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AFASTO AS CORTINAS DEVAGAR; E, ATRÁS DOS VIDROS, ACORDO<br />
Afasto as cortinas devagar; e, atrás dos vidros, acordo<br />
o silêncio de um muro de granito onde já não se demora<br />
a luz. Lembro-me sem querer de ti e convoco as memórias<br />
de um quarto antigo para não repetir o que os livros<br />
diriam sempre de outro modo. Contemplo a surda vegetação<br />
da sombra, os pequenos animais à deriva, a noite rasgada<br />
ao meio pelos gumes da lua. Aguardo provavelmente o teu<br />
regresso, embora secretamente. Mas o que acode à janela<br />
é uma impressão luminosa e fria que desfigura o olhar<br />
e dá das coisas apenas metades imperfeitas ou estilhaços<br />
que lembram a arquitectura da poeira sobre as baías.<br />
A sabedoria é um gomo amargo que se consome junto aos<br />
lábios. Ainda que quisesse murmurar o teu nome, como<br />
o sol a morder os pátios de manhã, calo-me para sempre.<br />
Esqueço-me talvez de ti, embora secretamente.<br />
Maria do Rosário Pedreira<br />
“A casa e o cheiro dos livros”, p.73, Gótica, Fevereiro 2002<br />
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