a de São Paulo que procuravam bloquear as
reformas. O receio dos proprietários aumentou depois da adesão do capitão Luís Carlos
Prestes ao Partido Comunista em fins de 1930, que passou a pregar uma revolução segundo o
modelo de 1917, feita pela aliança entre operários, camponeses e soldados. Isso era anátema
para as oligarquias e também para alguns segmentos conservadores do país que começaram
difundir a idéia de que o exército era um perigo não à ordem atual, mas às próprias
instituições basilares do organismo nacional.
O prolongamento do governo revolucionário provocou também o crescimento da
oposição, sobretudo em São Paulo, onde as elites se reuniram para pedir o fim da intervenção
federal no estado e a volta do país ao regime constitucionalista. Em 1932, a elite paulista
revolta-se contra o governo federal, na chamada Revolução Constitucionalista. Pediram o fim
do governo ditatorial e a convocação de eleição para escolher uma assembléia constituinte.
Sua causa era aparentemente inatacável: a restauração da legalidade, do governo
constitucional. Mas seu espírito era conservador: buscava-se frear as reformas, deter o
tenentismo e restabelecer o controle do governo federal pelos estados.
Apesar de seu conteúdo conservador, a revolta paulista foi uma demonstração de entusiasmo
cívico, pois houve mobilização geral. Não favoreceu a formação da identidade brasileira, mas
revelou e reforçou um forte sentimento de identidade paulista. Apesar de perder a guerra, os
paulistas ganharam no campo das eleições, foi convocada eleição para assembléia
constituinte, em1933, foi introduzido o voto secreto e criada uma justiça eleitoral, as mulheres
ganharam o direito ao voto e foi introduzida a representação classista (os deputados eram
escolhidos pelos sindicatos) em uma tentativa de reduzir a influência das oligarquias estaduais
no congresso nacional.
A constituinte confirmou Getúlio Vargas na presidência e elaborou uma constituição inspirada
na de Weimar, de conteúdo liberal. Entretanto, os reformistas autoritários viam no
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liberalismo uma simples estratégia par evitar as mudanças e preservar o domínio oligárquico.
Após a constitucionalização do país, a luta política recrudesceu. Formaram-se dois grandes
movimentos políticos: um à esquerda, Aliança Nacional Libertadora (ANL) liderada por Luís
Carlos Prestes, sob orientação da Terceira Internacional; outra à direita, Ação Integralista
Brasileira (AIB) de orientação fascista, dirigida por Plínio Salgado.
Os partidários da ANL e da AIB divergiam ideologicamente em vários pontos mas se
assemelhavam quando mobilizavam a massa, pregavam o fortalecimento do governo central,
defendiam um estado intervencionista, desprezavam o liberalismo, propunham reformas
econômicas e sociais. Eram movimentos que atraíam setores da classe média industrial
urbana, que eram os que se sentiam mais prejudicados pelo domínio oligárquico.
Sob a influência do Partido Comunista, a ANL, decidiu radicalizar sua posição promovendo
uma revolução popular. Sem apoio popular o governo não teve dificuldades em reprimi-la, e
a aproveitou a situação para expulsar do exército os elementos mais radicais e para exagerar o
perigo de uma revolta no país. A luta contra o comunismo serviu ainda ao governo para
preparar o fim do curto experimento constitucional inaugurado em 1934.
Com o apoio dos generais Góis Monteiro e Gaspar Dutra, que acreditavam que o papel do
exército seria tutelar o governo e a nação, através de um projeto que incluísse propostas de
transformações econômicas e sociais dentro dos limites da ordem, Vargas, em 1937 pôs fim
ao regime constitucional.
O golpe de 1937 e o estabelecimento do Estado Novo, cuja bandeira era a luta contra o
comunismo e a postura nacionalista e industrializante do governo, teve o apoio entusiasta do
integralismo. Esse nacionalismo econômico só cresceu com o passar do tempo devido à luta
de Vargas pelo estabelecimento de uma siderurgia nacional e pelo monopólio estatal da
extração e refino de petróleo.
Assim, as transformações econômicas pelas quais passaram o país a partir de 1930, explicam
a pequena resistência ao Estado Novo. E a aceitação do golpe indica que os avanços
democráticos posteriores a 1930 ainda eram frágeis. A oposição só ganhou forças por efeito
das mudanças externas trazidas com o final da Segunda Guerra Mundial.
17

De 1929 a 1945 o país viveu sob o regime ditatorial civil, garantido pelas forças armadas, em
que as manifestações políticas eram proibidas, o governo legislava por decreto, a censura
controlava a imprensa, os cárceres se enchiam de inimigos do regime. Mas, se os direitos
políticos foram limitados e sujeitos a vários recuos, o mesmo não aconteceu com os direitos
sociais. Vasta legislação trabalhista foi promulgada, culminando na Consolidação das Leis
Trabalhistas (CLT). Na área da previdência social o avanço foi notável, a partir de 1933
criaram-se os institutos de aposentadorias e pensões para as diversas categorias trabalhistas,
com a contínua ampliação da rede de beneficiados, estendendo a previdência social a quase
todos os trabalhadores urbanos.
Um dos aspectos do autoritarismo estado-novista, que rejeitava o conflito social, revelou-se
no esforço de organizar patrões e operários, através da sindicalização obrigatória, controlada
pelo governo. Só os sindicalizados gozavam de proteção do Estado contra os empresários, e
somente eles podiam beneficiar-se da legislação previdenciária. Desta forma, os operários
viviam um dilema: liberdade sem proteção ou proteção sem liberdade.
Entretanto, essa legislação previdenciária, que excluía categorias importantes de
trabalhadores, como os rurais, que ainda eram a maioria, revela uma concepção política social
como privilégio e não como direito, na medida em que favorecia de modo particular aqueles
que se enquadravam na esfera sindical corporativa montada pelo Estado. Essa política social,
se traduzia em uma cidadania limitada, pois, se se protegia com legislação trabalhista,
constrangia-se com a legislação sindical.
O período de 1930 a 1945 foi a era dos direitos sociais. Nele foi implantado o grosso da
legislação previdenciária e trabalhista, foi a era do avanço sindical. Mas essa legislação
introduzida em ambiente de baixa participação política e de precária vigência de direitos civis,
tornaram duvidosa sua definição de conquista democrática e comprometeram em parte sua
contribuição para o desenvolvimento de uma cidadania ativa e reivindicadora. Nesse contexto,
os direitos sociais eram vistos como um favor do governo em troca do qual deviam gratidão e
lealdade. E a cidadania que resultou foi passiva e receptora.
18

2.4 O Período Democrático (1945- 1964)
Após a derrubada de Vargas é eleito presidente do Brasil o general Eurico Gaspar Dutra. A
Constituição de 1946 manteve as conquistas sociais do período anterior e garantiu os
tradicionais direitos civis e políticos. A influência de Vargas marcou todo o período, que
acabou sendo eleito pelo voto popular em 1950. Seu segundo governo foi marcado por
radicalização populista e nacionalista, que contava com apoio dos trabalhadores, de sua
máquina sindical, do Exército, do empresariado nacionalista, da intelectualidade e do PTB.
A oposição vinha dos liberais agrupados na União Democrática Nacional (UDN), dos
militares anticomunistas, do empresariado brasileiro ligado ao capital internacional e do
próprio capital internacional, representado pelas grandes multinacionais do petróleo.
Petróleo, política sindical e trabalhadores foram as causas dos principais enfrentamentos
políticos que resultaram na conspiração da oposição para derrubar o presidente, exigindo a
sua renúncia. Entretanto, Vargas preferiu se matar. A reação popular foi imediata e mostrou
que mesmo na morte o prestígio do ex-presidente mantinha-se intacto, Vargas tornara-se um
herói popular devido a sua política trabalhista.
Após a morte de Vargas, seguiram-se golpes e contragolpes para garantir ou impedir a posse
de Juscelino Kubitschek. Apesar da oposição civil e de revoltas militares, a habilidade do
novo presidente permitiu-lhe dirigir o governo mais dinâmico e democrático da história
republicana. O Estado investia em obras de infra-estrutura e procurou atrair capital privado
nacional e estrangeiro para promover a industrialização do país.
Os conflitos do último governo de Vargas não tinham desaparecidos, mas eram amortecidos
pelas altas taxas de desenvolvimento econômico, que girava em torno de 10% ao ano, que
distribuíam benefícios a todos, operários e patrões, industriais nacionais e estrangeiros. O
salário mínimo real atingiu seus índices mais altos. Apesar de tudo, os trabalhadores rurais
permaneceram de fora da legislação trabalhista e sindical.
O governo de Kubitschek se traduziu em uma política de conciliação de interesses, e mesmo
ao final do período, quando começaram a surgir sinais de dificuldades, Juscelino encerrou o
seu mandato em paz, elegendo o seu sucessor Jânio Quadros, em 1960. Seu governo foi curto.
19

Tomou posse em janeiro de 1961 e renunciou em agosto do mesmo ano. Como os ministros
militares não aceitaram a posse de seu vice-presidente (João Goulart), instalou-se uma crise
política, renovando a disputa que dividia políticos e militares, desde o governo de Vargas.
Por dez dias, o país se viu à beira da guerra civil. A solução encontrada pelo Congresso foi
adotar o sistema parlamentarista, que retirava do presidente grande parte de seus poderes. Mas
Goulart e as forças que o apoiava buscaram reverter a situação e restaurar o presidencialismo.
Devido a pressões políticas, o Congresso marcou um plebiscito que em 1963 decidiu a favor
do presidencialismo. Jango assumiu os plenos poderes de um presidente.
A partir de então, a luta política rapidamente se radicalizou em uma oposição entre esquerda e
direita. As direitas, civil e militar, começaram a se organizar e a se preparar para o confronto.
O bordão do anticomunismo foi usado intensamente. Planos para derrubar o presidente
começaram a ser traçados, contando com a simpatia do governo norte-americano.
Do lado da esquerda a unidade era frágil, o que levou à ausência de atividade combativa,
entretanto alguns segmentos se fizeram presentes, como os sindicatos, cuja cúpula estava sob
o comando de alguns membros do Partido Comunista. Surgem também organizações
nacionais unificadas de trabalhadores, como o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) e o
Pacto de Unidade e Ação (PUA). Nesse período a União Nacional dos Estudantes (UNE)
adquire grande dinamismo e influência.
Surgiram ameaças de greve em favor das reformas de base (compreendia reforma agrária,
bancária, educacional e política), do movimento dos sargentos e contra o estado de sítio.
Leonel Brizola, do PDT, organizou em grupo paramilitar, preparado para agir à margem dos
mecanismos legais. No Congresso, formou-se uma Frente Parlamentar Nacionalista. Surgem o
Partido Comunista do Brasil (P C do B) e o Partido da Política Operária. (POLOP).
A mobilização política atingiu também a Igreja Católica, que passou a investir no movimento
estudantil, no movimento operário e na educação de base. A grande novidade, no entanto,
veio do campo. Os trabalhadores rurais, posseiros e pequenos proprietários entraram na
política com voz própria. O movimento começou no Nordeste em 1955, sob o nome de Liga
Camponesa. Ganhou notoriedade com a adesão de Francisco Julião, que em 1960 foi a Cuba.
20

A partir daí, a política da Liga se radicalizou e o movimento passou a contar com o apoio
financeiro de Cuba.
Essa aproximação assustou os proprietários de terras, cuja reação se tornou mais violenta. Os
Estados Unidos da América também se inquietaram e começaram a dirigir para o Nordeste
pessoal e recurso da Aliança para o Progresso. Na tentativa de desmobilizar os trabalhadores
do campo, em 1953, o governo promulgou o Estatuto do Trabalhador Rural, que pela primeira
vez, estendia ao campo a legislação sindical e social.
O sindicalismo rural, acoplado a um movimento nacional de esquerda, que reclamava
mudanças estruturais, inclusive reforma agrária, parecia ameaça real. Muitos fazendeiros se
prepararam para a resistência armada, e em alguns pontos do país houve conflitos violentos
envolvendo fazendeiros e trabalhadores rurais.
Em 1963, sargentos da Marinha e Aeronáutica se rebelaram em Brasília, prendendo o
Presidente da Câmara dos Deputados e um Ministro da Suprema Corte. A gravidade de
revolta cresceu quando a UNE a o CGT deram apoio aos sargentos.
João Goulart cedeu à força da esquerda e realizou comícios populares, com o objetivo de
pressionar o Congresso a aprovar a reforma de base. O primeiro aconteceu no Rio de Janeiro,
em 13 de março de 1964. A oposição reage e também realiza comícios, sob o lema: Marcha
da família com Deus pela Liberdade. Diversas revoltas militares que se seguiram culminou
com o golpe militar de 31 de março. As grandes massas, em nome das quais falavam os
líderes da esquerda não apareceram para defender o governo. As que apareceram foram as da
classe média para celebrar a queda do presidente.
O período de 1930 a 1937 representou um primeiro ensaio de participação popular na política
nacional. Após 1945, o ambiente internacional era novamente favorável à democracia
representativa, e isto se refletiu na Constituição de 1946. A participação do povo na política
cresceu significativamente, tanto pelo lado das eleições, como da ação política organizada em
partidos, sindicatos, ligas de camponeses e outras associações.
As práticas eleitorais ainda estavam longe de perfeição. A fraude era facilitada por não haver
cédula oficial para votar, e os coronéis mantinham várias práticas antigas de compra de voto e
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coerção de eleitores. Entretanto, fazia-se progresso em direção a uma eleição limpa. A rápida
urbanização do país facilitava a mudança. O eleitor urbano era muito menos vulnerável ao
aliciamento e à coerção. Mas, era vulnerável aos apelos populistas, e foi ele quem deu vitória
a Vargas em 1950, a Kubitschek em 1955 e a Goulart (como vice-presidente) em 1960.
No populismo, o povo era massa de manobra em disputas entre grupos dominantes e baseava-
se em apelos paternalistas ou carismáticos, não em coerção. A relação populista era dinâmica.
A cada eleição fortaleciam-se os partidos populares e aumentava o grau de independência e
discernimento dos eleitores. O progressivo amadurecimento democrático pode ser verificado
na evolução partidária. Foi nesse período que surgiram partidos nacionais, de massa e com
programas definidos.
Apesar do avanço da democracia ela foi a pique em 1964. Esse fato pode ser explicado por
dois ângulos: primeiro, porque as elites, tanto da direita, quanto da esquerda, não tinham
convicções democráticas e se envolveram em uma corrida pelo controle do governo que
deixava de lado a prática da democracia representativa, e segundo porque não havia
organizações civis fortes e representativas que pudessem refrear o curso da radicalização.
O golpe de 1964, pôs a perder o que se tinha conquistado em mobilização e aprendizado
político. O país entrou em nova fase de supressão das liberdades, em novo regime ditatorial,
sob o controle direto dos militares.
Os direitos sociais não evoluíram durante o período democrático, pois apesar da legislação
previdenciária e trabalhista, os trabalhadores rurais e autônomos e as empregadas domésticas
continuaram desamparados. Sem nenhuma organização, os empregados constituíam um
grande mercado informal de trabalho em que predominavam relações pessoais que lembravam
práticas escravistas.
2.5 O governo militar (1964-1985)
Derrubado Goulart, os políticos civis que tinham apoiado o golpe, sobretudo os da UDN,
foram surpreendidos pela decisão dos militares em assumir o poder diretamente. O general
Castelo Branco foi imposto a um Congresso já expurgado de muitos oposicionistas. Os
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direitos civis e políticos foram duramente atingidos pelas medidas de repressão. Os
instrumentos legais de repressão foram ao “atos institucionais”.
O primeiro, de 09 de abril de 1964, cassou os direitos políticos, pelo período de dez anos, de
grande número de líderes políticos, sindicais, intelectuais e militares. O segundo, de 02 de
outubro de 1965, aboliu a eleição direta para presidente da República, dissolveu os partidos
políticos, reformou o judiciário e restringiu o direito de opinião.
Nova retomada autoritária aconteceu em 1968, com o Ato Institucional nº 5 (AI-5), o mais
radical de todos, o que mais atingiu os direitos políticos e civis, em repressão à mobilização
de alguns setores da sociedade, sobretudo os operários e os estudantes, contra o governo. O
congresso foi fechado, o habeas corpus para crimes contra a segurança nacional foi suspenso
e todos os atos decorrentes do AI-5 foram colocados fora da apreciação judicial.
Sob o general Médice, as medidas repressivas atingiram seu ponto culminante. Nova lei de
segurança nacional foi introduzida, incluindo a pena de morte por fuzilamento. A máquina de
repressão cresceu rapidamente e tornou-se quase autônoma dentro do governo. A censura à
imprensa eliminou a liberdade de opinião, não havia reunião, os partidos eram regulados e
controlados pelo governo, os sindicatos estavam sob ameaça constante de intervenção, era
proibido fazer greve, o direito de defesa era cerceado pelas prisões arbitrárias, a justiça militar
julgava crimes civis, a inviolabilidade do lar e da correspondência não existia, a integridade
física era violada pela tortura nos cárceres do governo, o próprio direito à vida era
desrespeitado.
O período militar foi a época do milagre econômico brasileiro, em que a taxa de crescimento
manteve-se em torno de 10% e foi quando o Brasil conquistou no México o tricampeonato
mundial de futebol. O governo Médice, que reprimia ferozmente a oposição, soube aproveitar
o momento de grande exaltação patriótica para aumentar a sua popularidade. Uma onda de
nacionalismo xenófobo e reacionário percorreu o país.
A rápida expansão da economia veio acompanhada de grandes transformações na demografia
e na composição de oferta de empregos, houve grande deslocamento da população do campo
para a cidade e aumento do número de empregados. Paralelamente, à migração para a cidade
23

ocorreu um deslocamento maciço de pessoas do setor primário, para o secundário e o
terciário.
Salvo curtas interrupções o Congresso permaneceu aberto e em funcionamento, com um
sistema bipartidário entre o partido do governo (Aliança Renovadora Nacional – ARENA) e
o partido da oposição (Movimento Democrático Brasileiro – MDB). O eleitorado cresceu
sistematicamente durante o governo militar.
Ao mesmo tempo em que cerceavam os direitos políticos e civis, os militares investiam na
expansão dos direitos sociais. Unificaram e universalizaram a previdência com a criação em
1966 do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) e do Fundo de Assistência Rural
(FUNRURAL), em 1971, que efetivamente incluía os trabalhadores do campo. As duas
categorias urbanas excluídas da previdência (empregadas domésticas e trabalhadores
autônomos) foram incorporadas à previdência em 1972 e 1973, respectivamente.
Para atender à exigência dos empresários, acabaram com a estabilidade no emprego e para
compensar criaram o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) em 1966. Criou-se
também o Banco Nacional de Habitação (BNH), cuja função era facilitar a compra da casa
própria aos trabalhadores de menor renda, e como coroamento das políticas sociais, foi criado
em 1974, o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS).
Em 1974, o general Ernesto Geisel promoveu um lento retorno à democracia, processo que
ficou conhecido como abertura política. O general diminuiu as restrições à propaganda
eleitoral, revogou o AI- 5, restabeleceu o habeas corpus, atenuou a Lei de Segurança Nacional
e permitiu o retorno de cento e vinte exilados políticos. Em 1979, o Congresso votou lei de
anistia e foi abolido o bipartidarismo, dando espaço a que seis novos partidos políticos
surgissem. Foi permitida eleição direta para governadores de estados. Como ato final, os
militares se abstiveram de impor um general como candidato à sucessão presidencial de 1985.
Paralelamente às medidas de abertura política, houve, a partir de 1974, a retomada e
renovação de movimentos de oposição. O MDB, apesar das constantes cassações de mandatos
e violação da lei, manteve-se na oposição. Os sindicatos passaram a ter nova organização e
lutavam por sua independência, na busca de negociações diretas com os empregadores por
meio de contratos coletivos. A sociedade também se modificou. A Igreja Católica, no espírito
24

da teologia da libertação, moveu-se na direção da defesa dos direitos humanos. Os
movimentos urbanos e as associações de profissionais de classe média se expandiram.
Além do MDB e da Igreja Católica, outras organizações se afirmaram como pontos de
resistência ao governo militar. Dentre eles a Organização dos Advogados do Brasil (OAB), a
Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
(SBPC). Menos organizados, mas não menos eficientes na ação oposicionista, foram os
artistas e intelectuais.
O auge da mobilização popular foi a campanha pelas eleições diretas, em 1984, que foi a
maior da história do país. Os comícios transformaram-se em grandes festas cívicas. A
bandeira nacional foi recuperada como símbolo cívico. O hino nacional foi revalorizado e
reconquistado pelo povo. Com a eleição de Tancredo Neves chega ao fim o período de
governos militares, apesar de permaneceram resíduos de autoritarismo nas leis e nas práticas
sociais e políticas.
Os avanços nos direitos sociais e a retomada dos direitos políticos, não resultaram em avanços
dos direitos civis. Foram eles que mais sofreram no período militar. Como conseqüência da
abertura política esses direitos foram restituídos, mas continuaram beneficiando apenas
parcela reduzida da população. A maioria continuou fora do alcance e proteção da lei e dos
tribunais.
2.6 A cidadania após a redemocratização
A constituinte de 1988, redigiu e aprovou a Constituição mais liberal e democrática que o país
já teve, merecendo por isso, o nome de Constituição Cidadã. Os direitos políticos adquiriram
amplitude nunca antes atingida. Entretanto, a democracia política não resolveu os problemas
econômicos mais sérios do país, como a desigualdade e o desemprego. Continuaram os
problemas de área social, sobretudo da educação, dos serviços sociais e do saneamento.
Houve ainda o agravamento dos direitos civis no que se refere à segurança individual.
A Constituição de 1988, ampliou também os direitos sociais. Os indicadores básicos de
qualidade de vida passaram por lenta melhoria: o progresso mais importante se deu na área de
educação fundamental, que é fator decisivo para a cidadania. O analfabetismo diminuiu e a
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escolaridade aumentou, entretanto, essa melhora é tímida, pois o índice de repetência ainda e
muito alto, e são necessários mais de dez anos para se completar os oito anos do ensino
fundamental. No campo da previdência social de positivo houve a elevação da aposentadoria
dos trabalhadores rurais para o piso de um salário mínimo e a introdução da renda vitalícia
mensal para idosos e deficientes. Mas apesar dos avanços, o principal problema desse direito
social está no valor das aposentadorias.
A maior dificuldade na área social está na persistência das grandes desigualdades sociais, que
caracterizam o país desde a sua independência. A desigualdade é sobretudo de natureza
regional e racial. A escandalosa desigualdade que concentra nas mãos de poucos a riqueza
nacional tem como conseqüência níveis dolorosos de pobreza e miséria.
Os direitos civis estabelecidos antes do regime militar foram recuperados após 1985 e
ampliados com a Constituição de 1988. No entanto, dos direitos que compõem a cidadania, no
Brasil são os civis que apresentam maiores deficiências em termos de seu conhecimento,
extensão e garantias, e a ausência de uma educação eficiente é fator que explica o
comportamento das pessoas no que se refere ao exercício de direitos civis e políticos. Os mais
educados se filiam mais a sindicatos, a órgãos de classe, a partidos políticos. A falta de
garantia dos direitos civis se verifica sobretudo no segurança individual, à integridade física e
ao acesso à justiça.
O rápido crescimento das cidades (que favorece os direitos políticos) transformou o Brasil em
um país predominantemente urbano em poucos anos. Junto com a urbanização surgiram as
metrópoles com grande concentração de populações marginalizadas, que são privadas de
serviços urbanos, de serviços de segurança e de justiça. Nelas a combinação de desemprego,
trabalho informal e tráfico de drogas criaram um campo fértil para a proliferação da violência,
sobretudo na forma de homicídios dolosos. A precariedade dos direitos civis lançava sombras
ameaçadoras sobre o futuro da cidadania.
O problema é agravado pela inadequação dos órgãos encarregados da segurança pública para
o cumprimento de sua função. O judiciário também não cumpre o seu papel. O acesso à
justiça é limitado à pequena parcela da população, mesmo nos grandes centros. A maioria ou
desconhece seus direitos, ou, se os conhece, não tem condições de os fazer valer devido aos
custos e à demora do processo.
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Do ponto de vista da garantia dos direitos civis, os cidadãos brasileiros podem ser divididos
em classes. Os de primeira, que estão acima de lei e conseguem defender seus interesses pelo
poder do dinheiro e do prestígio social. Os de segunda, que estão sujeitos às leis, e são os de
classe média e; os cidadãos de terceira classe, que é a grande população marginal das grandes
cidades. São invariavelmente pardos ou negros, analfabetos ou com educação fundamental
incompleta. São parte da comunidade política nacional apenas no nome. Na prática, ignoram
seus direitos civis ou os têm desrespeitado por outros cidadãos, pelo governo, pela polícia.
Estes cidadãos estão entre os vinte três por cento de famílias que recebem até dois salários
mínimos. Para eles vale apenas o Código Penal.
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3 EDUCAÇÃO COMO PRÁTICA DA LIBERDADE
O objetivo deste capítulo é apontar duas teorias pedagógicas que têm como proposta uma
educação emancipadora, cujo resultado seria a construção de cidadãos plenos, que são aqueles
que detêm os direitos civis, políticos e sociais. Como não poderia deixar de ser, iniciamos por
um dos expoentes da educação que teve sua vida dedicada à belíssima missão de educar,
Paulo Freire.
3.1 Paulo Freire "Ninguém ignora tudo, ninguém sabe tudo". Nasceu em Recife, em 1921 e
faleceu em 1997. Teve sua formação acadêmica em Direito, mas a partir da década de 40,
passou a ter mais contato com o mundo da educação. Suas primeiras atividades educacionais
foram desenvolvidas no SESI – Serviço Social da Indústria e no MCP – Movimento de
Cultura Popular, no qual criou o Programa de Alfabetização e a criação de círculos de cultura.
Em 1963, João Goulart o convidou para desenvolver um programa nacional de alfabetização
de adultos e para trabalhar com educação básica. No entanto, em 1964, Paulo Freire foi
obrigado a paralisar suas atividades por causa do Golpe Militar e, com isso, teve a
oportunidade de escrever e publicar em 1969: A educação como prática da liberdade.
De 1964 a 1980, Paulo Freire ficou exilado no Chile onde teve a oportunidade de continuar a
desenvolver suas teorias e atividades. Em 1969, foi nomeado especialista da UNESCO, e
passou a dar aulas na Universidade de Harvad, nos EUA. E em 1970, mudou-se para Genebra,
exercendo atividades de consultor do Conselho Mundial de Igrejas, dando assessoria a
diversos países africanos, desenvolvendo programas de alfabetização e de apoio a
reconstrução desses países.
Freire foi um dos fundadores do PT em 1989. Assumiu o cargo de Secretário Municipal de
Educação em São Paulo até 1991. Enquanto ocupava esse cargo, tinha como marca principal,
tentativas de democratizar as escolas para a alfabetização de jovens e adultos. Em 1992, Paulo
Freire volta a realizar suas atividades nas universidades escrevendo suas obras e participando
de grande número de conferências.
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Ao analisar a sociedade capitalista entendeu que o homem explorado, sem direito à justiça,
acaba perdendo a sua vocação natural, que é a sua humanização, e essa perda, ainda que
constitua fato concreto na história, não é destino, mas resultado de uma ordem injusta que
gera a violência. Outro traço constatado por Freire, é a reprodução das mesmas condições que
sofreram, isto é, os que sofreram em algum momento de sua experiência existencial acabam
reproduzindo o mesmo sofrimento. Assim, se o trabalhador rural, por exemplo, quer a reforma
agrária não é para se libertar, mas para passar a ter terra, e com esta, tornar-se proprietário ou
patrão de novos empregados.
Há também uma irresistível atração pelo mesmo padrão de vida da elite. Participar destes
padrões constitui uma incontida aspiração. Na sua alienação os explorados querem, a todo
custo, parecer com o opressor. Imitá-lo. Esse comportamento verifica-se, sobretudo, na classe
média, cujo anseio é serem iguais à elite.
Assim, nas sociedades cuja dinâmica estrutural conduz à dominação de consciência, a
pedagogia dominante é a pedagogia das classes dominantes. A pedagogia de nosso sistema
educacional não atende as necessidades dos cidadãos de terceira classe, pois consiste em
despejar conteúdos que são retalhos da realidade desconectados da totalidade em que se
formam. A narração, de que o educador, é o sujeito, conduz educandos à memorização
mecânica do conteúdo narrado. A narração os transforma em “vasilhas” a serem “enchidos”
pelo educador.
Nesta distorcida visão da educação, não há criatividade, não há transformação, não há saber.
Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os
homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros. Quanto mais os educandos se
exercitam no arquivamento de depósitos que lhes são feitos, tanto menos desenvolverão em si
a consciência crítica. Quanto mais se lhes imponha passividade, tanto mais ingenuamente
tendem a adaptarem-se ao mundo, à realidade parcializada nos depósitos recebido.
Essa "Educação Bancária", na qual o professor é um banco de saberes, em que os
conhecimentos são depositados, faz surgir a divisão entre os que sabem e os que não sabem.
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Preocupado com esta questão, Paulo Freire, pensador comprometido com a vida, nos
presenteou com uma pedagogia que tem por fim a prática da liberdade. A prática da liberdade
só encontrará adequada expressão numa pedagogia em que o oprimido tenha condições de
reflexivamente, descobrir-se e conquistar-se como sujeito de sua própria destinação histórica
(FREIRE, 1966). Em primeiro momento por meio de mudança da percepção do mundo, em
segundo lugar pela expulsão dos mitos criados e desenvolvidos pela estrutura dominante.
A educação que se impõe aos que verdadeiramente se comprometem com a libertação deve
ser aquela que considera os homens como corpos conscientes em constante problematização
com o mundo em que vivem. A educação libertadora, é um ato de constante conhecimento, de
diálogo. Rompe com os esquemas verticais. Ato de desvelamento da realidade, busca a
emersão crítica da realidade. Quanto mais se problematizam os educandos, como seres no
mundo e com o mundo, tanto mais se sentirão desafiados. Desafiados compreendem o desafio
na própria ação.
3.2 Demerval Saviani “O homem é um ser que age e que transforma.” Nasceu em Santo
Antônio de Posse – SP, em 03/02/44 (de direito, pois de fato nasceu em 25/12/43). Participou
do movimento JOC - Juventude Operária Católica. Fez o curso de Filosofia na Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de São Bento da PUC/SP. Trabalhava, nesta época, no Banco
Bandeirantes e concluiu seu curso de Filosofia, em 1966, tendo vivenciado profundas
mudanças na sociedade, causadas pelo Golpe Militar em 1964.
Lecionou Filosofia em escola pública. Por volta de 1966 passou a trabalhar em um órgão da
Secretaria de Educação de São Paulo. Em 1967 atuou como professor do Curso de Pedagogia
da PUC/SP e ajudou a criar os Cursos de Mestrado e Doutorado em Filosofia da Educação
nessa Instituição. Em 1970 foi lecionar na recém criada Universidade Federal de São Carlos
onde ajudou a implantar, em 1976 o Mestrado em Educação, em convênio com a Fundação
Carlos Chagas. Concluiu em 1971 o Doutorado, na área de Ciências Humanas: Filosofia da
Educação, na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de São Bento, da PUC/SP. Em 1978
retornou como professor da PUC/SP e ajudou a criar o Doutorado em Educação nesta
Instituição. Em 1979 ajudou a criar a ANDE – Associação Nacional de Educação. Foi o
fundador da ANPED e do CEDES.
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Em 1986 concluiu a Livre Docência na área de Ciências Humanas: História da Educação na
Faculdade de Educação da UNICAMP. Em 1988 participou da elaboração de um anteprojeto
da LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Em 1988 coordenou o programa de pós-
graduação da UNICAMP. Atualmente é professor na UNICAMP e também está envolvido
com diversos projetos educacionais e de pesquisa.
Dermeval Saviani sempre defendeu de forma sistemática e intransigente a escola pública. Sua
atividade intelectual, destina-se a explicitar valores necessários à libertação dos oprimidos.
Em todas as suas obras preocupou-se em analisar a prática educacional inserida num processo
político-social, com um objetivo pedagógico, enquanto resposta à sua atuação como professor
em sala de aula e sua interação com os alunos. A necessidade de articular teoria e prática
levou Saviani a buscar alternativas, traduzidas ou expressas na concepção que ele denominou
de Pedagogia Histórico-Crítica.
A Pedagogia Histórico-Crítica (PHC) e a formação do homem integral (indivíduo para-si)
nela presente é uma pedagogia de cunho socialista e marxista. O núcleo desta corrente
pedagógica é formado pela concepção de que a natureza humana não é dada ao homem mas é
por ele produzida sobre a base da natureza bio-física. Consequentemente, o trabalho educativo
é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que
é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. (SAVIANI, 2000)
A PHC surgiu no início dos anos 80, e o seu objetivo é retomar a crítica e a dialética no
discurso pedagógico. Como crítica entende-se a necessária produção de uma análise que leve
em conta os condicionantes sociais e históricos que determinam e são determinados pela
educação, ou seja, uma análise crítica não enxerga a escola ou a educação fora do universo
social e histórico, pois estes são formadores da educação em cada período histórico.
Por outro lado a realidade nos mostra que a sociedade se desenvolve para além da educação,
ou seja, se baseia nas relações econômicas capitalistas, que por sua vez determinam a política,
a sociedade, a cultura e, também, a educação. Para esta pedagogia, a humanidade não se dá
pela transmissão genética, mas é produzida social e historicamente pelos homens em
sociedade, e o saber é o elemento primordial da educação, sendo necessária uma transmissão
crítica desse saber que provoque o desenvolvimento dos conhecimentos e, por conseguinte, o
desenvolvimento da sociedade e dos indivíduos.
31

Assim, o saber que diretamente interessa à educação é aquele que emerge como resultado do
trabalho educativo. Entretanto, para chegar a esse resultado a educação tem que partir, tem
que tomar como referência, como matéria-prima de sua atividade, o saber objetivo produzido
historicamente. (SAVIANI, 2000). Esse saber histórico é fruto dos esforços dos homens para
produzir as condições para sua sobrevivência (alimentos, moradia, defesa contra inimigos
entre outros) o que levou ao desenvolvimento tecnológico, científico, cultural, o que
possibilitou chegarmos à condição atual da sociedade capitalista.
A produção desse saber, portanto, vem se desenvolvendo através da História e é no
capitalismo que a escola torna-se o meio dominante da educação. A escola, portanto, é o local
em que os saberes sociais são transmitidos para as novas gerações. Entretanto, estes saberes
não estão ao alcance de todos os brasileiros. São apropriados apenas por uma pequena parcela
da sociedade que historicamente ocupou a posição dominante e que por sua vez luta para que
esta situação permaneça como está (manutenção do status quo) e, por isso, apoiam as
pedagogias que procuram esvaziar a escola dos saberes.
Saviani (2000) divide em três as tarefas da PHC com relação à educação escolar e os saberes:
- Primeiro, deve-se identificar as formas mais desenvolvidas em que se expressa o saber
produzido historicamente, reconhecendo as condições de sua produção e compreendendo as
suas principais manifestações bem como as tendências atuais de transformação;
- Segundo, deve-se converter o saber objetivo em saber escolar de modo a torná-lo assimilável
pelos alunos, o que exige um esforço dos professores e todos os envolvidos com a educação
para que o saber social possa ser transmitido no tempo e espaço da escola.
- Terceiro, deve-se prover os meios necessários para que os alunos não apenas assimilem o
saber objetivo enquanto resultado, mas apreendam o processo de sua produção bem como as
tendências de sua transformação. (SAVIANI, 2000, p.14)
As três tarefas da PHC indicam um posicionamento para a formação integral do ser humano:
adquirir os conhecimentos social e historicamente produzidos e que, portanto, são parte de sua
constituição como ser humano em sociedade, e desenvolver a consciência do processo integral
de produção e reprodução dos saberes. Isso o levará a perceber a si e à sociedade em que vive
nos seus meandros estruturais (econômicos) e superestruturais (cultura, política, religião,
educação etc.).
32

Indo além na relação entre saberes e a educação, Saviani (2000) cita que a educação escolar
deve centrar sua ação nos saberes sistematizados na sociedade, ou seja, na ciência, e que a
escola deve ser responsável pela transmissão-assimilação desses conhecimentos. Este é o fim
a atingir, é aí que cabe encontrar a fonte natural para elaborar os métodos e as formas de
organização do conjunto das atividades da escola, isto é, o currículo.
A escola é uma instituição cujo papel consiste na socialização do saber sistematizado [...] A
escola diz respeito ao conhecimento elaborado e não ao saber fragmentado; à cultura erudita e
não à cultura popular [...] A escola existe, pois, para propiciar a aquisição dos instrumentos
que possibilitam o acesso ao saber elaborado (ciência), bem como o próprio acesso aos
rudimentos desse saber. (SAVIANI, 2000, p.18-19)
O objetivo deste processo de transmissão-assimilação, segundo o autor, não é a repetição,
mas, justamente o contrário, é libertar. Mas a liberdade não se conquista sem esforço, sem o
fortalecimento da internalização dos saberes, que constituem a base sobre a qual a liberdade
se efetivará. Basta observarmos vários níveis e processos de aprendizagem baseados no
esforço repetitivo, como na música, por exemplo.
Um músico, para adquirir a liberdade de criar, precisa passar por um período (longo aliás) em
que se exercitará no instrumento repetidamente até que possa incorporar o instrumento como
sua “segunda natureza”, ou seja, dominá-lo a tal ponto em que o instrumento já não seja
segredo para ele, mas, ao contrário, seja uma extensão de seu próprio corpo e conhecimento.
O mesmo acontece com o aprendizado para motorista. Antes de chegar a ser um bom
motorista o aprendiz precisa passar pelo estágio em que os movimentos são medidos e
sincronizados repetidamente, até que o motorista possa, enfim, dirigir sem se perder em
pensamentos sobre a seqüência a ser feita no trânsito.
A libertação só se dá porque tais aspectos foram apropriados, dominados e internalizados,
passando, em conseqüência, a operar no interior de nossa própria estrutura orgânica. Poder-se-
ia dizer que o que ocorre, nesse caso, é uma superação no sentido dialético da palavra. Os
aspectos mecânicos foram negados por incorporação e não por exclusão. Foram superados
porque negados enquanto elementos externos e afirmados como elementos internos.
33

Para o autor o aprendizado acontece após um caminho de incorporação dos conhecimentos à
natureza humana, ou seja, o homem, ser naturalmente biológico, vai sendo formado pela
incorporação de elementos da cultura, dos conhecimentos produzidos pelos homens ao longo
da história e que, portanto, são elementos que constituem a própria humanidade, entendida
esta como uma produção dinâmica e sócio-histórica.
Os conhecimentos, a partir de sua incorporação, deixam de ser elementos de alienação e
passam a ser elementos de constituição da humanidade dos indivíduos; deixam de ser
elementos externos para serem internalizados, formando a “segunda natureza” humana (a
primeira é a natureza biológica, a segunda é a natureza social e histórica).
Esta incorporação à natureza humana dos conhecimentos produzidos pelos homens e
transmitidos pela escola dá a esta instituição social um papel claro de ser um elo de ligação
entre os conhecimentos espontâneos, cotidianos, do senso comum, para outro tipo de
conhecimento, sistematizado, científico. Não significa dizer que se despreze a cultura popular,
mas apenas que se possa incorporá-la através da aquisição da cultura erudita. A cultura erudita
possibilita a decodificação da cultura popular mas, segundo Saviani, o contrário, ou seja,
apenas a aquisição da cultura popular não possibilita a decodificação da cultura erudita, o que
tem sido causa de privilégios das classes dominantes, que detém também a cultura erudita,
que é privilegiada na sociedade capitalista.
Portanto, o saber, na PHC, tem o viés de possibilitar a tomada de consciência e produzir nos
homens a humanidade negada pela sociedade capitalista, baseada na alienação e reprodução
dos valores burgueses. Para isso lança mão dos conteúdos historicamente acumulados pelos
homens em sociedade e também da incorporação destes conhecimentos.
Como formadora do ser humano, a educação é também um processo de trabalho, mas trabalho
“não-material”, ou seja, não produz objetos físicos (automóveis, por exemplo), mas produz a
formação do educando. O trabalho educativo concretiza-se na aula, e esta tem uma
peculiaridade que a destaca das demais atividades: ela é produzida e consumida ao mesmo
tempo (produzida pelo professor e consumida pelos alunos).
Ao falarmos de trabalho educativo não podemos nos esquecer da figura principal deste
processo, que é o professor. Este, na concepção da PHC, tem um relevante papel na
34

transmissão de conhecimentos para os alunos. Para que esta transmissão ocorra de maneira
crítica, o educador precisa ter com o seu trabalho uma relação que implique uma consciência
com o fim específico deste trabalho, que é a formação do “indivíduo-educando-concreto” (o
aluno). Não basta formar indivíduos, é preciso saber para que tipo de sociedade, para que tipo
de prática social o educador está formando indivíduos.
Dada esta relevância, o educador deve manter uma relação consciente com seu trabalho, de
modo que possa realizá-lo da melhor maneira possível visando a formação do homem
integral, da individualidade para-si em cada educando. Caso o educador não tenha esta relação
consciente, seu trabalho acaba por reproduzir a alienação da sociedade e, portanto, seu
trabalho não alcançará os objetivos propostos pela PHC.
Para que o professor desenvolva na sua tarefa diária a Pedagogia Histórico-Crítica é
necessário que se reconheça no educando. Quando isto acontecer a atividade do educador não
será apenas um meio para satisfazer a necessidade de sobrevivência física, mas sim a
satisfação de uma necessidade vital para ele enquanto indivíduo, a necessidade de formar
outros indivíduos de maneira humanizadora.
Para a PHC, portanto, o papel do professor ganha uma centralidade, pois, passam a ser
responsáveis pelo trabalho educativo, que, por sua vez, tem como objetivo a formação do
educando através da transmissão crítica dos conhecimentos produzidos pelos homens em
sociedade.
Após apresentarmos resumidamente essas duas correntes pedagógicas, salta aos olhos que
uma educação como prática de liberdade tem um sentido amplo: é sobretudo, o processo de
aprendizagem de uma ética atenta a integridade de cada ser humano e que respeita o direito
de todos a uma existência digna. Essa educação libertária também está comprometida com a
apropriação e a construção de conhecimentos, porque conhecimentos são as matérias primas
sem as quais não se pode participar do processo permanente de criação e recriação da
existência.
Educação significa educar para a sociedade. É a socialização do patrimônio de conhecimento
acumulado, o saber sobre os meios de obter o conhecimento e as formas de convivência
35

social. É também educar para a convivência social e para a cidadania, para a tomada de
consciência e do exercício dos direitos e deveres do cidadão.
Educar para a cidadania, é educar para a ética, para a solidariedade, para a comunhão, e para a
participação. Educação para a cidadania não é uma modalidade especial de educação é
sinônimo de educação de qualidade. Isto não tem relação com recursos materiais abundantes,
instalações modernas e funcionais, ou métodos eficientes de ensino e avaliação . Qualidade da
educação não se avalia por sua materialidade, e sim pelo conjunto de valores que são
compartilhados entre educadores e educandos, estejam eles nas escolas, centros comunitários,
nas organizações não governamentais, ou em qualquer outra agência comprometida com os
processos de desenvolvimento social.
Cidadania não é lição a ser ensinada ou transmitida, mas uma série de posturas a serem
desenvolvidas e estimuladas. Posturas que façam germinar em cada um, a idéia e o sentimento
do que é viver em função do bem comum. Educar para a cidadania é fortalecer a auto-estima
das pessoas, é possibilitar o acesso de todos aos bens culturais de nossa sociedade, é
desenvolver as capacidades de interação e participação, o pensamento criativo e reflexivo
Educar é um ato que visa à convivência social, a cidadania e a tomada de consciência política.
A educação escolar, além de ensinar o conhecimento científico, deve assumir a incumbência
de preparar as pessoas para o exercício da cidadania. A cidadania é entendida como o acesso
aos bens materiais e culturais produzidos pela sociedade, e ainda significa o exercício pleno
dos direitos e deveres previstos pela Constituição da República.
A educação para a cidadania pretende fazer de cada pessoa um agente de transformação. Isso
exige uma reflexão que possibilite compreender as raízes históricas da situação de miséria e
exclusão em que vive boa parte da população. A formação política, que tem no universo
escolar um espaço privilegiado, deve propor caminhos para mudar as situações de opressão.
Muito embora outros segmentos participem dessa formação, como a família ou os meios de
comunicação, não haverá democracia substancial se inexistir essa responsabilidade
propiciada, sobretudo, pelo ambiente escolar.
36

4 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS
“ (...) a parte mais bela e importante de toda a História é a revelação de que todos os seres
humanos, apesar das inúmeras diferenças biológicas e culturais que os distingue entre si,
merecem igual respeito, como únicos entes no mundo capazes de amar, descobrir a verdade e
criar a beleza. É o reconhecimento universal de que, em razão dessa radical igualdade,
ninguém - nenhum indivíduo, gênero, etnia, classe social, grupo religioso ou nação – pode
afirmar-se superior aos demais” (COMPARATO, 2005 – p.1).
Iniciamos esse capítulo com as belíssimas palavras de Fábio Konder Comparato para mostrar
que quando houver a supremacia dos direitos humanos, isto é, quando se instalar em nossa
pátria uma verdadeira preocupação com o bem estar de todos haverá a redução das
desigualdades entre irmãos resultando em uma convivência, senão fraterna, pelos menos
civilizada.
4.1 A formação do conceito de pessoa
É difícil precisar a gênese dos direitos humanos. A idéia de que os indivíduos e grupos
humanos podem ser reduzidos a um conceito ou categoria geral, que a todos engloba, e de
elaboração recente na História. Foi durante o período denominado de Axial (séculos VIII a II
A C.) que começou a surgir a idéia de uma igualdade essencial entre todos os homens. Essa
concepção nasce vinculada a uma instituição social de capital importância: a lei escrita, como
regra geral e uniforme, aplicável a todos os indivíduos que vivem numa sociedade organizada.
A lei escrita alcançou entre os judeus uma posição sagrada como manifestação da própria
divindade. Mas foi em Atenas que a preeminência da lei escrita, tornou-se o fundamento da
sociedade política suplantando a soberania de um indivíduo ou de grupo ou classe social.
A causa principal do reconhecimento de direitos naturais em favor do indivíduo é de ordem
filosófica-religiosa. A igualdade essencial do homem foi expressa mediante oposição entre a
individualidade própria de cada homem e a sua personalidade. A filosofia estóica
(desenvolvida durante os séculos III A. C. a III D.C.) que discutiu e aprofundou o termo
personalidade, organizou-se em torno das idéias de unidade moral do ser humano e a
37

dignidade do homem, considerado filho de Zeus e possuidor, em conseqüência, de direitos
inatos e iguais em todas as partes do mundo, não obstante as inúmeras diferenças individuais
e grupais.
Na tradição bíblica, Deus é o modelo de pessoa para todos os homens. Sem dúvida, o
cristianismo, proclamando o dogma da Santíssima Trindade (três pessoas com uma só
substância) quebrou a unidade absoluta a transcendental da pessoa divina. Mas, em
compensação Jesus de Nazaré concretizou na história o modelo ético de pessoa, e tornou aos
homens mais acessível a sua imitação. A partir da pregação de Paulo de Tarso, o verdadeiro
fundador da religião cristã enquanto corpo doutrinário, rompeu-se a concepção de povo
escolhido surgindo a idéia de igualdade de todos os seres humanos diante da filiação divina.
A igualdade evangélica exigia o estudo sobre a natureza comum a todos os homens, o que
acabou sendo realizado a partir dos conceitos desenvolvidos pela filosofia grega. A primeira
discussão conceitual entre os doutores da Igreja foi sobre a natureza de Jesus Cristo. Como
dogma de fé, concluiu-se, com base nos conceitos estóicos, que Jesus Cristo apresentava
uma dupla natureza: humana e divina, numa única pessoa (COMPARATO, 2005. p. 19).
Boécio, no século VI, inaugurou a segunda fase da elaboração de pessoa que influenciou
todo o pensamento medieval. Pessoa é a própria substância do homem que dá ao ser as
características de permanência e invariabilidade. É essa igualdade da essência da pessoa que
forma o núcleo do conceito universal de direitos humanos.
Essa definição boeciana de pessoa foi integralmente adotada por Santo Tomás de Aquino, e
de acordo com CANOTILHO, as concepções cristãs medievais, especialmente o direito
natural tomista, ao distinguir entre lex divina, lex natura e lex positiva, abriram o caminho
para a necessidade de submeter o direito positivo às normas jurídicas naturais, fundadas na
própria natureza dos homens.
A terceira fase na elaboração do conceito de pessoa como sujeito de direitos universais
anteriores e superiores a toda ordenação estatal adveio com a filosofia kantiana. Para Kant
só o ser racional possui a faculdade de agir segundo a representação de leis ou princípios e
existe como um fim em si mesmo. Daí decorre que todo homem tem dignidade e não um
preço, como as coisas. “Pela sua vontade racional, a pessoa, ao mesmo tempo que se
38

submete às leis da razão prática, é a fonte dessas mesmas leis, de âmbito universal, segundo
o imperativo categórico – ‘age unicamente segundo a máxima, pela qual tu possas querer,
ao mesmo tempo, que ela se transforme em lei geral’”(COMPARATO – 2005. p22).
A idéia de que o homem é um fim em si mesmo implica só o dever negativo de não
prejudicar ninguém, mas necessariamente o dever positivo de agir no sentido de favorecer a
felicidade alheia, que se constitui a melhor justificativa de reconhecimento dos direitos e
liberdades individuais como também dos direitos humanos à realização de políticas públicas
de conteúdo econômico e social, tal qual enunciado na Declaração Universal dos Direitos
Humanos.
A quarta etapa histórica na elaboração do conceito de pessoa deu-se com a descoberta do
mundo dos valores. É o fundamento último da liberdade que se assenta o mundo das
preferências valorativas, isto é, cada um de nós aprecia algo, porque o objeto dessa
apreciação tem objetivamente um valor. A pessoa é, ao mesmo tempo, o legislador
universal em função dos valores éticos que aprecia, e o sujeito que se submete
voluntariamente a essas mesmas normas.
Essa realidade axiológica transformou toda a teoria jurídica. Os direitos humanos foram
identificados com os valores mais importantes de convivência humana, aqueles sem os
quais as sociedades acabam perecendo por um processo irreversível de desagregação.
A quinta e última etapa abriu-se no século XX, contra a crescente despersonalização do
homem no mundo contemporâneo, como reflexo da mecanização e burocratização da vida
em sociedade. A reflexão filosófica acentuou o caráter único, inigualável e irreprodutível da
personalidade individual.
As conseqüências dessa última etapa na elaboração do conceito de pessoa para a teoria
jurídica em geral e para o sistema de direitos humanos em particular, são da maior
importância. O caráter único e insubstituível de cada ser humano, portador de um valor
próprio, veio demonstrar que a dignidade da pessoa existe singularmente em todo indivíduo.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos condensou toda a riqueza dessa longa
elaboração teórica, ao proclamar em seu art. VI, que todo homem tem direito de ser, em
todos os lugares, reconhecido como pessoa.
39

4.2 As etapas históricas na afirmação dos Direitos Humanos
No processo de desenvolvimento e construção dos direitos fundamentais do homem,
observam-se importantes antecedentes históricos. A eclosão da consciência histórica dos
direitos humanos só se deu após um longo trabalho centrado em torno da limitação do poder
político. O reconhecimento de que as instituições de governo devem ser utilizadas para o
serviços dos governados foi o primeiro passo decisivo na admissão da existência de direitos
que, inerentes à própria condição humana, devem ser reconhecidos a todos e não podem ser
havidos como mera concessão dos que exercem o poder.
Nesse sentido, deve-se reconhecer que a proto-história dos direitos humanos começa nos
séculos XI a X a C., quando se instituiu, sob Davi, o reino unificado de Israel, que
estabeleceu pela primeira vez na história política de humanidade, a figura do rei-sacerdote,
que se apresenta, não como deus ou legislador, mas como delegado do Deus único e o
responsável supremo pela execução de lei divina. Surgia, assim, o embrião daquilo que
muitos séculos depois passou a ser designado como o Estado de Direito, isto é, uma
organização política em que os governantes não criam direito para justificar o seu poder,
mas submetem-se aos princípios e normas editados por uma autoridade superior.
Essa limitação institucional do poder do governo foi retomada no século VI a C. com a
criação das primeiras instituições democráticas atenienses e no século seguinte com a
fundação da república romana.
Com a extinção do império romano do Ocidente, em 453 da era cristã, iniciou-se o período
denominado de Idade Média com uma nova civilização , amálgama de instituições clássicas,
valores cristãos e costumes germânicos. A Alta Idade Média (sécs. V a X ) foi marcada pelo
esfacelamento do poder político e econômico. E com a instauração do feudalismo, que tinha
como uma de suas características a concentração de poder, os direitos humanos foram
esquecidos. Contra os abusos dessa reconcentração de poder surge a Magna Carta da
Inglaterra em 1215. No embrião dos direitos humanos despontou antes de tudo o valor da
liberdade. Porém não a liberdade para todos, mas em favor, principalmente dos estamentos
superiores da sociedade.
Na Baixa Idade Média (sécs. XI a XV/XVI), com o surgimento das cidades, teve início a
primeira experiência histórica de sociedade de classes, onde a desigualdade social já não é
40

determinada pelo direito, mas resulta principalmente das diferenças de situação patrimonial
de famílias e indivíduos. E é também as cidades o território da liberdade pessoal.
Durante os dois séculos que se seguiram à Idade Média, a Europa conheceu um
extraordinários recrudescimento da concentração de poderes. Foi a época em que se
elaborou a teoria da monarquia absoluta, com Jean Bodin e Thomas Hobbes, em que se
fundaram os impérios coloniais ultracentralizadores. Ao mesmo tempo ressurge na
Inglaterra o sentimento de liberdade, declaradas na Magna Carta, generalizando-se a
consciência dos perigos representados pelo poder absoluto, tanto da realeza dos Stuart
quanto na ditadura republicana do Lord Protector.
A instituição-chave para a limitação do poder monárquico e a garantia das liberdades na
sociedade civil foi o Parlamento. A partir do Bill of Rights a idéia de um governo
representativo, ainda que não de todo o povo, começa a firmar-se com garantia institucional
indispensável das liberdades civis.
“Todos os seres humanos são, pela sua natureza, igualmente livres e independentes, e
possuem certos direitos inatos, dos quais ao entrarem no estado de sociedade não podem, por
nenhum tipo de pacto, privar ou despojar sua posteridade; nomeadamente, a fruição da vida
e da liberdade, com os meios de adquirir e possuir a propriedade de bens, bem como de
procurar e obter a felicidade e a segurança.”
O artigo I da Declaração da Virgínia, de 1776, constitui o registro de nascimento dos direitos
humanos na História. É o reconhecimento solene de que todos os homens são igualmente
vocacionados, pela sua própria natureza, ao aperfeiçoamento constante de si mesmos. A
“busca da felicidade” repetida na Declaração de Independência dos Estados Unidos da
América em 1776, é a razão de ser desses direitos inerentes à própria condição humana.
Treze anos depois, no ato de abertura da Revolução Francesa, a mesma idéia de liberdade e
igualdade dos seres humanos é reafirmada e reforçada: “Os homens nascem e permanecem
livres e iguais em direitos” (art. 1º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de
1789). A conseqüência imediata da proclamação de que todos os seres humanos são
essencialmente iguais em dignidade e direitos, foi uma mudança radical nos fundamentos e
legitimidade política que propiciou a formação da democracia moderna. É ainda, a
Declaração da Virgínia que inova ao pregar em seu artigo II que “ Todo poder pertence ao
41

povo, e por conseguinte dele deriva. Os magistrados [governantes] são seus fiduciários e
servidores responsáveis a todo tempo perante ele.”
As instituições da democracia moderna liberal – limitação vertical de poderes, como os
direitos individuais, e limitação horizontal, com a separação das funções legislativa,
executiva e judiciária – adaptaram-se perfeitamente ao espírito de origem do movimento
democrático. Essa fase marca a geração dos primeiros direitos humanos.
Se as declarações de direitos norte-americanas e a declaração francesa representaram a
emancipação histórica do indivíduo, os direitos de caráter econômico e social só foi
afirmado no correr do século XX, com as Constituição mexicana de 1917 e a Constituição
de Weimar de 1919. Os direitos humanos de proteção ao trabalhador só puderam prosperar a
partir do momento histórico em que os donos do capital foram obrigados e se compor com
os trabalhadores. É importante ressaltar a contribuição do movimento socialista que
percebeu que os flagelos sociais eram dejetos do sistema capitalista de produção, cuja lógica
consiste em atribuir aos bens de capital um valor muito superior ao das pessoas.
A primeira fase de internacionalização dos direitos humanos, teve início na segunda
metade do século XIX e findou com a 2ª Guerra Mundial, manifestando-se basicamente
em três setores: o direito humanitário, a luta contra a escravidão e a regulação dos direitos
do trabalhador assalariado.
Ao emergir da 2ª Grande Guerra, após quinze anos de massacre e atrocidades de toda a
sorte, a humanidade compreendeu, mais do que em qualquer outra época da História o
valor supremo da dignidade humana. Com a Declaração Universal dos Direitos do
Homem em 1948, os direitos individuais, pela sua transcendência, extrapolam os limites
de cada Estado para se tornar uma questão de interesse internacional.
Após meio século do fim da 2ª Guerra Mundial diversas convenções internacionais
celebradas no âmbito da Organização das Nações Unidas assentaram no plano
internacional os direitos individuais de natureza civil e política, ou os direitos de conteúdo
econômico e social e afirmaram a existência de novas espécies de direitos humanos:
direitos aos povos e direitos da humanidade. É o aprofundamento e a definitiva
internacionalização dos direitos humanos.
42

“Surge agora à vista o termo final do longo processo de unificação da humanidade. E com
isso, abre-se a última grande encruzilhada da evolução histórica: ou a humanidade cederá
à pressão conjugada da força militar e do poderio econômico-financeiro, fazendo
prevalecer uma coesão puramente técnica entre os diferentes povos e Estados, ou
construiremos enfim a civilização da cidadania mundial, com o respeito integral aos
direitos humanos, segundo o princípio da solidariedade ética” (COMPARATO, 2005
p.57).
É importante finalizar essa sessão com a classificação que BONAVIDES deu aos direitos
fundamentais como de primeira, segunda, terceira e quarta geração. São de primeira
geração, os direitos da liberdade, os direitos civis e políticos, os que têm por titular o
indivíduo e que são oponíveis ao Estado; de segunda geração, os direitos sociais, culturais,
econômicos, coletivos; de terceira geração: o direito ao desenvolvimento, à paz, ao meio-
ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade e de quarta geração: o
direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo.
4.3 A evolução dos Direitos Humanos no Brasil
Tornou-se costume desdobrar a cidadania em direitos civis, políticos e sociais. Para
MARSHALL, direitos civis são aqueles direitos que concretizam a liberdade individual, como
os direitos à livre movimentação e ao livre pensamento, à celebração de contratos e à
aquisição ou manutenção da propriedade; bem como o direito de acesso aos instrumentos
necessários à defesa de todos os direitos anteriores (ou seja: o direito à justiça), garantem as
relações civilizadas entres as pessoas. Sua pedra de toque é a liberdade individual.
São direitos políticos, aqueles direitos que compõem, no seu conjunto, a prerrogativa de
participar do poder político; prerrogativa essa que envolve tanto a possibilidade de alguém se
tornar membro do governo (isto é, a elegibilidade) quanto a possibilidade de alguém escolher
o governo (através do exercício do voto). Finalmente, os direitos sociais equivalem à
prerrogativa de acesso a um mínimo de bem estar e segurança materiais, o que pode ser
interpretado como o acesso de todos os indivíduos ao nível mais elementar de participação no
padrão de civilização vigente. Garantem a participação na riqueza coletiva. Eles incluem o
direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde e permitem às sociedades
43

politicamente organizadas de reduzir os excessos de desigualdade produzidas pelos
capitalismo.
É importante notar que, na ótica de nosso autor, não basta que tais direitos sejam “declarados”
e figurem nalgum texto legal para que eles se concretizem e possam ser considerados em
plena operação na vida real. Segundo Marshall, a concretização de cada um desses tipos de
direito depende da emergência de quadros institucionais específicos. Assim, os direitos civis
dependem, para que sejam respeitados e cumpridos, do desenvolvimento da profissão
especializada de defensor de particulares (isto é, da profissão de advogado); da capacitação
financeira de toda a sociedade para arcar com as custas dos litígios (o que implica a
assistência judiciária aos pobres); bem como da conquista, por parte dos magistrados, de
independência diante das pressões exercidas por particulares econômica e socialmente
poderosos. Já os direitos políticos só se viabilizam caso a Justiça e a Polícia criem condições
concretas para o exercício dos direitos de votar crítica.
Cidadania, segundo Marshall, é a participação integral do indivíduo na comunidade política;
tal participação se manifestando, por exemplo, como lealdade ao padrão de civilização aí
vigente e à sua herança social, e como acesso ao bem-estar e à segurança materiais aí
alcançados. diferentes tipos de prerrogativas – os chamados direitos - que o Estado reconhece
a todos os indivíduos; prerrogativas a que correspondem correlatamente obrigações para com
o Estado: isto é, os chamados deveres.
No Brasil, nota-se que todas as Constituições trouxeram em seu texto declarações de direitos,
sendo que a Constituição do Império, foi a primeira Carta do mundo a positivar os direitos
fundamentais. A Constituição de 1824, continha uma das mais avançadas declarações de
direitos fundamentais do século XIX. Todavia, os direitos reconhecidos e garantidos só
serviam à elite aristocrática, pois não se pretendeu reformar a estrutura sócio-econômica da
sociedade, baseada na propriedade escrava.
A Constituição de 1891 trazia os direitos e garantias individuais de modo genérico. A
Constituição de 1934 passou a assegurar também os direitos de nacionalidade e os políticos.
Com a Carta ditatorial de 1937, ocorre um retrocesso dos direitos fundamentais, em especial
os concernentes às relações políticas. As Constituições de 1946 e de 1967 voltam a consagrar
os direitos e garantias individuais, bem como os de nacionalidade e os políticos.
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Em 1968, o Ato Institucional nº 5 restringe severamente os direitos fundamentais, com uma
normatividade ditatorial onde os direitos individuais mais elementares foram cerceados.
Durante quase vinte anos, era possível a determinação de se fechar o parlamento, prender
pessoas sem ordem judicial, cassar mandatos eletivos, suspender direitos políticos, dentre
outras inúmeras agressões aos direitos humanos.
Após a redemocratização, a Constituição de 1988 surge como produto da luta pela construção
de um Estado Democrático onde fosse assegurado para todos os cidadãos, a garantia da
existência dos direitos humanos fundamentais. O Título II da Carta sintetiza o conteúdo de
todas as manifestações modernas dos direitos fundamentais da pessoa humana. Formalmente,
a Constituição vigente abarca todas as gerações dos direitos fundamentais.
Todavia, ainda há um longo caminho a percorrer para que os direitos formalmente garantidos
pela Carta de 1988, sejam efetivamente exercidos pela maior parte da população brasileira até
que seja inteiramente cumprido o objetivo fundamental da República Federativa do Brasil,
previsto no art. 3º, I, da Constituição, qual seja, o de construir uma sociedade livre, justa e
solidária.
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5 TRANSFORMAÇÕES RECENTES DO ESTADO BRASILEIRO
O Estado deve ser encarado como processo histórico a par de outros. Quer como idéia ou
concepção jurídica ou política, quer como sistema institucional, o Estado não se cristaliza
nunca numa fórmula acabada. Está em contínua mutação, através de várias fases do
desenvolvimento progressivo. Os fins que se propõe impelem-no para novos moldes de
estruturação e eles próprios vão-se modificando e o mais das vezes, ampliando.
Podemos identificar ao longo do século XX, três fases distintas no tocante ao exercício das
funções do Estado no Brasil. A primeira fase, identificada como liberal, exibe um Estado de
funções reduzidas, confinadas à segurança, justiça e serviços essenciais. Na segunda fase,
com o Estado social ou moderno, a máquina estatal assume diretamente papéis econômicos,
tanto como condutor do desenvolvimento, como distributivista, destinados a diminuir algumas
distorções do mercado e a amparar os contingentes que ficavam à margem do progresso
econômico. A última fase, que poderíamos chamar de pós-moderna, encontra o Estado sob
crítica densa, identificado com a idéia de ineficiência, desperdício de recursos, lentidão,
burocracia e corrupção.
O discurso do novo tempo em que vivemos é o da privatização e do terceiro setor. No âmbito
da cidadania, afloram os chamados direitos difusos, que tem por característica a pluralidade
indeterminada de seus titulares e a indivisibilidade de seu objeto. Neles se inclui por exemplo,
a proteção ao consumidor, ao meio-ambiente, aos bens históricos e artísticos.
O Brasil chega à pós-modernidade sem ter logrado ser liberal nem moderno. O Estado
brasileiro sempre foi onipresente, pois a característica do patrimonialismo sempre foi
constante em nossa cultura desde os tempos de colônia.
Nesse contexto, o “inchamento” do Estado é um processo contínuo de muitas décadas com a
economia brasileira sendo impulsionada por iniciativa oficial. Após a Constituição de 1988 e,
com o avanço da ideologia neo-liberal ao longo da década de 90, o tamanho e o papel do
Estado passaram para o centro do debate.
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Com a crítica ao gigantismo do Estado internalizada e defendida pelos setores mais elitizados,
o Estado brasileiro na década de 90 sofre um conjunto amplo de reformas econômicas e
institucionais, através de emendas à Constituição e por legislação infraconstitucional, e que
podem ser agrupadas em três categorias: a extinção de restrições ao capital estrangeiro, a
flexibilização de monopólios estatais e a privatização.
Estas transformações modificaram as bases sobre as quais se dava a atuação do Estado no
domínio econômico, tanto no que diz respeito à prestação de serviços públicos como à
exploração de atividades econômicas. A diminuição expressiva da atuação empreendedora do
Estado transferiu sua responsabilidade principal para o campo da regulação e fiscalização dos
serviços delegados à iniciativa privada e das atividades econômicas que exigem regime
especial.
Neste novo cenário em que o Estado sai de uma postura intervencionista para um
posicionamento mais regulador, torna-se indispensável uma busca mais efetiva pelo exercício
da cidadania, pois esta é uma exigência de maturidade da sociedade brasileira moderna. Sabe-
se que a Constituição de 1988 ampliou os conceitos de cidadão e cidadania. Hoje, não mais
se trata de considerar a cidadania como a simples qualidade de gozar dos direitos políticos,
mas conferir um núcleo mínimo e irredutível de direitos fundamentais que devem se impor à
ação dos poderes públicos e do poder econômico.
A cidadania, segundo SILVA , "consiste na consciência de pertinência à sociedade estatal
como titular dos direitos fundamentais, da dignidade como pessoa humana, da integração
participativa no processo do poder, com a igual consciência de que essa situação subjetiva
envolve também deveres de respeito à dignidade do outro e de contribuir para o
aperfeiçoamento de todos". Ser cidadão, deste modo, é ter consciência dos direitos e deveres
constitucionalmente estabelecidos e participar ativamente de todas as questões que envolvem
o âmbito de sua comunidade, de seu bairro, de sua cidade, de seu Estado e de seu país.
Destarte, a Carta de 1988 endossa esse novo conceito de cidadania, que tem na dignidade da
pessoa humana seu maior sentido. Consagra-se, de uma vez por todas, os pilares universais
dos direitos humanos contemporâneos fundados na sua universalidade, indivisibilidade e
interdependência. A Constituição da República endossa, explicitamente, uma concepção
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contemporânea de cidadania, afinada com as novas exigências da democracia e fundada no
duplo pilar da universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos.
A Constituição da República consigna em seu art. 205, que a "educação, direito de todos e
dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho". Nota-se deste modo, que não há direitos humanos sem o
exercício pleno da cidadania, e que não há cidadania sem uma adequada educação para o seu
exercício, pois somente com a interação destes três fatores – direitos humanos, cidadania e
educação – é que se poderá falar em um Estado Democrático assegurador do exercício dos
direitos e liberdades fundamentais decorrentes da condição de ser humano.
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6 O TRIBUNAL DE CONTAS E A INOVAÇÃO
A promulgação da Constituição Federal de 1988, entre outras mudanças, dilatou o papel da
democracia social e participativa, elevou a eficiência a princípio constitucional como dever
para todo o governo e ampliou as funções institucionais dos órgãos de controle externo. Estas
transformações refletiram em todas as estruturas de poder e, em especial nas Cortes de
Contas do Brasil, que tiveram suas funções institucionais ampliadas.
Posteriormente, nos anos 90, a promulgação da Emenda Constitucional n.19, estabeleceu
novos princípios de Administração Pública vinculando os resultados do Estado com o
atendimento ao cidadão e suas demandas. A partir daí, o Brasil tem vivenciado grandes
transformações no setor.
Assim, quando as Cortes de Contas cumprem suas funções constitucionais, precisam ir além
e assumir o seu papel na construção da democracia, rumo a um futuro promissor com ações
e projetos inovadores para que, dentro da legitimidade institucional, produza, efeitos
concretos e de resultados tanto na fiscalização da aplicação dos recursos quanto na
mensuração da eficiência da gestão e das políticas públicas.
A percepção desse entendimento é uma necessidade atual e imperiosa para o reconhecimento,
o enfrentamento dos desafios, e para a adoção de ações e atitudes estratégicas inovadoras
neste milênio. O processo é desafiador e complexo, mas os Tribunais de Contas, operando
dentro destes novos padrões de controle, poderão contribuir para o fortalecimento da
cidadania, adotando ações e mecanismos que permitam desenvolver uma consciência ética
para que as dificuldades ainda encontradas nas práticas da Administração Pública sejam
superadas. Os Tribunais de Contas, ao exercer o Controle Externo em parceria com agentes
de Controle Social, podem ser agentes essenciais de efetividade nas relações Estado-
Sociedade.
Acreditando que não existem amarrar quando desejamos fazer alguma coisa, idealizamos um
programa voltado para a educação a ser desenvolvido pela Escola de Contas e Gestão do
Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, cuja proposta é engajar os profissionais da
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educação no compromisso do desenvolvimento da cidadania.
Desta forma, e considerando as transformações pelas quais estão passando a sociedade e o
Estado, o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro em uma postura mais que
inovadora, podemos dizer até ousada, deverá ir ao encontro daqueles que mais precisam de
amparo e que serão o nosso amanhã. Se serão um sonho ou pesadelo, depende da escolha que
fizermos.
A Escola de Contas e Gestão do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, ao
antecipar as demandas da sociedade poderá desenvolver um programa educacional a ser
aplicado na rede pública de educação estadual e nos noventa e um municípios que estão sob
a jurisdição do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro.
O programa teria como público alvo, professores, diretores, coordenadores e orientadores
pedagógicos da rede pública estadual. O objetivo seria capacitar e motivar os profissionais de
educação levando-os a perceber que apesar das dificuldades que enfrentam diariamente no
ambiente de trabalho, como baixos salários, falta de material, etc., os seus alunos, e mais
precisamente o país, precisam de uma educação de qualidade para que possamos superar as
dificuldades que cercam a todos nós.
O ponto de partida seria um concurso de monografia, sobre os desafios da educação, cuja
participação ficaria restrita somente aos profissionais da educação da rede pública. Em
segundo momento, convocariam todos os participantes do concurso para realizar uma
pesquisa sobre a percepção que a comunidade na qual trabalham tem sobre o papel de
educação e que modelo de escola desejam para si e seus filhos.
A partir do resultado da pesquisa, e considerando as múltiplas realidades da comunidade
onde estão inseridas as escolas, deve-se criar uma pedagogia flexível onde cada professor
adaptasse a sua disciplina da maneira que achasse mais confortável, porque entendemos que
mais importante do que adotar esta ou aquela linha pedagógica é despertar no professor o seu
compromisso com a educação para a cidadania.
Dentro da cada disciplina devem ser incluídos temas sobre a Constituição Federal, direitos
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fundamentais, o papel do Poder Judiciário, do Poder Executivo e do Poder Legislativo e
outros temas que possam levar os educandos a formar ou reformar a noção que tem sobre o
estado das coisas em que vivem. Aproveitando a oportunidade, e para fortalecer o papel do
Tribunal de Contas junto à população carente, deve-se fazer uma divulgação das suas
atribuições constitucionais e o relevante papel que desempenha na fiscalização da coisa
pública.
Essa proposta tem o objetivo de ser mais um instrumento para a construção da uma sociedade
menos desigual, como também mostrar que é possível que todas as instituições, quer públicas
quer privadas, se comprometam com o bem comum de todos os brasileiros. E se a educação
é o pilar sobre o qual se constrói uma sociedade melhor, não há motivos para que a
preocupação com esta área fique restrita ao Poder Executivo, através de sua secretaria de
educação. Todos podem contribuir com idéias para uma educação de qualidade.
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7 CONCLUSÃO
Tentamos mostrar com este trabalho, que preferimos chamar exercício de reflexão, que a
mudança é a tônica da História da humanidade. Estamos em constante reelaboração de nós
mesmos quando incorporamos novas maneiras de nos organizar – criação do Estado -, quando
entendemos que todos os homens são portadores de uma igualdade essencial – criação dos
direitos humanos – ou mesmo quando percebemos, através do sofrimento, que somente o bem
comum poderá superar o caos em que está mergulhada a humanidade, em especial a sociedade
brasileira.
Percorremos um longo caminho de cento e setenta e oito anos de história do Brasil e
verificamos que a libertação dos escravos não trouxe consigo a igualdade efetiva. Essa
igualdade era afirmada nas leis, mas negada na prática. Até hoje a população negra ocupa
posição inferior em todos os indicadores de qualidade de vida. É a parcela menos educada da
população, com os empregos menos qualificados e menores salários e com os piores índices
de ascensão social.
Os progressos são inegáveis, mas falta um longo caminho. As mudanças trazidas pelo
renascimento liberal desenvolveram a cultura do consumo entre os excluídos que não querem
ser cidadãos, mas sim consumidores. É a cidadania pregada pelos novos liberais. E a cultura
do consumo dificulta o desatamento do nó, que torna tão lenta a marcha da cidadania entre
nós impedindo a redução das desigualdades e o fim da divisão dos brasileiros em castas
separados pela educação, pela renda, pela cor.
A Constituição de 1988, endossa de forma explícita a concepção contemporânea de cidadania,
afinada com as novas exigências da democracia e fundada no duplo pilar da universalidade e
indivisibilidade dos direitos humanos, também entrega ao Estado e ao cidadão – de forma
implícita – a tarefa de educar (dever) e ser educado (direito) em direitos humanos e cidadania.
Assim, os compromissos expressos na Constituição colocam-nos a necessidade de superação
das desigualdades educacionais observadas na sociedade brasileira, ao definir a educação
como um direito social garantindo a igualdade de condições para acesso e permanência na
escola com um padrão mínimo de qualidade para todos.
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A educação deve se dar de forma a que os princípios éticos fundamentais que o cercam sejam
assimilados por todos nós, passando a orientar nossas ações, em busca da reconstrução dos
direitos em nosso país. Só assim é que o efetivo exercício da cidadania e o respeito aos
direitos estarão completos.
Assim, perfilhando as idéias de Paulo Freire e Demerval Saviani, entendemos que somente
através da educação poderemos alterar o curso de nossa história. Será preciso então o
engajamento de homens comprometidos com a ruptura para elaborar uma pedagogia cujo
objetivo seja recuperar a humanidade dos não-cidadãos.
Para tornar os brasileiros cidadãos plenos é necessário que o Estado, através de seus gestores,
deve propor ações que compatibilizem as prioridades do governo e o querer da coletividade.
Mas, para empreender essas ações o Estado deve ser ético-político, e a ética, quando estudada
no âmbito da gestão pública, apresenta uma interligação profunda entre Estado e sociedade,
principalmente quanto ao exercício da cidadania.
Esse processo envolve muitos atores e não restam dúvidas de que o Tribunal de Contas do
Estado do Rio de Janeiro, através de sua Escola de Contas e Gestão, se constitui em um
desses atores, diretamente envolvidos no processo de difusão de direitos, de garantia de
exercício de direitos e sobretudo de exercício pleno da cidadania.
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