16.04.2013 Views

Hipertrofia intestinal induzida por alimento e obesidade - UFTM

Hipertrofia intestinal induzida por alimento e obesidade - UFTM

Hipertrofia intestinal induzida por alimento e obesidade - UFTM

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

310<br />

jovem, e nem passa na cabeça de ninguém, incluindo<br />

os nubentes, de perguntar aos mesmos qualquer<br />

opinião a favor ou contra).<br />

A proposta foi aceita. Alguns anos depois a família<br />

começou a desconfiar que o curandeiro tinha segundas<br />

intenções, já que cobrava muito caro pelas suas rezas e<br />

passes, e parece que sua compostura social não era destas<br />

coisas, de modo que a família renegou a negociação quanto<br />

ao casório. Isto foi feito com grande receio, <strong>por</strong>que o<br />

feiticeiro era poderoso, e mais apreensiva ficou a família<br />

quando ouviu dizer que o mesmo andava resmungando<br />

e prometendo grandes maldades de vingança...<br />

Logo depois o rapaz para o qual tinha sido proposto<br />

o casamento arrumou – ou melhor, lhe arranjaram – outra<br />

noiva. Assim que terminou a cerimônia, a moça teve um<br />

“troço”, rolando de dor pelo chão com sensação de algo<br />

no ventre, e isto se repetiu algumas vezes. O quadro<br />

remitiu espontaneamente, mas alguns meses depois outra<br />

senhora da mesma família teve um quadro semelhante, e<br />

a família ficou certa de que o curandeiro estava se<br />

vingando. Emissários enviados ao dito cujo ouviram que<br />

o homem nada tinha a ver com aquilo, que ele não era<br />

vingativo – e claro, a família não acreditou...<br />

Num outro casamento da família, nove mulheres<br />

ao mesmo tempo tiveram episódios bizarros de dores<br />

abdominais e dissociação de pensamentos. Tratamentos<br />

com outros curandeiros (o primeiro, nem pensar...)<br />

foram inúteis.<br />

Um dos membros da família, no entanto, teve um<br />

quadro de depressão evidente e acabou procurando<br />

psicólogo, que não só o diagnosticou de maneira<br />

adequada como o tratou com medicação idem, lítio.<br />

Foram encontrados mais dois casos de psicose maníacodepressiva,<br />

incluindo duas das moças que tiveram um<br />

“troço” no casamento acima referido. Com<br />

esclarecimentos e alguma educação houve uma melhora<br />

da família, mas algumas das senhoras da mesma ainda<br />

têm “troços” durante preces a deusas locais e a maior<br />

parte da família tem certeza de que o feiticeiro inicial<br />

é que aprontou tudo – e promete vingança...<br />

Os autores discutem que condicionantes culturais<br />

são extremamente difíceis de enfrentar e explicações<br />

lógicas e científicas nem sempre convencem...<br />

einstein. 2005; 3(4):310<br />

Hipótese<br />

Toda realização científica nasce de hipóteses. A hipótese é a<br />

semente da qual brotam investigações, que depois<br />

estabelecem fatos científicos. A hipótese bem-feita é, <strong>por</strong>tanto,<br />

preciosa. Esta subseção abre espaço para a divulgação de<br />

hipóteses em Medicina, que abranjam uma nova visão sobre<br />

temas relevantes e sejam tão solidamente argumentadas em<br />

bases científicas que as tornem plausíveis, críveis e que<br />

instiguem pesquisas futuras.<br />

Sérgio Santoro<br />

Editor Associado da einstein<br />

<strong>Hipertrofia</strong> <strong>intestinal</strong> <strong>induzida</strong> <strong>por</strong><br />

<strong>alimento</strong> e <strong>obesidade</strong><br />

Sergio Santoro *<br />

* Mestre em Medicina pela USP, HIAE, São Paulo (SP), Brasil.<br />

Nos últimos anos, apresentamos uma teoria (1-5) pela qual<br />

o trato digestivo humano não está preparado (nem<br />

dimensionado) para dietas refinadas, hipercalóricas e<br />

pobres em fibra vegetal e que <strong>obesidade</strong>, diabetes,<br />

dislipidemia e outras doenças associadas tivessem<br />

origem, entre outros, nos seguintes fatos previamente<br />

comprovados em Biologia:<br />

a) há estreita correlação entre as dimensões do tubo<br />

digestivo, o tamanho do corpo e o tipo de dieta em<br />

mamíferos em geral (6) .<br />

b) que o enriquecimento da dieta hominídea (em meios<br />

antropológicos calculado pelo índice de Sailer 7 ) gera<br />

uma inadequação da relação gastroenterocorpórea<br />

que tem levado a uma progressiva diminuição das<br />

dimensões intestinais ao longo dos últimos 2<br />

milhões de anos (8-10) .<br />

c) que esta mudança anatômica, ainda em andamento,<br />

não é suficiente para enfrentar o rápido enriquecimento<br />

dietético entre humanos, ocorrido em décadas.<br />

Obesos, mais propensos a adoecer sob esta dieta, são<br />

segregados sexualmente e morrem mais cedo, fazendo<br />

com que os genes envolvidos com as características<br />

responsáveis pela boa saúde mesmo com dietas<br />

hipercalóricas tenham aumento progressivo de<br />

freqüência. Obesos, entre outras características<br />

anatomicometabólicas, tendem a ter intestino mais<br />

longo (11) . Logo, o mais curto está sendo selecionado.<br />

d) o trato digestivo sinaliza para o hipotálamo que<br />

gerencia fome, saciedade e gastos energéticos. Esta


sinalização detecta volumes em território alto<br />

(estômago) e nutrientes em território baixo, onde os<br />

nutrientes já foram expostos pela digestão, ou seja,<br />

intestino distal. A dieta moderna e refinada “engana”<br />

ambos os detectores. Os de volume <strong>por</strong>que volume<br />

muito baixo pode já conter carga calórica alta. Os de<br />

nutriente <strong>por</strong>que tendo sido digerida externamente<br />

(<strong>por</strong> refinamento e cocção), a dieta moderna pode<br />

ser absorvida em território mais alto (intestino<br />

proximal), deixando o intestino distal vazio e<br />

sinalizando que houve ingestão de pouco <strong>alimento</strong>.<br />

Está demonstrado que os sinalizadores de nutriente<br />

(GLP-1 e PYY) são mal secretados <strong>por</strong> obesos (12-13) e<br />

que esta secreção se eleva se nutrientes são levados<br />

ao intestino distal (14-15) . Ou seja, para esta dieta, os<br />

detectores de nutriente estão posicionados num ponto<br />

onde os nutrientes já foram quase totalmente<br />

absorvidos. Precisa-se, <strong>por</strong>tanto, de dieta menos<br />

refinada ou trato digestivo menor.<br />

Porém, há questão perturbadora. Todos os obesos<br />

nasceram marcados para ser obesos? E aqueles indivíduos<br />

que passaram boa parte da vida magros e de repente, em<br />

poucos anos, perdem o controle sobre seu peso? A<br />

hipótese que ora apresentamos versa sobre esta situação.<br />

Sabe-se que nutrientes induzem o trofismo de<br />

mucosa <strong>intestinal</strong> e que sua falta leva a hipotrofia (16) .<br />

É razoável aceitar que sua presença excessiva leve a<br />

hipertrofia. Ao operar obesos, é nítida a hipertrofia<br />

do intestino, em especial do intestino proximal. Digase<br />

o oposto dos caquéticos. A diferença de trofismo é<br />

óbvia nestas situações opostas.<br />

Ora, imagine-se que <strong>por</strong> atividade social intensa,<br />

fartura, dieta industrializada, etc., aconteça de um<br />

indivíduo ser exposto <strong>por</strong> alguns anos a excesso de<br />

nutrientes. É plausível que sua mucosa, em especial a<br />

proximal, se hipertrofie. Se tal ocorrer, é natural que<br />

haja necessidade progressivamente maior de <strong>alimento</strong>,<br />

para que o intestino distal consiga emitir um sinal de<br />

presença e adequação do volume ingerido (ou seja:<br />

um nível sangüíneo de GLP-1, PYY, oxintomodulina<br />

altos o suficiente para indicar saciedade e, uma vez<br />

percebido que há <strong>alimento</strong>, liberar o gasto energético).<br />

Se o tubo digestivo, <strong>por</strong> características da dieta, percebea<br />

mal, ele sinaliza para saciedade e gasto energéticos<br />

menores, que o hipotálamo providencia. Assim, come-se<br />

cada vez mais e se gasta pouco. A vida moderna e a <strong>obesidade</strong><br />

ainda induzem sedentarismo, completando a cilada<br />

metabólica. Esta hipótese anatomicofisiológica aponta para<br />

algo que a sabedoria popular há muito se refere: “quanto<br />

mais se come, mais se quer comer”.<br />

A hipertrofia <strong>intestinal</strong> <strong>induzida</strong> <strong>por</strong> <strong>alimento</strong><br />

(HIIA) pode ser fator causal ou agravante de <strong>obesidade</strong><br />

e diabetes. Já postulamos antes que o intestino mais<br />

longo, traço mais característico de herbívoros, confere<br />

maior tendência à <strong>obesidade</strong> (17) . Agora, apontamos que<br />

funcionalmente o intestino pode “crescer”, crescimento<br />

este induzido <strong>por</strong> dieta hipercalórica. A dieta<br />

hipercalórica externamente digerida <strong>por</strong> refinamento<br />

e cocção adoece um indivíduo e a doença que induz<br />

ainda agrava seus efeitos nefastos num ciclo.<br />

Assim, métodos terapêuticos que promovam maior<br />

a<strong>por</strong>te de <strong>alimento</strong> ao intestino distal precisam reduzir a<br />

massa de enterócitos. As cirurgias clássicas para <strong>obesidade</strong><br />

que funcionam bem (bypass gástrico em Y de Roux –<br />

BGYR - e bypass biliopancreático - BPD) excluem <strong>por</strong>ções<br />

intestinais, satisfazendo esta premissa, ainda que <strong>por</strong><br />

acaso. Ambas as técnicas cirúrgicas têm mais de 15 anos e<br />

o descobrimento e a compreensão de hormônios<br />

intestinais têm menos que isto. Estas técnicas sobreviveram<br />

<strong>por</strong>que eram melhores que suas contem<strong>por</strong>âneas, embora<br />

a compreensão do <strong>por</strong>que só viesse depois.<br />

Porém BGYR e BPD reduzem a massa de enterócitos<br />

a qual o <strong>alimento</strong> se expõe, mas o fazem <strong>por</strong> exclusão,<br />

método que implica uma série de conseqüências<br />

indesejáveis, <strong>por</strong> ainda não haver a aceitação de que se<br />

deva manter pro<strong>por</strong>cionalidade entre a relação gastroenterocorpórea<br />

e a “riqueza” da dieta. Alguns ainda<br />

pensam que quanto mais intestino há, melhor, como se<br />

isto apenas implicasse em reservas maiores e não houvesse<br />

conseqüência de âmbito metabólico. Já não pensam o<br />

mesmo quanto às reservas calóricas, pois se reconhece<br />

amplamente que não há só vantagens em se ter reservas<br />

calóricas superiores (ser obeso).<br />

Se se oferecer mais <strong>alimento</strong> ao íleo, sem se reduzir<br />

a massa (provavelmente já hiperplásica e hipertrófica)<br />

de enterócitos, o que ocorre é que, juntamente a GLP-<br />

1, há a secreção de GLP-2, agente fortemente indutor<br />

de crescimento epitelial <strong>intestinal</strong>. Isto se dá <strong>por</strong>que,<br />

nas ocasiões em que o íleo é sobrecarregado de nutrientes,<br />

entende-se que há insuficiência de intestino proximal.<br />

O GLP-2 é o principal agente indutor de crescimento<br />

epitelial após ressecções intestinais e a ele se atribui grande<br />

parte da “Adaptação Intestinal” (16,18) . Ao se induzir<br />

elevação de GLP-1 e GLP-2 <strong>por</strong> ressecção <strong>intestinal</strong>,<br />

obtêm-se elevação hormonal e provavelmente recuperação<br />

de grande parte da massa <strong>intestinal</strong> (à custa de GLP-<br />

2). A possível redução <strong>intestinal</strong> residual é bem-vinda,<br />

pois se reconhece a hipertrofia e hiperplasia prévias,<br />

além de inadequação inata da relação gastroenterocorpórea<br />

(devido à mudança dietética ser biologicamente<br />

311<br />

einstein. 2005; 3(4):311


312<br />

recentíssima). Se indução de maior secreção GLP-1 (e<br />

GLP-2 <strong>por</strong> conseguinte) é obtida sem ressecção nem<br />

exclusão, a hipertrofia <strong>intestinal</strong> se agrava e o benefício<br />

pode ser atenuado ou anulado.<br />

A HIIA pode ser parte integrante, senão gatilho<br />

imprescindível para o desenvolvimento da síndrome<br />

plurimetabólica e para a <strong>obesidade</strong> mórbida (Figura 1).<br />

Figura 1: A presente hipótese aparece marcada em cinza. Demais conexões<br />

já são bem demonstradas na literatura.<br />

Referências<br />

1. Santoro S. Relações entre o comprimento do intestino e a <strong>obesidade</strong>. Hipótese:<br />

a Síndrome do intestino longo. einstein. 2003; 1(1):63-4.<br />

2. Santoro S, Velhote MCP, Malzoni CE, Mechenas AS, Stassman V, Scheinberg<br />

M. Digestive adaptation: A new surgical proposal to treat obesity based in<br />

physiology and evolution. einstein. 2003; 1(2): 99-104.<br />

3. Santoro S, Velhote MCP, Malzoni CE, Mechenas AS, Stassman V, Scheinberg M.<br />

Preliminary results of digestive adaptation: a new surgical proposal to treat obesity<br />

based in physiology and evolution. São Paulo Med J. In press 2006.<br />

4. Santoro S, Milleo FQ, Velhote MCP, Malzoni CE, Klajner S, Campos EM.<br />

Gastrectomia vertical, omentectomia, e enterectomia segmentar como<br />

einstein. 2005; 3(4):312<br />

tratamento cirúrgico da <strong>obesidade</strong>: resultados em 100 pacientes nos dois<br />

primeiros anos. [Presented at 1st Latin American Congress of the International<br />

Federation for Surgery of Obesity; March, 2005; Iguassu Falls, Brazil].<br />

5. Santoro S, Milleo FQ, Velhote MCP, Malzoni CE, Klajner S, Campos EM.<br />

Vertical gastrectomy, omentectomy and segmental enterectomy as a new<br />

procedure to treat obesity: results in the first 115 patients in the first two and<br />

a half years. [Presented at “10th World Congress of the International Federation<br />

for the Surgery of Obesity – IFSO”, September, 2005; Maastricht, Netherlands].<br />

6. Stevens CE, Hume ID. Comparative physiology of the vertebrate digestive<br />

system. Cambridge: Cambridge University Press. 1995.<br />

7. Sailer LD, Gaulin SJC, Boster JS, Kurland JA. Measuring the relationship<br />

between dietary quality and body size in primates. Primates. 1985; 26:14-27.<br />

8. Milton K. Primate diets and gut morphology: implications for human evolution.<br />

In: Food and Evolution. Toward a theory of human food habits. Harris M, Ross<br />

EB, editors. Philadelphia: Temple University Press; 1987.<br />

9. Aiello LC, Wheeler P. The expensive tissue hypothesis: The brain and the digestive<br />

system in human and primate evolution. Curr Anthropol. 1995;36:199-221.<br />

10. Leonard WR, Robertson ML. Evolutionary perspectives on human nutrition:<br />

The influence of brain and body size on diet and metabolism. Am J Hum Biol.<br />

1994;6(1): 77-88.<br />

11. Hounnou G, Destrieux C, Desme J, Bertrand P, Velut S. Anatomical study of<br />

the length of the human intestine. Surg Radiol Anat. 2002; 24(5): 290-4.<br />

12. Ranganath LR, Beety JM, Morgan LM, Wright JW, Howland R, Marks V. Attenuated<br />

GLP-1 secretion in obesity: cause or consequence? Gut. 1996;38(6):916-9.<br />

13. Small CJ, Bloom SR.The therapeutic potential of gut hormone peptide YY3-36 in the treatment of obesity. Expert Opin Investig Drugs. 2005;14(5):647-53.<br />

14. Näslund E, Grybäck P, Hellström PM, Jacobsson H, Holst JJ, Theodorsson E, et al.<br />

Gastro<strong>intestinal</strong> hormones and gastric emptying 20 years after jejunoileal<br />

bypass for massive obesity. Int J Obes Relat Metab Disord. 1997; 21(5):387-92.<br />

15. Valverde I, Puente J, Martin-Duce A. Changes in glucagon-like peptide-1<br />

(GLP-1) secretion after biliopancreatic diversion or vertical banded gastroplasty<br />

in obese subjects. Obes Surg. 2005;15(3):387-97.<br />

16. Shin ED, Estall JL, Izzo A, Drucker DJ, Brubaker PL. Mucosal adaptation to<br />

enteral nutrients is dependent on the physiologic actions of glucagon-like<br />

peptide-2 in mice. Gastroenterology. 2005;128(5):1340-53.<br />

17. Santoro S. Anthropological aspects of obesity. [Presented at “10th World<br />

Congress of the International Federation for the Surgery of Obesity – IFSO”,<br />

September, 2005; Maastricht, Netherlands].<br />

18. Thulesen J. Glucagon-like peptide 2 (GLP-2), an intestinotrophic mediator.<br />

Curr Protein Pept Sci. 2004;5(1):51-65.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!