16.04.2013 Views

figurações do feminino em frei luís de sousa de almeida garrett

figurações do feminino em frei luís de sousa de almeida garrett

figurações do feminino em frei luís de sousa de almeida garrett

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

FIGURAÇÕES DO FEMININO EM FREI LUÍS DE SOUSA DE ALMEIDA GARRETT<br />

confuso que ninguém! (...) ...o filho que eu criei nestes braços...vou saber novas<br />

certas <strong>de</strong>le – (...) Eu agora tr<strong>em</strong>o...É que o amor <strong>de</strong>sta outra filha, <strong>de</strong>sta última<br />

filha é maior, e venceu...venceu, apagou o outro. (...) Mas que peca<strong>do</strong> po<strong>de</strong> haver<br />

com aquele anjo? (...) Contentai-vos com este pobre sacrifício da minha vida,<br />

Senhor, e não me tomeis <strong>do</strong>s braços o inocentinho que eu criei para Vós,<br />

Senhor (...)”<br />

Duas crianças confundidas no discurso <strong>de</strong> Telmo, <strong>do</strong>is t<strong>em</strong>pos sobrepostos<br />

num só t<strong>em</strong>po – o da criação – e, no entanto, uma diferença sobressai. Regressar ao<br />

passa<strong>do</strong> é impossível porque Telmo não é o mesmo hom<strong>em</strong>. Como insinuava a frase<br />

<strong>de</strong> D. Madalena, algo <strong>de</strong> estranho aconteceu a Telmo ao ocupar-se da criação <strong>de</strong><br />

Maria. Fora seduzi<strong>do</strong> por aquele “anjo <strong>de</strong> formosura e bonda<strong>de</strong>” e os efeitos <strong>de</strong>ssa<br />

sedução tornaram-se visíveis <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo para D. Madalena. Telmo é a única personag<strong>em</strong><br />

masculina <strong>do</strong> texto na qual se manifesta a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inscrição <strong>de</strong> um traço não<br />

masculino.<br />

Mas, ao projectar essa possibilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as primeiras falas, e ao geri-la <strong>de</strong><br />

forma a que ela se insinue ao longo da nossa leitura, Garrett consegue, por um la<strong>do</strong><br />

confirmar a visão pre<strong>do</strong>minant<strong>em</strong>ente masculina sobre o género <strong>f<strong>em</strong>inino</strong>,<br />

concretizada, como vimos, na relação Telmo/Madalena, por outro provocar alguma<br />

surpresa pela evidência discursiva <strong>de</strong> uma dimensão funcional (<strong>de</strong> aia <strong>de</strong> criação) e<br />

afectiva (um amor maior) na relação Telmo/Maria através da qual a i<strong>de</strong>ologia masculina<br />

<strong>do</strong>minante costuma representar, como essência, o género <strong>f<strong>em</strong>inino</strong>. Recordamos,<br />

inevitavelmente, as palavras <strong>de</strong> Judith Butler acerca da construção <strong>do</strong> género e da<br />

i<strong>de</strong>ia essencialista que <strong>de</strong>la <strong>de</strong>corre, através da acção <strong>do</strong> sujeito. Mostrar Telmo como<br />

<strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhan<strong>do</strong> um “papel” que <strong>de</strong>safia as directivas sociais através das quais, no<br />

nosso momento <strong>de</strong> leitura, é regulada a construção <strong>do</strong> género, não é mais <strong>do</strong> que a<br />

confirmação <strong>de</strong> uma ficção <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> genérica prévia ou essencial que serviria<br />

para apreciar, neste caso, o registo falso da acção <strong>de</strong> Telmo, dissonante relativamente<br />

à sua masculinida<strong>de</strong> estabelecida.<br />

“That gen<strong>de</strong>r reality is created through sustained social performances means that<br />

the very notions of an essential sex, a true or abiding masculinity or f<strong>em</strong>ininity, are<br />

also constituted as part of the strategy by which the performative aspect of gen<strong>de</strong>r<br />

is concealed.” 20<br />

20 Judith Butler, op. cit. p. 162.<br />

50 DISCURSOS. SÉRIE: ESTUDOS PORTUGUESES E COMPARADOS<br />

© Universida<strong>de</strong> Aberta

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!