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LITERATURA – Profª Ana Cristina R. Pereira 2ª Série do Ensino Médio

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Roberto Schwarz chama a atenção para o significa<strong>do</strong> da<br />

a<strong>do</strong>ção de um narra<strong>do</strong>r em primeira pessoa nos romances<br />

machadianos. Explique as contradições <strong>do</strong> discurso desse<br />

narra<strong>do</strong>r, complexo e engana<strong>do</strong>r, através da análise <strong>do</strong> último<br />

capítulo <strong>do</strong> romance Dom Casmurro.<br />

Nesta passagem <strong>do</strong> romance “Dom Casmurro”, Bento Santiago<br />

confessa que nenhuma outra mulher (“caprichosas”) despertou-lhe amor tão<br />

profun<strong>do</strong> quanto Capitu, voltan<strong>do</strong> a designá-la pelas metáforas <strong>do</strong>s olhos<br />

(olhos de “ressaca”, de “cigana”) e reafirman<strong>do</strong>, pela última vez, a natureza<br />

envolvente e oblíqua de sua amada. Nas entrelinhas desta afirmativa,<br />

constatamos que o narra<strong>do</strong>r jamais se recuperou afetivamente <strong>do</strong> golpe<br />

sofri<strong>do</strong>, tenha si<strong>do</strong> ele real ou imaginário.<br />

Em seguida, Bento chega a cogitar - basean<strong>do</strong>-se em uma citação<br />

bíblica -, na possibilidade <strong>do</strong>s seus ciúmes terem causa<strong>do</strong> a traição da esposa,<br />

sen<strong>do</strong>, portanto, também ele culpa<strong>do</strong> <strong>do</strong> que ocorrera, ideia que é logo refutada<br />

(negada) pelo narra<strong>do</strong>r na sequência narrativa.<br />

Finalmente, em sua última afirmativa, o narra<strong>do</strong>r conclui pela<br />

culpabilidade da esposa morta, dizen<strong>do</strong> que a Capitu da praia da Glória (a<br />

Capitu adulta) já estava na da rua de Matacavalos (a Capitu menina) “como a<br />

fruta dentro da casca”. Bento Santiago encerra assim o processo de<br />

julgamento de sua mulher, sem lhe conceder a chance de defesa através <strong>do</strong><br />

discurso direto. Este aspecto conclusivo <strong>do</strong> relato levou, durante muito tempo,<br />

leitores e críticos a igualmente condenarem Capitu por adultério, numa<br />

percepção visivelmente influenciada por valores machistas e patriarcais.<br />

Contu<strong>do</strong>, nas últimas décadas, esta visão baseada no “texto sofri<strong>do</strong>” <strong>–</strong><br />

ainda que elegante e sedutor <strong>–</strong> de Bento Santiago foi posta em xeque. Alguns<br />

leitores perceberam que só ele tem o direito à palavra e que a ótica <strong>do</strong>s<br />

acontecimentos é exclusivamente a sua. Outros perceberam algo ainda<br />

mais complexo: a acusação <strong>do</strong> narra<strong>do</strong>r está corroída internamente por tal<br />

quantidade de dúvidas e contradições, que ela mesma não se sustenta. A<br />

cada prova enunciada corresponde a insinuação de uma contraprova.<br />

Desta forma, descobriu-se que o tema <strong>do</strong> romance talvez não seja nem<br />

o adultério, nem os ciúmes, mas a impossibilidade de um indivíduo<br />

conhecer inteiramente outro ser e, por derivação, a impossibilidade <strong>do</strong><br />

homem de alcançar qualquer verdade objetiva e absoluta. Sob esta<br />

perspectiva, Dom Casmurro passou a ser visto como um romance amargo e<br />

genial sobre a fragilidade <strong>do</strong> conhecimento humano.

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