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Rui Moreno<br />
paulo coelho<br />
www.paulocoelhoblog.com<br />
“Quero dar a todos esta tragédia. Que ela seja<br />
sempre lembrada quando pensarmos nos pequenos<br />
incidentes das nossas vidas„<br />
HISTÓRIAS DA AMÉRICA LATINA<br />
O PODER DA IMAGEM<br />
Uma lenda peruana fala de uma cidade onde<br />
todos eram felizes. Todos faziam o que desejavam,<br />
e se entendiam bem – menos o prefeito, que<br />
vivia infeliz porque não conseguia governar nada.<br />
A prisão estava vazia, o tribunal nunca era usado,<br />
e o tabelião não dava nenhum lucro porque a<br />
palavra valia mais do que o papel.<br />
“Falta autoridade aqui”, pensava o prefeito.<br />
E tentava, de todas as maneiras, fazer com que<br />
as pessoas obedecessem a leis absurdas criadas<br />
pelo governo central. Ninguém dava bola.<br />
Até que o prefeito teve uma ideia. Mandou<br />
vir operários de longe, que fecharam o centro<br />
da praça principal da cidadezinha com um<br />
tapume, e começaram a construir algo. Durante<br />
uma semana, ouviu-se martelos a bater, serras<br />
a cortar madeira, vozes de comando dos<br />
capatazes.<br />
Certa tarde, o prefeito convidou todos os<br />
habitantes da cidade para a inauguração. Com<br />
toda a solenidade, os tapumes foram retirados,<br />
e apareceu... uma forca.<br />
Novinha em folha, com a corda balançando<br />
ao vento e as ferragens do alçapão bem<br />
lubrifi cadas.<br />
A partir daquele momento, toda a gente que<br />
passava pela praça via a forca. As pessoas<br />
foram fi cando tristes, sem ter a certeza de que<br />
estavam a agir bem. Começaram a perguntar-se<br />
o que é que aquela forca estava a fazer ali –<br />
e, com medo, passaram a ir à justiça resolver<br />
qualquer coisa que antes era resolvida de<br />
comum acordo. Passaram a ir ao tabelião<br />
registar documentos que antes eram substituídos<br />
pela palavra. E passaram a escutar o prefeito<br />
em tudo, com medo de ferir a lei.<br />
A lenda termina dizendo que a forca nunca foi<br />
usada. Mas bastou a sua presença para mudar<br />
tudo.<br />
AMALDIÇOANDO À TOA<br />
Um feiticeiro mexicano conduz o seu aprendiz<br />
pela fl oresta. Embora mais velho, caminha com<br />
agilidade, enquanto o seu aprendiz escorrega<br />
e cai a todo o instante.<br />
O aprendiz blasfema, levanta-se, cospe no<br />
chão traiçoeiro, e continua a acompanhar o<br />
seu mestre.<br />
Depois de uma longa caminhada, chegam a um<br />
lugar sagrado. Sem parar, o feiticeiro dá meia<br />
volta e começa a viagem de regresso.<br />
“Você não me ensinou nada hoje”, diz o aprendiz,<br />
dando mais um tombo.<br />
“Ensinei sim, mas você parece que não aprende”,<br />
responde o feiticeiro. “Estou a tentar ensinar-lhe<br />
como é que se lida com os erros da vida.”<br />
“E como lidar com eles?”<br />
“Como deveria lidar com os seus tombos.<br />
Em vez de amaldiçoar o lugar onde caiu, devia<br />
procurar aquilo que provocou a queda.”<br />
DAR TAMBÉM UM POUCO<br />
Um grupo de estudantes uruguaios estava<br />
reunido numa casa de campo, quando o<br />
caseiro chegou e contou uma tragédia que<br />
tinha acontecido nas redondezas: uma casa<br />
incendiou-se, deixando mãe e fi lha desabrigadas.<br />
Imediatamente, uma das estudantes<br />
iniciou uma coleta, para ajudar a família a<br />
reconstruir a sua casa.<br />
Entre os presentes estava um escritor pobre,<br />
e a moça resolveu não lhe pedir nada.<br />
“Um momento”, disse o escritor, enquanto<br />
ela ia passando adiante. “Também quero<br />
contribuir.”<br />
No minuto seguinte, escreveu num papel o<br />
que tinha acontecido, e colocou-o dentro<br />
do pote que estava a ser usado para arrecadar<br />
o dinheiro.<br />
“Quero dar a todos esta tragédia. Que ela<br />
seja sempre lembrada quando pensarmos<br />
nos pequenos incidentes das nossas vidas.”