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BALADA<br />
Em rosalgar, em pedra arsenical,<br />
em enxofre, em salitre e em cal viva,<br />
em chumbo que a ferver rói mais brutal,<br />
em sebo e pez junto a lixívia activa<br />
de mijo de judia cagativa,<br />
lavaduras de pernas de gafado,<br />
raspaduras de pés, botim furado,<br />
sangue de cobra e drogas venenosas,<br />
fel de texugo, lobo e zorra dado,<br />
sejam fritas as línguas mais maldosas.<br />
Em miolos de gato a pescar mal,<br />
preto, velho e sem dentes na gengiva,<br />
de cão velho que valha por igual,<br />
raivoso pela baba e a saliva,<br />
no espumar da mula ofegativa<br />
que rasoiras bem fino têm talhado,<br />
n’água onde os ratos hão afocinhado,<br />
rãs e sapos e bichas perigosas,<br />
lagarto e serpe e aves de tal costado,<br />
sejam fritas as línguas mais maldosas.<br />
Em sublimado ao toque só fatal,<br />
e no umbigo de uma cobra viva,<br />
em sangue seco em malga barbeiral<br />
à lua cheia, vista que é nociva,<br />
que ora é negro, ora verde mais que oliva,<br />
em tumor, pús, e tanque emporcalhado<br />
onde dessanguam amas sujo atado,<br />
em lavagens de fêmeas amorosas<br />
(quem não sabe, em bordéis não é versado)<br />
sejam fritas as línguas mais maldosas.<br />
102<br />
Senhor, passai depois cada bocado,<br />
se tamiz, saco ou filtro haveis falhado<br />
pelo fundo de bragas pegajosas;<br />
mas antes, dos suínos no cagado<br />
sejam fritas as línguas mais maldosas.<br />
François Villon, França, 1431?-1463?<br />
Os testamentos de François Villon e algumas baladas mais,<br />
organização e tradução de Vasco Graça Moura,<br />
Campo das Letras, Porto, 1997, pp 181-183