16.04.2013 Views

figurações do feminino em frei luís de sousa de almeida garrett

figurações do feminino em frei luís de sousa de almeida garrett

figurações do feminino em frei luís de sousa de almeida garrett

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

FIGURAÇÕES DO FEMININO EM FREI LUÍS DE SOUSA DE ALMEIDA GARRETT<br />

o <strong>de</strong> D. João que se materializará por momentos (para aparecer à sua amada esposa e<br />

ao seu aio velho) e o <strong>de</strong> Maria que se irá insinuan<strong>do</strong> através da sua progressiva <strong>de</strong>srealização.<br />

Convém, ainda, não esquecer que a ambos se po<strong>de</strong> aplicar a expressão<br />

atrás citada...e que isso acontecerá no fulcral encontro com o Romeiro.<br />

A pre<strong>do</strong>minante caracterização <strong>de</strong> Maria, realizada segun<strong>do</strong> os estereótipos<br />

românticos já referi<strong>do</strong>s – sensibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tísica, <strong>do</strong>tes <strong>de</strong> adivinhação (o pai chama-lhe<br />

“feiticeira”), “papéis” secretos, imaginação exacerbada e crença <strong>em</strong> prodígios e lendas<br />

– prepara a nossa recepção da frase proferida por Manuel <strong>de</strong> Sousa Coutinho como<br />

pr<strong>em</strong>onição <strong>de</strong>ssa espectralida<strong>de</strong>: “Mas minha filha não era <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>... (...) foi um<br />

anjo que veio <strong>do</strong> céu para me acompanhar na peregrinação da terra, e que me apontava<br />

s<strong>em</strong>pre, a cada passo da vida, para a eterna pousada <strong>de</strong> on<strong>de</strong> viera e on<strong>de</strong> me<br />

conduzia...” (III acto, cena I). Será, aliás, através da voz <strong>de</strong> Maria que Garrett inscreverá<br />

uma concepção religiosa da vida e da morte tão explorada no romantismo: “ Que o<br />

Céu fez-se para os bons e para os infelizes, para os que já cá da terra o adivinharam!”<br />

(II Acto, cena I) A bonda<strong>de</strong> e a infelicida<strong>de</strong> são passaporte para o Céu e alguns seres<br />

(os poetas, os loucos, os <strong>do</strong>entes...) têm o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> o vislumbrar....<br />

Com a repetição da palavra anjo, Garrett produz um po<strong>de</strong>roso efeito <strong>de</strong> eco,<br />

capaz <strong>de</strong> atenuar a nossa percepção sexualizada <strong>de</strong> Maria e assim, ao tópico romântico<br />

que hoje para nós ele é, a qualida<strong>de</strong> angelical da personag<strong>em</strong> acrescenta uma<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> leitura que permite conceber o lugar <strong>do</strong> <strong>f<strong>em</strong>inino</strong>, não só como o<br />

lugar da anulação da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> f<strong>em</strong>inina (caso <strong>de</strong> Soror Joana), mas também como<br />

aquele <strong>em</strong> que a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> sexual se revela híbrida ou in<strong>de</strong>finida.<br />

Convém igualmente analisar como se contrói a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> genérica e sexual <strong>de</strong><br />

Maria através <strong>do</strong> discurso que lhe é atribuí<strong>do</strong> por Garrett. Maria vê-se como filha<br />

querida <strong>de</strong> seus pais até ao final <strong>do</strong> drama e esta perspectiva interage com a referida<br />

“angelização” da personag<strong>em</strong>: liga-a ao mun<strong>do</strong> porque é no mun<strong>do</strong> que resi<strong>de</strong> o<br />

princípio da sua con<strong>de</strong>nação17 (“digna <strong>de</strong> nascer <strong>em</strong> melhor esta<strong>do</strong>”), da sua irreparável<br />

anulação e, sobretu<strong>do</strong>, da sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> questionada. Por isso Garrett a concebe<br />

como lugar <strong>de</strong> um <strong>f<strong>em</strong>inino</strong> in<strong>de</strong>ciso: “O que eu sou ...só eu o sei, minha mãe...E<br />

não sei, não: não sei nada, senão que o que <strong>de</strong>via ser não sou” (I acto, cena IV).<br />

Resguardada <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, <strong>de</strong>dicada ao jardim, às leituras, aos trabalhos <strong>f<strong>em</strong>inino</strong>s,<br />

“folgar, rir, brincar, tanger na harpa, correr nos campos, apanhar das flores”( II acto,<br />

17 Leia-se a fala inicial <strong>de</strong> Manuel <strong>de</strong> Sousa Coutinho no III acto e a ligação que estabelece com a última fala <strong>de</strong><br />

D. Madalena no final <strong>do</strong> II acto.<br />

46 DISCURSOS. SÉRIE: ESTUDOS PORTUGUESES E COMPARADOS<br />

© Universida<strong>de</strong> Aberta

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!