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Padrões de Corpo e Moda. - Senac

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CENTRO UNIVERSITÁRIO SENAC<br />

MESTRADO EM MODA, CULTURA E ARTE<br />

Na Linha <strong>de</strong> Pesquisa <strong>Moda</strong>, <strong>Corpo</strong> e Socieda<strong>de</strong><br />

<strong>Padrões</strong> <strong>de</strong> <strong>Corpo</strong> e <strong>Moda</strong>.<br />

São Paulo,<br />

2007.<br />

MAURO FIORANI


MAURO FIORANI<br />

<strong>Padrões</strong> <strong>de</strong> <strong>Corpo</strong> e <strong>Moda</strong><br />

Dissertação apresentada à comissão<br />

julgadora do Centro Universitário SENAC, Campus<br />

Santo Amaro, como exigência parcial para a<br />

obtenção do título <strong>de</strong> Mestre em <strong>Moda</strong>.<br />

Orientadora: Profª. Dr.ª Ana Lúcia <strong>de</strong> Castro.<br />

São Paulo,<br />

2007.<br />

3


F517f<br />

Catalogação na Fonte<br />

Fiorani, Mauro<br />

<strong>Padrões</strong> <strong>de</strong> <strong>Corpo</strong> e <strong>Moda</strong> / Mauro Fiorani. – São Paulo, 2007<br />

145 f.<br />

Orientadora: Prof. Dra. Ana Lúcia <strong>de</strong> Castro<br />

Dissertação (Mestre em <strong>Moda</strong> Cultura e Arte) – Centro Universitário <strong>Senac</strong>,<br />

Campus Santo Amaro, São Paulo, 2007.<br />

1. <strong>Moda</strong> 2. <strong>Corpo</strong> 3. Socieda<strong>de</strong> 4. Indústria têxtil 5. Antropometria I.<br />

Fiorani, Mauro II. Ana Lúcia <strong>de</strong> Castro (orient.) III. Título<br />

CDD 391<br />

4


MAURO FIORANI<br />

<strong>Padrões</strong> <strong>de</strong> <strong>Corpo</strong> e <strong>Moda</strong><br />

A banca examinadora da Dissertação em<br />

sessão pública realizada em 30 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2007,<br />

consi<strong>de</strong>rou o candidato: ______________________<br />

1) Examinador(a): KATHIA CASTILHO CUNHA<br />

2) Examinador(a) MARIA LÚCIA BUENO<br />

3) Presi<strong>de</strong>nte: ANA LÚCIA DE CASTRO<br />

Dissertação apresentada à comissão<br />

julgadora do Centro Universitário SENAC, Campus<br />

Santo Amaro, como exigência parcial para a<br />

obtenção do título <strong>de</strong> Mestre em <strong>Moda</strong>.<br />

Orientadora: Profª. Dr.ª Ana Lúcia <strong>de</strong> Castro.<br />

5


AGRADECIMENTOS<br />

Agra<strong>de</strong>ço ao SENAC por acreditar no pioneirismo e arrojo <strong>de</strong> lançar um curso <strong>de</strong><br />

mestrado em <strong>Moda</strong>, dando oportunida<strong>de</strong> para todos que amam ao acreditarem que, <strong>Moda</strong> é<br />

muito mais do que passarelas e holofotes, trazem para <strong>de</strong>ntro da aca<strong>de</strong>mia os bastidores,<br />

a indústria, e o comprometimento <strong>de</strong> toda a ca<strong>de</strong>ia têxtil.<br />

À Maria Lúcia Bueno por estar à frente <strong>de</strong>sse trabalho, incentivando e acreditando<br />

sempre que é possível discutir <strong>Moda</strong> com serieda<strong>de</strong> e profissionalismo.<br />

Aos professores: Profa. Dra. Eliane Robert Moraes; Profa. Dra. Magnólia Costa;<br />

Prof.ª Dra. Maria Cláudia, que compõem corpo docente do curso <strong>de</strong> Mestrado em <strong>Moda</strong>,<br />

pela <strong>de</strong>dicação, apoio e dicas fundamentais que todos ofereciam, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente, se<br />

éramos ou não seus orientandos.<br />

Quero agra<strong>de</strong>cer a Profa. Dra. Ana Lúcia <strong>de</strong> Castro por me incentivar na busca do<br />

aprimoramento do texto, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> meu trajeto intelectual, nas sugestões fundamentais <strong>de</strong><br />

teóricos que <strong>de</strong>ram embasamento a essa dissertação, a qual tive o prazer <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver<br />

sob sua orientação .<br />

À Denise Bernuzzi <strong>de</strong> Sant’Anna, que sempre me estimulou dar voz à experiência<br />

alcançada ao longo dos anos <strong>de</strong> competência profissional, através <strong>de</strong> conversas afetivas e<br />

intelectuais, <strong>de</strong>spertando um respeito e amiza<strong>de</strong> mútuos.<br />

À você meu pai, que junto com minha mãe possibilitaram minha vinda ao mundo.<br />

À minha companheira, amiga, mulher e esposa Cida por estar ao meu lado nos<br />

períodos <strong>de</strong> angústias, aflições e disposta a me erguer quando o cansaço e o <strong>de</strong>sanimo<br />

ousaram aparecer em alguns momentos ao longo <strong>de</strong>ssa dissertação.<br />

À Deus que me criou..<br />

6


“<strong>Moda</strong> num sentido geral é como cada um vai esculpir<br />

o seu corpo. Inclusive varia ao longo da existência, quer dizer,<br />

a figura que cada um vai construir. É através <strong>de</strong>ssa<br />

figura que ele se representa, se reconhece e<br />

vai ser reconhecido”<br />

Suely Rolnik<br />

7


RESUMO<br />

<strong>Padrões</strong> <strong>de</strong> <strong>Corpo</strong> e <strong>Moda</strong> discorre sobre a falta <strong>de</strong> padrão <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lagem existente<br />

na indústria têxtil e a confusão que os produtores fazem na busca <strong>de</strong> conquistar os<br />

consumidores. Tomando como base a literatura especializada sobre o tema, foi feito um<br />

breve relato sobre a história do corpo enquanto manifestação simbólica até culminarmos<br />

na discussão acerca da obsessão contemporânea por um corpo perfeito. Contextualizou-<br />

se a pesquisa realizando entrevistas com órgãos conceituados no setor. Essa investigação<br />

levou a observar a valorização dada pelo culto <strong>de</strong> uma imagem esbelta e esguia,<br />

analisando a relação dos indivíduos com seus corpos. Lança um olhar sobre as formas <strong>de</strong><br />

construir uma imagem <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um contexto social, engessados numa mo<strong>de</strong>lagem pré-<br />

estabelecida e aceita pelo senso comum. De modo geral, os exemplos que serão<br />

estudados envolvem não só as obsessões ao fazer parte <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada socieda<strong>de</strong>,<br />

como também, a falta <strong>de</strong> interesse da indústria <strong>de</strong> estabelecer um padrão nacional <strong>de</strong><br />

tamanhos para a confecção <strong>de</strong> peças do vestuário.<br />

Palavras Chave : <strong>Moda</strong>, <strong>Corpo</strong>, Socieda<strong>de</strong>, Industria Têxtil, Antropometria.<br />

8


ABSTRACT<br />

Body and Fashion's patterns show the lack of mo<strong>de</strong>ling standards nowadays in the<br />

textile industry and the confusion provi<strong>de</strong>d by the producers trying to reach the consumers.<br />

Based on the specialized publications, is presented an abstract of the body's history while<br />

symbolic manifestation. From this theoretical recital, this contemporary obsession for a<br />

perfect body is investigated. The research was organized making interviews with appraised<br />

organs in that segment. This study observed the increased value of the i<strong>de</strong>al of an elegant<br />

and slim image, consi<strong>de</strong>ring the connection between the human being and his body.<br />

Realizing the ways of building an image insi<strong>de</strong> the social context plastered in a preset and<br />

accepted mo<strong>de</strong>l by the groups. Almost always the patterns studied involve not only the<br />

obsessions, as part of a social group, but also the disinteresteness from the industries to<br />

establish a national standard of sizes to produce the clothes.<br />

Keywords : Fashion, Body, Society, Textile Industry, Anthropometry<br />

9


SUMÁRIO<br />

INTRODUÇÃO - O DESPERTAR DE ESTILOS..........................................................3<br />

CAPÍTULO 1 - DAS TRIPAS À ILUSÃO ......................................................................8<br />

1.1 Eu, meu corpo e o dos outros .......................................................................8<br />

1.2. A linguagem do olhar na <strong>Moda</strong> ..................................................................27<br />

1.3. A evolução do corpo e da <strong>Moda</strong>.................................................................32<br />

1.4. Sejam belos! Sejam jovens! .......................................................................36<br />

1.5. O peso da magreza....................................................................................39<br />

1.6. A busca <strong>de</strong> um corpo perfeito. ...................................................................46<br />

1.7. A imagem da <strong>Moda</strong> ....................................................................................55<br />

CAPÍTULO 2 - DESENVOLVENDO NORMAS. .........................................................58<br />

2.1 O corpo <strong>de</strong>sejado ........................................................................................58<br />

2.2 Isso é o meu corpo ?!..................................................................................63<br />

2.3 A moda e o comportamento. ......................................................................71<br />

2.4 A cozinha do coser e a falta <strong>de</strong> padrões.....................................................79<br />

2.5 <strong>Padrões</strong> <strong>de</strong> medidas. ..................................................................................88<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS - ARREMATE & ACABAMENTO ................................100<br />

Bibliografia................................................................................................................103<br />

Bibliografia Comentada ............................................................................................106<br />

ANEXOS........................................................................Erro! Indicador não <strong>de</strong>finido.<br />

10


INTRODUÇÃO<br />

O Despertar <strong>de</strong><br />

Estilos<br />

“O culto ao corpo<br />

<strong>de</strong>ve ser compreendido<br />

como forma <strong>de</strong> consumo<br />

cultural e uma das<br />

dimensões dos estilos <strong>de</strong><br />

vida dos indivíduos, a qual correspon<strong>de</strong> a outras<br />

escolhas realizadas no gran<strong>de</strong> shopping <strong>de</strong> estilos<br />

que marca o mundo contemporâneo.”<br />

Ana Lúcia <strong>de</strong> Castro<br />

11


INTRODUÇÃO<br />

O DESPERTAR DE ESTILOS<br />

A moda é um mundo regido por constantes alterações <strong>de</strong> comportamento, <strong>de</strong><br />

necessida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejos, num universo que mostra uma incansável evolução na busca<br />

<strong>de</strong> produtos que justifiquem sua existência, isto é, na reestruturação dos freqüentes<br />

segmentos da indústria da moda. Esse processo é fruto <strong>de</strong> inúmeras transformações nos<br />

valores e rotinas do homem atual , e apresenta-se até mesmo sob outros padrões estéticos<br />

do vestuário, obrigando a indústria a reformular antigos conceitos e a própria dinâmica do<br />

processo criativo e produtivo.<br />

A moda e o Design são fundamentais para a socieda<strong>de</strong> contemporânea, pois<br />

também por essas manifestações expressa-se a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Hoje os empresários do<br />

setor do vestuário procuram profissionais capazes <strong>de</strong> <strong>de</strong>codificar as mensagens que a<br />

socieda<strong>de</strong> envia através <strong>de</strong> comportamentos, atitu<strong>de</strong>s e culturas, que <strong>de</strong>terminam os<br />

hábitos <strong>de</strong> consumo do mundo contemporâneo. Observar as referências estéticas e<br />

interpretá-las é a busca <strong>de</strong> todos os profissionais e pesquisadores do setor.<br />

Resolvemos elaborar essa dissertação sobre padrões corporais após estudos<br />

iniciados nas pesquisas <strong>de</strong> Pós-Graduação Lato-Senso, concluída em 2003, na qual<br />

<strong>de</strong>tectou-se que o homem, na busca <strong>de</strong> um corpo perfeito, está cada vez mais sujeito às<br />

intempéries da moda, mostrando-se ao seu meio social o que gostaria que os outros<br />

vissem, agregando valores e modo <strong>de</strong> vida. Passou-se a enten<strong>de</strong>r moda como extensão <strong>de</strong><br />

linguagem que se manifesta sobre o corpo.<br />

No trabalho atual busca-se lançar algumas hipóteses mediante observações feitas<br />

no período <strong>de</strong> 2003 a 2006, em que percebemos uma inquietação por parte dos<br />

3


consumidores em encontrar a mesma numeração <strong>de</strong> uma peça do vestuário em griffes<br />

diferentes. Então nos perguntamos: <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vem essa procura em estar na moda em<br />

relação a tamanhos <strong>de</strong>terminados por uma mídia que, até um certo ponto, é abusiva? O<br />

que estaria levando esses padrões a ocuparem lugares <strong>de</strong> tanto <strong>de</strong>staque nas socieda<strong>de</strong>s<br />

contemporâneas?<br />

As hipóteses <strong>de</strong>ste estudo buscam preencher o espaço pertinente <strong>de</strong>ntro das<br />

universida<strong>de</strong>s – uma vez que se intensifica a evolução da moda pelo estudo – abrindo<br />

espaço para perguntarmos se há, <strong>de</strong> fato, uma indústria da moda aliada à publicida<strong>de</strong>, é<br />

possível que, juntas, estimulem a obsessão contemporânea pelos corpos perfeitos? Essa é<br />

a justificativa para os indivíduos (que se sentem fora do padrão corporal) buscarem<br />

diuturnamente situar-se no consumo <strong>de</strong> moda? É este o momento <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> impacto na<br />

ca<strong>de</strong>ia produtiva?.<br />

Este trabalho enten<strong>de</strong> por <strong>Padrões</strong> <strong>de</strong> <strong>Corpo</strong> e <strong>Moda</strong> como a relação dos indivíduos<br />

com seus corpos com a indústria da moda. Percebe-se a preocupação básica <strong>de</strong> estarem<br />

inseridos no contexto social, engessados numa mo<strong>de</strong>lagem pré-estabelecida pelo senso<br />

aceito pelos pares, a fim <strong>de</strong> ficar o máximo possível próximo <strong>de</strong> um padrão <strong>de</strong> beleza<br />

estabelecido.<br />

De modo geral, os padrões que serão estudados envolvem não só as obsessões ao<br />

fazer parte <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada socieda<strong>de</strong>, como também, a falta <strong>de</strong> interesse da indústria<br />

<strong>de</strong> estabelecer um padrão nacional <strong>de</strong> tamanhos para a confecção <strong>de</strong> peças do vestuário.<br />

A mesma indústria, que sempre está atenta às mudanças <strong>de</strong> comportamento, embasando-<br />

se nos direcionamentos <strong>de</strong> uma comunicação voraz, cada vez mais especializada no setor,<br />

colocando-se à frente das prováveis tendências daquela estação seguinte – parece focar<br />

principalmente a resposta rápida aos usuários<br />

4


quanto às preocupações estéticas <strong>de</strong> se ter um corpo bonito e/ou saudável.<br />

Para captar diversas dimensões <strong>de</strong>ste fenômeno partimos <strong>de</strong> duas instâncias sociais<br />

concretas: a falta <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e aplicabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> normas antropométricas do<br />

vestuário e a influência dos meios <strong>de</strong> comunicação na indústria da beleza/magreza.<br />

A primeira, ainda que discutida pelos meios oficiais, não inclui uma possível<br />

campanha <strong>de</strong> conscientização do confeccionista sobre a importância do padrão <strong>de</strong><br />

tamanhos, ou seja, direcionar para a criação e para a aceitação <strong>de</strong> normas que não são<br />

seguidas, estabelecendo-se uma espécie <strong>de</strong> senso comum, confundindo muitas vezes o<br />

consumidor.<br />

Para alcançar esses intentos, esta dissertação estrutura-se em dois capítulos. O<br />

primeiro capítulo discorre sobre a história da magreza como condição primordial para<br />

apresentar-se publicamente; discute os meios <strong>de</strong> comunicação como agentes difusores do<br />

culto ao corpo como tendência <strong>de</strong> comportamento, verificando a valorização dada por essa<br />

imagem esbelta e esguia. Analisa-se o comprometimento (a interferência) da mídia na<br />

ditadura da moda, sua influência na hora da <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> compra. Dedica-se, ainda, ao<br />

estudo dos significados simbólicos corporais, pois, ao contrário dos seres humanos,<br />

nenhum animal transforma voluntariamente o próprio corpo.<br />

Assim é que serão discutidas, também, as motivações para enten<strong>de</strong>r e respeitar o<br />

comportamento dos jovens; como eles <strong>de</strong>finem seus corpos, suas ativida<strong>de</strong>s e sacrifícios<br />

para manterem-se no “padrão estabelecido” e como e por que compram <strong>de</strong>terminadas<br />

mo<strong>de</strong>lagens e quais fatores levam-nos a consumir roupas específicas, discutindo o<br />

conjunto <strong>de</strong> valores gerais. Alinhava-se essa primeira parte com a avaliação das diferentes<br />

partes do corpo, observando-se as conseqüentes associações entre elas e <strong>de</strong>terminados<br />

atributos – positivos ou negativos.<br />

5


No segundo capítulo, é refletida a existência (ou não) <strong>de</strong> padrão na indústria têxtil. A<br />

partir disso, foca-se o conflito causado pelos produtores – na busca pela conquista dos<br />

consumidores. Para tanto são utilizados, como base <strong>de</strong>ste estudo, resultados das<br />

pesquisas realizadas junto a órgãos como: Associação Brasileira da Industria Têxtil (ABIT);<br />

Fe<strong>de</strong>ração das Indústrias do Estado <strong>de</strong> São Paulo (FIESP); Associação Brasileira <strong>de</strong><br />

Normas Técnica (ABNT); entre outros, assim como da nossa sensibilida<strong>de</strong> vivida ao longo<br />

<strong>de</strong> mais <strong>de</strong> quinze anos <strong>de</strong> vivência profissional no setor têxtil.<br />

Importa refletir sobre esse mercado – produção, comércio ou ensino <strong>de</strong> moda – no<br />

qual ressalta-se, cada vez mais, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudanças nas formas <strong>de</strong> se relacionar<br />

com a moda. Eis o fascínio e a motivação <strong>de</strong>sta pesquisa, pois é certo que não há mais<br />

espaço para meias-verda<strong>de</strong>s, corporativismo e atitu<strong>de</strong>s passivas.<br />

Embora a indústria da moda não <strong>de</strong>va ser tomada como bo<strong>de</strong> expiatório para<br />

problemas sociais <strong>de</strong> outras dimensões, precisa assumir sua responsabilida<strong>de</strong>, repensar<br />

padrões e agir efetivamente.<br />

Preten<strong>de</strong>-se, com <strong>Padrões</strong> <strong>de</strong> <strong>Corpo</strong> e <strong>Moda</strong>, contribuir com essas transformações.<br />

6


CAPÍTULO 01<br />

Das Tripas<br />

à Ilusão<br />

“A moda reafirma a<br />

liberda<strong>de</strong> do homem <strong>de</strong><br />

criar a própria pele; não<br />

a primeira, que é dada biologicamente, mas a<br />

segunda gerada por sua imaginação e fantasia e,<br />

tornada real por sua engenhosida<strong>de</strong> técnica”<br />

Baitello Junior<br />

7


CAPÍTULO 1<br />

DAS TRIPAS À ILUSÃO<br />

Procuraremos explanar nesse capítulo a incansável luta do individuo pela melhor<br />

representação, seja essa, <strong>de</strong> forma, estilo ou <strong>de</strong> comportamento, obrigando-nos a ter, tanto<br />

na nossa mente como em nosso próprio organismo, uma imagem que acreditamos que<br />

<strong>de</strong>verá ser aceita pela socieda<strong>de</strong> contemporânea. Essa mesma socieda<strong>de</strong> apresenta<br />

atualmente formas estabelecidas para uma aparência esbelta e, através <strong>de</strong> nosso corpo,<br />

em especial <strong>de</strong> nossa corpulência, passam significados sociais muito profundos.<br />

1.1 Eu, meu corpo e o dos outros<br />

O corpo, hoje, coloca-se como um <strong>de</strong>safio que fascina e toca incondicionalmente o<br />

humano, um <strong>de</strong>safio dialógico. Mediação <strong>de</strong> uma tradição antropológica e cultural, situada<br />

entre a objetivida<strong>de</strong> e a subjetivida<strong>de</strong>, entre a ciência e a arte, entre a lógica e a mística. É<br />

uma razão relacional que não estabelece limites e <strong>de</strong>rruba barreiras.<br />

A dimensão imaginária do corpo inaugura a subjetivida<strong>de</strong> humana. Tal ousadia, seja<br />

no reflexo do lago, seja nos olhos da mãe ou no próprio espelho da casa, é essencialmente<br />

mítica, uma metáfora da espécie humana que está sempre em busca <strong>de</strong> completu<strong>de</strong>,<br />

repetidas vezes. É ilusão na qual o sentido está sempre em falta. O corpo simbólico,<br />

portanto, constitui o código fundamental da linguagem, o lugar on<strong>de</strong> a cultura conversa, a<br />

voz do gran<strong>de</strong> Outro – a escrita do Outro, o discurso universal, a verda<strong>de</strong>, a mediação. “O<br />

significante que falta ou o significante da falta. A relação da estrutura simbólica e o sujeito<br />

distinguem-se da relação imaginária do Eu e do Outro”.(LYRA e GARCIA; 2002:97).<br />

8


Clarice Lispector, (1973) em Água Viva, reflete sobre os momentos em que "o<br />

corpo não agüenta mais ser corpo", pois é ele que dá a garantia <strong>de</strong> que o sujeito é ele<br />

mesmo. O corpo é este espaço-tempo que tudo atesta, porque as marcas do que viveu<br />

estão nele inscritas; po<strong>de</strong>, então, ser pensado como um dos territórios mais visíveis <strong>de</strong><br />

conexão entre natureza e cultura. Em sua visibilida<strong>de</strong>, o corpo permite, alegoricamente<br />

, ser interpretado e lido como texto escrito pela socieda<strong>de</strong> à qual pertence. Um dos<br />

traços mais marcantes da sensibilida<strong>de</strong> contemporânea em relação ao corpo é a<br />

obsessão pelo apagamento das marcas visíveis do tempo que, com lentidão, nele se<br />

inscrevem e se revelam como traços da experiência.<br />

A obsessão pelo apagamento <strong>de</strong>ssas marcas e o incremento científico e<br />

tecnológico para sua realização permitem pensar na possível escritura <strong>de</strong> uma história<br />

do in<strong>de</strong>sejado: as rugas, a gordura, a flaci<strong>de</strong>z, os cabelos brancos, a velhice, a<br />

lentidão. A tirania do aspecto impõe uma obsessiva cruzada para que cada indivíduo<br />

se livre das marcas que caracterizam as passagens das ida<strong>de</strong>s, marcas que assinalam<br />

as múltiplas histórias individuais e sociais.<br />

Alguns autores falam <strong>de</strong> uma nova sensibilida<strong>de</strong>, uma moral intersubjetiva, uma<br />

mudança <strong>de</strong> época. Sustentam-se, principalmente, nas mudanças sociais e culturais,<br />

expressas no corpo do ser humano contemporâneo. Estas novas realida<strong>de</strong>s : as próteses<br />

tecnológicas, os transplantes, a inseminação artificial, as cirurgias estéticas, a clonagem e<br />

outras múltiplas explorações do corpo assinalam o futuro das ciências humanas, como<br />

suporte ou canal <strong>de</strong> uma linguagem intrínseca, uma vez que, nessa relação, torna-se<br />

cada vez mais necessário apostar na heterogeneida<strong>de</strong> cultural, racial, ética e sexual.<br />

9


Para <strong>de</strong>finir o estatuto do corpo, segundo os parâmetros da psicanálise, dois termos<br />

sobressaem-se: a palavra e o sexo. Existe um corpo gestual (simbólico) e um corpo sexual<br />

(real). Em estudos semióticos, há uma terceira proposição, o corpo imaginário, o corpo<br />

como imagem.<br />

“Não a minha própria imagem no espelho, mas a imagem que o<br />

outro me <strong>de</strong>volve, meu semelhante. Um outro que não é necessariamente<br />

meu próximo, mas todo o objeto do mundo. Então, antes <strong>de</strong> mais nada,<br />

percebo a imagem do meu corpo fora do meu corpo. Estes objetos são<br />

imagens, a minha imagem, a condição é que esses objetos, estejam<br />

carregados <strong>de</strong> um valor afetivo, ou seja, que tenham um sentido para mim.<br />

Assim, o corpo sexual permanece sempre velado, sobre o semblante<br />

imaginário daquilo que capto <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim.” (LACAN; 1998:96).<br />

O corpo passa a ser observado como lugar da construção dos sentidos, espaço <strong>de</strong><br />

investigação e criação <strong>de</strong> novas realida<strong>de</strong>s, em conexão com diferentes meios além <strong>de</strong><br />

apresentar-se como aparelho produtor <strong>de</strong> linguagem. Pensar nesse corpo, que emerge, diz<br />

respeito também a inseri-lo no contexto das formas sensíveis e a conhecer os diversos<br />

perfis que compõem sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, ou melhor, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> que advém do imaginário<br />

social.<br />

“Como o corpo é o lugar da ruptura, outorgar-se-lhe o privilégio da<br />

reconciliação. É nele que se há <strong>de</strong> aplicar o bálsamo. A ação sobre o corpo<br />

traduz-se na vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> superar a distância entre a carne e a consciência,<br />

<strong>de</strong> apagar a alterida<strong>de</strong> inerente à condição humana (...). O imaginário<br />

social converte, então, o corpo no lugar possível da transparência, do<br />

positivo”. (LE BRETON; 1995:81)<br />

Sahlins (1979:202) afirma que toda produção é a realização <strong>de</strong> um esquema<br />

simbólico, por isso acolhe, sem nenhum estranhamento, a idéia <strong>de</strong> que a indumentária, em<br />

última instância, <strong>de</strong>marca o tempo, o lugar e as pessoas constituídos numa or<strong>de</strong>m cultural -<br />

seja ela qual for. Em outras palavras, que a moda dá conta <strong>de</strong> uma certa estruturação<br />

simbólica própria <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada cultura.<br />

10


A análise do vestuário serve, na verda<strong>de</strong>, como pretexto para a explicação cultural<br />

da produção. Nesse empenho, ao acionar o sistema do vestuário, Sahlins (1979) confirma e<br />

explicita que a indumentária não reproduz apenas as divisões e subdivisões entre grupos<br />

etários e classes sociais, mas também a distinção entre feminilida<strong>de</strong> e masculinida<strong>de</strong> tal<br />

como é conhecida na nossa socieda<strong>de</strong> atual. Do mesmo modo po<strong>de</strong>-se reconhecer por<br />

meio do vestuário a <strong>de</strong>marcação entre cida<strong>de</strong> e campo; e, <strong>de</strong>ntro da cida<strong>de</strong>, entre o centro<br />

e os bairros resi<strong>de</strong>nciais, assim como também a distinção entre a esfera pública e a<br />

privada.<br />

Além <strong>de</strong>ssa marcação espacial, vê-se uma distinção do próprio tempo — diário,<br />

semanal, sazonal. Têm-se roupas para noite e roupas para o dia, "vestidinhos para fim <strong>de</strong><br />

tar<strong>de</strong>", entre outros. "Cada uma referencia a natureza das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>terminadas por<br />

aqueles períodos <strong>de</strong> tempo, da mesma maneira que as roupas <strong>de</strong> domingo estão para as<br />

roupas <strong>de</strong> dia <strong>de</strong> semana como o sagrado está para o profano" (SAHLINS; 1979:202).<br />

Esse tratamento esten<strong>de</strong>-se, da mesma forma, à faixa etária. Nesse sentido, po<strong>de</strong>-<br />

se dizer que a roupa (esse produto <strong>de</strong>sejado por muitos) é, na verda<strong>de</strong>, o universo<br />

simbólico <strong>de</strong> uma categoria social transformado em matéria. O discurso dos indivíduos<br />

através da moda é constituído por um complexo sistema <strong>de</strong> signos, por on<strong>de</strong> é possível<br />

comunicar os fenômenos culturais <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong>.<br />

Machado (2003:33) alerta que a "cultura significa processamento <strong>de</strong> informações e,<br />

conseqüentemente, organização em algum sistema <strong>de</strong> signos ou <strong>de</strong> códigos culturais".<br />

A moda, essa forma não-verbal <strong>de</strong> comunicação, permite a apropriação <strong>de</strong> uma<br />

série <strong>de</strong> significados utilizados como expressão. Passa-se a usar o vestuário para transmitir<br />

informações. Segundo Barnard (2003) a moda, o vestuário, as roupas, são artefatos,<br />

práticas e instituições que constituem as crenças, os valores, as idéias e as experiências <strong>de</strong><br />

11


uma socieda<strong>de</strong>. As informações contidas nas representações <strong>de</strong> moda mantêm uma<br />

profunda relação com as expectativas, valores e crenças <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong>. A moda é a<br />

expressão dos costumes <strong>de</strong> uma época. O vestuário assume diferentes formas <strong>de</strong> acordo<br />

com diferentes mo<strong>de</strong>los e estilos das respectivas épocas.<br />

Assim, utilizamos o nosso corpo como suporte para dialogarmos com o mundo, por<br />

isso, o vestuário selecionado por um indivíduo serve como uma forma <strong>de</strong> linguagem.<br />

Conforme Castilho (2004) , o corpo é suporte material, sensível, articulado com diferentes<br />

códigos <strong>de</strong> linguagem (gestual, sensorial) e com a própria <strong>de</strong>coração corpórea, que faz da<br />

moda e do <strong>de</strong>sign verda<strong>de</strong>iros projetos, processos <strong>de</strong> transformação da aparência, que<br />

objetiva a diferenciação ou a similitu<strong>de</strong>. A roupa é vista como uma segunda pele a<br />

<strong>de</strong>marcar o papel do ser humano na socieda<strong>de</strong>. Serve tanto para enquadrar o indivíduo em<br />

um grupo, como para diferenciá-lo dos <strong>de</strong>mais membros da socieda<strong>de</strong>. A roupa passa a ser<br />

um invólucro, carregado <strong>de</strong> simbolismos.<br />

Barnard (2003:63), compartilha <strong>de</strong>ssa idéia e afirma que "(...) moda, roupa e<br />

indumentária são meios pelos quais as pessoas comunicam, não só coisas, tais como<br />

sentimentos e humores, mas também valores, esperanças e crenças dos grupos sociais a<br />

que pertencem". Através do vestuário os indivíduos sentem-se capazes <strong>de</strong> “transformar” o<br />

exterior.<br />

Os produtos consumidos são recursos, que po<strong>de</strong>m assumir ampla gama <strong>de</strong><br />

significações, inclusive pontuar diferenças e semelhanças entre os indivíduos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

uma <strong>de</strong>terminada socieda<strong>de</strong>. Segundo Garcia e Miranda (2005:23), o modo <strong>de</strong> vestir, como<br />

símbolo social, acompanha as alterações da estrutura e do estado geral da socieda<strong>de</strong>,<br />

"mas compreen<strong>de</strong>r escolhas pessoais diante do guarda-roupa não é tarefa fácil. Afinal,<br />

seres humanos são complexos".<br />

12


O homem busca na moda o contexto <strong>de</strong> se proteger e enfeitar, mesmo sem<br />

perceber. Se, num primeiro momento, a <strong>de</strong>coração corpórea valia-se <strong>de</strong> procedimentos<br />

efetuados diretamente sobre a pele; o tecido, enquanto segunda pele, reveste e recobre<br />

esta primeira e ampliará ainda mais as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> o corpo reestruturar-se espacial e<br />

cromaticamente. Essa nova pele têxtil caracteriza-se por transformações <strong>de</strong>finidas pelo<br />

ritmo das mudanças da moda, mudanças estas em constante aceleração, respaldadas<br />

pelos ritmos auto-impostos da socieda<strong>de</strong> contemporânea.<br />

E é justamente através da segunda pele, trajes e roupas, cuja natureza se mostra<br />

predominantemente têxtil, que, até nossos dias, permite-se amplamente o jogo da oscilação<br />

e mutação da <strong>de</strong>coração corpórea. O tecido cumpre a função do elemento facilitador frente<br />

ao mutante jogo <strong>de</strong> aparência, ampliando, <strong>de</strong>sse modo, as manifestações do ser. Cabe a<br />

ele revestir e <strong>de</strong>corar – ações facilmente transformáveis, até mesmo <strong>de</strong>scartáveis, segundo<br />

a legislação da moda, que promove rápidas mudanças estéticas. A pele é o maior e mais<br />

visível órgão do corpo humano. A riqueza e a complexida<strong>de</strong> biológicas só são excedidas<br />

pelas do cérebro e do sistema imunológico.<br />

Jablonski (2006), professora <strong>de</strong> antropologia na Universida<strong>de</strong> Estadual da<br />

Pensilvânia, reproduziu essa abrangência em livro, no qual trata <strong>de</strong> tópicos que vão da<br />

história evolutiva da pele a perspectivas antes impensáveis, tais como peles robóticas ou<br />

eletrônicas 1 . Passa por temas como suor, cor, tato e <strong>de</strong>rmatite. No processo, a autora<br />

<strong>de</strong>monstra que a pele não só é crucial para a saú<strong>de</strong> como também é importante veículo <strong>de</strong><br />

expressão pessoal. Uma combinação <strong>de</strong> três atributos torna a pele humana única no reino<br />

animal. Primeiro, ela não é revestida por pêlos e, transpira. Segundo; é produzido<br />

naturalmente em ampla varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> cores, um fascinante arco-Íris em sépia, que varia <strong>de</strong><br />

1 Jablonski, A “Skin - A Natural Histbry”, Pele - Uma História Natural, University of California Press. 2006<br />

13


marrom escuro ao branco marfim pálido. Terceiro, ela é uma superfície para <strong>de</strong>coração, <strong>de</strong><br />

maquiagem e outras formas <strong>de</strong> pintura temporária a cicatrizes e tatuagens.<br />

Os seres humanos suam mais profusamente do que outros animais, e a pele nua<br />

permite que o suor se evapore <strong>de</strong> forma mais rápida, refrigerando o corpo ao fazê-lo. E o<br />

melhor mecanismo <strong>de</strong> refrigeração era suar o mais rápido possível em um corpo<br />

<strong>de</strong>sprovido <strong>de</strong> pêlos. A maioria das pessoas po<strong>de</strong> produzir um litro <strong>de</strong> suor por hora num<br />

<strong>de</strong>serto quente e, em alguns casos, até três litros (a cabeça humana manteve os cabelos<br />

para proteger o couro cabeludo da radiação do sol tropical). Foi o velho, simples e nada<br />

elegante suor que tornou os seres humanos aquilo que hoje são. Assim que os seres<br />

humanos per<strong>de</strong>ram os pêlos, a cor da pele se tornou extremamente importante<br />

“Sem uma profusão <strong>de</strong> glândulas sudoríparas para nos manter<br />

resfriados, por meio <strong>de</strong> um suor copioso, ainda teríamos o espesso manto<br />

<strong>de</strong> pêlos <strong>de</strong> nossos ancestrais e viveríamos vidas semelhantes às dos<br />

macacos" (Jablonski; 2006:65).<br />

Pigmentação é o campo <strong>de</strong> estudo em que Jablonski (2006) se especializa, e ela<br />

emprega bem os seus conhecimentos para explicar as duas principais forças evolutivas que<br />

estabeleceram o gradiente <strong>de</strong> cores predominantes da linha do Equador aos pólos. As<br />

pessoas que vivem sob o forte sol dos trópicos precisam <strong>de</strong> níveis elevados <strong>de</strong> melanina, o<br />

principal pigmento da pele, a fim <strong>de</strong> absorver a radiação ultravioleta – que <strong>de</strong> outra maneira<br />

causaria danos insustentáveis a biomoléculas essenciais, especialmente o DNA e o folato<br />

(substância vital ao sucesso na reprodução). Em latitu<strong>de</strong>s mais altas, no entanto, a<br />

proteção contra os raios ultravioleta é menos importante do que permitir que a pele absorva<br />

luz solar, quando a pele gera vitamina D por meio <strong>de</strong> fotossíntese, e isso requer uma<br />

coloração menos intensa.<br />

14


É a visibilida<strong>de</strong> do corpo que o torna capaz <strong>de</strong> revelar sinais: oposições entre<br />

saú<strong>de</strong> e doença, alegria e tristeza, vida e morte. Essa visibilida<strong>de</strong> incontestável permite<br />

escrever muitas e múltiplas histórias: dos costumes, da alimentação, da beleza e da<br />

moda, das doenças, das "boas maneiras", das "anormalida<strong>de</strong>s". Permite escrever uma<br />

história da educação.<br />

Na matéria inscreve-se o lento, intenso, extenso, meticuloso e obstinado<br />

trabalho <strong>de</strong> constrangimentos, tanto <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m biológica, quanto <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m moral. Para<br />

ser exibido, o corpo precisa ser educado, e esta educação percorre caminhos<br />

múltiplos e elabora práticas contraditórias, ambíguas e tensas.<br />

Educá-lo para ser exibido significa prescrever, ditar, aplicar fórmulas e formas <strong>de</strong><br />

contenção, tanto <strong>de</strong> velhos <strong>de</strong>sejos quanto <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s fisiológicas – contrariando,<br />

assim, a "natureza”. São distintos atos <strong>de</strong> conhecimento e não apenas a palavra o que<br />

constitui esta educação diuturna e ininterrupta.<br />

As roupas produzidas para meninos e meninas são um exemplo. Des<strong>de</strong> cedo,<br />

as crianças do sexo feminino são constrangidas, corporalmente, pela moda, pelas<br />

pequenas torturas que <strong>de</strong>vem apren<strong>de</strong>r a suportar para tornarem-se adultas belas,<br />

para tornarem-se mulheres que consi<strong>de</strong>rem "natural" e normal se equilibrar-se sobre<br />

um salto <strong>de</strong> 10 cm <strong>de</strong> altura e aten<strong>de</strong>r à moda. As meninas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito cedo, são<br />

educadas a constranger seus corpos para exibi-los com unhas pintadas, saltos altos,<br />

maquiagem, mechas coloridas nos cabelos .São educadas a consumir moda. Seguir<br />

um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> beleza torna-se imperativo para a visibilida<strong>de</strong> do corpo feminino, em<br />

escala muito maior que no caso masculino. O padrão <strong>de</strong> beleza que <strong>de</strong>ve ser<br />

alcançado resulta <strong>de</strong> muito esforço, <strong>de</strong> um auto-controle do corpo, <strong>de</strong> educação<br />

15


cuidadosa, <strong>de</strong> uma certa predisposição para a tortura. É, segundo CAVIGLIOLI<br />

(2000:12), uma retomada bíblica: "Você ganhará a beleza com o suor do teu corpo".<br />

A visibilida<strong>de</strong> do corpo também po<strong>de</strong> ser analisada a partir <strong>de</strong> outros aspectos<br />

da vida cotidiana como a comida, as religiões, a mídia, enfim por diferentes práticas<br />

convencionadas como mais ou menos a<strong>de</strong>quadas para "cuidar" do corpo, da<br />

aparência, da "saú<strong>de</strong>", consi<strong>de</strong>rada hoje o lugar da verda<strong>de</strong>.<br />

Falar <strong>de</strong> visibilida<strong>de</strong> do corpo, portanto, é falar <strong>de</strong> um lento processo civilizador,<br />

da lenta e complexa mudança <strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong>, da tolerância ou intolerância por<br />

atitu<strong>de</strong>s e práticas humanas, da consi<strong>de</strong>ração cada vez mais eloqüente que confere ao<br />

corpo uma importância sempre mais alargada. Foucault (1985) afirma que parece<br />

a<strong>de</strong>quado pensar a visibilida<strong>de</strong> do corpo, a partir da idéia, <strong>de</strong> que "cada época elabora<br />

sua retórica corporal". Portanto, todas as marcas, as formas, a eficácia e o<br />

funcionamento do corpo transformam-se, mudam com o tempo, subvertem-se,<br />

substituem-se e representações <strong>de</strong>slocam-se.<br />

“Vestir-se à moda” implica uma pessoa <strong>de</strong>stacar-se e, simultaneamente, fundir-se na<br />

multidão, reivindicar o exclusivismo, embora siga o rebanho. Consi<strong>de</strong>rados numa<br />

perspectiva histórica, os estilos apresentam uma nova realida<strong>de</strong>. O dinamismo da colisão, a<br />

se<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudança e as sensações extremas, que caracterizam as socieda<strong>de</strong>s urbanas, em<br />

especial as do sistema capitalista industrial mo<strong>de</strong>rno contribuem para essa “mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>” e<br />

são muito bem expressados por certa histeria e pelos exageros.<br />

A moda vive das imagens do passado, com o objetivo <strong>de</strong> adivinhar o futuro. Qual<br />

será o look <strong>de</strong>terminante da próxima estação? Perguntam-se os fashionistas. Apesar da<br />

multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> opções surge nos <strong>de</strong>sfiles, mas algumas se firmam como as<br />

<strong>de</strong>terminantes. A idéia central <strong>de</strong> alguns estilistas consiste em conceber as peças <strong>de</strong><br />

16


oupas e as partes (mangas, golas, etc.) como próteses, ressaltando sua artificialida<strong>de</strong>,<br />

tanto da peça quanto do corpo que a veste. Consi<strong>de</strong>rando o corpo feminino, parece que –<br />

para eles a roupa não serve apenas para cobrir ou enfeitar a mulher, mas para recriá-la<br />

fisicamente, no caso, dotando-a <strong>de</strong> uma imagem <strong>de</strong> força impressionante. Outros<br />

caminham em direções opostas: buscam a imagem da força por meio <strong>de</strong> uma “moda pura”,<br />

ou seja, aliada ao corpo natural.<br />

“A moda, conseqüentemente, é essencial para o mundo da<br />

mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, o mundo do espetáculo e da comunicação <strong>de</strong> massas.<br />

Constitui uma espécie <strong>de</strong> tecido <strong>de</strong> ligação do nosso organismo cultural. E<br />

apesar <strong>de</strong> muita gente sentir a moda como uma escravidão, como uma<br />

forma castigadora, compulsiva, <strong>de</strong> expressar incorretamente uma<br />

individualida<strong>de</strong> que, pela sua própria ação – ao imitar os outros – se nega<br />

a si própria, a última gota <strong>de</strong> água nessa contradição que é a moda, é que<br />

ela expressa muitas vezes com sucesso o individual”. (WILSON; 1989:25)<br />

Atualmente <strong>de</strong>ntro da moda, uma <strong>de</strong> suas principais qualida<strong>de</strong>s é a sexualida<strong>de</strong> das<br />

roupas. On<strong>de</strong> dirigem-se em primeiro lugar ao Eu, e somente <strong>de</strong>pois, ao mundo. As<br />

crianças apren<strong>de</strong>m, logo cedo, que as roupas lhes dão i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, introjetando idéias<br />

sobre o próprio corpo, a partir <strong>de</strong> idéias sobre a sexualida<strong>de</strong>. No processo contínuo <strong>de</strong>ssa<br />

significação, o vestuário usado em público pelos adultos torna-se afinal um gesto sexual<br />

mútuo, em um mundo geralmente bissexual. Conforme Hollan<strong>de</strong>r (1996) a excitação<br />

popular atual com o trans-sexualismo no vestir mostra apenas quão profundamente<br />

acreditamos ainda em separar simbolicamente as roupas dos homens e das mulheres,<br />

mesmo que, em muitas ocasiões ambos se vistam da mesma forma.<br />

O corpo do recém-nascido passa, então, a ser manipulado por aqueles que <strong>de</strong>legam<br />

a ele noções e padrões <strong>de</strong>terminados, ou seja, por quem os educa. Na medida em que se<br />

<strong>de</strong>senvolve, a criança adquire gostos e prazeres, acaba por sujeitar-se à moda situada em<br />

seu contexto social.<br />

17


Ainda perdura a máxima <strong>de</strong> que “a primeira impressão é a que fica”. Por ela as<br />

pessoas são rotuladas e classificadas pelo tipo <strong>de</strong> traje que porta muitas vezes as<br />

transformações políticas e sociais refletem-se no vestuário. Aliás, parafraseando<br />

CASTILHO (2004) o corpo é uma influente instituição política, é a composição primordial da<br />

existência, o canal essencial da materialização do pensamento, conectando o ser ao<br />

mundo habitado por ele. Por meio do corpo revelam-se as situações orgânicas, psíquicas e<br />

sentimentais do indivíduo.<br />

“O corpo é a representação <strong>de</strong> um sujeito em processo que<br />

constrói, por meio <strong>de</strong> categorias do visível, diferentes textos que <strong>de</strong>claram<br />

seu modo <strong>de</strong> ser e estar no mundo. Ele ganha cada vez mais, significados,<br />

quando revestido pelas conjunções <strong>de</strong> novos valores, sendo esses<br />

dogmas vigentes ou palavras <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m que se <strong>de</strong>senvolvem e manifestam<br />

em <strong>de</strong>terminado grupo social”. (CASTILHO, 2004:119)<br />

Por consi<strong>de</strong>rar que a estratégica da distinção rege o comportamento dos indivíduos,<br />

por acreditar que o ser humano é alienado pelas marcas e pelos objetos, basta aos<br />

profissionais da moda vislumbrarem a socieda<strong>de</strong> como uma reprodução em tamanho maior,<br />

do meio que conhecem. Eles constituem, com alguns críticos do capitalismo, os indivíduos<br />

mais obcecados pelo domínio das marcas. Enfim, o mundo fashion <strong>de</strong>staca-se, por<br />

possibilitar as distinções e, simultaneamente, as misturas <strong>de</strong> fronteiras entre as classes<br />

sociais.<br />

Os profissionais po<strong>de</strong>m ser entendidos como intermediadores culturais, na medida<br />

em que preenchem um vazio cultural transmitindo informações e conhecimentos que não<br />

foram herdados da família (herança cultural) nem adquiridos na escola (capital escolar).<br />

Entretanto, na visão <strong>de</strong> Bourdieu, não contribuíram para aumentar a competência cultural<br />

dos <strong>de</strong>sapossados <strong>de</strong> capital cultural, mas sim para a vulgarização do saber e da arte e do<br />

bom gosto. Segundo o autor, a verda<strong>de</strong>ira e legítima cultura só po<strong>de</strong> ser adquirida nos<br />

18


espaços legítimos: "O que se apren<strong>de</strong> no espaço da cultura legítima é como o ar que<br />

respiramos, é um sentido da eleição legítima tão seguro que permite impor-se" (Bourdieu,<br />

1988: 90).<br />

Pelas roupas formam-se as primeiras impressões <strong>de</strong> nossos semelhantes. A<br />

<strong>de</strong>licada discriminação dos traços faciais necessita <strong>de</strong> uma certa aproximação íntima.<br />

Como as roupas possibilitam inspecionar superfície muito maior, po<strong>de</strong>m ser mais<br />

claramente distinguidas <strong>de</strong> uma distância mais conveniente. Pelas vestes, <strong>de</strong> forma<br />

indireta, reconhece-se alguém que se aproxima. O movimento conferido às roupas, graças<br />

à movimentação dos membros (mas não propriamente o movimento <strong>de</strong>les) propicia julgar,<br />

<strong>de</strong> um só golpe, se o conhecido está zangado, assustado, curioso, apressado ou calmo.<br />

Situar-se nesse horizonte individual, que diz respeito ao modo como a moda po<strong>de</strong><br />

traduzir o comportamento psicológico do homem, ser espelho <strong>de</strong> seus hábitos e gostos,<br />

parece ser ainda redutor. É preciso olhar o fenômeno “moda” <strong>de</strong> forma mais abrangente.<br />

Arriscar a afirmação <strong>de</strong> que a indumentária po<strong>de</strong> ser pensada enquanto indicativo <strong>de</strong> uma<br />

forma <strong>de</strong> estar no mundo e, mais, elemento <strong>de</strong> expressão <strong>de</strong> grupos, ou mesmo <strong>de</strong> uma<br />

socieda<strong>de</strong>, e por que não, <strong>de</strong> uma época. Por muito tempo esse fenômeno viu-se atrelado<br />

ao refrão da distinção social.<br />

Esse parece ter sido, até então, o papel hegemônico do vestuário assumido por<br />

aqueles que o utilizaram como indumentária ou mesmo como pretexto <strong>de</strong> pesquisa. De<br />

certo, a roupa assume essa função distintiva. Marca naquilo que há <strong>de</strong> mais aparente a<br />

diferença entre camadas da socieda<strong>de</strong>. Descoberta a magia do vestuário como emblema<br />

distintivo, classes sociais usam e abusam <strong>de</strong>sse mecanismo para se sobrepor. E para<br />

garantir a distância social as classes superiores se vêem obrigadas à inovação. A busca<br />

pelo novo passa a ser a matriz reguladora <strong>de</strong> um movimento circular interminável,<br />

19


característico da própria dinâmica do fenômeno. "As classes inferiores correm para imitar<br />

os outros que lhes são superiores, e estes, por sua vez partem em busca <strong>de</strong> algo novo que<br />

os diferencie" (LIPOVETSKY 1989:34).<br />

É imperativo abrir o horizonte e promover um certo <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> ênfase, sem<br />

privilegiar apenas essa possibilida<strong>de</strong> distintiva que a moda permite (simbolicamente<br />

constitutiva das relações sociais). Somente assim po<strong>de</strong>r-se-á visualizar outras<br />

possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> abordagem sobre o tema e talvez verificar que, na contemporaneida<strong>de</strong>,<br />

força e riqueza estão situadas numa esfera mais ampla, em que, inclusive, o caráter<br />

distintivo é tecido: sua dimensão simbólica.<br />

A indumentária tem, nesse sentido, a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer conhecer a<br />

personalida<strong>de</strong>, o "eu" interior, tão cuidadosamente resguardado lá bem no fundo da alma.<br />

Faria do homem, portanto, um ser transparente, sem mistérios, para o Outro e para o<br />

Mundo. Veste-te, pois direi quem tu és! No entanto, esse é apenas um lado. O seu verso<br />

reserva outras significações. Parafraseando Umberto Eco, o hábito nem sempre fala pelo<br />

monge. Em muitas situações, a indumentária, ao invés <strong>de</strong> tornar transparente, escon<strong>de</strong>,<br />

camufla, engana. Transforma-se em escudo, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo o homem do Outro. Apropriar-se<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados trajes funciona, em vários casos, como "falsificação" do "eu". Não permite<br />

ver o que é, mas sim, o que se gostaria <strong>de</strong> ser. Fabrica-se, <strong>de</strong>sse modo, pelo vestuário, um<br />

ser i<strong>de</strong>al, objeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo que supostamente vai ser bem acolhido por todos.<br />

“A felicida<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna é partilhada pela alternativa entre a priorida<strong>de</strong><br />

dos valores afetivos e a priorida<strong>de</strong> dos valores materiais, a priorida<strong>de</strong> do<br />

ser e a priorida<strong>de</strong> do ter, e ao mesmo tempo faz força para superá-la, para<br />

conciliar o ser com o ter. A concepção da felicida<strong>de</strong>, que é a da cultura <strong>de</strong><br />

massa, não po<strong>de</strong> ser reduzida ao hedonismo do bem-estar, pois, pelo<br />

contrário, leva alimentos para as gran<strong>de</strong>s fomes da alma, mas po<strong>de</strong> ser<br />

consi<strong>de</strong>rada consumidora, no sentido mais amplo do termo”.(MORIN 1987:<br />

127).<br />

20


Partindo da idéia <strong>de</strong> uma tentativa diferente, a moda articula com especialida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

tendências,por exemplo: as sazonais. Isso po<strong>de</strong> ser ratificado, quando essas peculiarida<strong>de</strong>s<br />

são assumidas pelas <strong>de</strong>nominadas tribos; seus componentes tornam-se “idênticos”,<br />

precisamente através do movimento à a<strong>de</strong>rência coletiva. A<strong>de</strong>rência esta realizada através<br />

dos inúmeros meio <strong>de</strong> comunicação, que cada vez mais se profissionalizam, na divulgação<br />

daquilo que acreditam ser moda. Desta maneira constata-se que a mídia propaga sua<br />

existência, ela, por sua vez, padroniza grupos inteiros, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> ser ressaltada a<br />

diferença inicialmente proposta.<br />

Na medida em que o mundo fashion obtém, na escala <strong>de</strong> valores, um percentual<br />

significativo e, às vezes primordial; <strong>de</strong>senvolvem-se verda<strong>de</strong>iros impérios em todos os<br />

setores; <strong>de</strong> toda ca<strong>de</strong>ia têxtil até a divulgação do produto no ponto <strong>de</strong> venda – dos modos e<br />

comportamentos humanos até sua forma corporal – pois “estar na moda”, não se resume<br />

apenas à boa cultura <strong>de</strong> indumentária, mas sim em estar atento, mediante padrões<br />

preestabelecidos pela força po<strong>de</strong>rosa da mídia, sem a qual não manteria acesa a chama <strong>de</strong><br />

seu glamour, nos mais importantes segmentos da nossa época.<br />

É óbvio, portanto, que ao tratar da moda, <strong>de</strong>ve-se consi<strong>de</strong>rar não somente os<br />

criadores individuais <strong>de</strong> roupas, mas todo o circo a sua volta, bem como a mentalida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

grupo dos que as usam e nela se projetam. Essa mentalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> grupo oferece alguns<br />

fascinantes problemas para o psicólogo social.<br />

Sustenta-se, muitas vezes que as sucessivas modas expressam <strong>de</strong> certo 'espírito da<br />

época'. Ao <strong>de</strong>screver em <strong>de</strong>talhe como este espírito se manifesta, as explicações<br />

freqüentemente são vagas e <strong>de</strong>salentadoras. Provavelmente seria necessário um estudo<br />

mais profundo (com a colaboração <strong>de</strong> historiadores e sociólogos) antes que se pu<strong>de</strong>sse<br />

explicar a total significação social das mudanças <strong>de</strong>talhadas, <strong>de</strong> um ano para outro.<br />

21


Contudo o significado <strong>de</strong> certas alterações fundamentais, em longos períodos, parece<br />

bastante claro.<br />

Para criar uma coleção não é suficiente traçar novo <strong>de</strong>senho. Para o <strong>de</strong>senho se<br />

tornar moda, <strong>de</strong>verá ser usado e não somente em um <strong>de</strong>sfile <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los. É natural,<br />

portanto, que quem os usa <strong>de</strong>va ter alguma prática do lançamento <strong>de</strong> novas modas.<br />

No Brasil, contudo, uma influência predominante parece ser exercida por um grupo<br />

relativamente pequeno <strong>de</strong> indivíduos, apesar <strong>de</strong> ser um grupo maior, porém menos<br />

homogêneo do que no caso dos produtores. Trata-se dos <strong>de</strong>sejos. Que buscam satisfazer<br />

as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> seu público alvo. Eles levam em conta a importância do aspecto e do<br />

impacto que a coleção causará neste público.<br />

O marketing é, atualmente, um dos mais fortes operadores <strong>de</strong> controle social, por<br />

meio <strong>de</strong> um “Olimpo” <strong>de</strong> ve<strong>de</strong>tes domina a cultura <strong>de</strong> massa, mas se comunica, pela<br />

cultura <strong>de</strong> massa, com a humanida<strong>de</strong> corrente. Os Olimpianos são <strong>de</strong>finidos, por Edgar<br />

Morin (1987), como seres transformados em sobre-humanos pela cultura <strong>de</strong> massa. Estes<br />

são astros e estrelas <strong>de</strong> cinema, os campeões esportivos, governantes, pintores e literatos<br />

célebres e atualmente as Top mo<strong>de</strong>ls. Segundo o autor a imprensa seria responsável por<br />

"revesti-los <strong>de</strong> um caráter mitológico, e, por outro lado, por buscar mergulhar em suas vidas<br />

privadas a fim <strong>de</strong> extrair <strong>de</strong>las a substância humana que permite a i<strong>de</strong>ntificação" (MORIN;<br />

1987:105-110).<br />

O motor da moda é, evi<strong>de</strong>ntemente, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudança em si<br />

mesma da lassidão do já visto e da atração pelo novo. Outro estímulo é o <strong>de</strong>sejo<br />

<strong>de</strong> originalida<strong>de</strong> pessoal por meio da afirmação dos sinais que i<strong>de</strong>ntificam os<br />

pertencentes à elite. Esse <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> originalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a moda se propagou,<br />

transforma-se em seu contrário; o único, multiplicando-se vira padrão. É, nesse<br />

22


ponto, que a moda se renova aristocraticamente, enquanto se difun<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocraticamente.<br />

Ao mesmo tempo em que resiste, ela se adapta à corrente, na medida que<br />

encontra aí o seu lucro.<br />

A publicida<strong>de</strong> da gran<strong>de</strong> imprensa esten<strong>de</strong> seu raio <strong>de</strong> ação; as gran<strong>de</strong>s<br />

marcas obtêm lucro ao expor sua etiqueta em produtos <strong>de</strong> série ou semi-série<br />

(perfumes,meias). Assim, a cultura <strong>de</strong> massa efetua uma dialética <strong>de</strong><br />

aristocratização e <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocratização que funciona em todos os níveis para,<br />

finalmente, padronizar no gran<strong>de</strong> público. Sobre isso, MORIN afirma que: “Ao<br />

mesmo tempo, mantém uma obsessão consumidora das roupas, do enfeite, dos<br />

objetos cuja importância como estimulante econômico se torna cada vez mais nas<br />

socieda<strong>de</strong>s oci<strong>de</strong>ntais” (MORIN; 1987:143)<br />

Veja-se a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> artigos que tratam da saú<strong>de</strong> da aparência do corpo,<br />

veiculados em periódicos não-especializados <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> circulação, veja-se o seu<br />

conteúdo que, geralmente, apresenta infindável varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> regimes alimentares,<br />

medicamentos, cosméticos, chás milagrosos, ginásticas rejuvenescedoras, roupas<br />

apropriadas para caminhar, correr, fazer ginástica. Incluam-se maneiras <strong>de</strong> obter mais<br />

prazer no sexo; conselhos <strong>de</strong> beleza que rompem completamente com aqueles <strong>de</strong><br />

outrora e inauguram uma espécie <strong>de</strong> tribunal, quando apresentam as famosas fotos do<br />

"antes" e "<strong>de</strong>pois" do conselho dado.<br />

Quem não seguir o padrão ficará feia, gorda, com a pele espinhenta, entre outros<br />

<strong>de</strong>sconfortos e, por conseguinte, não será amada, não conseguirá trabalho, ficará solteira.<br />

Esse discurso é veiculado diuturnamente, multiplica-se infinitamente a cada dia. Basta<br />

olhar as revistas <strong>de</strong>dicadas ao público "feminino".<br />

23


Essa parece ser a herança da cultura burguesa que concerne à mulher, mais do que<br />

ao homem, alimentar-se <strong>de</strong> romances, característica condicionada por uma civilização em<br />

que se atenuam os aspectos mais brutais da condição humana (luta pela vida, competição,<br />

violência física), dirigindo-se naturalmente para a promoção dos valores femininos.<br />

“Os dois gran<strong>de</strong>s temas da imprensa feminina, <strong>de</strong> um lado, a casa,<br />

o bem-estar, <strong>de</strong> outro lado, a sedução, o amor, são, <strong>de</strong> fato, os dois<br />

gran<strong>de</strong>s temas i<strong>de</strong>ntificadores da cultura <strong>de</strong> massa, mas é na imprensa<br />

feminina que esses temas se comunicam estreitamente com a vida prática:<br />

conselhos, receitas, figurinos-mo<strong>de</strong>los, bons en<strong>de</strong>reços, correio<br />

sentimental orientam e guiam o saber-viver cotidiano. Através das rubricas<br />

práticas da imprensa feminina (e também da imprensa masculino-feminina)<br />

não é só o domínio das artes domésticas, é todo o universo novo do bemestar-conforto<br />

que se <strong>de</strong>senvolve sob controle feminino”. (MORIN;<br />

1987:141).<br />

A obsessão pela aparência mo<strong>de</strong>lar, veiculada midiaticamente também<br />

interfere, <strong>de</strong> forma drástica, na vida <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s, absorvendo, transformando e<br />

uniformizando o que as singularizava. Isso po<strong>de</strong> ser confirmado pelo modo como as<br />

pessoas se alimentam, vestem-se, amam, divertem-se. Para tudo passa a ser<br />

necessário um "especialista", e tudo se torna pateticamente igual. O que representava<br />

força e vitalida<strong>de</strong> transforma-se na causa <strong>de</strong> inúmeras doenças, não é mais parte do<br />

conjunto <strong>de</strong> elementos que compõem uma cultura, é algo que se comercializa<br />

separadamente quanto origem e funções. Novas sensibilida<strong>de</strong>s constroem-se. Talvez<br />

seja possível pensar que há um empobrecimento na compreensão <strong>de</strong>sse corpo<br />

apartado do sujeito que o habita.<br />

Conforme nos alerta Castro (2003:43) as revistas <strong>de</strong> comportamento, principalmente<br />

femininas, “<strong>de</strong>s<strong>de</strong> seus primórdios trazem dicas <strong>de</strong> beleza – como cuidados com pele e<br />

cabelo – e <strong>de</strong> boa saú<strong>de</strong>, imbuídas <strong>de</strong> um discurso para convencer ,mesclando argumentos<br />

estéticos e técnicos: tornar-se bela e atraente e/ou manter uma vida saudável e sentir-se<br />

24


em”. Featherstone (1995) aponta a noção <strong>de</strong> estilo <strong>de</strong> vida, no âmbito da cultura <strong>de</strong><br />

consumo contemporânea, como indicativa <strong>de</strong> individualida<strong>de</strong>, auto-expressão e uma<br />

consciência estilizada <strong>de</strong> si, levando à discussão sobre estética para o campo da vida<br />

cotidiana. "O corpo, as roupas, o discurso, os entretenimentos <strong>de</strong> lazer, as preferências <strong>de</strong><br />

comida e bebida, a casa, o carro, a opção <strong>de</strong> férias, etc. <strong>de</strong> uma pessoa são vistos corno<br />

indicadores da individualida<strong>de</strong>, do gosto" (FEATHERSTONE; 1995:198).<br />

E em uma nova abordagem sobre a comunicação <strong>de</strong> massa, <strong>de</strong>ve-se levar em conta<br />

as mudanças dinâmicas em indústrias e mercados. Essa é uma abordagem que enfatiza a<br />

formação <strong>de</strong> relações e não a promoção <strong>de</strong> produtos, a comunicação <strong>de</strong> conceitos e não a<br />

difusão <strong>de</strong> informações; a criação <strong>de</strong> novos mercados e não o compartimento dos antigos.<br />

Essas táticas produzem almas para as marcas.<br />

Na moda, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a ascensão do prêt-à-porter isso se dá, principalmente, por meio <strong>de</strong><br />

pesquisas <strong>de</strong> comportamento que visam a captar as macro-tendências <strong>de</strong> consumo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>terminadas épocas. Somadas a essas ‘vonta<strong>de</strong>s’, circula a sensibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>signers e<br />

criadores que funcionam como filtros-espelhos: absorvem e refletem os fluxos do mundo,<br />

transformando-os em roupas, acessórios, looks para <strong>de</strong>sfile e fotografia, catálogos, e toda a<br />

infinita gama <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s propiciadas pela área.<br />

Criar conceitos nas passarelas, expor mercadorias em outdoor e vitrines, produzir<br />

imagens que reflitam aquilo que está se passando na subjetivida<strong>de</strong> é – para além da<br />

<strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> talento e sensibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alguns criadores – uma gran<strong>de</strong> estratégia.<br />

No que se refere ao corpo, a proliferação e a divulgação <strong>de</strong> imagens pela mídia<br />

constitui um novo paradigma visual. Ressalte-se, também, o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> novas<br />

mídias como a Internet, que possibilita a produção e divulgação <strong>de</strong> imagens diversificadas<br />

em escala muito maior que a dos meios <strong>de</strong> comunicação tradicionais. O projeto <strong>de</strong> um<br />

25


mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> corpo digitalizado é um exemplo significativo: trata-se <strong>de</strong> uma recriação técnico-<br />

médica <strong>de</strong> um corpo, imagem em terceira dimensão, que representa o corpo humano numa<br />

perspectiva jamais vista. Acrescentem-se a esse quadro <strong>de</strong> informações <strong>de</strong> biotecnologia e<br />

<strong>de</strong> genética chips <strong>de</strong> DNA e projeto genoma que trazem à luz questões como clonagem <strong>de</strong><br />

embrião humano, a cura <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas doenças, entre outras que afetam nosso olhar e<br />

entendimento do corpo.Na atualida<strong>de</strong> o corpo “natural” parece imperfeito <strong>de</strong>mais.<br />

O atual estágio <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico e <strong>de</strong> conhecimento científico do<br />

corpo humano possibilita interferências radicais. Nesse sentido, as modificações radicais<br />

po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>radas mecanismos <strong>de</strong> inserção, pois, se o papel social <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser<br />

referência para construção da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, a aparência do corpo<br />

constitui o último reduto em que o indivíduo po<strong>de</strong> atuar. Vive-se em uma época na qual o<br />

indivíduo libidinal está <strong>de</strong> fato atrelado aos imperativos do lucro e, com isso, exprime-se um<br />

momento <strong>de</strong> dúvida acerca do que ainda po<strong>de</strong> escapar à força do capitalismo <strong>de</strong> imagens.<br />

Acontecimentos econômicos, sociais, políticos e culturais são transformados em<br />

imagens, cortados em tecidos, costurados em formas que os traduzem para satisfazer e<br />

produzir <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> consumo. É no vasto campo da imagem que referenciam o vestuário e<br />

a beleza atuais para manter em funcionamento a máquina, à espera <strong>de</strong> corpos e,<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s.<br />

“Não se trata <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar a <strong>Moda</strong> como uma máquina monstruosa<br />

e perversa. O campo é minado, porém, potente no sentido <strong>de</strong> expressar as<br />

paisagens sensíveis do corpo. Também não se trata <strong>de</strong> negá-la, mas <strong>de</strong><br />

empreen<strong>de</strong>r ousadias que signifiquem um escuta <strong>de</strong> si, problematizações<br />

dos fluxos que atravessam o corpo, das inquietações que o perpassam,<br />

dos <strong>de</strong>vires que se produzem na trama subjetiva”. (CASTILHO; 2000:134).<br />

De certo, a roupa assume uma função distintiva. Marca naquilo que há <strong>de</strong> mais<br />

aparente, a diferença entre camadas da socieda<strong>de</strong>. Descoberta a magia do vestuário em<br />

26


forma <strong>de</strong> emblema distintivo, classes sociais usam e abusam <strong>de</strong>sse mecanismo para se<br />

sobrepor. E, para garantir a distância social as classes superiores vêem-se obrigadas à<br />

inovação. As classes inferiores correm para imitar os outros que lhes são superiores, e<br />

estes, por sua vez partem em busca <strong>de</strong> algo novo que os diferencie.<br />

Esse é apenas um dos aspectos da moda. Aceitar, portanto, que o esquema da<br />

distinção social seja a chave soberana da inteligibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse meio é <strong>de</strong> uma ingenuida<strong>de</strong><br />

teórica assustadora. Já é tempo <strong>de</strong> <strong>de</strong>smontar o credo comum <strong>de</strong> que o realce da moda<br />

encontra-se no dispêndio <strong>de</strong>monstrativo como meio para significar uma posição, para<br />

<strong>de</strong>spertar admiração e expor um certo estatuto status social. A busca pelo novo passa a<br />

ser a matriz reguladora <strong>de</strong> um movimento circular interminável, característico da própria<br />

dinâmica do fenômeno.<br />

1.2. A linguagem do olhar na <strong>Moda</strong><br />

As representações dos novos estilos, produzidas e propagadas pelos meios <strong>de</strong><br />

comunicação social, transformam-se rapidamente e, ao mesmo tempo em que a socieda<strong>de</strong><br />

as idolatra, renega. Estar “<strong>de</strong>ntro ou fora <strong>de</strong> moda”, transforma-se em um jogo perverso que<br />

está sempre em mutação nos diferentes grupos sociais e subculturas diversas. Quanto<br />

mais informações visuais contiverem as coleções, mais atraentes serão.<br />

Tomando a analogia do mundo físico, o olhar não seria apenas comparável à luz que<br />

entra pelas pupilas e <strong>de</strong>las sai como sensação e impressão, mas teria também<br />

proprieda<strong>de</strong>s dinâmicas <strong>de</strong> energia e calor, graças ao enraizamento nos afetos e na<br />

vonta<strong>de</strong>. O olhar não é apenas agudo, ele é intenso e ar<strong>de</strong>nte. O olhar não é só<br />

clarivi<strong>de</strong>nte, é também <strong>de</strong>sejoso, apaixonado. BOSI (1999) fala do olhar que :<br />

“(...) conhece sentido (<strong>de</strong>sejando ou temendo) e sente conhecendo.<br />

Está implantado na sensibilida<strong>de</strong>, na sexualida<strong>de</strong>: a sua raiz mais profunda<br />

27


é o inconsciente, a sua direção é atraída pelo ímã da intersubjetivida<strong>de</strong>. O<br />

olhar con<strong>de</strong>nsa e projeta os estados e movimentos da alma. Às vezes a<br />

expressão do olhar é tão po<strong>de</strong>rosa e concentrada que vale por um ato. Um<br />

ato <strong>de</strong> acolhimento: dar (ao menos) um olhar, conce<strong>de</strong>r um olhar, pôr os<br />

olhos sobre alguém, <strong>de</strong>ixar-lhe um olhar - tudo vem a ser prestar atenção,<br />

que é um sinal ou uma esperança <strong>de</strong> favor (ver com bons olhos) se não <strong>de</strong><br />

benévola aceitação. Quantas orações e quantas súplicas se abrem com<br />

locuções como essas! O olhar é linguagem da vonta<strong>de</strong> e da força antes <strong>de</strong><br />

ser órgão do conhecimento 2 ”<br />

Na busca da imagem, no complemento necessário para se a<strong>de</strong>quar aos padrões, a<br />

socieda<strong>de</strong> integralmente consome sem parar indumentárias que possam lhe trazer <strong>de</strong>sejos<br />

e satisfações.<br />

“Todas essas aparências do corpo é que constroem a sua imagem<br />

plena <strong>de</strong> significados e que tornam esse corpo reconstruído<br />

perceptivelmente ao grupo social, já que po<strong>de</strong> ser visto em sua arquitetura,<br />

como um construtor cultural, uma assinatura no a<strong>de</strong>nsamento <strong>de</strong> peles,<br />

sobreposição <strong>de</strong> camadas na busca <strong>de</strong> uma aparência possível, um novo<br />

significado ao próprio corpo, que, por fim, trabalha essencialmente com a<br />

sedução do olhar daquele que o vê”. (CASTILHO; 2004:107)<br />

O corpo é o gran<strong>de</strong> gerador <strong>de</strong> linguagens. E há casos em que o corpo, enquanto o<br />

objeto, per<strong>de</strong> a sua funcionalida<strong>de</strong> física e adquire um valor comunicativo, a tal ponto que<br />

se torna – acima <strong>de</strong> tudo – um sinal e permanece objeto apenas em segunda instância. A<br />

moda é um <strong>de</strong>sses casos como explica Umberto Eco:<br />

“Compõe-se <strong>de</strong> um lado <strong>de</strong> atos <strong>de</strong> comunicação, <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s<br />

gestuais ou sonoras que ‘dizem que’ e, por outro <strong>de</strong> coisas que<br />

‘funcionam’, isto é, que ‘serve para’. Bem, <strong>de</strong>ve dizer-se que a semiologia<br />

é uma disciplina ambiciosa, com veleida<strong>de</strong>s totalitárias. Quer conseguir<br />

explicar todos os fenômenos da cultura, quer <strong>de</strong>monstrar que toda cultura<br />

po<strong>de</strong> ser vista como ato <strong>de</strong> comunicação, e que até as coisa que ‘servem<br />

para’ <strong>de</strong> certo modo dizem sempre algo.” (ECO; 1989:80)<br />

2 BOSI, Alfredo. Fenomenologia do olhar em O Olhar. São Paulo: Companhia das Letras, 1999<br />

28


Assim, como, a própria nu<strong>de</strong>z é vista culturalmente, conforme nos aponta<br />

CASTILHO (2004), ao dizer que o homem nunca está realmente nu, está sempre revestido<br />

<strong>de</strong> características que a própria cultura pontua ou parcializa sobre o corpo humano. A<br />

nu<strong>de</strong>z que portamos ao nascer é manuseada na procura <strong>de</strong> novos formatos <strong>de</strong><br />

significação, segundo Anne Hollan<strong>de</strong>r:<br />

“Na publicida<strong>de</strong> visual, panteras e gazelas são muitas vezes<br />

comparadas, também, com carros; suas ‘vestimentas’ que se amoldam<br />

facilmente ao corpo, e que dão uma boa silhueta a todos os exemplos,<br />

oferece um i<strong>de</strong>al para o modo mo<strong>de</strong>rno, o <strong>de</strong> criar um vestuário que<br />

procure imitar a elegância e a eficiência da natureza. A natureza, é claro,<br />

or<strong>de</strong>na que os seres humanos sejam completados com roupas, e não que<br />

sejam <strong>de</strong>ixados nus com suas peles insuficientes”. (HOLLANDER;<br />

1996:16)<br />

O <strong>de</strong>sejo mo<strong>de</strong>rno é subversivo. A moda, agindo como a ilustração dos<br />

<strong>de</strong>scontentes da civilização contemporânea, nunca tenta domar a fantasia coletiva dando-<br />

lhe forma fixa <strong>de</strong>stinada a durar, ao contrário, está sempre instigando-a, obrigando-a a<br />

encontrar novas e estranhas sugestões em vez <strong>de</strong> repetir as boas e velhas fórmulas.<br />

Um dado que vale a pena ressaltar é o papel cada vez mais <strong>de</strong>terminante das<br />

marcas ou griffes na construção <strong>de</strong> imaginários. Esse é um empenho que vem sendo<br />

utilizado <strong>de</strong> forma freqüente pelos especialistas do mundo fashion e que tem surtido um<br />

efeito bastante satisfatório.<br />

Um caso bem significativo do po<strong>de</strong>r que a marca assume na contemporaneida<strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong> ser vislumbrado através da griffe United Collors of Benetton. Depois <strong>de</strong> ter instituído<br />

um imaginário cheio <strong>de</strong> jovialida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>scontração, esportivida<strong>de</strong> e muita alegria, a marca<br />

obtêm cada vez mais popularida<strong>de</strong> e conquista o mundo da <strong>Moda</strong> com campanha<br />

publicitária voltada, toda ela, para a criação <strong>de</strong> polêmicas sobre questões sociais que dizem<br />

respeito a: poluição ambiental, preconceito social, religião, entre outros. O olhar é<br />

29


preenchido pelos outdoors da Benetton que, curiosamente, pouco mostram a roupa<br />

(mercadoria em questão). A moda Benetton não aparece, o que se vê é o nome, o estilo<br />

que correspon<strong>de</strong> a um imaginário específico.<br />

Zozzoli (1994) retratou a problemática da marca. Em sua dissertação <strong>de</strong> Mestrado<br />

argumentou sobre o fato <strong>de</strong> que a marca não é um signo inerte como supunha a maioria<br />

dos economistas, publicitários, comunicadores, e outros profissionais. A marca agrega<br />

valor-símbolo ao produto, seja um bem, um serviço, uma idéia ou uma organização. Na<br />

verda<strong>de</strong>, a marca formata fatias <strong>de</strong> "realida<strong>de</strong> imaginária", próximas ou distantes das<br />

representações do mundo cotidiano, prontas para o consumidor projetar-se e<br />

eventualmente introjetá-las até conscientemente. "Fenômeno próprio da nossa socieda<strong>de</strong> a<br />

marca comercial, tal como é fabricada, recebida, conhecida e reconhecida hoje em dia, é<br />

produzida pelo homem, mas também produz o homem, o ambiente no qual ambos<br />

vivem" 3 , radicaliza o autor.<br />

O que se assiste, em última instância, é a própria inversão do valor do estatuto<br />

“mercadoria”. O objeto passa a valer muito menos por si só, pela sua funcionalida<strong>de</strong> ou<br />

qualida<strong>de</strong>, e mais pela imagem que sugere, traduz. "sempre ao lado da mercadoria,<br />

consome-se um bem cultural, um sistema <strong>de</strong> hábitos e valores conotativos <strong>de</strong> uma<br />

socieda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> seu sistema i<strong>de</strong>ológico". 4 Nessa perspectiva, po<strong>de</strong>-se arriscar dizer que,<br />

atualmente, a prática do shopping, por exemplo, tornou-se menos uma simples transição<br />

econômica e muito mais uma interação simbólica em que indivíduos trocam e consomem<br />

imagem.<br />

3 Zozzoli J.C. “Da mise en scène da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e personalida<strong>de</strong> da marca: um estudo exploratório do fenômeno<br />

marca, para uma contribuição a seu conhecimento”. UNICAMP: 1994<br />

4 MARANHÃO, Jorge. A arte da publicida<strong>de</strong>:,estética, crítica e kitsch. Campinas: São Paulo, l988, p.56<br />

30


Dessa maneira, constata-se que a mídia propaga a existência <strong>de</strong> uma "moda". De<br />

um lado, meios mo<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> produção em massa e métodos aperfeiçoados <strong>de</strong> transportes<br />

e distribuição tornaram possível fornecer cópia <strong>de</strong> todos os mo<strong>de</strong>los novos e exclusivos<br />

rapidamente, em gran<strong>de</strong> número e a preços relativamente baixos, <strong>de</strong> modo que as pessoas<br />

<strong>de</strong> posses mo<strong>de</strong>radas, nas pequenas cida<strong>de</strong>s, po<strong>de</strong>m usar roupas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos<br />

praticamente iguais aos introduzidos, semanas antes, pelas lí<strong>de</strong>res da moda, nas gran<strong>de</strong>s<br />

cida<strong>de</strong>s. Há pouca dúvida <strong>de</strong> que a causa última e essencial resida na competição;<br />

competição <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m social e sexual, na qual os elementos sociais são mais óbvios e<br />

manifestos; e os sexuais, mais indiretos, ocultos e não confessos, escon<strong>de</strong>ndo-se, como<br />

<strong>de</strong>vem, atrás <strong>de</strong>sses.<br />

Alguns temas po<strong>de</strong>m ser prontamente explicados pela alusão consciente da moda a<br />

alguma imagem específica, tal como o jeito <strong>de</strong> certos atores ou cantores, ou <strong>de</strong> atletas ou<br />

governantes, ou ainda pessoas que representam um país ou uma causa nos meios <strong>de</strong><br />

comunicação. O que dizer a respeito <strong>de</strong> uma “febre louca” por certo tipo <strong>de</strong> gola, a<br />

colocação dos bolsos, o modo <strong>de</strong> amarrar os sapatos ou o estilo dos bonés? O que<br />

po<strong>de</strong>riam essas coisas ter a ver com as propensões psicológicas atuais? Quem as inicia e<br />

por que outros realmente as amam? Na verda<strong>de</strong>, por que apenas alguns as adoram? O que<br />

faz as pessoas seguirem <strong>de</strong>terminadas regras <strong>de</strong> comportamento e <strong>de</strong> moda?<br />

Espera-se lançar luz sobres esses aspectos no <strong>de</strong>correr do próximo capítulo <strong>de</strong>ste<br />

trabalho, quando será abordado o papel da indústria <strong>de</strong> confecção, no comportamento do<br />

segmento <strong>de</strong> moda.<br />

O modo através do qual o corpo freqüentou as mídias diversas, nos últimos <strong>de</strong>z<br />

anos, sofreu mudanças: postura em publicida<strong>de</strong>, por exemplo, característica <strong>de</strong> um período<br />

não muito distante, alterou-se, pois os corpos foram contaminados pelos valores da época.<br />

31


Esse movimento é pertinente, em todos as manifestações da cultura popular ou erudita: os<br />

corpos "reais" se adaptam ao meio, criam i<strong>de</strong>ais, <strong>de</strong>sejos, ilusões, e esses "sonhos",<br />

<strong>de</strong>pois, são furtados pelas mídias e <strong>de</strong>volvidos aos sujeitos como objetos <strong>de</strong> consumo.<br />

“De modo geral, o corpo é midiatizado pelas mídias e ao mesmo<br />

tempo em que isso acontece, ele"publiciza a si mesmo": tanto o corpo já<br />

midiatizado, como os corpos "reais" que somos. Essa publicização <strong>de</strong> si é<br />

um recurso utilizado para que o sujeito, através <strong>de</strong> seu corpo, instaure, em<br />

ato, a sua presença no mundo, em tomo do aqui e do agora. As formas <strong>de</strong><br />

apresentação <strong>de</strong>sse corpo – inscrito ou não com inserções na endo<strong>de</strong>rme,<br />

na epi<strong>de</strong>rme ou na extra<strong>de</strong>rme – são maneiras <strong>de</strong> o sujeito manifestar sua<br />

subjetivida<strong>de</strong>, buscando expressar a manifestação <strong>de</strong> seu eu – sempre<br />

intermediado pelas formas <strong>de</strong> aparência”. (MESQUITA; 2000:147)<br />

Ao serem estampados <strong>de</strong> maneira insistente na mídia, os sujeitos assimilam os tipos<br />

<strong>de</strong> encenação da imagem, <strong>de</strong> exposição, e freqüentemente os assumem. É difícil, então,<br />

olhar para a própria imagem, pois o “subjetivo” vem relativamente já lapidado. Os sonhos<br />

são, <strong>de</strong> certa maneira, furtados por ela e <strong>de</strong>volvidos ao espectador como objetos <strong>de</strong> valor a<br />

serem consumidos Ao se acostumar e ao seguir essa <strong>de</strong>volução <strong>de</strong> sonhos, o homem tem<br />

sua subjetivida<strong>de</strong> construída pelo discurso e pela textualização dos meios <strong>de</strong> comunicação<br />

social, e transforma-se, então, numa mídia <strong>de</strong> si mesmo, propagando tais discursos e,<br />

tendo o corpo utilizado como espaço <strong>de</strong> manifestação <strong>de</strong>sses discursos.<br />

1.3. A evolução do corpo e da <strong>Moda</strong>.<br />

A ditadura do corpo esbelto, magro, perfeito e saudável que impera hoje, nasceu<br />

junto com século XX, mais precisamente a partir da década <strong>de</strong> 1920. A entrada no novo<br />

século, sob a égi<strong>de</strong> da Belle Èpoque, era caracterizada pelo uso do espartilho, forçando o<br />

quadril para trás, enquanto o busto era levantado e jogado para frente.<br />

32


Em 1910, Paul Poiret liberta o corpo feminino da “prisão” do espartilho trazendo <strong>de</strong><br />

volta o corte império, no qual as cinturas eram altas, logo abaixo do busto, e as saias com<br />

volumes mais amplos e afunilados na boca, muitas vezes obrigando as mulheres a darem<br />

passos mais apertados. Se, por um lado, viram-se livres do espartilho, continuaram <strong>de</strong> certa<br />

forma aprisionadas nas roupas. Somente durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1919),<br />

ocorreu a verda<strong>de</strong>ira ruptura dos rígidos padrões impostos pela moda.<br />

A mulher vê-se na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> assumir nova postura e partir para os mais<br />

diversos campos <strong>de</strong> trabalho, não po<strong>de</strong>ndo produzir com eficiência se limitada <strong>de</strong><br />

movimentos. Após o fim da Guerra, o mundo viveu o período das principais mudanças e a<br />

roupa assume um papel mais masculinizado, tornando-se andrógina.<br />

O corpo começa a ser valorizado. As pessoas passam mais tempo ao ar livre,<br />

praticam esportes, dançam, começam a surgir os Clubes, e boa parte da vida se passa em<br />

lugares públicos, ou seja, o corpo começa <strong>de</strong> fato a ser mostrado e conseqüentemente<br />

notado pelo outro.<br />

A percepção da estética ganha, então, mais força, quando uma corrente médica faz<br />

discursos sobre a higienização, associando ao par “esbelto e belo” os adjetivos: saudável e<br />

jovem. Tais discursos favoreciam o <strong>de</strong>senvolvimento do imaginário que i<strong>de</strong>ntificava a<br />

beleza à aparência saudável. De fato, ser saudável significava, entre outras coisas, ter pele,<br />

barriga e seios firmes, tez rosada, enfim, conservar o máximo possível o aspecto jovem.<br />

Observado pela óptica do vestuário, o século XX foi caracterizado, cada vez mais,<br />

pelo <strong>de</strong>snudamento e pela flexibilida<strong>de</strong>. A aparência física passa a estar amarrada<br />

intrinsecamente ao corpo, e cuidar <strong>de</strong>le torna-se imperativo; afinal, o corpo é para ser<br />

<strong>de</strong>scoberto.<br />

33


Os passos para o <strong>de</strong>svendamento do corpo impuseram constrangimentos, conflitos<br />

e escândalos. Por exemplo, a bermuda dos escoteiros dos anos 1920 foi bastante<br />

censurada, pois mostrar as pernas publicamente era tabu; tanto que – no final da Segunda<br />

Guerra (1945) – as saias ganham volume. É o New Look <strong>de</strong> Christian Dior, retomando a<br />

feminilida<strong>de</strong> em uma resposta negativa aos tempos difíceis da guerra.<br />

Os anos 1950 são quase que uma continuação estética do que se viu na década<br />

anterior. Surgem os biquínis, gerando muitos conflitos entre pais e filhas; a mulher tem uma<br />

vida diretamente voltada para a família e a casa, mas sempre mantendo o requinte. Ela<br />

<strong>de</strong>ve estar sempre arrumada, como se tivesse passado horas para conseguir o resultado<br />

<strong>de</strong>sejado. Assistir televisão era a diversão da família no fim do dia.<br />

Com a chegada dos anos 1960, uma série <strong>de</strong> acontecimentos mundiais influenciaria<br />

a moda e o comportamento <strong>de</strong> maneira irreversível. A pílula anticoncepcional <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia<br />

a revolução sexual; explo<strong>de</strong>m movimentos feministas; disseminam-se experimentos com<br />

drogas; é <strong>de</strong>flagrada a valorização do negro; inicia-se o movimento futurista; a minissaia<br />

escandalizou, antes <strong>de</strong> se tornar voga, ou seja, muitas novas informações em pouquíssimo<br />

tempo, o que gera mais diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estilos <strong>de</strong> vida e comportamento.<br />

A influência do jovem como indivíduo não po<strong>de</strong> ser mais negada. Ele <strong>de</strong>spreza a<br />

socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consumo e rejeita a estrutura <strong>de</strong> vida dos pais. Enfim, ganha espaço para<br />

dizer o que pensa e a que veio. A roupa passa efetivamente a ouvir e a suprir suas<br />

necessida<strong>de</strong>s. O jeans ganha cada vez mais espaço. Surge a moda unissex.<br />

“Expressão das aspirações a uma vida privada livre, menos<br />

opressora, mais maleável, o jeans foi a manifestação <strong>de</strong> uma cultura<br />

hiperindividualista fundada no culto do corpo e na busca <strong>de</strong> uma<br />

sensualida<strong>de</strong> menos teatralizada. Longe <strong>de</strong> ser uniformizante, o jeans<br />

sublinha <strong>de</strong> perto a forma do corpo, valoriza os quadris, o comprimento das<br />

pernas, as ná<strong>de</strong>gas”. (Lipovestky ;1999:148)<br />

34


Os cuidados com a saú<strong>de</strong> e a prática esportiva continuam sendo incentivados. Os<br />

banhos <strong>de</strong> sol passam, <strong>de</strong> fato, a fazer parte da vida das pessoas. Como não po<strong>de</strong>ria<br />

<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, as roupas para a prática <strong>de</strong>sses esportes começam a ter características<br />

próprias e são mais difundidas, principalmente entre os jovens. Vale ressaltar que, toda<br />

essa busca <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e prática esportiva continua diretamente relacionada à vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser<br />

eternamente jovem.<br />

A exposição pública do corpo ganha cada vez mais terreno. Diante <strong>de</strong>sse padrão<br />

elevado <strong>de</strong> beleza, as mulheres velhas e gordas per<strong>de</strong>m valor totalmente, são<br />

praticamente excluídas da socieda<strong>de</strong>.<br />

Os anos 1970 trazem toda a bagagem jovem da década anterior. O movimento<br />

hippie, começado ainda nos anos 1960, ainda perdura. A volta à natureza torna-se uma<br />

corrente importante, as mulheres buscam cada vez mais espaço no mundo dos negócios, o<br />

que impulsiona a indústria do vestuário a investir em novas tecnologias, <strong>de</strong>senvolver<br />

tecidos que facilitem a vida <strong>de</strong>ssas mulheres, que procuram praticida<strong>de</strong> sem per<strong>de</strong>r<br />

elegância, tanto para si como para a família, pois começam a viver a correria dos tempos<br />

mo<strong>de</strong>rnos. É a partir do final dos anos 1970 que surgem as aca<strong>de</strong>mias e o conceito <strong>de</strong><br />

malhação, concretizados nos anos 1980.<br />

“Nos anos 80, a corporieda<strong>de</strong> ganha vulto nunca antes alcançado,<br />

em termos <strong>de</strong> visibilida<strong>de</strong> e espaço na vida social. As práticas físicas<br />

passam a ser mais regulares e cotidianas, expressando-se na proliferação<br />

das aca<strong>de</strong>mias <strong>de</strong> ginástica por todos os centros urbanos”. (CASTRO;<br />

2003: 24)<br />

A mulher se integra <strong>de</strong> vez no mundo masculino – no que diz respeito ao mercado<br />

<strong>de</strong> trabalho. Em conseqüência disso, a moda volta a ter uma certa androginia. As mulheres<br />

começam a usar elementos <strong>de</strong> roupas masculinas, como ombreiras e tailleur. Enquanto<br />

isso, os filhos dos contestadores libertos da década <strong>de</strong> 1960 são chamados “geração<br />

35


saú<strong>de</strong>” e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m uma vida mais saudável, sem drogas e com sexo seguro, justamente<br />

quando a AIDS <strong>de</strong>sponta e <strong>de</strong>saponta.<br />

As estrelas do cinema, consi<strong>de</strong>radas ícones <strong>de</strong> beleza <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os anos 1930, são<br />

substituídas pelo fenômeno das top mo<strong>de</strong>ls. Não que as mo<strong>de</strong>los não fossem sempre<br />

símbolos <strong>de</strong> beleza, em décadas passadas, a gran<strong>de</strong> diferença veio nos cachês, que<br />

passaram a ser mais elevados.<br />

1.4. Sejam belos! Sejam jovens!<br />

Todo aquele que <strong>de</strong>seja seguir o<br />

caminho certo <strong>de</strong>ve conhecer, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a<br />

juventu<strong>de</strong>, as formas belas; e, quando bem<br />

orientado, apren<strong>de</strong> a amar somente essas<br />

formas – esse amor o levará a criar<br />

pensamentos sensatos, e logo perceberá que<br />

a beleza <strong>de</strong> uma forma relaciona-se com a<br />

beleza <strong>de</strong> outra, e que a beleza das formas é<br />

uma só. (Platão; O Banquete: 210 a.C.)<br />

O corpo, essa memória material <strong>de</strong> muitas e múltiplas inscrições, vitrine móvel<br />

<strong>de</strong> conquistas científicas e tecnológicas, hoje mais do que em outros tempos, o lugar <strong>de</strong><br />

exibição do prolongamento temporal <strong>de</strong> uma suposta "anatomia juvenil"<br />

É consensual a idéia <strong>de</strong> que o corpo fala. A anatomia masculina é diferente da<br />

feminina. O tom da pele traz noção <strong>de</strong> ancestralida<strong>de</strong>. No final do século 18, o peso se<br />

tornou sinal <strong>de</strong> prosperida<strong>de</strong> na Europa burguesa. As pinturas da época retratam gordas<br />

exuberantes.<br />

Com o tempo, a silhueta feminina voltou a afinar. Atualmente, além <strong>de</strong> sermos<br />

magros, temos que ser jovens. Conforme expresso no <strong>de</strong>poimento concedido em 2003 por<br />

Denise Sant´Anna à revista Cláudia:<br />

36


“A obrigação não é ser jovem, e sim parecer jovem. As mulheres<br />

não procuram, como se diz, transformar-se numa Gisele Bündchen. O<br />

principal é a aparência não correspon<strong>de</strong>r à ida<strong>de</strong>. Acredita-se que quem<br />

consegue driblar as marcas do tempo po<strong>de</strong> driblar qualquer coisa. Isso é<br />

ser bela e po<strong>de</strong>rosa no século XXI”.<br />

Relacionam-se as dificulda<strong>de</strong>s em permanecer jovem e saudável com o fato <strong>de</strong><br />

tomar atitu<strong>de</strong>s transformadoras e significativas em relação ao corpo.<br />

A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> esculpir-se ou <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhar o próprio corpo é algo que propicia a<br />

cada um estar o mais próximo possível <strong>de</strong> um padrão <strong>de</strong> beleza estabelecido globalmente;<br />

afinal, as medidas do mercado da moda são internacionais. Todo esse esforço só faz<br />

sentido se o pensar sobre moda for <strong>de</strong>slocado e se for verificado que o fútil (ou o que temos<br />

o hábito <strong>de</strong> chamar assim) mostra-se finalmente bem menos anódino do que parece à<br />

primeira vista.<br />

A aparência po<strong>de</strong> refletir, traduzir ou simplesmente veicular idéias tão fortes, agudas,<br />

complexas, sutis, espantosas, que expressa ou provoca, em certos casos, revolta radical,<br />

inédita, <strong>de</strong>finitiva, e parece ser mesmo a única a po<strong>de</strong>r fazê-lo.<br />

A <strong>Moda</strong> consegue, em última instância, circunscrever <strong>de</strong>terminados espaços sócio-<br />

culturais que acabam por constituir o que se reconhece hoje como tribos. Essas instâncias<br />

são territórios <strong>de</strong> referência em que as pessoas, os grupos são acolhidos. Neles elas<br />

adquirem, nesse sentido, um estatuto <strong>de</strong> segurança, um certo quê <strong>de</strong> familiarida<strong>de</strong>, <strong>de</strong><br />

partilha afetiva que torna a vida, <strong>de</strong> algum modo, mais tolerável. A exteriorida<strong>de</strong> torna-se ,<br />

então, elemento socializante.<br />

O jovem utiliza-se da estética como um meio <strong>de</strong> experimentar, <strong>de</strong> sentir em comum<br />

e é, também, um meio <strong>de</strong> reconhecer-se. Esse aspecto po<strong>de</strong> ser assistido <strong>de</strong> forma mais<br />

radical nos mais diversos "movimentos <strong>de</strong> estilo", por isso sempre existem indivíduos que<br />

se expressam e afirmam pelo estilo, simples pose <strong>de</strong> traje ou talvez, por um modo <strong>de</strong> vida<br />

37


global em ruptura com as normas, aceitas à época, da "elegância", do "bom gosto", e da<br />

"respeitabilida<strong>de</strong>".<br />

Homens e mulheres utilizam-se da aparência como atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> protesto a um estado<br />

<strong>de</strong> coisas, <strong>de</strong> valores, <strong>de</strong> gostos, <strong>de</strong> hábitos, <strong>de</strong> comportamentos. Até mesmo uma certa<br />

visão <strong>de</strong> mundo ou <strong>de</strong> protesto, tais como são refletidos pelo traje dominante, pelo estilo<br />

obrigatório ou pela referência estética comum da socieda<strong>de</strong> vigente, são contestados,<br />

criticados por movimentos “antimoda”. “Ases” da beleza cercam-se <strong>de</strong> jovens, receando a<br />

velhice, e utilizam-se <strong>de</strong> estimulantes para preservarem o corpo, aplicando-se massagens,<br />

exercícios, cirurgias plásticas, musculação e, não obstante, acompanham a <strong>de</strong>generação<br />

física e mental, ansiosos e <strong>de</strong>sventurados.<br />

O homem – exposto em plena nu<strong>de</strong>z ou escondido por vezes – expressa a<br />

mentalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma época, os valores predominantes em uma cultura. Ao vivo, esculpido,<br />

pintado, fotografado, o corpo é sempre mais que um objeto <strong>de</strong> arte ou <strong>de</strong> mero consumo<br />

visual banalizado: <strong>de</strong>svela a concepção humana.<br />

O que encobre ou <strong>de</strong>spe é, antes <strong>de</strong> qualquer coisa, o valor ou <strong>de</strong>svalor que lhe é<br />

atribuído, a dignida<strong>de</strong> ou a abominação, fragilida<strong>de</strong> ou força, natureza pecaminosa ou<br />

virtu<strong>de</strong>.<br />

As formas que o jovem usa para encobrir o corpo estão sempre carregadas <strong>de</strong><br />

valores, freqüentemente em conflito. E valores não apenas estéticos, também éticos,<br />

sociais, culturais, políticos e religiosos. Isto é o que chamamos moda, a expressão <strong>de</strong><br />

mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> do mundo contemporâneo. Po<strong>de</strong>-se, por exemplo, na nu<strong>de</strong>z ou nas diversas<br />

formas <strong>de</strong> encobri-la, embelezá-la ou disfarçá-la, acompanhar as transformações dos<br />

conceitos <strong>de</strong> elegância e <strong>de</strong> pudor, que cada socieda<strong>de</strong> e que cada momento histórico<br />

estabelecem.<br />

38


Transformações. Este mundo regido por constantes alterações <strong>de</strong> comportamento,<br />

<strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejos. O universo fashion mostra uma evolução incansável na<br />

busca <strong>de</strong> produtos que justifiquem sua existência, ou seja, reestrutura-se o tempo todo, nos<br />

segmentos da indústria. Esse processo é fruto <strong>de</strong> inúmeras alterações <strong>de</strong> valores e rotinas<br />

do homem atual e apresenta-se até mesmo sob outros padrões estéticos do vestuário,<br />

obrigando a indústria a reformular antigos conceitos e a própria dinâmica do processo<br />

criativo e produtivo.<br />

A sensibilida<strong>de</strong> atual enraíza-se em um rompimento daquilo que se chamou <strong>de</strong><br />

"controle-repressão" e na invenção do que se <strong>de</strong>nomina "controle-estimulação". Esse<br />

traço foi assinalado por Foucault (1984:147) em sua célebre afirmação "Fique nu, mas<br />

seja magro, bonito, bronzeado!". Ou apresente sua sexualida<strong>de</strong> , mas no interior <strong>de</strong> formas<br />

socialmente fornecidas e codificadas pelo mercado.<br />

1.5. O peso da magreza.<br />

A passagem do século XX para o XXI, ressalta <strong>de</strong> maneira intensa uma<br />

característica com fortes princípios: a individualida<strong>de</strong>, revelada na década dos 1990,<br />

valoriza o fato <strong>de</strong> ser único e fazer diferença. Em função <strong>de</strong>ssa busca constante e<br />

incansável, o indivíduo passa a conhecer e a visitar outras idéias, além daquelas com que<br />

ele tanto se i<strong>de</strong>ntificava.<br />

Esse movimento, conhecido como “supermercado <strong>de</strong> estilos”, caracterizou uma<br />

liberda<strong>de</strong>, até então nunca vista, <strong>de</strong> se vestir. Nesse período as Top mo<strong>de</strong>ls ganham<br />

prestígio e cachês extremamente valorizados, tornando-se referências <strong>de</strong> padrões<br />

corporais.<br />

A beleza assume supra importância para as mulheres e, paralelamente, causa<br />

insatisfação tal que gera impacto negativo sobre a auto-estima. Sendo o corpo fundamental<br />

39


para a atrativida<strong>de</strong> feminina e como esta é elemento essencial da sua auto-imagem,<br />

<strong>de</strong>preen<strong>de</strong>-se que o peso e a satisfação com respeito a ele sejam <strong>de</strong>terminantes para a<br />

satisfação integral da mulher. É comum que elas se vejam sempre acima do peso, mesmo<br />

que isso não corresponda à realida<strong>de</strong>.<br />

Na ida<strong>de</strong> adulta, a distribuição <strong>de</strong> gordura corporal varia conforme o sexo,<br />

contribuindo para o formato do corpo e também para a avaliação da beleza. A distribuição<br />

<strong>de</strong> gordura no corpo é mais semelhante entre os sexos durante a velhice. O processo<br />

envolvido na distinção é hormonal.<br />

A partir da puberda<strong>de</strong>, por influência do estrogênio, as mulheres acumulam gordura<br />

preferencialmente na região das ná<strong>de</strong>gas e das coxas. Uma quantida<strong>de</strong> crítica <strong>de</strong> gordura é<br />

necessária para a menarca e a manutenção do ciclo menstrual.<br />

Os homens, <strong>de</strong> sua parte, por influência da testosterona, acumulam gordura na<br />

região do tronco, nos ombros e na nuca. Com o aumento da ida<strong>de</strong> a produção <strong>de</strong><br />

testosterona diminui, causando acúmulo <strong>de</strong> gordura abdominal, especialmente naqueles <strong>de</strong><br />

hábitos se<strong>de</strong>ntários.<br />

Na menopausa, a distribuição <strong>de</strong> gordura corporal da mulher aproxima-se do padrão<br />

masculino, o que hoje po<strong>de</strong> ser minimizado por meio <strong>de</strong> reposição hormonal. O padrão <strong>de</strong><br />

distribuição <strong>de</strong> gordura corporal po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>terminado calculando-se a razão entre a<br />

medida da circunferência da cintura e da circunferência do quadril (RCQ). A faixa <strong>de</strong><br />

variação típica da RCQ é 0,67 a 0,80, para as mulheres, e 0,80 a 0,95, para os homens 5 .<br />

Diversas evidências apontam para uma estreita relação entre a Relação Cintura e<br />

Quadril (RCQ) e a condição <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> da pessoa 6 .<br />

5 D. Singh, "Fernale judgement of male attractiveness and <strong>de</strong>sirability for relationships: Role of Waist-to-hip<br />

Ratio and financial status" Journal of Personality and Social Psychology, 69,1995, p. 1089<br />

6 Para maiores esclarecimentos sobre avaliações nutricionais ver Baiocchi <strong>de</strong> Carvalho, K. M e CUPPARI, L<br />

40


O culto à magreza e a obsessão pela ativida<strong>de</strong> física orientada, assim como<br />

pela saú<strong>de</strong> perfeita , talvez possam compor a nova representação do corpo. Tomando<br />

como exemplo o lugar da gordura, que já foi sinônimo <strong>de</strong> opulência e até <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> (e ainda<br />

o é em <strong>de</strong>terminados grupos e culturas), percebe-se claramente uma nova sensibilida<strong>de</strong> e<br />

tolerância em relação à sua existência. A gordura, hoje, converteu-se no gran<strong>de</strong> mal a ser<br />

combatido, um mal que, aliado ao se<strong>de</strong>ntarismo, outro vilão contemporâneo, torna-se<br />

objeto <strong>de</strong> combate incessante, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a mídia até programas e políticas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pública.<br />

Típico <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> da abundância o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> magreza torna-se imperativo e<br />

pressiona <strong>de</strong> cima para baixo. Nele, gordura e obesida<strong>de</strong> são consi<strong>de</strong>radas ruins e até<br />

vulgares. Por isso fala-se, hoje, em uma "estética da magreza" – imposta, sobretudo, às<br />

mulheres, mas não somente a elas.<br />

É o sistema midiático, que opera uma espécie <strong>de</strong> "intimação" aos "santuários do<br />

culto ao corpo", locais que sempre apresentam alguma "novida<strong>de</strong>", seja ela a<strong>de</strong>quada à<br />

estação do ano, ao que está na "moda" em outros países, ou a um "novo e mo<strong>de</strong>rno"<br />

aparelho milagroso para exercitar-se.<br />

Hoje o corpo gordo indica uma vida pouco saudável. Como é possível<br />

comunicar intenções através <strong>de</strong> gestos e, também, pela postura e pela vestimenta, o<br />

apresentar-se ao mundo, para o corpo gordo, é ainda mais complicado . O corpo físico já é<br />

operador e dado fundamental da produção da auto-imagem; o corpo confere ao sujeito uma<br />

história a contar. No entanto, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primórdios da humanida<strong>de</strong> sabe-se o quanto é difícil<br />

fazer parte da vida tal como ela se apresenta em cada circunstância. Talvez porque<br />

viver seja o que há <strong>de</strong> mais natural e <strong>de</strong> mais difícil. A histórica divisão entre corpo e alma<br />

expressa, em gran<strong>de</strong> medida, esta dificulda<strong>de</strong>, principalmente a partir da época mo<strong>de</strong>rna,<br />

quando o corpo passou a ser visto muito mais como aquilo que se tem do que aquilo que se<br />

41


é. Pelo menos nas socieda<strong>de</strong>s oci<strong>de</strong>ntais, essa separação <strong>de</strong>sdobra-se em muitas outras,<br />

sempre afirmando que o pensamento é algo infinito e inteligente, enquanto o corpo é finito e<br />

ignorante.<br />

Como se vê, historicamente sempre houve divergências <strong>de</strong> padrões corporais. Antes<br />

querido e tido como sinal <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, o excesso <strong>de</strong> peso passou a ser visto como sinal <strong>de</strong><br />

relaxo e doença. O que o obeso po<strong>de</strong> transmitir à coletivida<strong>de</strong>? “O gordo po<strong>de</strong> restituir seu<br />

débito à socieda<strong>de</strong> sob forma <strong>de</strong> espetáculo e <strong>de</strong> zombaria. Po<strong>de</strong> também apresentar sua<br />

corpulência no registro cômico.” (FISCHLER; 1995:74)<br />

Assim estereotipa-se a figura singular do gordo que difere da normatização regulada,<br />

colocada cada vez mais intensamente, por uma série <strong>de</strong> fatores sócio-econômicos. Vi<strong>de</strong> a<br />

quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoas que sonham ser magras, mas vivem gordas, embora sempre em<br />

regimes, dietas e/ou freqüentando aca<strong>de</strong>mias, para <strong>de</strong>ixar seu físico mais a<strong>de</strong>quado a<br />

esses padrões.<br />

Na imagem do rechonchudo simpático, feliz e risonho encontra-se a aparência roliça<br />

e <strong>de</strong>sequilibrada <strong>de</strong> alguém que não consegue controlar seus instintos. Desta forma como<br />

se po<strong>de</strong> diferir o gordo bom do ruim? Quando o obeso é bem-sucedido em outras áreas<br />

(profissional, pessoal) <strong>de</strong>svia-se o olhar e a crítica <strong>de</strong> sua aparência corporal para seu<br />

sucesso e suas qualida<strong>de</strong>s. Deixa-se para o segundo plano sua corpulência e enaltece-se a<br />

performance no particular.<br />

É preciso, pois, ao que parece, que exista urna certa a<strong>de</strong>quação entre a imagem<br />

social do obeso e sua corpulência, para que ele seja aceito, classificado como "gordo bom".<br />

Mas qual a<strong>de</strong>quação? Em função <strong>de</strong> que critérios, <strong>de</strong> qual caráter simbólico subjacente?<br />

No final das contas, persiste a interrogação: os obesos são culpados ou vítimas?<br />

42


Atualmente inúmeras campanhas são feitas para combater a obesida<strong>de</strong>, como se<br />

somente os obesos estivessem sujeitos a doenças como: Colesterol, Hipertensão e<br />

Diabetes. Associa-se, hoje a magreza ao corpo sadio, até a meta<strong>de</strong> do século XX, o magro<br />

era associado à <strong>de</strong>snutrição e doença e o gordo ao progresso e saú<strong>de</strong>.<br />

Isso confirma que a percepção social da boa corpulência mudou. O mo<strong>de</strong>lo<br />

dominante afastou-se daquele que reinava no século XIX, daquele que impera ainda hoje<br />

em certas culturas e mesmo em certos estratos <strong>de</strong> nossas socieda<strong>de</strong>s.<br />

Os critérios, as medidas, os limiares variam fortemente. As categorias parecem<br />

relativamente mais estáveis do que o conteúdo que se lhes atribui. Como lembra Bourdieu,<br />

o corpo é a mais irrecusável objetivação do gosto <strong>de</strong> classe, que se manifesta <strong>de</strong> diversas<br />

maneiras. Em primeiro lugar, no que tem <strong>de</strong> mais natural em aparência, isto é, nas<br />

dimensões (volume, estatura, peso) e nas formas (redondas ou quadradas; rígidas e<br />

flexíveis, retas ou curvas,) <strong>de</strong> sua conformação visível, mas que expressa <strong>de</strong> mil maneiras<br />

toda uma relação com o corpo, isto é, toda uma maneira <strong>de</strong> tratar o corpo, <strong>de</strong> cuidá-lo, <strong>de</strong><br />

nutri-lo, <strong>de</strong> mantê-lo.<br />

Um dos clichês da história da moda é a ‘vitória da mulher magra sobre a mulher<br />

gorda’ o que leva as feministas dos dias atuais partirem do princípio <strong>de</strong> que a obsessão<br />

feminina do século XX pela magreza e pela perda <strong>de</strong> peso é mais um testemunho da<br />

opressão social que recai sobre as mulheres.<br />

Parece ser muito mais complicado do que isso. A exigência da mulher magra, como<br />

i<strong>de</strong>al estético e <strong>de</strong> elegância, é reflexo <strong>de</strong> preocupações mais profundas. A magreza é,<br />

certamente, um i<strong>de</strong>al para as culturas oci<strong>de</strong>ntais. Noutras socieda<strong>de</strong>s, a mulher gorducha<br />

po<strong>de</strong> ainda ser um i<strong>de</strong>al estético e erótico.<br />

43


No segundo semestre <strong>de</strong> 2004, a Top mo<strong>de</strong>l e superstar Gisele Bündchen, em<br />

férias, passou uns dias no Parque Nacional do Araguaia, no Alto Xingu (Tocantins). A<br />

celebrida<strong>de</strong>, e unanimida<strong>de</strong> internacional, foi consi<strong>de</strong>rada pelos índios como extremamente<br />

magra sem ancas largas, ou seja, ina<strong>de</strong>quada ao padrão <strong>de</strong> mulher da tribo. Esse é só um<br />

exemplo, para <strong>de</strong>monstrar que a padronização e o rigor <strong>de</strong> beleza feminina – muitas vezes<br />

impostos por uma mídia abusiva – <strong>de</strong>stoam do que se refere ao que é ou não valorizado<br />

cotidianamente no corpo. No entanto a moda (mudanças nos estilos do vestuário) é algo<br />

específico da cultura oci<strong>de</strong>ntal, com tendência a ganhar e, mais, dominar outras culturas.<br />

Po<strong>de</strong>-se tomar como paralelo a penetração que a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> fast-food McDonald’s,<br />

símbolo do capitalismo selvagem, obteve ao inaugurar uma loja em Beijin, pólo e marco<br />

cultural do conservadorismo comunista, até então. A partir disso, observa-se a<br />

transformação que as mulheres japonesas fazem em seus próprios corpos, tingindo e<br />

alterando o formato <strong>de</strong> seus cabelos, mudando o formato dos rostos, abusando <strong>de</strong> cores e<br />

acessórios em sua indumentária, valorizando seu exterior.<br />

O i<strong>de</strong>al da mulher esbelta é, conseqüentemente, relevante para todas as culturas.<br />

Além do mais, a existência <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ais diferentes <strong>de</strong> beleza noutras socieda<strong>de</strong>s não explica a<br />

razão pela qual a magreza se transformou em um i<strong>de</strong>al da nossa da socieda<strong>de</strong> brasileira.<br />

“O culto da silhueta esbelta foi publicamente posto em causa nos<br />

últimos anos <strong>de</strong> uma forma que o culto da beleza convencional nunca o foi.<br />

É fácil para nós partir do princípio <strong>de</strong> que a preocupação mo<strong>de</strong>rna com a<br />

dieta é apenas parte <strong>de</strong> uma obsessão oci<strong>de</strong>ntal pela magreza, e que em<br />

particular a ‘perda <strong>de</strong> peso’ é apenas um dos aspectos da opressão das<br />

mulheres. As dietas e o fazer dieta têm, no entanto, preocupado as<br />

socieda<strong>de</strong>s oci<strong>de</strong>ntais pelo menos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século <strong>de</strong>zessete. As dietas<br />

eram parte dos regimes tradicionais medicinais, tais como o ascetismo<br />

religioso. George Cheyne (1671-1743), que era um médico praticante<br />

escocês influente do período imediatamente anterior à revolução industrial,<br />

tinha pacientes elegantes em Londres e em Bath. Ele preocupava-se com<br />

a dieta e a saú<strong>de</strong> dos homens da cida<strong>de</strong>, se<strong>de</strong>ntários, das classes altas e<br />

da classe média abastada. Os seus regimes eram versões profanas das<br />

44


egras <strong>de</strong> vida impostas aos Protestantes para o bem da sua saú<strong>de</strong><br />

espiritual... Uma”. dieta”. racional mantinha os homens calmos e felizes;<br />

comer e beber irrefletidamente inflamava as paixões e levava à violência e<br />

à libertinagem”. (Wilson, 1989: 155)<br />

Convém citar a pesquisa realizada na Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Flin<strong>de</strong>rs, na Austrália<br />

envolveu 332 estudantes universitários e teve como tema: diferenças sexuais com respeito<br />

à satisfação com o próprio peso, restrição alimentar e auto-estima 7 . Embora nessa amostra<br />

as mulheres apresentassem proporcionalmente menor peso em relação à sua altura que os<br />

homens, a impressão subjetiva <strong>de</strong>las não correspondia à realida<strong>de</strong>: sentiam-se acima do<br />

peso e gostariam <strong>de</strong> ser mais magras. Quanto mais acima do peso i<strong>de</strong>al se sentiam, mais<br />

baixa a auto-estima.<br />

Para os homens, peso real e peso subjetivo estavam positivamente correlacionados<br />

com auto-estima. Isso quer dizer que, maiores fossem e assim se sentissem, mais elevada<br />

a auto-estima, enquanto os abaixo do peso apresentavam reduzida auto-estima. Tais<br />

resultados são congruentes com os perfis i<strong>de</strong>ais traçados para a mulher (tipo mignon) e<br />

para o homem (tipo corpulento).<br />

A busca por esse “corpinho mingnon” produziu um distúrbio, característico da vida<br />

pós-mo<strong>de</strong>rna: a bulimia. Essa patologia leva a pessoa a ingerir, em uma refeição,<br />

quantida<strong>de</strong>s superiores <strong>de</strong> alimentos para, logo <strong>de</strong>pois, sentindo-se culpada, vomitar ou<br />

fazer uso <strong>de</strong> diuréticos ou laxantes, o que resulta em <strong>de</strong>sequilíbrios fisiológicos e po<strong>de</strong><br />

conduzir, em alguns casos, até ao óbito. Para que se tenha noção da gravida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse<br />

problema, estima-se que 30% das estudantes universitárias brasileiras sofrem <strong>de</strong>sse<br />

distúrbio em algum grau.<br />

7 QUEIROZ , R. Estudo <strong>de</strong> Estética e beleza - ORG – Ed. SENAC – SP 2000<br />

45


Patologia igualmente séria é a anorexia nervosa, outro distúrbio alimentar<br />

característico <strong>de</strong> mulheres, que respon<strong>de</strong>m por 90 a 95% dos casos registrados. O portador<br />

<strong>de</strong>sse distúrbio come tão pouco que a sua sobrevivência é fortemente ameaçada,<br />

apresentando, muitas vezes, aparência esquelética, e mesmo assim não admite estar<br />

realmente magro.<br />

Na busca da imagem, no complemento necessário para se a<strong>de</strong>quar aos padrões, a<br />

socieda<strong>de</strong> consome, sem parar, indumentárias que possam lhe trazer <strong>de</strong>sejos e<br />

satisfações.<br />

1.6. A busca <strong>de</strong> um corpo perfeito.<br />

Essa busca é antiga e, paradoxalmente, atual. Hoje ela tem características<br />

gerais e específicas exigências <strong>de</strong> um corpo mais e mais magro, em aversão à gordura<br />

e ao peso. Parece que, na época atual, cada momento é portador <strong>de</strong> uma nova<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> antecipar-se ao mal, que tanto po<strong>de</strong> ser uma doença ou numa<br />

suposta aparição <strong>de</strong>la em algum momento da vida. Po<strong>de</strong> ser obesida<strong>de</strong> (hoje<br />

consi<strong>de</strong>rada uma doença), como também velhice, este gran<strong>de</strong> mal a ser “combatido<br />

por múltiplas armas" <strong>de</strong>scobertas, enaltecidas e abandonadas com a mesma<br />

velocida<strong>de</strong>, em uma época na qual a juventu<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve estar inscrita no corpo.<br />

A ambição <strong>de</strong> conhecer e <strong>de</strong> controlar o corpo, <strong>de</strong> a<strong>de</strong>ntrar sempre mais e mais<br />

nesse território obscuro e que parece sempre reservar algo a ser ainda explorado,<br />

requer uma compreensão predominante. Para falar do corpo, consultam-se os<br />

tratados <strong>de</strong> anatomia, <strong>de</strong> fisiologia, <strong>de</strong> higiene, <strong>de</strong> bioquímica. Agrega-se a esse<br />

acervo, em um passado recente como no presente, certa dose <strong>de</strong> convencimento da<br />

necessida<strong>de</strong> imperiosa <strong>de</strong> colocar o corpo em movimento, sem o que não há saú<strong>de</strong> e,<br />

nem felicida<strong>de</strong> (e ser feliz passa cada dia mais a ser um a obrigação).<br />

46


Não se trata, aqui, <strong>de</strong> negar a existência corpórea. Trata-se, sim, <strong>de</strong> pensar um<br />

corpo habitado, pois, como nos diz Nietzche"o corpo é uma gran<strong>de</strong> razão, uma<br />

multiplicida<strong>de</strong> unânime, um estado <strong>de</strong> guerra e paz, um rebanho e o seu pastor.” 8<br />

Na contemporaneida<strong>de</strong> dos estudos inseridos na área <strong>de</strong> biologia aos estudos na<br />

área das tecnologias da informação, encontra-se a noção <strong>de</strong> corpo como uma forma viva,<br />

um organismo complexo, um sistema or<strong>de</strong>nado por circunstâncias relacionadas entre si.<br />

Compartilha-se um momento em que o corpo natural e o corpo artificial confluem e a<br />

ciência torna a comunicação entre o cérebro e o computador uma via <strong>de</strong> mão dupla. Assim,<br />

as relações com as “coisas do mundo” são, cada vez mais, mediadas, “interfaciadas” pelas<br />

máquinas. O corpo tem uma função híbrida, torna-se um campo <strong>de</strong> passagens entre<br />

elementos orgânicos e sintéticos, uma estrutura fluída, dinâmica, como uma comunida<strong>de</strong><br />

em que todos os elementos acionam intercâmbios, ou mesmo, um ambiente capaz <strong>de</strong> ser<br />

transformado e mo<strong>de</strong>lado.<br />

Algumas normas <strong>de</strong> padrões <strong>de</strong> beleza afetam diretamente o comportamento do<br />

consumidor, tanto que, agitaram o mundo fashion.<br />

No final <strong>de</strong> 2006, entre novembro e <strong>de</strong>zembro, ocorreu uma série <strong>de</strong> mortes<br />

envolvendo pessoas do meio, e um boom <strong>de</strong> anorexia esteve presente em todas as mídias<br />

do país. O primeiro caso a ficar estampado nas páginas dos principais jornais em 14 <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2006 foi a da morte da mo<strong>de</strong>lo Ana Carolina Reston Marcan em <strong>de</strong>corrência<br />

<strong>de</strong> uma anorexia nervosa, que dividiu opiniões entre as tops brasileiras. Ana Carolina tinha<br />

21 anos, media 1,74 m e pesava 40 Kg. Algumas das tops acreditam que o caso é uma<br />

exceção, outras, que se trata <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sfecho extremo para um problema não tão raro<br />

8 NIETZCHE,F. Assim falava Zaratustra. Lisboa; Guimarães Editores, 1997, pág.38.<br />

47


assim. Mas todas concordam em um ponto: é preciso ter muita responsabilida<strong>de</strong> e estrutura<br />

emocional.<br />

Em entrevista cedida ao jornal Folha <strong>de</strong> São Paulo do dia 17 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2006,<br />

no ca<strong>de</strong>rno Cotidiano, algumas das principais mo<strong>de</strong>los do país <strong>de</strong>ram suas opiniões sobre<br />

o assunto: "Infelizmente, com a competição que existe no nosso meio, muitas meninas dão<br />

mais importância ao trabalho e a certos i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> beleza do que à saú<strong>de</strong>", disse a top<br />

Gisele Bündchen "Não foi uma coisa isolada. Existem muito mais mo<strong>de</strong>los com distúrbios<br />

alimentares sérios do que a gente imagina", afirma Isabella Fiorentino. "Morrer <strong>de</strong> anorexia<br />

é raro, mas muitas meninas param <strong>de</strong> menstruar, não conseguem engravidar. Disso<br />

ninguém fala". Para Isabella que atua <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os anos 1990, a competição está cada vez<br />

mais acirrada, o que leva as meninas a tomarem medidas extremas. "Depois dos 20, não<br />

dá mais para ter corpo <strong>de</strong> adolescente, e muitas não aceitam isso. E tem o mercado e os<br />

estilistas, que procuram mesmo as meninas mais esqueléticas para a passarela", diz.<br />

Já Mariana Weickert, que atualmente divi<strong>de</strong> seu tempo entre os trabalhos como<br />

mo<strong>de</strong>lo e a apresentação do programa "Saca- Rolha", na emissora <strong>de</strong> televisão Band,<br />

observou que a morte <strong>de</strong> Ana Carolina <strong>de</strong>ve ser tratada como conseqüência <strong>de</strong> uma<br />

doença que não tem relação direta ,com o universo fashion. "E uma questão <strong>de</strong> ter ou não<br />

ter estrutura para agüentar as pressões, que existem em todas as profissões. Neste caso<br />

faltou um tratamento mais sério, porque ela estava muito doente” afirmou.<br />

A mo<strong>de</strong>lo Giane Albertoni, também <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a tese que a morte <strong>de</strong> Ana Carolina foi<br />

um caso isolado ao comentar que per<strong>de</strong> <strong>de</strong> cinco a seis quilos antes SPFW fazendo <strong>de</strong><br />

forma controlada e, diz que casos extremos como, o <strong>de</strong> Ana Carolina, são mais raros."Já vi<br />

muitas meninas passarem dias sem comer nada, só com água e cigarro. Eu já fiz minhas<br />

dietas malucas", diz a mo<strong>de</strong>lo Luciana Curtis completando o assunto em pauta dizendo que<br />

48


é preciso ter apoio, principalmente da família. “Esse mundinho está cheio <strong>de</strong> mães que<br />

incentivam as filhas a ficarem sem comer. Não adianta procurar um único culpado. O<br />

problema é bem mais complexo." Disse a mo<strong>de</strong>lo 9 .<br />

Em menos <strong>de</strong> uma semana <strong>de</strong>pois da morte da mo<strong>de</strong>lo Ana Carolina, em 18/ <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2006 a estudante Carla Sobrado Casalle, <strong>de</strong> 21 anos, que chegou a pesar<br />

48 kg, morreu em Araraquara (273 km <strong>de</strong> SP) <strong>de</strong> parada cardíaca, provavelmente<br />

<strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> anorexia nervosa, doença que a obrigava a se submeter a tratamento há<br />

cinco anos. Carla tinha 1,74 m, pesava 55 kg e usava manequim 34. Mas, na infância, era<br />

consi<strong>de</strong>rada uma menina gordinha e, segundo parentes, passou a consumir remédios para<br />

emagrecer. Segundo o jornal FSP, Carla morava com os avós maternos e com a mãe e<br />

cursava psicologia no Uniara (Centro Universitário <strong>de</strong> Araraquara) <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2005. Mas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

junho <strong>de</strong> 2006, ela não freqüentava mais as aulas e tinha autorização para fazer provas e<br />

trabalhos em casa em razão <strong>de</strong> sua saú<strong>de</strong>.<br />

Dez dias <strong>de</strong>pois, em 28 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2006 outra vítima <strong>de</strong> anorexia virava<br />

notícia jornalística. Parentes e amigas <strong>de</strong> Beatriz Cristina Ferraz Lopes Bastos <strong>de</strong> 23 anos<br />

<strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, que morreu em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> diversas paradas cardíacas pesava cerca <strong>de</strong> 35<br />

kg, parentes relataram que na adolescência, quando a jovem pesava por volta dos 100 kg,<br />

sofria com apelidos pejorativos.<br />

Com o episódio, todas as atenções voltaram-se aos profissionais do meio,<br />

obrigando-os a discutir abertamente questões importantes, ocultadas há anos sob uma<br />

névoa <strong>de</strong> <strong>de</strong>sinformação e <strong>de</strong>scaso. Entre elas, a gran<strong>de</strong> incidência <strong>de</strong> casos <strong>de</strong> distúrbios<br />

9<br />

Entrevistas concedidas ao jornal Folha <strong>de</strong> São Paulo em 17 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2006 no ca<strong>de</strong>rno Cotidiano :<br />

C10 .<br />

49


alimentares entre as tops e a falta <strong>de</strong> regulamentação para uma profissão que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

mão-<strong>de</strong>-obra adolescente.<br />

A anorexia não é um mal causado pelo circuito fashion. Trata-se <strong>de</strong> um sintoma da<br />

crise <strong>de</strong> valores, vivida por uma socieda<strong>de</strong> escravizada pelo culto ao consumo e engajada<br />

na busca frustrante e irracional por padrões <strong>de</strong> beleza inalcançáveis. No entanto:<br />

(...) é impossível negar que esses mo<strong>de</strong>los estéticos são criados e<br />

divulgados pelas indústrias da moda e da beleza, que faturam bilhões com<br />

a venda <strong>de</strong> roupas, cosméticos e cirurgias plásticas, apesar <strong>de</strong> a moda não<br />

causar diretamente os transtornos alimentares, ela contribui muito para a<br />

concepção <strong>de</strong> beleza em nossa socieda<strong>de</strong>. (Eric van Furth, presi<strong>de</strong>nte da<br />

Aca<strong>de</strong>my for Eating Disor<strong>de</strong>rs (Aca<strong>de</strong>mia para Transtornos Alimentares),<br />

ONG Internacional com se<strong>de</strong> nos Estados Unidos.<br />

Esse discurso é endossado pela Associação Brasileira <strong>de</strong> Psiquiatria (ABP) que,<br />

junto ao governo fe<strong>de</strong>ral, prepara ampla campanha <strong>de</strong> conscientização. “Não dá para<br />

negar, que numa indústria que vive <strong>de</strong> aparência, o índice <strong>de</strong> distúrbios alimentares é maior<br />

do que o resto da população”, afirma a psiquiatra Tatiana Moya, membro da ABP e<br />

coor<strong>de</strong>nadora <strong>de</strong> um núcleo <strong>de</strong> pesquisa sobre transtorno alimentares, no Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

(Folha <strong>de</strong> S.Paulo, <strong>de</strong>z.2006)<br />

A repercussão <strong>de</strong>ssa morte chegou às capitais do estilo, como Paris e Milão, e teve<br />

gran<strong>de</strong> impacto na Espanha, que meses antes havia proibido que mo<strong>de</strong>los magras <strong>de</strong>mais<br />

<strong>de</strong>sfilassem na passarela da Semana <strong>de</strong> <strong>Moda</strong> <strong>de</strong> Madri. O parâmetro usado pelo governo<br />

espanhol foi o índice <strong>de</strong> massa corporal (IMC), que calcula a proporção i<strong>de</strong>al entre o peso e<br />

a altura. Garotas com o resultado abaixo <strong>de</strong> 18, número mínimo exigido pela Organização<br />

Mundial <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (OMC), não participaram do evento. 10<br />

10 No anexo 01 <strong>de</strong>ssa dissertação temos maiores informações sobre o assunto.<br />

50


No maior evento <strong>de</strong> <strong>Moda</strong> do Brasil, a São Paulo Fashion Week (SPFW) <strong>de</strong> 2007<br />

lançou também seu pacote <strong>de</strong> medidas preventivas, entre elas ações <strong>de</strong>fendidas pela ABP,<br />

como a proibição <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los menores <strong>de</strong> 16 anos no evento. Outra regra que passa a<br />

valer é a exigência <strong>de</strong> atestados médicos <strong>de</strong> todas as tops e das novatas. "Nossa intenção<br />

com estas medidas e com um amplo projeto <strong>de</strong> educação é informar e mobilizar a<br />

socieda<strong>de</strong> em torno <strong>de</strong> um tema tão complexo, que vai muito além da moda. As agências<br />

estão totalmente comprometidas com o projeto e serão responsáveis por verificar a<br />

autenticida<strong>de</strong> dos laudos médicos", afirma Paulo Borges, criador da SPFW. A exigência <strong>de</strong><br />

exame médico já havia sido adotada pelas agências <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los do país, em <strong>de</strong>cisão<br />

tomada dias <strong>de</strong>pois da morte <strong>de</strong> Ana C. Reston.<br />

A anorexia é um transtorno alimentar no qual a busca implacável por magreza leva a<br />

pessoa a recorrer a estratégias para a perda do peso, ocasionando importante<br />

emagrecimento. Tem cunho psiquiátrico e sua causa não é conhecida. As hipóteses vão<br />

<strong>de</strong> distúrbios psiquiátricos causados por alterações neuroquímicas cerebrais a até o<br />

conceito atual <strong>de</strong> moda que <strong>de</strong>termina a magreza como símbolo <strong>de</strong> beleza e elegância.<br />

A precisão e a natureza <strong>de</strong>sses exames, no entanto, são contestadas pelos<br />

médicos. Segundo eles, a anorexia só é diagnosticada, por exame sangüíneo, em casos já<br />

muito avançados, além <strong>de</strong> ser uma doença com raízes genéticas, difíceis <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir, e<br />

envolver profunda negação da paciente e da família. “Está entre os distúrbios psicológicos<br />

que mais causam mortes no mundo e exige o acompanhamento constante e individual <strong>de</strong><br />

médicos especializados", afirma Táki Cordas, psiquiatra e coor<strong>de</strong>nador do Ambulatório <strong>de</strong><br />

Bulimia e Transtornos Alimentares da USP.<br />

Cordas é co-autor do livro Do Altar às Passarelas – da Anorexia Santa à Anorexia<br />

Nervosa, escrito em parceria com a psiquiatra Cibelle Weinberg. Nessa obra, os autores<br />

51


fazem analogias entre as jovens anoréxicas <strong>de</strong> hoje, dispostas a enfrentar situações <strong>de</strong><br />

privação em busca <strong>de</strong> um i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> beleza "superior", e santas medievais que praticavam<br />

jejuns para alcançar a perfeição espiritual. "O corpo virou um produto do capitalismo. As<br />

mulheres nunca estão magras, bonitas ou bem-vestidas o bastante. É um ciclo <strong>de</strong> falsas<br />

promessas e frustrações, o que po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>vastador para uma adolescente que busca<br />

aceitação", diz o psiquiatra. Em meio a essa discussão, os estilistas apóiam as medidas<br />

práticas <strong>de</strong> controle, mas não abrem mão <strong>de</strong> escolhas estéticas.<br />

A maioria aponta as meninas “naturalmente magras” como alternativa i<strong>de</strong>al, por<br />

motivos práticos; elas não interferem na forma da roupa. “Um <strong>de</strong>sfile é um show, uma foto é<br />

para surpreen<strong>de</strong>r. Então por que contrataríamos pessoas comuns?”, questiona o estilista<br />

Mário Queiroz. “A moda é um sonho. Quando compramos uma roupa queremos acreditar<br />

que ficaremos parecidos com a garota que a está usando”, afirma Clô Orozco, da grife Huis<br />

Clos, que também <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o padrão atual <strong>de</strong> beleza das mo<strong>de</strong>los. “Há meninas que são<br />

magrinhas e saudáveis, mas o que tem <strong>de</strong> ficar claro, é que isso é para muito poucas. Não<br />

há dietas nem tratamentos milagrosos para isso. É preciso mais honestida<strong>de</strong>,<br />

principalmente quando estamos lidando com os sonhos e as ilusões <strong>de</strong> milhões <strong>de</strong><br />

meninas", <strong>de</strong>clara Eli Hadid, dono da agência Mega, umas das maiores do país.<br />

Segundo Décio Rastelli Ribeiro, presi<strong>de</strong>nte da Ford Mo<strong>de</strong>ls Brasil, em <strong>de</strong>poimento<br />

ao jornal Folha <strong>de</strong> S.Paulo (<strong>de</strong>z.2006): “Já teve mãe que chegou à agência oferecendo a<br />

filha para ser mo<strong>de</strong>lo e, diante do argumento que a altura <strong>de</strong>la era insuficiente, disse que a<br />

menina po<strong>de</strong>ria implantar prótese nas pernas. O mais comum é o caso das que prometem<br />

emagrecer até 15 quilos para que se encaixe no biótipo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo.”, afirmou o empresário.<br />

Maior celeiro <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los do planeta, ao lado <strong>de</strong> países da Europa Oriental, o Brasil<br />

reúne os principais pré-requisitos para alguém querer e po<strong>de</strong>r candidatar-se a ser uma top<br />

52


mo<strong>de</strong>l: “DNA e pobreza”. Sobre isso, acrescenta Ribeiro: “O mercado quer mo<strong>de</strong>los com<br />

biótipo europeu – no mínimo 172 centímetros <strong>de</strong> estatura e magra, bem magra. Mas uma<br />

menina que provém <strong>de</strong> uma família com posses terá mais dificulda<strong>de</strong>s para encarar a vida<br />

<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo, com cachês que começam na casa <strong>de</strong> <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> reais” diz o presi<strong>de</strong>nte da<br />

Ford.<br />

A indústria, que movimenta milhões e necessita das belda<strong>de</strong>s para divulgar seus<br />

produtos, abusa <strong>de</strong>ssa necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> as novas mo<strong>de</strong>los serem inseridas no fechado e<br />

concorrido mercado, no qual padrões e regras bem claras, <strong>de</strong>finidas e <strong>de</strong>fendidas pela<br />

maioria dos envolvidos no processo. No início, são oferecidos valores irrisórios, aceitos<br />

apenas por aquelas que realmente submetem-se a ser “exploradas”, por causa <strong>de</strong> uma<br />

necessida<strong>de</strong> e ou vonta<strong>de</strong>. Se a mo<strong>de</strong>lo fizer um editorial <strong>de</strong> moda, ou seja, ficar horas à<br />

disposição <strong>de</strong> fotógrafos e editores, receberá entre R$ 70,00 e R$ 80,00. A SPFW pagou,<br />

na última edição (jan.2007), em média R$ 400,00 por <strong>de</strong>sfile a essas “new faces” (novatas).<br />

Se <strong>de</strong>terminada marca <strong>de</strong> roupas ou acessórios quiser fazer <strong>de</strong>sfiles exclusivos para<br />

as clientes, o que se chama <strong>de</strong> “showroom”, então, a menina receberá <strong>de</strong> R$ 200,00 a<br />

R$ 400,00 por um dia inteiro <strong>de</strong> trabalho. Desse montante, a agência fica com 30%. Em<br />

contrapartida o preço a pagar por esse padrão estético é bem alto. Os jejuns e o uso <strong>de</strong><br />

laxantes, anfetaminas e inibidores <strong>de</strong> apetite são práticas constantes entre as tops. "Eu<br />

mesma já passei muitos dias sem comer por causa da cobrança <strong>de</strong> estar magra", afirma a<br />

top Isabela Fiorentino, que só pô<strong>de</strong> ganhar alguns quilos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> diminuir suas<br />

participações nas semanas <strong>de</strong> moda.<br />

Compreen<strong>de</strong>-se,então, a importância da forma <strong>de</strong> linguagem/gestualida<strong>de</strong> da<br />

apresentação corporal nas relações sociais; como afirma Featherstone (1993: 55) "é<br />

culturalmente codificada para operar como um indicador <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r social e prestígio".<br />

53


Aqui cabe, mais uma vez, referir Bourdieu que aponta para a linguagem<br />

corporal como mercadoria <strong>de</strong> distinção social. O consumo alimentar, cultural e a forma <strong>de</strong><br />

apresentação (incluindo vestuário, artigos <strong>de</strong> beleza, higiene e <strong>de</strong> cuidados e manipulação<br />

do corpo) são as três mais, importantes maneiras <strong>de</strong> distinguir-se<br />

Chega-se a crer que a moda (e gerações <strong>de</strong> escritores e milhões <strong>de</strong> jornais<br />

contribuíram para essa crença) é uma <strong>de</strong>usa misteriosa, a cujos <strong>de</strong>cretos <strong>de</strong>vemos<br />

obe<strong>de</strong>cer mais do que enten<strong>de</strong>r; pois, realmente, está implícito, que esses <strong>de</strong>cretos<br />

transcen<strong>de</strong>m toda compreensão humana ordinária do porquê da moda.<br />

A socieda<strong>de</strong> passa a nortear-se, consciente ou inconscientemente, pelas tendências<br />

e aplica-as no dia-a-dia, sejam elas no tocante à vestimenta, seja no padrão corporal, pois<br />

a ânsia <strong>de</strong> pertencer a socieda<strong>de</strong> está na razão direta <strong>de</strong> como os indivíduos se<br />

apresentam. Sempre atenta aos acontecimentos que envolvem e articulam a série <strong>de</strong><br />

interesses mercadológicos, a indústria cria, em volta <strong>de</strong>sse movimento, toda a infra-<br />

estrutura, objetivando aten<strong>de</strong>r aos interesses <strong>de</strong>ssa gran<strong>de</strong> massa <strong>de</strong> consumidores.<br />

“Com o surgimento primeiro da burguesia e <strong>de</strong>pois da <strong>de</strong>mocracia,<br />

a moda se espalhou inevitavelmente <strong>de</strong> cima para baixo, até que<br />

finalmente toda a comunida<strong>de</strong> ficou mais ou menos envolvida como no<br />

caso <strong>de</strong> quase todos os países progressistas <strong>de</strong> hoje em dia. Entretanto,<br />

surgiu um número <strong>de</strong> novas influências ten<strong>de</strong>ntes a manter a moda. Entre<br />

as mais importantes, figura uma <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>finidamente econômica, como<br />

a moda se espalhou, <strong>de</strong> cima para baixo, a todas as classes, gran<strong>de</strong>s e<br />

po<strong>de</strong>rosos interesses, comerciais ficaram envolvidos e gran<strong>de</strong>s indústrias<br />

foram construídas para abastecer o constante fluir dos novos trajes<br />

exigidos pela moda. Também isto cria um estímulo em ambos os extremos<br />

da escala da moda”. (FLÜGEL, 1996 :65)<br />

Há pouca dúvida <strong>de</strong> que a causa última e essencial resi<strong>de</strong> na competição;<br />

competição <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m social e sexual, na qual os elementos sociais são mais óbvios e<br />

manifestos; e os sexuais são mais indiretos, ocultos e não confessados, escon<strong>de</strong>ndo-se,<br />

como <strong>de</strong>vem, atrás dos sociais. É certo que a ornamentação tem um valor sexual e social e<br />

54


que as formas <strong>de</strong> ornamentação notáveis e atrativas (<strong>de</strong> acordo com o gosto prevalecente),<br />

são úteis tanto para fins <strong>de</strong> atração sexual como para símbolos <strong>de</strong> posição, riqueza ou<br />

po<strong>de</strong>r, pois seguem a convenção <strong>de</strong> que quanto mais refinado e <strong>de</strong>corativo o traje, mais<br />

alta a posição social do portador.<br />

Enquanto prevalecer o sistema <strong>de</strong> traje 'fixo', cada escala social contenta-se em usar<br />

o traje com o qual está associada. Quando as barreiras entre uma escala e outra se tornam<br />

insuperáveis, quando, em ternos psicológicos, uma classe começa a aspirar seriamente à<br />

posição da que está acima <strong>de</strong>la, é natural que os sinais e símbolos exteriores respectivos<br />

corram perigo.<br />

No grau <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento social em questão, os que estão em <strong>de</strong>terminado<br />

estrato social apren<strong>de</strong>ram não somente a admirar ,mas, como regra, também a invejar<br />

aqueles que lhes estão acima; ten<strong>de</strong>m, portanto, a imitá-los. Nesse aspecto, nada mais<br />

natural e, ao mesmo tempo, mais simbólico do que começar o processo <strong>de</strong> imitação<br />

copiando as roupas, a própria insígnia das admiradas e invejadas qualida<strong>de</strong>s.<br />

1.7. A imagem da <strong>Moda</strong><br />

A moda age tal qual veículo da imaginação. As utopias, tanto <strong>de</strong> direita como <strong>de</strong><br />

esquerda, que eram elas próprias imaginárias, implicavam o fim da imaginação, nesse<br />

mundo perfeito do futuro. Nunca existirá, no entanto, um mundo humano sem imaginação,<br />

que expresse o inconsciente sempre em busca <strong>de</strong> uma plenitu<strong>de</strong>. Toda a arte estabelece<br />

uma fantasia inconsciente; o espetáculo que é a moda é uma das estradas que levam do<br />

mundo interior ao mundo exterior. Daí a compulsivida<strong>de</strong>, daí a ambivalência, daí o imenso<br />

trabalho psicológico (e material) que entra na produção do Eu social, do qual as roupas são<br />

uma parte indispensável.<br />

55


Feito esse passeio investigativo, percebe-se que talvez a maior radicalida<strong>de</strong> da<br />

aparência esteja justamente na sua futilida<strong>de</strong> exacerbada, espetacular, pois são esses<br />

elementos que lhe garantem uma certa liberda<strong>de</strong> e, nesse sentido, sua eficácia como modo<br />

<strong>de</strong> expressão. Mas ainda assim se pergunta: <strong>de</strong> on<strong>de</strong> viria essa força, essa potência?<br />

Os dândis talvez sejam o melhor exemplo <strong>de</strong> apologia à estética. Vale a pena,<br />

portanto, analisar um pouco como eles se comportam. Voltados para o exterior, para o<br />

olhar do Outro e <strong>de</strong>les próprios, libertam-se da atração pela profundida<strong>de</strong> e substituem-na<br />

pela fachada. Celebram o belo e a estética como modo <strong>de</strong> vida, ética, i<strong>de</strong>ologia, moral. A<br />

tentativa do dândi consiste, em última instância, em exibir a maneira lúdica <strong>de</strong> viver, em que<br />

a estetização do homem, das coisas e das relações esteja sempre presente. A aparência —<br />

sobretudo bela — como condição <strong>de</strong> existência – eis o lema do dândi. Para aqueles que<br />

fizeram a opção pelo aspecto, a máscara acaba por se tornar a realida<strong>de</strong>. Acontece com a<br />

feição o que acontece com a fé, que nasce dos gestos que a mimam: à custa <strong>de</strong><br />

representar tal ou tal sonho, a pessoa torna-se o que ela apresenta. Assim, é inútil procurar<br />

o ‘verda<strong>de</strong>iro’ dândi atrás da máscara que o ‘Belo’ forja: o dândi está inteiro em sua<br />

aparência.<br />

Desse modo, po<strong>de</strong>-se arriscar dizer que a feição instaurada pela moda cresce em<br />

importância justamente porque parece só vir a radicalizar a noção <strong>de</strong> exteriorida<strong>de</strong><br />

enquanto a própria essência. A essência é ela mesma o que aparece, o que se dá a ver —<br />

a imagem.<br />

56


CAPÍTULO 02<br />

Desenvolvendo<br />

Normas<br />

“É a moda do traje,<br />

que mais forte<br />

influência tem sobre o<br />

homem,porque é aquela<br />

que esta mais perto do<br />

seu corpo e o seu corpo<br />

continua sendo a parte do mundo que mais<br />

interessa ao homem”<br />

Flávio <strong>de</strong> Carvalho<br />

57


2.1 O corpo <strong>de</strong>sejado<br />

CAPÍTULO 2<br />

DESENVOLVENDO NORMAS.<br />

Neste capítulo foram formuladas algumas hipóteses sobre a apreensão que temos<br />

com a representação e a forma dos corpos. A primeira questão a ser formulada é por que a<br />

cada dia, a numeração <strong>de</strong> roupas varia entre as marcas, que não obe<strong>de</strong>cem a um único<br />

padrão, tornando mais difícil encontrarmos em griffes uma peça do vestuário que esteja<br />

com mesma numeração? O tamanho M , por exemplo, po<strong>de</strong> apresentar medidas diferentes.<br />

Essa falta <strong>de</strong> padrão nas numerações das roupas confun<strong>de</strong> o consumidor.<br />

Outra questão refere-se à procura, à preocupação em estar na moda em relação a<br />

tamanhos <strong>de</strong>terminados por uma indústria que, até certo ponto, também busca respostas.<br />

O que estaria levando esses padrões, preestabelecidos, a ocuparem lugares tão<br />

<strong>de</strong>stacados nas socieda<strong>de</strong>s contemporâneas?<br />

Partindo do princípio <strong>de</strong> que utilizamos nossas formas corporais em um<br />

cotidiano corriqueiro e casual, obtemos um aproveitamento bastante amplo e intenso do<br />

emprego do corpo como forma <strong>de</strong> expressão. Esclareça-se que raiva, ódio e cólera já foram<br />

sentimentos atribuídos ao fígado, enquanto a inveja já esteve associada ao baço. No falar<br />

coloquial, cultuam-se várias expressões altamente significantes, todas elas relacionando<br />

partes do corpo a algo que se quer dizer ou significar, tais como: "amigo do peito", "coração<br />

mole", "<strong>de</strong>do-duro", "olho-gran<strong>de</strong>", "dar com a língua nos <strong>de</strong>ntes", "pé-frio", "sangue<br />

quente", entre outras.<br />

Ante isso, observa-se que poucas vezes o corpo é avaliado integralmente, <strong>de</strong> forma<br />

homogênea. O mais comum é segmentá-lo; dividir – à luz <strong>de</strong> critérios simbólicos ou<br />

58


classificatórios – suas diferentes partes que, assim, dão margem a representações<br />

variadas.<br />

A região superior é associada às funções mais relevantes. Na cabeça, encontra-se a<br />

face e nela a boca e os olhos, os órgãos mais expressivos para a comunicação humana ,<br />

marca da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da pessoa. Ainda na cabeça situa-se o crânio, se<strong>de</strong> do cérebro e da<br />

razão, justamente a faculda<strong>de</strong> que mais distingue homens <strong>de</strong> animais.<br />

A parte inferior do corpo reúne os órgãos consi<strong>de</strong>rados mais “animalescos” menos<br />

"dignos", são eles: os reprodutivos,os digestores e os excretores. Estes encontram-se,<br />

geralmente escondidos e dissimulados, assim como as funções a que correspon<strong>de</strong>m, posto<br />

que se aproximam ameaçadoramente da condição animal, da própria natureza. Caberia<br />

apontar aqui o emprego <strong>de</strong> nomes <strong>de</strong> animais – “cobra”, “aranha”, entre outros – dadas as<br />

similitu<strong>de</strong>s, quanto à forma ou aparência, estabelecida entre eles e os genitais masculino e<br />

feminino. Tal relação não é <strong>de</strong> todo arbitrária, uma vez que reforça e exprime essa<br />

associação entre reprodução e animalida<strong>de</strong>.<br />

Valeria a pena pensar um estudo meticuloso com o objetivo <strong>de</strong> avaliar as<br />

peculiarida<strong>de</strong>s atribuídas às variadas partes do corpo - superior e inferior, anterior e<br />

posterior - e os órgãos correspon<strong>de</strong>ntes, bem como as representações aí envolvidas,<br />

respeitando-se a distinção entre, a dimensão externa, que se oferece à visão e aos outros<br />

sentidos, e aquilo que lhe é interno, portanto fora do alcance da nossa imediata percepção.<br />

Um corpo intocado constitui um mero objeto natural, e, como tal, associado à<br />

animalida<strong>de</strong>. Assim, parece imperioso alterá-lo, segundo padrões culturalmente<br />

estabelecidos, para a afirmação da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> grupal específica. Em outras palavras, o<br />

corpo humano é submetido a um processo <strong>de</strong> humanização, e a sua experiência é sempre<br />

modificada pela cultura.<br />

59


A transformação a ele imposta varia <strong>de</strong> acordo com cada cultura e também conforme<br />

os diferentes segmentos sociais no interior <strong>de</strong> um mesmo grupo. Dentre essas<br />

transformações, a extração <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntes, amputação <strong>de</strong> membros, perfuração <strong>de</strong> órgãos,<br />

<strong>de</strong>formação <strong>de</strong> pés e crânios <strong>de</strong>spontam como as mais impressionantes. Respeitados<br />

certos limites, cada cultura <strong>de</strong>fine a beleza corporal à sua própria maneira. O mesmo ocorre<br />

com a classificação e com a avaliação das diferentes partes do corpo, além das<br />

<strong>de</strong>correntes associações estabelecidas entre tais partes e <strong>de</strong>terminados atributos, positivos<br />

ou negativos.<br />

Hoje o corpo indica a moda, antes era o contrário. Várias das características<br />

femininas, relacionadas à atrativida<strong>de</strong> e à sinalização sexual, têm sido acentuadas pela<br />

moda e cirurgia plástica - implantes <strong>de</strong> silicone, lipoaspiração, entre outras. Outrora as<br />

mulheres pu<strong>de</strong>ram obter a cintura fina com ajuda <strong>de</strong> corpetes. Em alguns casos, elas se<br />

amarraram tanto que chegavam a produzir compressão <strong>de</strong> costelas e outras <strong>de</strong>formida<strong>de</strong>s<br />

internas.<br />

Atualmente, ven<strong>de</strong>m-se meias-calças com enchimento, "a meia do bumbum",<br />

enquanto sutiãs com armação criam a impressão <strong>de</strong> seios firmes e arredondados, e os<br />

dotados <strong>de</strong> enchimento, que já estiveram mais em voga, aumentam-lhes o volume. A<br />

cirurgia plástica permite alterações ainda mais drásticas: recria a forma e a firmeza típicas<br />

<strong>de</strong> seios jovens, provoca aumenta por meio <strong>de</strong> inserção <strong>de</strong> silicone ou redução ao remover<br />

o que neles parece excessivo. Deixa <strong>de</strong> ser paciente, para tornar-se cliente.<br />

Algumas pesquisas empíricas foram realizadas visando esclarecer a relação<br />

entre capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atração e o tamanho dos seios. Gitter (1983) 11 entrevistou vários<br />

11<br />

Gitter, A. "Perception of Female Physique Characteristics by American and isracli stu<strong>de</strong>nts', jounal of Socíal<br />

Psycbology, 121, 7-13, 1983.<br />

60


homens e verificou que eles preferiam mulheres dotadas <strong>de</strong> seios gran<strong>de</strong>s, ao passo que<br />

para as mulheres eram mais favoráveis as mo<strong>de</strong>los com seios pequenos. No entanto, seios<br />

gran<strong>de</strong>s em mulheres obesas não são consi<strong>de</strong>rados atraentes pelos homens, como aponta<br />

Low (1979) 12 . Por sua vez, Kleinke & Staneski (1980) 13 verificaram que, segundo o<br />

julgamento <strong>de</strong> avaliadores <strong>de</strong> ambos os sexos, mulheres <strong>de</strong> seios pequenos foram<br />

<strong>de</strong>finidas como competentes, ambiciosas, inteligentes, morais e honestas, atribuindo-se<br />

características opostas àquelas <strong>de</strong> seios avantajados. As representações <strong>de</strong>ssas imagens<br />

são construídas o tempo todo.<br />

Uma pesquisa antropométrica encomendada há alguns anos, por uma empresa<br />

nacional fabricante <strong>de</strong> blue jeans, cujos mol<strong>de</strong>s seguiam à risca as medidas adotadas nos<br />

Estados Unidos, revelou que as brasileiras têm em média as pernas mais curtas e o quadril<br />

mais largo que as norte-americanas. Em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong>sses resultados, a empresa adotou<br />

um novo corte na confecção das calças jeans, que se tornaram assim mais confortáveis.<br />

Restaria encontrar uma boa explicação para essas diferenças anatômicas que parecem<br />

correspon<strong>de</strong>r à preferência dos brasileiros pelas mulheres <strong>de</strong> ná<strong>de</strong>gas mais salientes. No<br />

Brasil, mulheres <strong>de</strong> quadris largos são avaliadas como sensuais e "pari<strong>de</strong>iras".<br />

O progressivo <strong>de</strong>snudamento do corpo, em especial o feminino, está associado ao<br />

que a mídia chama freqüentemente <strong>de</strong> “culto ao corpo” – nada mais é do que a exaltação<br />

da beleza física em si, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> atributos morais. Hoje, essa busca pela<br />

beleza corporal alcança o mundo dos homens que também procura esculpir seus corpos,<br />

estimulados pelas mulheres.<br />

12<br />

B. S. Low, "Sexual Selection and Human Ornamentation", em N. A. Chagnon & W. irons (orgs.), Evolutionary<br />

Biology and Human Socíal Bebavior (North Seituate, MA: Duxbury, 110, 1979).<br />

13<br />

C. Kleinke e R. Staneski, 'First Impressions of Female Bust Size". Journal of Social Psycbology, 123-<br />

34,1980.<br />

61


O remapeamento e a supressão das áreas proibidas não-proibidas, a valorização e<br />

a erotização da topografia do corpo masculino pela mulher quebram tabus e criam uma<br />

espécie espaço <strong>de</strong> exaltação do físico belo – o culto ao corpo – comum aos dois sexos.<br />

Pelo menos na socieda<strong>de</strong> brasileira atual, uma das regiões mais valorizadas, na<br />

re<strong>de</strong>finição da topografia simbólica do corpo, é a bunda, eufemisticamente chamada <strong>de</strong><br />

“bumbum”, para tornar a expressão mais <strong>de</strong>glutível socialmente. No imaginário popular, a<br />

bunda é vista como “preferência nacional”, no plano estético erótico. Já nos Estados<br />

Unidos, a preferência é pelo seio volumoso que, segundo alguns críticos, po<strong>de</strong> <strong>de</strong>notar<br />

complexo <strong>de</strong> mama, a valorização <strong>de</strong> um dos pontos mais nobres do corpo da fêmea, que<br />

no fundo, associa-se à preservação da vida, via amamentação.<br />

Para usar metáfora <strong>de</strong> inspiração geográfico-espacial, enquanto a preferência norte-<br />

americana se situa no alto corporal e ao Norte do Equador, a brasileira se localiza no baixo<br />

corporal e ao Sul do Equador. Na caricatura paradisíaca <strong>de</strong>ste hemisfério, o dionisíaco<br />

reina e suplanta o apolíneo.<br />

Preferência nacional ou não, sustentada pela mídia ou não, a verda<strong>de</strong> é que a bunda<br />

constitui a região mais visada por esse processo <strong>de</strong> construção escultural do corpo -<br />

feminino e masculino - no Brasil urbano. O rebatizado semântico <strong>de</strong> ná<strong>de</strong>gas compõe um<br />

artifício simbólico <strong>de</strong> <strong>de</strong>sanirnalização <strong>de</strong>ssa parte do corpo. "Bunda" é vocábulo que<br />

substitui, no português do Brasil, o termo "rabo", <strong>de</strong> uso freqüente até hoje em Portugal e<br />

presente na própria mensagem publicitária divulgada pela mídia daquele país. No Brasil<br />

rural e urbano, o termo rabo, como sinônimo <strong>de</strong> “ná<strong>de</strong>gas", continuar a viver seletivamente<br />

apenas nos domínios da agressão verbal e do erótico grosseiro. Assim, é expressão <strong>de</strong><br />

rebaixamento moral do "outro", pois o lança para o plano animalesco.<br />

62


Em síntese, esses símbolos se <strong>de</strong>senham no amplo painel da miscigenação da<br />

população brasileira que, em seus fundamentos, é a permuta <strong>de</strong> caracteres biológicos entre<br />

corpos raciais distintos. Se essa não altera substancialmente o individuo, que continua,<br />

anatômica e fisiologicamente, <strong>de</strong>ntro dos limites corporais, atribui-lhe novos significados.<br />

Estes po<strong>de</strong>m ser negativos, ou po<strong>de</strong>m ser positivos. Esse processo se torna um dos<br />

dilemas <strong>de</strong>sta socieda<strong>de</strong> pluriracial como a brasileira, que oscila ambiguamente entre a<br />

pureza racial miscigenação, consi<strong>de</strong>rada por Paulo Freire como problema secular do país.<br />

Avaliada positiva ou negativamente, em termos circunstanciais ou não, teorizada ou<br />

apenas percebida superficialmente, a mistura das raças é um dos traços marcantes da<br />

população brasileira. Esse traço se impõe com força no cotidiano do povo e no imaginário<br />

nacional, marca as reflexões científicas e i<strong>de</strong>ológicas e serve <strong>de</strong> apoio para<br />

pronunciamentos políticos que reafirmam no exterior a imagem <strong>de</strong> um país on<strong>de</strong> o convívio<br />

interétnico é tolerante e até harmonioso.<br />

Nesse contexto <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> símbolos corpóreos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nacional, a loira é<br />

vista com ambigüida<strong>de</strong>: <strong>de</strong> um lado, simboliza o valorizado i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> oci<strong>de</strong>ntalização da<br />

socieda<strong>de</strong> brasileira, <strong>de</strong> outro, é algo estranho ao país autêntico e tropical, i<strong>de</strong>ntificada que<br />

é à paisagem populacional dos estados meridionais do Brasil .<br />

Essa i<strong>de</strong>ntificação estereotipada entre o tipo físico e a geografia brasileira ,<br />

diretamente ligada aos padrões <strong>de</strong> distribuição e fixação dos diferentes grupos étnicos pelo<br />

território, torna a loira um tipo estético da autêntica beleza brasileira. Seu reinado po<strong>de</strong> ser<br />

visto como capricho cíclico, questão <strong>de</strong> "moda" e, como tal, está se findando, pois chegou o<br />

momento <strong>de</strong> a morena reassumir o papel histórico do corpo que, com mais autenticida<strong>de</strong>,<br />

representa ou simboliza a mulher brasileira. Será? Só o tempo dirá, ou melhor, a mídia dirá!<br />

2.2 Isso é o meu corpo ?!<br />

63


Como afirmado anteriormente, o corpo intocado é objeto natural, muito próximo à<br />

animalida<strong>de</strong>. A i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> grupal específica estabelece-se por marcas <strong>de</strong>ixadas por:<br />

escarificações, perfurações, tatuagens e mesmo mutilações (circuncisão, extração <strong>de</strong><br />

clitóris). Estes são sinais <strong>de</strong> pertinência, <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> social, ao passo que assinalam a<br />

condição tida por autenticamente humana daqueles que as exibem.<br />

O corpo é a evidência que acompanha todo ser humano, do nascimento à morte, e<br />

é, contudo, finito, sujeito a transformações nem sempre <strong>de</strong>sejáveis ou previsíveis. Com o<br />

tempo, mudam-se:formas, peso, funcionamento e ritmo. Talvez. por isso mesmo, não seja<br />

certo que todos estejam completamente habituados e satisfeitos com o seu<br />

<strong>de</strong>senvolvimento.<br />

O corpo <strong>de</strong> cada um po<strong>de</strong> parecer extremamente familiar e concreto em certos<br />

momentos, porém, em outros, bastante <strong>de</strong>sconhecido e abstrato.<br />

Assim, diferentemente <strong>de</strong> estruturar uma história do corpo, talvez seja mais<br />

instigante e viável realizar investigações sobre algumas das ambições <strong>de</strong> governá-lo e<br />

organizá-lo, conforme interesses pessoais ou coletivos. Reitere-se que cada vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

manter o corpo sob controle, por exemplo, é constituída por fragilida<strong>de</strong>s e potências,<br />

expressando especificida<strong>de</strong>s e generalida<strong>de</strong>s culturais.<br />

O corpo e sua carnalida<strong>de</strong> talvez fossem o último lugar on<strong>de</strong> se aplicaria a idéia <strong>de</strong><br />

construção. Pensá-lo como organismo causa estranhamento especialmente pelo fato <strong>de</strong><br />

ele, em sua originalida<strong>de</strong>, ser um aparente reduto do imediatismo: é tudo o que temos e é<br />

através <strong>de</strong>le que vivemos a realida<strong>de</strong>. Logo só vai se caracterizar como algo realmente<br />

vivo quando o tomado como <strong>de</strong>sejável. Visto assim, como lugar mesmo do <strong>de</strong>sejo, ele é<br />

fruto <strong>de</strong> uma construção, pois – ao superar a dicotomia objetivo-subjetiva – inclui em si<br />

todas as topografias do inconsciente em sua complexa relação.<br />

64


A verticalida<strong>de</strong> não é apenas uma postura <strong>de</strong> humanização que marca a evolução<br />

<strong>de</strong> uma espécie, consi<strong>de</strong>rada singular a partir <strong>de</strong> outro processo evolutivo paralelo : o da<br />

humanização. Ela está estreitamente associada à vida, que suporta, como ritmo natural,<br />

breves períodos <strong>de</strong> quebra, expressos na posição escolhida pelo corpo, pelo menos na<br />

cultura oci<strong>de</strong>ntal, quando o homem está dormindo ou ortodoxamente, o ato sexual.<br />

A horizontalida<strong>de</strong>, por sua vez, é a negação do humano e da vida: é anti-humana,<br />

pois o homem ostenta a posição vertical como uma das características que o difere das<br />

outras, e é a negação da vida, porque, além <strong>de</strong> ser uma posição corporal inerte, esta<br />

impregnada <strong>de</strong> simbolismo ligado à morte.<br />

O homem, reduzido simbolicamente às proporções biológicas, transforma-se em<br />

"organismo". Os restos mortais, centro do complexo ritual <strong>de</strong> separação, que é o ritual<br />

funéreo, serão lavados, velados e, finalmente, sepultados. Em certas culturas , a chegada<br />

do cadáver ao velório, on<strong>de</strong> permanecerá na posição horizontal, faz-se <strong>de</strong> forma especial:<br />

o enunciador altera a postura e o tom da voz, procurando o tom <strong>de</strong> reverência que o<br />

homem na vertical <strong>de</strong>ve ter em relação ao homem na horizontal. É o corpo vivo<br />

proclamando e reverenciando o corpo morto. Nessa tradição cultural, estabelece-se uma<br />

ligação metafórica entre a morte biológica e a morte social, conduzida pela horizontalida<strong>de</strong>.<br />

Entre populações interioranas é corrente a expressão: "estar numa pindaíba<br />

danada". Essa frase indica a horizontalida<strong>de</strong> do indivíduo no plano social, usada para<br />

afirmar que a pessoa está "sem dinheiro", "com dificulda<strong>de</strong> financeira", na planície <strong>de</strong><br />

miséria, fora do circuito do ganho e do consumo, excluída das instâncias vitais que <strong>de</strong>finem<br />

uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> classes. Isso porque – antes do uso <strong>de</strong> caixão – a pindaíba era a<br />

ma<strong>de</strong>ira utilizada para sepultamentos, por ser fina, resistente e, ao mesmo tempo, flexível.<br />

65


Estendia-se o corpo horizontalmente em um lençol ou re<strong>de</strong>, sustentado por duas varas <strong>de</strong><br />

pindaíba, sobre os ombros dos vivos.<br />

Mudaram-se as formas <strong>de</strong> conduzir o indivíduo para a sepultura, mas conservou-se,<br />

no vocabulário, talvez até no imaginário popular, a forte união entre a morte biológica e a<br />

morte social, "horizontalizando" o pobre na estrutura social <strong>de</strong> hierarquias. O pó <strong>de</strong>ve tornar<br />

ao pó, isto é, o corpo <strong>de</strong>ve voltar a terra e <strong>de</strong>sfazer-se na natureza.<br />

O corpo era <strong>de</strong>finido por ser composto dos elementos da natureza, tais como: terra,<br />

água, fogo e ar, para os filósofos da Antiguida<strong>de</strong>. Entre eles temos há a figura <strong>de</strong> Platão,<br />

aquele que afirmou a existência <strong>de</strong> uma alma imortal, contraposto a um corpo que<br />

sucumbe. É nessa alma imortal, segundo Platão, que se encontra acoplada a inteligência<br />

do homem, em movimentos circulares e perfeitos, tal como os executados pelos astros<br />

celestes. Por isso ele consi<strong>de</strong>rava que um corpo doente não seria somente um resultado do<br />

<strong>de</strong>sequilíbrio entre os quatros elementos, como era visto antigamente, mas sim<br />

acrescentava a esse <strong>de</strong>sequilíbrio a existência da superiorida<strong>de</strong> da alma, imortal, sobre o<br />

corpo enquanto os elementos (terra, água, fogo e ar) permanecem integrantes dos corpos<br />

e da natureza. Ou seja, para Platão a apropriação entre o cosmo e a vida humana se<br />

modifica mas não é <strong>de</strong>sfeita 14<br />

Encontra-se essa apropriação também, na obra <strong>de</strong> um outro filósofo da Antiguida<strong>de</strong>:<br />

Aristóteles (384-322 a.C.). Filho <strong>de</strong> um médico e consi<strong>de</strong>rado o fundador do que mais tar<strong>de</strong><br />

se chamará biologia. Aristóteles falava que nos astros e nas pessoas adultas, não existia<br />

algo em potencial a ser atualizado, melhorado, mesmo sabendo que o homem é constituído<br />

<strong>de</strong> matéria e que esta po<strong>de</strong> resistir à perfeição.<br />

14 Platão, Diálogos: Banquete, trad. Direta do grego por Jorge Paleikat, 20. ed. RJ. Ediouro, 1996.<br />

66


Assim, para ele a vida adulta e perfeita não está associada aos movimentos dos<br />

astros, mas sim em relação aos atos próprios, pois a finalida<strong>de</strong> já foi atingida, ou seja, a<br />

forma adulta já foi alcançada. Isso significa dizer que, tanto o doente como o imaturo,<br />

precisaria locomover-se para alcançar a saú<strong>de</strong> ou a perfeição. Ele consi<strong>de</strong>rava a doença<br />

como aci<strong>de</strong>nte, não encontrando no homem a forma cadáver <strong>de</strong> Platão, mas dizia que o<br />

homem <strong>de</strong>veria caminhar em direção à perfeição.<br />

Este sumário texto não se propõe a <strong>de</strong>talhar o conjunto <strong>de</strong> tais diferenças (entre<br />

Platão , Aristóteles e até <strong>de</strong> Hipócrates) mas não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> sublinhar a importante<br />

idéia aristotélica <strong>de</strong> que a alma é a "forma" do corpo, o seu princípio dinâmico. A alma é,<br />

portanto, ligada ao corpo. E este, por sua vez, é composto <strong>de</strong> alma e matéria. Po<strong>de</strong>-se<br />

suspeitar que a alma se opõe muito mais à matéria do que ao corpo. Mas, mesmo assim, a<br />

matéria não existe sem a forma e esta não existe em estado puro.<br />

Se para Platão uma mesma alma podia vagar, passando <strong>de</strong> um corpo a outro, para<br />

Aristóteles, ao contrário, uma alma não existe sem um corpo e não se i<strong>de</strong>ntifica com<br />

qualquer corpo.<br />

“Enquanto a alma é pensada em termos positivos e dotada <strong>de</strong><br />

imortalida<strong>de</strong>, o corpo permanece mortal, aquilo que impe<strong>de</strong> o homem <strong>de</strong><br />

conquistar uma contemplação serena da vida. Consi<strong>de</strong>rado seu duplo<br />

vergonhoso, o corpo pa<strong>de</strong>ce e está fadado a pa<strong>de</strong>cer, pois, diferentemente<br />

da alma, está submetido aos ciclos naturais, as flutuações do <strong>de</strong>sejo, aos<br />

perigos da corrupção. Afirma-se uma concepção, que atravessará os<br />

séculos, na qual o humano tem um <strong>de</strong>stino original em relação à natureza,<br />

graças a sua alma imortal: Homem e natureza, tanto quanto alma e corpo,<br />

se afirmam como termos opostos.” (apud SANT’ANNA; 2006:13)<br />

O homem torna-se, assim, um ser que possui uma relativa in<strong>de</strong>pendência em<br />

relação ao cosmo, uma vez que possui <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si a verda<strong>de</strong>, ou seja, ele é munido <strong>de</strong><br />

alma. Seguindo esse raciocínio judaico-cristão, é através da alma, e não do corpo, que o<br />

homem po<strong>de</strong> ver Deus. Por conseguinte, na medida em que o corpo dificulta essa visão,<br />

67


ele ten<strong>de</strong> a ser execrado, consi<strong>de</strong>rado um obstáculo à <strong>de</strong>scoberta da verda<strong>de</strong> e à<br />

salvação.<br />

Ao buscar na raiz do termo Corpus, encontra-se o significado, em latim, que a<br />

matéria faz oposição à alma, por extensão po<strong>de</strong>-se enten<strong>de</strong>r o sentido <strong>de</strong> “cadáver”. A<br />

maioria das línguas mo<strong>de</strong>rnas conserva o mesmo significado.Na língua inglesa chama-se o<br />

corpo morto <strong>de</strong> corpse; em francês, utiliza-se a expressão levée du corps , como sinônimo<br />

<strong>de</strong> “encomendar o <strong>de</strong>funto”; na língua portuguesa, toda vez que ouvimos a expressão: “o<br />

corpo está sendo velado" compreen<strong>de</strong>mos sem dificulda<strong>de</strong> o sentido <strong>de</strong>ssa frase.<br />

Ao utilizar a palavra corpus para passar a indicar objetos materiais, distancia-se do<br />

que se refere a “animado” ou “inanimado” ,isto é, em oposição àquilo que os sentidos<br />

humanos não po<strong>de</strong>m captar. Em sua raiz indo-européia, krp, significa "forma", e em certos<br />

contextos continua nomeando o "cadáver", a matéria e as substâncias dotadas <strong>de</strong> um<br />

artifício <strong>de</strong> organicida<strong>de</strong>, sentido que se mantém, aliás, nas línguas mo<strong>de</strong>rnas, quando se<br />

fala em "corpo <strong>de</strong> assistentes, corpo <strong>de</strong> bombeiros"; "corporação"; em "corporeida<strong>de</strong>".<br />

Para o Oci<strong>de</strong>nte cristão e her<strong>de</strong>iro do pensamento grego, o corpo surge num jogo<br />

semântico com sua sombra - alma, consciência, espírito - instaurando uma obstinada<br />

dicotomia que continua a investir no saber mais espontâneo sobre o mundo, dos mais<br />

remotos tempos até os mais mo<strong>de</strong>rnos.<br />

Esse percurso filosófico vem dos medievais a Descartes, embora este último tenha<br />

sido a vítima exemplar <strong>de</strong> uma curiosa ironia: tornou-se ponto <strong>de</strong> partida <strong>de</strong> uma cisão<br />

radical. Quando suas Meditações alcançam o momento em que se torna possível enunciar,<br />

enfim, a união estreita entre alma e corpo, o fundador da filosofia do cogito – para a<br />

mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> – foi o divisor entre a "coisa dotada <strong>de</strong> extensão" e a "coisa pensante". Aos<br />

discípulos pareceria cada vez mais difícil compreen<strong>de</strong>r a união da alma <strong>de</strong> natureza<br />

68


espiritual ao corpo que não passava <strong>de</strong> algo apenas mundano. E, quando o corpo não é<br />

consi<strong>de</strong>rado não mais a se<strong>de</strong> da alma, nem a morada da subjetivida<strong>de</strong>, mas principalmente<br />

sua expressão mais autêntica e real, é somente por meio <strong>de</strong>le que se colocam em<br />

evidência as intenções e as forças <strong>de</strong> cada ser humano.<br />

“Nessa situação, o corpo é escolhido como lugar <strong>de</strong> explorações e<br />

experiências as mais diversas porque é consi<strong>de</strong>rado a "última posse que<br />

resta ao indivíduo, ou o único território no qual o ser humano po<strong>de</strong> exercer<br />

a sua liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> transformação. Numa cultura que reconhece as<br />

pessoas a partir daquilo que elas possuem e daquilo que elas conseguem<br />

acessar, ter um corpo e suas "senhas" <strong>de</strong> acesso, representa uma riqueza<br />

invejável. Por isso, é preciso ostentar isto que se tem, frisar a posse, para<br />

si e para os outros. É preciso acreditar que o corpo que "se tem" é <strong>de</strong> fato<br />

totalmente possuído por seu proprietário, completamente disponível diante<br />

<strong>de</strong> suas vonta<strong>de</strong>s e sonhos. Uma das melhores provas <strong>de</strong> que "se tem<br />

totalmente o corpo que se é" talvez seja exibir uma aparência que<br />

coinci<strong>de</strong> completamente com o que se <strong>de</strong>seja a cada momento. Nesse<br />

caso, qualquer distância entre o que se quer do corpo e o que ele é tornase<br />

um gran<strong>de</strong> problema, uma fonte <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontrole e <strong>de</strong> sofrimento”(<br />

SANT’ANNA; 2006: 19)<br />

É possível questionar, então, se toda manipulação do corpo guarda vínculo com a<br />

idéia primitiva <strong>de</strong> sacrifício?<br />

Acredita-se que essa forma sacrifical esteja ligada à invasão do corpo pelas<br />

tecnologias recentes, ensejadas e viabilizadas pelas técnicas digitais. Se a estética for<br />

assinalada não como relação com a beleza, mas, sim, como a relação com o mundo dos<br />

objetos, po<strong>de</strong>-se dizer que há estetização do espaço tecnológico. É no bojo <strong>de</strong>ssa<br />

estetização que ressurge a forma sacrificial.<br />

Na contemporaneida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os estudos, inseridos na Biologia aos da Tecnologia<br />

da Informação, observa-se a noção <strong>de</strong> matéria como forma viva, organismo complexo,<br />

sistema or<strong>de</strong>nado por circunstâncias relacionadas entre si. Compartilha-se um momento<br />

em que o corpo natural e o artificial confluem e a ciência torna a comunicação entre o<br />

cérebro e o computador uma via <strong>de</strong> mão dupla.<br />

69


No cotidiano, as relações com os “eventos do mundo” são cada vez mais mediadas,<br />

interfaceadas pelas máquinas. O corpo tem uma função híbrida, torna-se campo <strong>de</strong><br />

passagens entre elementos orgânicos e sintéticos, estrutura fluída, dinâmica, como<br />

comunida<strong>de</strong> em que todos os elementos acionam intercâmbios, ou mesmo como ambiente<br />

capaz <strong>de</strong> ser transformado e mo<strong>de</strong>lado.<br />

Barthes (1998: 65), por acreditar que realmente existem vários corpos, afirma:<br />

(...) na verda<strong>de</strong>, notamos que várias disciplinas e ciências abordam<br />

um certo corpo humano, e que esses corpos dificilmente se comunicam.<br />

Hoje, o corpo humano parece um objeto científico tão heteróclito como era<br />

a linguagem no início do século passado quando uma gran<strong>de</strong> lingüística<br />

como Saussure conseguiu reunir vários pontos <strong>de</strong> referência.<br />

Excetuada a clonagem, que seria uma classe especial <strong>de</strong> manipulação por se<br />

constituir um mo<strong>de</strong>lamento do código que dá origem ao corpo, po<strong>de</strong>mos nomear três<br />

categorias <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lamento tecnológico: da or<strong>de</strong>m funcional, <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m artística e <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />

estética. Logo, há vários corpos em um só.<br />

A manipulação <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m funcional seria caracterizada pelas intervenções cirúrgicas<br />

(também uma forma <strong>de</strong> remo<strong>de</strong>lamento) e por instalações <strong>de</strong> próteses operacionais que<br />

visam corrigir, re-educar, reparar ou mesmo efetuar uma manutenção orgânica.<br />

O engendrar <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m artística assume <strong>de</strong> forma radical a idéia do corpo como<br />

construção e trabalha na fronteira entre arte, medicina e novas tecnologias; usa-o como<br />

suporte mesmo da expressão, como se não houvesse mais mediação entre o artista e sua<br />

obra.<br />

A manipulação <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m estética, que po<strong>de</strong> ser chamada também <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />

cosmética, compreen<strong>de</strong>ria as intervenções cirúrgicas e os programas <strong>de</strong> treinamento<br />

(apoiados ou não por substâncias químicas) que, visando a um mo<strong>de</strong>lamento da imagem<br />

70


da pessoa em função <strong>de</strong> uma pretensa inclusão sociocultural, terminam por impor a<br />

anulação do sujeito e sua objetificação 15 .<br />

Este mo<strong>de</strong>lamento e essas próteses <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m estética são imposições <strong>de</strong> forças<br />

externas ao sujeito, ou seja, <strong>de</strong>mandadas pelo outro, quer para obter um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

perfeição imposto pela mídia, quer para aten<strong>de</strong>r a conjunção cultural que estabelece<br />

tendências e modismos.<br />

Aparentemente uma resposta ao <strong>de</strong>sejo do próprio sujeito, essa manipulação tem –<br />

em última instância – a pretensão <strong>de</strong> escapar às tramas lingüísticas nas quais corpo e<br />

<strong>de</strong>sejo se enredam, como se o <strong>de</strong>sejo mesmo pu<strong>de</strong>sse ser fixado e objetivado. Essa<br />

relação mais se aproxima daquele modo sacrifical <strong>de</strong> viver, sem po<strong>de</strong>r assumi-lo, porque<br />

sem os rituais, sem os mitos, não há mais os meios para tal.<br />

2.3 A moda e o comportamento.<br />

Diante do ser humano multifacetado <strong>de</strong>sse século, surge a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

compreen<strong>de</strong>r o comportamento do consumidor <strong>de</strong> moda e como este faz suas escolhas<br />

<strong>de</strong>ntro do campo da moda.<br />

O comportamento <strong>de</strong> compra do consumidor é influenciado por fatores <strong>de</strong> cunho<br />

cultural, social, pessoal e psicológico. Para Blackwell (1998:7) "o comportamento do<br />

15 Filos. Nas correntes dialéticas contemporâneas, momento em que o homem faz a dissociação entre o<br />

produzir, que lhe é peculiar, e o produto, <strong>de</strong> forma que o possa conhecer, e torná-lo objeto da sua consciência.<br />

(MICHAELIS, 1998: 1473)<br />

71


consumidor é <strong>de</strong>finido como as ativida<strong>de</strong>s que as pessoas se ocupam quando obtêm,<br />

consomem e dispõem <strong>de</strong> produtos e serviços”.<br />

Hoje, com a globalização <strong>de</strong> mercados, o <strong>de</strong>safio das empresas é criar uma<br />

vantagem competitiva para diferenciar os produtos uns dos outros e aten<strong>de</strong>r nichos<br />

específicos <strong>de</strong> mercado. Ao ven<strong>de</strong>r um produto, ven<strong>de</strong>-se também um conjunto <strong>de</strong> valores,<br />

expectativas e emoções. Os simbolismos agregados aos produtos estão apoiados tanto em<br />

aspectos funcionais como em aspectos afetivos e subjetivos. Os consumidores buscam<br />

produtos compatíveis com suas expectativas e <strong>de</strong>sejos; e que ao mesmo tempo sejam<br />

congruentes com sua auto-imagem. Deste modo, o caráter simbólico dos produtos<br />

possibilita aos consumidores criarem diferentes significados e utilizar tais produtos como<br />

meio <strong>de</strong> comunicação.<br />

“De modo geral, o consumidor <strong>de</strong> moda apren<strong>de</strong> que diferentes<br />

papéis são acompanhados por produtos e ativida<strong>de</strong>s que ajudam a <strong>de</strong>finir<br />

esses papéis. Do mesmo modo que acontece com um ator, ele precisa do<br />

figurino e da locação exata para situar-se no mundo em que vive ou no<br />

qual se projeta. Então ten<strong>de</strong> a comprar um tipo <strong>de</strong> roupa que reflita seu<br />

papel e posição na socieda<strong>de</strong>, ou seja, escolhe produtos que <strong>de</strong>monstrem<br />

seu status: a maneira como cobre seu corpo, enfim, funciona como uma<br />

espécie <strong>de</strong> escrita que vai registrando que esse indivíduo é e como vive sua<br />

vida". (Garcia e Miranda, 2005:26)<br />

Muitas vezes, os produtos passam a ser vistos como extensões dos usuários porque<br />

são percebidos como constituintes da própria i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses indivíduos. Munidas <strong>de</strong><br />

seus objetos, muitas pessoas sentem que estão preenchidas ou que eles até<br />

complementam partes pouco <strong>de</strong>senvolvidas <strong>de</strong> sua personalida<strong>de</strong>. Elas se apóiam nas<br />

associações simbólicas ao se apo<strong>de</strong>rarem dos produtos. Estes servem como auxiliares<br />

para <strong>de</strong>sempenharmos os diversos papéis exigidos no dia-a-dia. Segundo apontam Garcia<br />

e Miranda (2005: 73):<br />

72


“Se os consumidores não são orientados apenas pelo aspecto<br />

funcional <strong>de</strong> vestimentas e adornos, torna-se evi<strong>de</strong>nte que seu<br />

comportamento é significativamente afetado pela i<strong>de</strong>ntificação entre eles e<br />

os bens que buscam adquirir. Uma vez que os consumidores usam a moda<br />

para representar tipos sociais específicos e formar senso <strong>de</strong> afiliação ou<br />

<strong>de</strong>sassociação com a construção <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> por eles i<strong>de</strong>alizada,<br />

po<strong>de</strong>mos concluir que o uso proeminente da moda é <strong>de</strong>senvolver senso <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> pessoal".<br />

Conhecer o cliente nos seus <strong>de</strong>talhes é uma alternativa para garantir a permanência<br />

num cenário tão competitivo como o atual. As empresas que buscam a<strong>de</strong>quar-se às novas<br />

tendências têm colocado-o como foco.<br />

Para enten<strong>de</strong>r o mercado consumidor também é importante compreen<strong>de</strong>r os códigos<br />

culturais e os sistemas <strong>de</strong> signos. O fracasso <strong>de</strong> alguns produtos <strong>de</strong>ve-se ao fato <strong>de</strong> não se<br />

levar em consi<strong>de</strong>ração as expectativas <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada cultura.<br />

Saber perceber os sinais emitidos pelos clientes po<strong>de</strong> ser a chave para o sucesso <strong>de</strong><br />

uma empresa. Para Castilho e Martins (2005:33), a proposta <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> qualquer traje<br />

como "discurso” é instaurado com base na percepção do meio circundante que consegue<br />

imprimir nessa criação as qualida<strong>de</strong>s ou problemáticas <strong>de</strong> seu tempo, que respon<strong>de</strong>m a<br />

uma maneira <strong>de</strong> o sujeito integrar-se ao universo <strong>de</strong> valores até então estabelecidos.<br />

Então, as tendências <strong>de</strong> moda não são construídas no vácuo. Elas vão ao encontro<br />

das expectativas sociais e culturais. Hoje, a moda, além do caráter funcional, agrega valor<br />

aos seus produtos pelos simbolismos incutidos nos itens em voga. Os consumidores<br />

sentem-se impelidos a consumir não pelo produto em si, mas pelo conteúdo que significa. É<br />

nesse sentido que se po<strong>de</strong> assinalar a importância do estudo do comportamento do<br />

consumidor no do campo da moda, assim como, do contexto sócio-histórico no qual este<br />

está inserido. Ao buscar conhecer as aspirações dos compradores, as empresas aten<strong>de</strong>m<br />

expectativas, valores e fantasias <strong>de</strong>les.<br />

73


"O conhecimento preciso da evolução do contexto econômico,<br />

social e político <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada socieda<strong>de</strong> é necessário à<br />

compreensão da distribuição estatística dos diferentes itens <strong>de</strong> consumo. A<br />

antecipação da evolução das necessida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>sejos, no meio <strong>de</strong>ssa<br />

comunida<strong>de</strong>, permite o estabelecimento das regras dinâmicas da evolução<br />

<strong>de</strong>sse esquema". (Allerrés; 2000:63)<br />

Logo, os indivíduos utilizam o vestuário como forma <strong>de</strong> comunicação, <strong>de</strong> estabelecer<br />

um diálogo com os outros e com o mundo. Encontra-se no corpo uma forma <strong>de</strong> construir<br />

linguagem, seja através do vestuário ou <strong>de</strong> outros itens <strong>de</strong> consumo que incorporamos no<br />

nosso repertório comunicacional.<br />

“O sujeito, por meio do corpo como suporte e meio <strong>de</strong> expressão,<br />

revela uma necessida<strong>de</strong> latente <strong>de</strong> querer significar, <strong>de</strong> reconstruir-se e<br />

recriar-se por meio <strong>de</strong> artifícios ‘inéditos’, geradores <strong>de</strong> novas significações<br />

e <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>adores <strong>de</strong> um estado <strong>de</strong> conjunção e disjunção com os<br />

valores pertinentes a sua cultura”. (CASTILHO;2004:50)<br />

Portanto a moda busca propor novas formas <strong>de</strong> re<strong>de</strong>senhar o corpo e <strong>de</strong> utilizarmos<br />

os simbolismos agregados aos produtos; que se modificam e se atualizam <strong>de</strong> acordo com o<br />

contexto social, histórico e econômico <strong>de</strong> cada época.<br />

A moda é composta por um intrincado sistema <strong>de</strong> códigos que serve como<br />

sustentáculo para as diversas representações da subjetivida<strong>de</strong> do homem mo<strong>de</strong>rno. A<br />

relevância da publicida<strong>de</strong> nesse contexto tem uma razão clara. Na própria estrutura<br />

implicativa do seu discurso encontra-se a imbricação total entre processos <strong>de</strong> mediação<br />

social e processos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação imaginária. A função econômica dsse agente <strong>de</strong><br />

mediação entre consumidores e produtores submete-se a uma função social <strong>de</strong> integração<br />

dos sujeitos e <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>sejos, por meio da criação <strong>de</strong> sistemas simbólicos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s<br />

e diferenças, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se segue o caráter eminentemente implicativo da imagem publicitária,<br />

imagem esta <strong>de</strong> partilha e persuasão do comportamento <strong>de</strong> consumo que acaba por<br />

influenciar o modo geral <strong>de</strong> nossas escolhas <strong>de</strong> objeto.<br />

74


Preocupado em <strong>de</strong>nunciar o consumo como o elemento central e redutor das<br />

socieda<strong>de</strong>s capitalistas, Baudrillard (1985 141) consi<strong>de</strong>ra beleza corporal um signo com<br />

valor <strong>de</strong> troca. "A ética da beleza, que também é a da moda, po<strong>de</strong> <strong>de</strong>finir-se como a<br />

redução <strong>de</strong> todos os valores concretos e dos valores <strong>de</strong> uso do corpo (energético, gestual e<br />

sexual) , ao único valor <strong>de</strong> permuta funcional que , na sua abstração, resume por si só a<br />

idéia <strong>de</strong> corpo glorioso e realizado".<br />

A <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nada preocupação por adquirir, a qualquer preço, equipamentos,<br />

veículos, objetos da propaganda alucinada; a ansieda<strong>de</strong> para ser bem-visto e acatado no<br />

meio social; o tormento para vestir-se <strong>de</strong> acordo com a moda exigente; a inquietação para<br />

estar bem informado sobre os temas sem profundida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada momento transtorna os<br />

equilíbrios emocionais da criatura, arrojando-a aos abismos da perda da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, à<br />

<strong>de</strong>sestruturação pessoal, à confusão <strong>de</strong> valores.<br />

Aprofundando-se no exame <strong>de</strong> valores, distingue-os, passando a viver conforme os<br />

padrões que estabelece como indispensáveis às metas que persegue, porquanto preten<strong>de</strong><br />

constituir-lhe a felicida<strong>de</strong>. Gerando instabilida<strong>de</strong> entre o que <strong>de</strong>monstram e aquilo que são<br />

realmente, surge o pavor <strong>de</strong> serem vencidas, <strong>de</strong>ixadas à margem, <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>radas. O<br />

mecanismo <strong>de</strong> fuga da luta sem quartel apresenta-se como alternativa saudável, por<br />

poupar esforços que lhes pareçam inúteis, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não se sintam inclinadas a usar dos<br />

mesmos métodos <strong>de</strong> que se crêem vítimas.<br />

É mito dizer que se está à vonta<strong>de</strong> com o corpo. O individuo imagina e sonha<br />

possuir um corpo perfeito, segundo os próprios arquétipos míticos ou romanescos. Ao<br />

constatarmos a realida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>seja algo mais, logo, i<strong>de</strong>aliza um novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> corpo.<br />

Po<strong>de</strong>-se perguntar quem é esse ser i<strong>de</strong>alizado? Esses homens comuns a todos os<br />

75


outros? Talvez, no sentido em que se trata, do homem fantasioso que respon<strong>de</strong> às<br />

imagens pela assimilação.<br />

“Este i<strong>de</strong>al oferece um invólucro completo para o corpo, que não<br />

obstante é feito <strong>de</strong> partes separadas, dispostas em camadas e<br />

<strong>de</strong>stacáveis. Os braços, pernas e tronco são visivelmente indicados mas<br />

não firmemente unidos, <strong>de</strong> modo que os movimentos amplos do tronco ou<br />

dos membros não exercem esforços inconvenientes nas costuras ou nos<br />

colchetes, e as reentrâncias e saliências da superfície do corpo são<br />

harmoniosamente encobertas, e nunca enfaticamente mo<strong>de</strong>ladas. Os<br />

elementos separados da roupa recobrem um ou outro em vez <strong>de</strong> estarem<br />

vinculados; <strong>de</strong>ste modo, uma gran<strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> física torna-se possível<br />

sem que haja lacunas inconvenientes na composição. Desta maneira, a<br />

roupa toda po<strong>de</strong> ajustar-se naturalmente quando o corpo pára <strong>de</strong><br />

movimentar-se, e sua forma é reassumida sem um arremesso rápido ou<br />

um esforço repentino, contudo, uma posição <strong>de</strong>scontraída, lânguida, fará<br />

com que a indumentária transforme seu ajuste fácil em dobras casuais<br />

atraentes que formam um conjunto fluido gracioso para o corpo relaxado, e<br />

que também obedientemente reassumem uma forma suave se a pessoa<br />

que a está vestindo levantar-se rapidamente e ficar ereta”.<br />

(Hollan<strong>de</strong>r;1996:18)<br />

Anne Hollan<strong>de</strong>r (1996) acredita que a evolução do traje contemporâneo mostrou<br />

como a forma visual po<strong>de</strong> ter autonomia, força simbólica e emocional. Essa é a crença<br />

mo<strong>de</strong>rna; e o próprio modo como os ternos atuais se apresentam expressa esse raciocínio.<br />

Ele é interpretado por seu caráter formal intrinsecamente abstrato, junto com caráter<br />

evolutivo permanente - a aparência individual, ainda que o estilo se mantenha ligeiramente<br />

mutável. Há uma mensagem <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> puramente formal, mesmo com toda a<br />

fragmentação, ainda propicia aparentemente a uma satisfação profunda no mundo<br />

contemporâneo. Po<strong>de</strong>-se acreditar que isso seja a fantasia da forma mo<strong>de</strong>rna como agente<br />

material apropriado da beleza e força da sexualida<strong>de</strong> positiva.<br />

Para levar em conta todos estes aspectos ao mesmo tempo, as regras mo<strong>de</strong>rnas do<br />

material do <strong>de</strong>sign sugerem que linhas, formas e volumes, quaisquer que sejam suas<br />

76


combinações, <strong>de</strong>vem produzir um mo<strong>de</strong>lo visual <strong>de</strong> coerência dinâmica e integrida<strong>de</strong>, e não<br />

um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> aparência complexa, ou <strong>de</strong> força bruta.<br />

Para obter-se um impacto realmente efetivo, todos os adornos <strong>de</strong>veriam integra a<br />

composição em seu todo; totalida<strong>de</strong> essa apresentada <strong>de</strong> modo franco, sem subterfúgios<br />

Muito antes da época da moda industrializada, movimentos estilísticos no vestuário<br />

oci<strong>de</strong>ntal estavam <strong>de</strong>sfrutando uma importância emocional profunda, oferecendo um<br />

mo<strong>de</strong>lo visual dinamicamente poético para as vidas dos indivíduos, e tornando a moda<br />

oci<strong>de</strong>ntal amplamente obrigatória em todo o mundo. Com globalização, ela agora atrai<br />

civilizações que nunca tiveram uma história <strong>de</strong> ciclos <strong>de</strong> moda e tinham orgulho disto. O<br />

consumo auxilia o indivíduo a i<strong>de</strong>ntificar no seu comportamento a diferença entre o<br />

supérfluo e a necessida<strong>de</strong>.<br />

O esforço psicológico em fazer escolha <strong>de</strong> acordo com a moda é, para muitos,<br />

repulsivo. A escolha pessoal tem a mesma compreensão limitada para todos, e as<br />

revelações inconscientes são mínimas. Pessoas que se sentem <strong>de</strong>sconfortáveis em<br />

assumir culpa pela própria exteriorida<strong>de</strong>, que temem as exigências puramente visuais da<br />

vida social - "aparência" - ou não confiam na <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> seu próprio gosto sentem-se<br />

ameaçadas e manipuladas pela moda, e chamam-na <strong>de</strong> tirana.<br />

Foi com o incremento <strong>de</strong> tais mecanismos que o vestuário tornou-se uma arte.<br />

Des<strong>de</strong> então a roupa tem entrado em acordo com as formas naturais para criar uma<br />

seqüência vital em seu próprio meio. Entretanto, na moda, parte do meio é sempre o<br />

indivíduo sofrendo a experiência da vida. Sendo que, para ser Eu, tenho que possuir. Ter.<br />

Diferentemente <strong>de</strong> qualquer outra coisa no mundo material, o traje <strong>de</strong>ve lidar com o corpo<br />

<strong>de</strong> cada indivíduo. As vestes que estão na moda po<strong>de</strong>m fazer com que o corpo se refira a<br />

77


partes <strong>de</strong> si mesmo e a outras versões vestidas e assemelhar outros objetos a essas<br />

partes.<br />

Po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>sejar usar camisas <strong>de</strong> gola aberta, ou mesmo sem gola, e abandonar a<br />

gravata, usar o cabelo comprido e <strong>de</strong>ixá-lo fluir ou <strong>de</strong>smazelar-se, <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar a barba mal-<br />

escanhoada no queixo, <strong>de</strong> vestir novas versões mais soltas <strong>de</strong> peças <strong>de</strong> vestuário<br />

antigamente bem mais justas, <strong>de</strong> adotar versões <strong>de</strong>stoantes do que se costumava<br />

combinar. A justificativa, consciente, <strong>de</strong>sses atos é sempre fácil; eles estão associados com<br />

a liberda<strong>de</strong> individual, honestida<strong>de</strong> e conforto físico.<br />

Realizados usualmente no espírito permanente <strong>de</strong> subversão estética - são<br />

movimentos ativos em direção à mudança pelo amor ao novo – e não afastamentos<br />

raivosos das férreas exigências do figurino.<br />

Essa moda – i<strong>de</strong>ntificada com liberda<strong>de</strong> e conforto – tão severa em relação à<br />

<strong>de</strong>senvoltura quanto o é em relação à <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m, e lenços frouxamente amarrados e o grau<br />

exato <strong>de</strong> barba malfeita é muitas vezes muito mais difícil <strong>de</strong> administrar do que as gravatas<br />

formais e um rosto bem-barbeado.<br />

Ela foi gradualmente percebida <strong>de</strong> outra forma, e logo pareceu ser, em sua maior<br />

parte, um domínio fútil das mulheres, que a criavam e a consumiam. Como a moda<br />

feminina consistia, mais e mais, em efeitos efêmeros, havia algo na idéia, embora ninguém<br />

<strong>de</strong>sprezasse os excelentes resultados, obtidos por elas, na confecção <strong>de</strong> bordados e laços;<br />

não importasse para que sexo fosse confeccionado. Hollan<strong>de</strong>r reitera que – para a figura<br />

vestida - simplificações análogas eram imperativas para ambos os sexos.<br />

“Certamente as roupas haviam começado a parecer diferentes ao<br />

acompanhar a modificação inicial sobre o que se acreditava a respeito <strong>de</strong><br />

ambos o sexo, mas foi sob a influência <strong>de</strong> uma nova mudança radical no<br />

estilo visual que o olhar coletivo voltado para a forma foi abruptamente<br />

reeducado”. (Hollan<strong>de</strong>r;1996:110)<br />

78


A estrutura fundamental do corpo foi re<strong>de</strong>scoberta. O sistema <strong>de</strong> membros, cabeças,<br />

músculos, peitos, barrigas e traseiros harmoniosos claramente <strong>de</strong>lineados, aperfeiçoado na<br />

escultura antiga, foi adotado como a mais autêntica visualização do corpo, a verda<strong>de</strong>ira<br />

realida<strong>de</strong> da anatomia natural, a forma platônica. O traje, em vez <strong>de</strong> ignorar a maior parte<br />

do corpo real, como vinha fazendo há muito tempo, seria obrigado a indicar uma nova<br />

compreensão <strong>de</strong>sses fatos anatômicos "naturais" re<strong>de</strong>scobertos. Como sempre, o vestuário<br />

mostrado pela arte tomou a dianteira.<br />

2.4 A cozinha do coser e a falta <strong>de</strong> padrões.<br />

Pouco se sabe sobre a criação das tabelas <strong>de</strong> medidas utilizandas como referência<br />

à antropometria do corpo. Um dos primeiros relatos refere-se a H. Guglielmo Campaign, um<br />

alfaiate francês do século XIX, que elaborou um quadro comparativo das transformações do<br />

corpo humano durante a vida, estudando <strong>de</strong> forma matemática como ocorriam essas<br />

transformações, da infância à velhice.<br />

Partindo do princípio <strong>de</strong> que a mo<strong>de</strong>lagem <strong>de</strong>veria seguir, então, uma medida<br />

referencial, Guglielmo estabeleceu as medidas <strong>de</strong> tórax para os homens e <strong>de</strong> busto para as<br />

mulheres, como padrão referencial para o traçado <strong>de</strong> uma mo<strong>de</strong>lagem, uma vez que essas<br />

medidas eram as que menos alterações sofriam em relação ao número <strong>de</strong> pessoas<br />

estudadas, mesmo se tratando <strong>de</strong> pessoas <strong>de</strong> diferentes regiões.<br />

A continuação <strong>de</strong>sses estudos no mesmo século, trouxe a projeção do que seria a<br />

escala <strong>de</strong>sses tamanhos, assim como a referência <strong>de</strong> aumento em relação às medidas<br />

circunferenciais que seriam estabelecidas em um aumento padrão <strong>de</strong> quatro centímetros <strong>de</strong><br />

um tamanho para outro. Número esse respeitado até hoje.<br />

Entre o fim do século XIX e início do século XX, já se podia encontrar vendas <strong>de</strong><br />

roupas por catálogo, projetando, então, os estudos realizados sobre as tabelas <strong>de</strong> medidas.<br />

79


Somente na década <strong>de</strong> 1960, com o surgimento do prêt-à-porter, é que foi sentida<br />

a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudar mais profundamente o assunto. As tabelas <strong>de</strong> medidas usadas<br />

até então eram insatisfatórias e percebeu-se que variavam muito <strong>de</strong> um país para o outro.<br />

Com origem na Suécia, em 1968 16 , foi realizado um estudo antropométrico mundial,<br />

cuja conclusão foi que as padronizações <strong>de</strong>veriam ser <strong>de</strong> país por país, uma vez que a<br />

variação encontrada foi muito significativa. No Brasil, estudos antropométricos começam a<br />

ser <strong>de</strong>senvolvidos em 1981, assunto esse que será tratado mais adiante.<br />

Ao estudar a evolução da moda através do século XX, na tentativa <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r<br />

o que acontece com o indivíduo, buscando enten<strong>de</strong>r <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vem o reflexo dos dias atuais<br />

em torno <strong>de</strong>sse corpo, esculpido e transformado, em uma negação do próprio, tal como ele<br />

<strong>de</strong>veria ser ,i<strong>de</strong>ntifica-se que uma das maiores problemáticas da área é o tipo <strong>de</strong><br />

numeração que se encontra à venda no mercado.<br />

Conforme já foi problematizado anteriormente, o corpo começa a ser valorizado no<br />

início do século XX , quando as pessoas passam mais tempo ao ar livre, praticam esportes,<br />

dançam, começam a surgir os clubes e a vida passa a ser vivida boa parte em lugares<br />

públicos, ou seja, o corpo começa <strong>de</strong> fato a ser mostrado e conseqüentemente notado pelo<br />

outro. Associa-se ao par: esbelto e belo, os adjetivos saudável e jovem, conforme observa<br />

SCHPUN (1999:100) “(...) discursos higienistas no período favorece o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong><br />

um imaginário que i<strong>de</strong>ntifica a beleza à aparência saudável. De fato, ser saudável significa ,<br />

entre outras coisas, ter a pele, a barriga e os seios firmes, a tez rosada, enfim, conservar o<br />

máximo possível à forma jovem.”<br />

16<br />

FERREIRA, F. P. <strong>Padrões</strong> <strong>de</strong> tamanho do vestuário – porque e como utilizar. SBC: Marco Item<br />

Comunicação, 1996. pág.08<br />

80


Os cuidados com a saú<strong>de</strong> e a pratica esportiva continuam sendo incentivados (as<br />

ativida<strong>de</strong>s físicas e cuidados com o corpo só terão uma curva crescente <strong>de</strong>sse período em<br />

diante).<br />

“Durante o século XX, o que tivemos com o padrão <strong>de</strong> beleza foi<br />

uma continuação do movimento <strong>de</strong> negação da raça. Por todas as fases<br />

que a história passou daí por diante, o que fizemos foi assimilar os padrões<br />

impostos por vários lugares do mundo e pela mídia, sem querer questionálos.<br />

Simplesmente o que fizemos foi nos adaptarmos, sem questionar nem<br />

nos respeitar nossos padrões físicos”. (FIGUEIRA;2004:16)<br />

Com a virada do século XX, a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> começava, <strong>de</strong> fato, a se instalar no<br />

mundo e a socieda<strong>de</strong> brasileira começou a acompanhá-la. Em passos mais lentos sim, por<br />

ser recente.<br />

O fato <strong>de</strong> sermos uma nação tão jovem não possibilita a força necessária e a auto-<br />

estima elevada o suficiente para acompanhar, ou até mesmo combater <strong>de</strong> forma menos<br />

dolorida, os avanços exigidos pela socieda<strong>de</strong> em geral e, no caso específico <strong>de</strong>sse estudo,<br />

dos padrões corporais.<br />

Os mesmos movimentos que aconteciam pelo mundo acabavam <strong>de</strong> certa forma por<br />

influenciar as brasileiras, mas com uma diferença: os países ditos do Primeiro Mundo<br />

tinham passado, tinham trajetória que servia <strong>de</strong> base. Esses países tinham cultura,<br />

<strong>de</strong>senvolvida ao longo <strong>de</strong> séculos. Seus povos acreditavam que tudo tinha que mudar,<br />

melhorar, evoluir, em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> experiências vividas <strong>de</strong> fato.<br />

O Brasil a<strong>de</strong>riu aos movimentos <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> sem sequer ter tido tempo para, <strong>de</strong><br />

fato, sentir-se preso, injustiçado ou, até mesmo, farto da dominação estrangeira.<br />

A <strong>Moda</strong> no Brasil acompanhava as tendências vindas do exterior, chegando no<br />

século XXI com uma forte influência sobre o corpo, negando as raízes miscigenadas em<br />

função da busca do físico perfeito imposto pela mídia.<br />

81


Nos anos 1980 <strong>de</strong>stacava-se o corpo malhado, com músculos e saú<strong>de</strong>; e, nos 1990,<br />

ressaltavam-se as top mo<strong>de</strong>ls, o corpo quase raquítico e extrema magreza. Agora, na<br />

primeira década do século XXI, a magreza continua a ser o padrão, com um pouco mais <strong>de</strong><br />

curvas. É o mo<strong>de</strong>lo Barbie.<br />

O que não se po<strong>de</strong> esquecer é que biótipo nacional é <strong>de</strong> mulheres com curvas<br />

avantajadas. A mulher brasileira sempre foi conhecida no mundo todo pelo "padrão violão",<br />

que é negado a todo custo, negação esta que traz insatisfação constante.<br />

A maioria das mulheres não veste o manequim 38, quem dirá 36 – imposto pela<br />

mídia –e sofre para chegar a ele. Alem disso, os tamanhos parecem ter encolhido, levando<br />

as mais vaidosas ao <strong>de</strong>sespero. Em caminho oposto, algumas confecções colocam<br />

etiqueta 42 numa roupa 44, como estratégia <strong>de</strong> marketing que massageia o ego feminino.<br />

Na revista “IstoÉ” (junho <strong>de</strong> 1998) há matéria sobre pesquisa realizada por uma<br />

re<strong>de</strong> <strong>de</strong> cosméticos inglesa (The Body Shop), que trata a relação do peso das mo<strong>de</strong>los 25<br />

anos antes (vale lembrar que a matéria data <strong>de</strong> 1998): as mo<strong>de</strong>los pesavam 8% menos que<br />

a média das mulheres; ao final dos 1990, assustadoramente, 25% menos.<br />

Na edição <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2004, outra pesquisa encomendada pela Dove, marca <strong>de</strong><br />

cosméticos da Unilever, realizada com 3,2 mil mulheres <strong>de</strong> 10 países, entre 18 e 64 anos,<br />

tratava da satisfação com o corpo. Os dados preocupam: 37% das brasileiras estavam<br />

insatisfeitas com o físico, per<strong>de</strong>ndo apenas para as japonesas, que apresentam um total <strong>de</strong><br />

54% <strong>de</strong> insatisfação.<br />

Apesar <strong>de</strong> reafirmar que as brasileiras são consi<strong>de</strong>radas um dos grupos <strong>de</strong> mulheres<br />

mais lindas do mundo, a matéria chama a atenção para um <strong>de</strong>clínio monumental da auto-<br />

estima feminina, combalida diante <strong>de</strong> padrões <strong>de</strong> beleza consi<strong>de</strong>rados inatingíveis.<br />

82


Tão acostumadas com à rapi<strong>de</strong>z com que os fatos acontecem no mundo, as<br />

mulheres, que já têm seu papel fundamental e algumas vezes insubstituível no mercado <strong>de</strong><br />

trabalho, e ainda com a casa e filhos sob seus cuidados, têm cada vez mais dificulda<strong>de</strong>s<br />

em conseguir o tempo livre necessário para malhar na aca<strong>de</strong>mia. Para a mulher<br />

contemporânea, a solução tem <strong>de</strong> ser tão rápida quanto o cotidiano. Por isso, muitas vezes,<br />

opta por submeter-se a uma cirurgia e “montar” o corpo como quem faz compras em um<br />

supermercado. É a total rejeição aos antepassados mais distantes, e pior, a total falta <strong>de</strong><br />

respeito e banalização da própria matéria.<br />

Ao mesmo tempo em que há uma corrente que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> veementemente essas<br />

transformações, em função <strong>de</strong> um bem estar passageiro (uma vez que amanhã o padrão<br />

po<strong>de</strong> ser outro e a luta recomeçará), outras, entre as quais renomados médicos, embora<br />

insignificantes diante da massa mundial, estão atentas a essa mudança agressiva, no que<br />

se refere ao comportamento e ao corpo.<br />

Em vez <strong>de</strong> criar padrões a<strong>de</strong>quados, ao invés <strong>de</strong> tomar posse do que efetivamente<br />

têm, os indivíduos colocam-se à mercê do que vem <strong>de</strong> fora, valorizando uma cultura que<br />

não é própria, massacrados por uma dominação cultural iniciada na colonização. Pouco a<br />

pouco, as pessoas transformam-se em verda<strong>de</strong>iros Frankenteins: porém magros e<br />

aparentemente felizes.<br />

É importante ressaltar que as tabelas <strong>de</strong> medidas só começaram a aparecer <strong>de</strong><br />

forma mais completa, a partir da década dos 1970, pois como citado anteriormente<br />

somente na década dos 1960 é que se firmou a concepção <strong>de</strong> roupa prêt-à-porter. Até<br />

então, as tabelas tratavam apenas <strong>de</strong> um tamanho, não necessariamente o menor.<br />

Contudo a mo<strong>de</strong>lagem <strong>de</strong> ser vista mais do que isso, ela também conta a história revela <strong>de</strong><br />

forma matemática toda a evolução cultural <strong>de</strong> um povo, em toda sua essência.<br />

83


A fita métrica dividida em centímetros – impessoais e universais – que podia ser<br />

usada para medir todos e ,assim, permitia a comparação dos resultados, só foi inventada<br />

por volta <strong>de</strong> 1820 (HOLLANDER, 1996). Utilizada com o propósito explícito <strong>de</strong><br />

confeccionar, <strong>de</strong> uma vez, trajes bem-feitos para muitos homens, sem tirar as medidas<br />

individuais, imprimia regras comuns para as proporções físicas masculinas.<br />

Pela primeira vez a roupa comum foi realmente elevada ao patamar da elegância, e<br />

não con<strong>de</strong>nada a ser uma versão inferior <strong>de</strong> uma coisa fina e inatingível, ou, antes, algo <strong>de</strong><br />

aparência inferior.<br />

A partir <strong>de</strong> então, elas passaram a rivalizar com as roupas festivas das classes altas.<br />

Essa nova situação, como os inspirados movimentos anteriores da alfaiataria, era um<br />

empreendimento masculino. A moda havia começado entre os que levavam o ócio a sério,<br />

alguns dos quais tinham tempo disponível para ajustar seu comportamento físico ao alto<br />

padrão artístico das roupas feitas sob medida.<br />

Em pouco tempo ficou óbvio que, eram necessárias modificações na alfaiataria para<br />

preservar os mesmos altos padrões simultaneamente, exigir menos contribuição do homem<br />

<strong>de</strong> modo apropriado, alterando-se o padrão geral para coincidir com as indicações da fita<br />

individual. Partindo <strong>de</strong>sse ponto, obtém-se a tabela <strong>de</strong> medidas que <strong>de</strong>ve ser coerente com<br />

esse público.<br />

As medidas encontradas po<strong>de</strong>riam variar, em função do segmento no qual se<br />

preten<strong>de</strong> atuar: Ida<strong>de</strong>, classe socioeconômica, localização geográfica. Vale ressaltar que as<br />

medidas levantadas do público-alvo <strong>de</strong>vem ser do corpo, ou seja, a tradução mais fiel<br />

possível <strong>de</strong>le mesmo. Enfrenta-se, aí, um gran<strong>de</strong> problema quanto à utilização; confun<strong>de</strong>m-<br />

se essas tabelas <strong>de</strong> medidas com as folgas das roupas que são, na verda<strong>de</strong>, os<br />

alargamentos.<br />

84


Assim, uma vez que se têm em mãos a medidas do corpo do público-alvo, a<br />

mo<strong>de</strong>lagem <strong>de</strong>veria ser executada sem o acréscimo <strong>de</strong>ssas folgas, a fim <strong>de</strong>, aí sim, variar<br />

<strong>de</strong> acordo com o mo<strong>de</strong>lo da roupa que será confeccionada.<br />

Trabalhando <strong>de</strong>ssa forma, é possível mo<strong>de</strong>lar qualquer tipo <strong>de</strong> roupa para um<br />

mesmo público-alvo, acompanhando as variantes <strong>de</strong> moda e estações, sem mudar o<br />

"formato do corpo" do seu consumidor. Isso gera coerência entre as diferentes peças <strong>de</strong><br />

uma confecção em relação ao referido público-alvo. Esse processo traz, além da satisfação<br />

do consumidor, uma fi<strong>de</strong>lização e cumplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong>le.<br />

Após obter a tabela <strong>de</strong> medidas, o <strong>de</strong>senvolvimento das coleções segue um ritmo no<br />

qual, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> criada a peça pelo estilista, é hora <strong>de</strong> montar a peça piloto, um protótipo.<br />

Baseado nessa tabela <strong>de</strong> medidas da confecção, o mo<strong>de</strong>lista reproduz <strong>de</strong> forma planificada<br />

o projeto apresentado pelo estilista, trabalhando as folgas a<strong>de</strong>quadas para o mo<strong>de</strong>lo, bem<br />

como a estrutura, que varia <strong>de</strong> acordo com o tipo <strong>de</strong> peça a ser produzido. Por sua vez, a<br />

costureira piloteira é quem monta a peça piloto e é a profissional apta a manusear qualquer<br />

máquina necessária para a montagem <strong>de</strong> uma roupa.<br />

A existência <strong>de</strong>ssa profissional, geralmente mais bem paga que as <strong>de</strong>mais, evita<br />

<strong>de</strong>sestruturar ou quebrar o ritmo da produção, para confeccionar as peças da coleção a ser<br />

vendida naquele momento. Não é rara a confecção ter como funcionária apenas a piloteira<br />

e trabalhar com produção terceirizada. Ou seja, o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma coleção<br />

acontece aproximadamente seis meses antes <strong>de</strong> ela estar nas prateleiras.<br />

Uma vez que o protótipo está concluído, é provado por mo<strong>de</strong>lo que <strong>de</strong>ve adotar os<br />

padrões físicos da tabela <strong>de</strong> medidas da confecção em questão. É nesse momento que,<br />

muitas vezes, ocorre um outro tipo <strong>de</strong> problema. Na falta <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo a<strong>de</strong>quada, é comum<br />

que as empresas optem por fazer a prova da peça em qualquer outra mo<strong>de</strong>lo. Existe<br />

85


também, para evitar custos, o uso <strong>de</strong> funcionária que esteja próxima do manequim i<strong>de</strong>al ou,<br />

o que é mais comum ainda, provar na dona da empresa, que tem o péssimo hábito <strong>de</strong><br />

achar que as roupas <strong>de</strong>vem ser produzidas para seu corpo, como se ela representasse<br />

efetivamente o padrão <strong>de</strong> seu público.<br />

É muito importante realizar essa prova <strong>de</strong> maneira a<strong>de</strong>quada, pois quando a mo<strong>de</strong>lo<br />

escolhida não segue o padrão da empresa e, por se tratar <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo, muitas vezes suas<br />

medidas são menores que o i<strong>de</strong>al – toda produção po<strong>de</strong> ser comprometida pela numeração<br />

muito pequena, uma vez que a partir da peça-piloto que são dados os valores necessários<br />

para a tradução <strong>de</strong>sse mo<strong>de</strong>lo nos tamanhos maiores e menores. É o que se chama <strong>de</strong><br />

gradação.<br />

São raras as pessoas que têm medidas constantes e que aceitem as variações <strong>de</strong><br />

seu corpo no que se refere aos “quilinhos a mais”. Se as roupas forem feitas, única e<br />

exclusivamente, sobre uma pessoa, se no começo do ano ela traduz <strong>de</strong> fato as medidas <strong>de</strong><br />

um tamanho 38, as roupas <strong>de</strong> invernos serão <strong>de</strong>senvolvidas sobre elas. Se no inverno, ela<br />

engordar um pouco, as roupas não serão consi<strong>de</strong>radas maiores, serão consi<strong>de</strong>radas do<br />

tamanho 38, pois é o seu manequim. Ainda se, na coleção seguinte ela fizer uma<br />

lipoaspiração, i<strong>de</strong>m, Dessa forma, o consumidor nunca saberá, <strong>de</strong> fato, qual numeração lhe<br />

correspon<strong>de</strong> naquela confecção.<br />

Outro item muito importante sobre esse processo (tema <strong>de</strong>ste trabalho), é a situação<br />

cada vez mais comum <strong>de</strong> o consumidor não conseguir encaixar-se em nenhuma<br />

numeração compatível entre as várias que consome. Para as "pobres mortais" que não<br />

fazem parte <strong>de</strong> um número seleto <strong>de</strong> corpos esculpidos ou ninfetas anoréxicas, o simples<br />

fato <strong>de</strong> comprar uma roupa transforma-se em martírio, pois as numerações encontradas<br />

disponíveis no mercado estão cada vez menores, e são raras as lojas que possuem em sua<br />

86


gra<strong>de</strong> os tamanhos 44, e mais raros ainda os 46. Infelizmente, no Brasil, apesar da<br />

péssima mania <strong>de</strong> copiar o que vem <strong>de</strong> fora, a padronização <strong>de</strong> medidas não existe. E, pior,<br />

copiam-se sim as peças trazidas <strong>de</strong> lá, mas sem uma a<strong>de</strong>quação <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lagem para a<br />

brasileira que, quer queiram ou não, pressupõe ainda o "padrão violão".<br />

Para o entendimento da obsessão pelo corpo perfeito há sem duvidas, vários<br />

caminhos a seguir. Entre eles, é possível, por exemplo, refletir sobre o <strong>de</strong>senvolvimento da<br />

cultura material (aqui apenas esboçada) no espaço da produção têxtil. Existe atualmente a<br />

tendência (entre outras) em dividir o tecido para que o industrial possa conseguir obter mais<br />

peças com menos consumo <strong>de</strong> tecido, fazendo uma mo<strong>de</strong>lagem própria e muitas vezes<br />

fora <strong>de</strong> padrão.<br />

Interessante observar que no trabalho com o tecido, a matéria-prima é pensada<br />

como algo que, primeiro, <strong>de</strong>ve ser totalmente aproveitado; segundo , prevê a aliança com<br />

padrões <strong>de</strong> beleza hiper-valorizados globalmente; e, terceiro, prevê retorno à massificação<br />

<strong>de</strong> valores corporais, buscando a<strong>de</strong>quar a produção à <strong>de</strong>manda, respon<strong>de</strong>ndo aos valores<br />

corporais massificados.<br />

Com a abertura <strong>de</strong> mercados internacionais, muitas empresas <strong>de</strong> marcas em<br />

diversos segmentos da moda procuraram o aperfeiçoamento e adaptaram-se às mudanças.<br />

Afinal cada marca tem seu estilo pessoal, embora a abordagem diferente em cada caso e o<br />

conhecimento <strong>de</strong>sse novo consumidor, também muito mais exigente, sejam requisitos<br />

fundamentais para o perfil do novo profissional que não sobrevive apenas com a prática.<br />

O profissional <strong>de</strong> moda do presente e do futuro <strong>de</strong>ve procurar muita informação,<br />

viajar, ler <strong>de</strong> tudo, assistir a <strong>de</strong>sfiles. Trabalhar com moda exige conhecimento <strong>de</strong> relações<br />

humanas, comportamento das pessoas, exige i<strong>de</strong>ntificar o perfil e estilo <strong>de</strong> cada um e<br />

oferecer o produto certo no momento correto.<br />

87


2.5 <strong>Padrões</strong> <strong>de</strong> medidas.<br />

Com o intuito <strong>de</strong> promover a discussão acerca da padronização <strong>de</strong> tamanhos para a<br />

confecção do vestuário, realizamos uma visita à Associação Brasileira da Industria Têxtil –<br />

ABIT –, em maio <strong>de</strong> 2006, on<strong>de</strong> levantamos informações e realizamos uma entrevista com<br />

o Sr. Sylvio T. Napoli Junior, superinten<strong>de</strong>nte do Departamento <strong>de</strong> Infra-Estrutura e<br />

Capacitação Tecnológica.<br />

A entrevista abordou as mesmas questões anunciada nesta dissertação.<br />

Primeiramente houve preocupação com os aspectos antropométricos. Baseado em estudos<br />

<strong>de</strong> Ergonomia – Ciência que estuda as medidas do corpo humano – observou-se que, no<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro, outra pesquisadora, Dr.ª Maria Cristina Zamberlan, <strong>de</strong>senvolve pesquisa<br />

semelhante, junto ao Instituto Nacional <strong>de</strong> Tecnologia – INT, sobre as medidas do corpo do<br />

brasileiro com o Projeto Antropométrico Tridimensional da População Brasileira – PATPB.<br />

Todos os estudos que se fizerem a respeito, se preten<strong>de</strong>rem envolver todos os brasileiros,<br />

<strong>de</strong>mandarão muito tempo e muito dinheiro.<br />

A ABIT apóia essa iniciativa, e o entrevistado vê com bons olhos o fato <strong>de</strong><br />

serem <strong>de</strong>senvolvidas pesquisas como essas. Mostrou-se muito impressionado, por se<br />

tratar <strong>de</strong> tema novo, importante e vital para a indústria.<br />

Nas palavras <strong>de</strong> Napoli Junior, a padronização <strong>de</strong>ve ser como uma ban<strong>de</strong>ira a ser<br />

levada adiante pela ABIT:<br />

(...) que estará buscando viabilização financeira junto às indústrias e<br />

órgãos governamentais., pois está mais do que na hora da Indústria ter<br />

uma padronização <strong>de</strong> sua produção, a fim <strong>de</strong> estagnar essa gran<strong>de</strong><br />

‘bagunça’ que se instalou em nossa produção <strong>de</strong> roupas confundindo o<br />

consumidor, que é quem sai per<strong>de</strong>ndo, por não enten<strong>de</strong>r como um mesmo<br />

produto, uma camisa por exemplo, po<strong>de</strong> lhe servir com tamanhos<br />

diferentes na etiqueta (36 em uma loja, 40 em outra); em relação às<br />

medidas e tamanhos, propostos pelo fabricante; pois existe falta <strong>de</strong><br />

ferramentas para padronizar as gra<strong>de</strong>s da produção <strong>de</strong> roupas, sentimos<br />

88


que uma norma mais padronizada po<strong>de</strong>ria ajudar, e muito, a se obter uma<br />

mo<strong>de</strong>lagem mais igualitária, sem per<strong>de</strong>r a sua originalida<strong>de</strong> 17 .<br />

Como citado anteriormente o Comitê Brasileiro <strong>de</strong> Têxtil da Associação Brasileira <strong>de</strong><br />

Normas Técnicas 18 - ABNT, iniciou seus estudos antropométricos em 1981, através da<br />

Comissão <strong>de</strong> Estudos <strong>de</strong> Tamanho <strong>de</strong> Artigos Confeccionados. Várias leis foram votadas<br />

em 1985 ,e as aprovadas visavam a fixar a maneira correta <strong>de</strong> medir o corpo humano nos<br />

segmentos masculino, feminino e infantil.<br />

Esse projeto tornou-se a norma NBR 13.377 19 e teve seu início efetivo em 1992,<br />

com o aval do Departamento Nacional <strong>de</strong> Proteção e Defesa do Consumidor (DNPDC), e<br />

foi concluída em 1995, executado pela a Associação Brasileira da Indústria do Vestuário -<br />

ABRAVEST, com vários outros órgãos colaboradores, bem como empresas do ramo<br />

(Marisa, C&A, Riachuelo, Americanas entre outras) e consumidores finais. Do resultado<br />

<strong>de</strong>sse trabalho lançou-se em 1996 a publicação sobre o problema na mo<strong>de</strong>lagem, pelo<br />

então Presi<strong>de</strong>nte do Comitê Brasileiro <strong>de</strong> Têxteis da ABNT, Sr. Francisco <strong>de</strong> Paula Ferreira.<br />

Essa publicação trata da normatização feita para os consumidores e não para os<br />

confeccionistas, pois – apesar <strong>de</strong> se tratar <strong>de</strong> um estudo antropométrico – as medidas nela<br />

contidas são insuficientes para a construção efetiva <strong>de</strong> qualquer peça <strong>de</strong> roupa.<br />

Do ponto <strong>de</strong> vista do consumidor, trata-se <strong>de</strong> um ótimo referencial, caso fosse<br />

efetivamente utilizado pelas confecções. O fato <strong>de</strong> esse estudo ser apresentado <strong>de</strong> forma<br />

superficial dificulta sua utilização, mantendo então o problema instalado até hoje, para o<br />

produtor.<br />

17<br />

Depoimento <strong>de</strong> Sylvio Nápoli Jr., conferido para essa pesquisa, em maio <strong>de</strong> 2006.<br />

18<br />

Sobre ABNT , ver no anexo 02<br />

19<br />

Sobre a NBR 13.377 , ver no anexo 03<br />

89


As medidas referenciais são uma base para que o consumidor encontrE seu<br />

tamanho em relação à informação numérica ou nominal da roupa. Para se ter uma idéia <strong>de</strong><br />

como funciona a padronização, no caso das roupas femininas, (blusas, blazeres, camisetas<br />

vestidos, maiôs, colants e similares) a medida referencial é o busto. Assim, as do busto em<br />

centímetros, 78,82,86,90,94,98,102,106 e 108, equivalem aos tamanhos 36 (PP), 38 e 40<br />

(P), 42 e 44 (M). 46 e 48 (G), 50 e 52 (GG), respectivamente. Para calças, bermudas,<br />

shorts, saias, jardineiras, calcinhas e similares, a medida referencial é a cintura. As<br />

medidas <strong>de</strong> cintura em centímetros, 60, 64, 68, 72, 76,80,84,88 e 92, equivalem aos<br />

tamanhos 36 (PP), 38 e 40 (P), 42 e 44 (M), 46 e 48 (G) e 50 e 52 (GG).<br />

O objetivo básico <strong>de</strong>ssa norma é padronizar os tamanhos <strong>de</strong> artigos do vestuário,<br />

em função das medidas do corpo. É interessante <strong>de</strong>stacar que as medidas nas tabelas são<br />

referenciais, ou seja, visam orientar o consumidor no ato da compra <strong>de</strong> um artigo <strong>de</strong><br />

vestuário e são mínimos,quer dizer, espera-se que a roupa <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado tamanho<br />

apresente medidas iguais ou superiores do que as da pessoa a ser vestida por ela, nunca<br />

inferior.<br />

Nem todos seguem a Norma NBR 13.377 – Medidas do <strong>Corpo</strong> Humano para<br />

Vestuário, <strong>Padrões</strong> Referenciais – da ABNT – já que a a<strong>de</strong>são a ela é voluntária. No<br />

entanto, padrões referenciais mínimos <strong>de</strong>verão disciplinar os mercados <strong>de</strong> moda infantil,<br />

feminino, masculino, moda praia e meias. Para A<strong>de</strong>lina Pereira, técnica <strong>de</strong> têxteis e<br />

vestuário da ABNT:<br />

“Esse <strong>de</strong>sencontro <strong>de</strong> medidas causa transtornos e prejuízos ao<br />

consumidor, como a perda <strong>de</strong> tempo na experimentação das roupas,<br />

insegurança nas compras, por catálogo ou Internet, e até mesmo perda <strong>de</strong><br />

dinheiro, nos casos em que a troca da mercadoria é vetada, a exemplo do<br />

lingerie”.<br />

90


Embora seja uma norma estabelecida, a qual regulamenta algumas medidas para a<br />

indústria do vestuário, <strong>de</strong>stacando a importância <strong>de</strong> que a roupa a<strong>de</strong>quar-se ao manequim,<br />

os confeccionistas não seguem, conforme revela Napoli Junior:<br />

“(...) muitos <strong>de</strong>les (os confeccionistas) <strong>de</strong>ixam-se levar pelo o que a<br />

moda-mídia está dizendo, se hoje estamos vendo um a enxurrada <strong>de</strong><br />

calças com cinturas baixas, por exemplo, o consumidor ira vestir, mesmo<br />

que o corpo da maioria das brasileiras não seja a<strong>de</strong>quado para essa<br />

mo<strong>de</strong>lagem. A consumidora ,no caso da calça com cintura baixa, que<br />

encontra-se fora do padrão estético e físico, tem ‘a obrigação’ <strong>de</strong> vestir<br />

uma calça que a incomoda, mas, para ficar na moda acaba consumindo e,<br />

com isso, a indústria produz cada vez mais, portanto, veja como esse<br />

projeto é muito <strong>de</strong>licado no campo da confecção e dos magazines, que<br />

não respeitam as regras, fazendo <strong>de</strong> tudo para aumentarem as vendas.<br />

Tendo a mídia, que alimenta essa imagem não real no subconsciente do<br />

consumidor, como seu maior aliado”<br />

O superinten<strong>de</strong>nte discorreu um pouco mais sobre os aspectos e influências que a<br />

mídia traz para o setor. Destacou também a importância no campo sociológico e do<br />

psicológico que a industria do vestuário atua. Explicou que:<br />

“A apresentação do projeto que a ABIT está realizando esta dividida<br />

da seguinte maneira. A primeira etapa segmentará os produtores (couro,<br />

tecidos, artefatos). A segunda, mais <strong>de</strong>licada, será a <strong>de</strong> conscientizar a<br />

produção da importância do projeto, o que não será nada fácil, mas<br />

necessário o acordo com a indústria, pois não está muito interessada na<br />

proposta. E, na terceira etapa, propor ao INMETRO o estudo levantado.<br />

Demos início, no segundo semestre <strong>de</strong> 2005, e estimo entre 3 e 4 anos<br />

para que todas as etapas sejam cumpridas”.<br />

Ressaltou a importância que a ABIT dá no processo <strong>de</strong> normatização, o qual, para a<br />

industria <strong>de</strong>verá aquecer o mercado inteiro da ca<strong>de</strong>ia têxtil.<br />

Uma nova portaria ABNT NBR 15127 20 - <strong>Corpo</strong> humano – Definição <strong>de</strong> medidas, que<br />

estabelece procedimentos para <strong>de</strong>finir medidas do corpo humano, medidas estas que<br />

20 Sobre a NBR 15.127 ver no anexo 04<br />

91


po<strong>de</strong>m ser utilizadas como base na elaboração <strong>de</strong> projetos tecnológicos, está tramitando<br />

em sua fase final para ser apresentada para os fabricantes.<br />

Roberto Chadad, atual presi<strong>de</strong>nte da Associação Brasileira <strong>de</strong> Vestuário –<br />

ABRAVEST–(outro órgão investigado nesse estudo), diz que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1995, a entida<strong>de</strong><br />

vem lutando pela padronização do vestuário brasileiro. Segundo ele, as empresas tiveram<br />

11 anos para se a<strong>de</strong>quar aos padrões. "A partir <strong>de</strong> 2008, com assinatura <strong>de</strong> uma portaria<br />

do Instituto Nacional <strong>de</strong> Metrologia, Normalização e Qualida<strong>de</strong> (Inmetro), será<br />

obrigatório o acatamento à Norma por parte <strong>de</strong> toda a ca<strong>de</strong>ia têxtil, sob pena <strong>de</strong><br />

multa 21 ”<br />

A portaria não agrada muito aos estilistas <strong>de</strong> moda, que a vêem como uma<br />

espécie <strong>de</strong> repressão, que vetaria a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação. Porém a padronização<br />

proposta pelo projeto não cerceia a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação dos <strong>de</strong>signers, afinal a moda<br />

sempre ditará as tendências (as formas) que serão exploradas pelo mercado e pela mídia<br />

para a coleção seguinte. A mudança <strong>de</strong> comportamento dos consumidores, que aceitam as<br />

regras impostas pelo sistema, acontecerá quando perceberem que uma <strong>de</strong>terminada<br />

mo<strong>de</strong>lagem, fora <strong>de</strong> padrão, po<strong>de</strong> chegar até a provocar problemas físicos. Por exemplo,<br />

vestir peça do vestuário ina<strong>de</strong>quada ao corpo, comprimindo-o, apenas para a<strong>de</strong>quar-se à<br />

numeração colocada na etiqueta.<br />

Com a experiência <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 40 anos no segmento <strong>de</strong> moda feminina, o<br />

empresário Carlos Magno Gibrail, da grife Maria Vitti, consi<strong>de</strong>ra importante a padronização,<br />

assim como o conhecimento do público-alvo que se <strong>de</strong>seja atingir 22 . Para aten<strong>de</strong>r ao seu<br />

segmento, <strong>de</strong> moda clássica e contemporânea, ele mesmo encomendou à Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

21 Depoimento <strong>de</strong> Roberto Chadad., conferido para essa pesquisa, em abril <strong>de</strong> 2006<br />

22 Em OESP - suplemento Feminino – 29 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2007<br />

92


São Paulo (USP) uma pesquisa com 650 mulheres <strong>de</strong> 25 a 45 anos. No enten<strong>de</strong>r <strong>de</strong>le,<br />

embora necessária, para disciplinar o setor, a padronização esbarra em três fatores:<br />

problemas operacionais, interesses comerciais e dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> fiscalização.<br />

Sobre a importância da regulamentação o superinten<strong>de</strong>nte da ABIT<br />

assevera que três fatores são importantes para iniciarmos um processo <strong>de</strong> referências:<br />

Padrão <strong>de</strong> medidas ; etiquetas e simbologia <strong>de</strong> lavagem 23 (<strong>de</strong>stas 25% vão para o lixo).<br />

“A padronização <strong>de</strong> uma mo<strong>de</strong>lagem passaria a regulamentar a<br />

produção <strong>de</strong> roupas também através da Lei das Etiquetas , que contém 6<br />

indicações necessárias, entre elas a do tamanho (numeração) do produto<br />

em si. Sendo que o fiscal po<strong>de</strong> verificar a procedência das outras 5<br />

indicações facilmente (país <strong>de</strong> origem, CNPJ), mas no que se refere ao<br />

tamanho não existe norma que sustente e com o <strong>de</strong>scaso e <strong>de</strong>spreparo<br />

dos fiscais, a normatização po<strong>de</strong>rá servir <strong>de</strong> instrumento punitivo para o<br />

fabricante 24 ”<br />

Isso <strong>de</strong>sencorajaria a maioria das indústrias a participarem <strong>de</strong>sse projeto uma vez<br />

que neste país, as taxas tributárias e as extorsões caminham juntas.<br />

Ao passo que, em um país vizinho (Argentina), o governo já <strong>de</strong>cretou um padrão<br />

claro e específico, sob o qual todos os fabricantes <strong>de</strong>vem produzir suas peças seguindo<br />

essas normas preestabelecidas.<br />

Observa-se também que, para o Brasil po<strong>de</strong>r exportar sua produção, <strong>de</strong>verá estar<br />

<strong>de</strong>ntro das normas daquele país. Sentido essa dificulda<strong>de</strong> para a exportação, está sendo<br />

realizado um estudo no Mercosul para unificar medidas para os países participantes do<br />

bloco.<br />

Napoli Junior acrescenta que: “(...) a preocupação da nossa associação, que está na<br />

frente <strong>de</strong>sse projeto, é <strong>de</strong> não intimidar a capacida<strong>de</strong> criativa das pessoas, mas sim colocar<br />

23 Sobre as indicações obrigatórias nas etiquetas veja no anexo 05<br />

24 Depoimento <strong>de</strong> Sylvio Nápoli Jr., conferido para essa pesquisa, em maio <strong>de</strong> 2006.<br />

93


uma padronização mais global e eficaz na produção do vestuário”. Todavia, observa: “(...) a<br />

importância <strong>de</strong> haver pelo menos um aspecto <strong>de</strong>ntro da mo<strong>de</strong>lagem (o colarinho para a<br />

mo<strong>de</strong>lagem <strong>de</strong> camisa, por exemplo), que <strong>de</strong>verá ser respeitado pela indústria.” Assim,<br />

acredita, os <strong>de</strong>signers po<strong>de</strong>riam <strong>de</strong>senvolver livremente suas coleções, no que se refere a<br />

comprimento, fechamento, estilo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que medida do colarinho fosse aquela acertada<br />

pela indústria. Esses aspectos são os <strong>Padrões</strong> <strong>de</strong> Referências.<br />

Para Eva Coutinho, editora do site Revista Sintética e à frente da Ecco Consultoria<br />

<strong>de</strong> <strong>Moda</strong>, a nação brasileira é resultado <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> mistura <strong>de</strong> povos, por isso são<br />

muitos os biótipos "Hoje em dia, o que se vê nas lojas é, sem dúvida, uma mo<strong>de</strong>lagem que<br />

não aten<strong>de</strong> ao corpo <strong>de</strong> homens e mulheres do Brasil 25 " . Segundo a consultora, a<br />

padronização do vestuário é necessária, mas é preciso fazer um trabalho prévio, levando-<br />

se em consi<strong>de</strong>ração alguns fatores importantes.<br />

“Não são apenas as larguras que <strong>de</strong>vem ser padronizadas, mas<br />

também as alturas. Digamos que haja um 36-P e um 36-G. Ou seja, um<br />

tamanho 36 pequeno, mais curto, e um tamanho 36 gran<strong>de</strong>, mais longo.<br />

Dessa forma, haveria uma mesma largura para dois comprimentos<br />

diferentes, porque há muita gente que é magra e alta, mas também há<br />

pessoas magras e baixas 26 ”<br />

Na opinião da consultora Ana Cury, autora do livro Estilo, é preciso levar em conta<br />

que cada etiqueta tem a mo<strong>de</strong>lagem <strong>de</strong> acordo com o seu público-alvo. "A cliente da Cori e<br />

Le Lis Blanc, por exemplo, tem a silhueta diferente <strong>de</strong> quem usa Costume e Les.Filós."<br />

Para ela, outro problema são as diferenças <strong>de</strong> medidas para mesma numeração. "Eu tenho<br />

duas irmãs que vestem 38, mas com medidas completamente diferentes. Nesses casos,<br />

como fica? Só mesmo experimentando a peça é que observamos também se o<br />

25<br />

Em OESP - suplemento Feminino – 29 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2007.<br />

26<br />

I<strong>de</strong>m, Ibi<strong>de</strong>m.<br />

94


acabamento é <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>”. E questiona : “Como esperar que o padrão mestiço da mulher<br />

brasileira seja, <strong>de</strong> fato, aceito por ela, se os produtos comercializados em seu próprio país<br />

negam essa realida<strong>de</strong> tão evi<strong>de</strong>nte? 27 "<br />

O atual presi<strong>de</strong>nte da ABRAVEST, que também apontou a necessida<strong>de</strong> da<br />

padronização, afirma que é preciso <strong>de</strong>ixar claro que a Norma 15.127 não enquadra, as<br />

tendências. Diz que as medidas das roupas <strong>de</strong>vem ser iguais ou maiores às dimensões do<br />

corpo humano, sem mencionar outros itens, como altura do quadril, comprimento <strong>de</strong><br />

ombros e manga. As empresas que a<strong>de</strong>rirem ao sistema serão i<strong>de</strong>ntificadas por um<br />

selo da ABRAVEST. Segundo Chadad, além <strong>de</strong> nortear o consumidor, o selo tem a<br />

função <strong>de</strong> promover a qualida<strong>de</strong> e o investimento em tecnologia por parte dos<br />

fabricantes nacionais, como meio <strong>de</strong> enfrentar os produtos vindos da China e Coréia,<br />

que chegam ao mercado com preços menores e qualida<strong>de</strong> duvidosa.<br />

Após a implantação da padronização <strong>de</strong> tamanhos, o próximo passo, a exemplo<br />

<strong>de</strong> países da comunida<strong>de</strong> européia, será a realização <strong>de</strong> um levantamento<br />

antropométrico. Trata-se <strong>de</strong> um raio-X da população brasileira. Esse levantamento das<br />

medidas populacionais, beneficiaria não só a industria têxtil, mas sim fará uma interface<br />

com outras indústrias, tais como: automobilísticas, <strong>de</strong> calçados, químicas (Petrolíferas) , do<br />

luto (medidas do caixão), construção civil (num total <strong>de</strong> nove setores envolvidos) que se<br />

guiam por padronizações estrangeiras, portanto , incompatíveis com o biótipo do brasileiro.<br />

Porém o projeto aguarda <strong>de</strong>finição política e econômica, uma vez que foi orçado em R$<br />

5.000.000,00, conforme nos revelou Napoli Junior.<br />

O jornal "O Estado <strong>de</strong> São Paulo" traz matéria sobre o novo censo antropométrico, a<br />

partir do qual se terá idéia da abrangência do projeto: Além <strong>de</strong> peso e estatura, entram na<br />

27 Em OESP - suplemento Feminino – 29 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2007.<br />

95


lista outras 167 medidas. São <strong>de</strong>talhes como a altura do cotovelo, da cabeça ou o alcance<br />

do antebraço <strong>de</strong> uma pessoa, quando está sentada. Só do pé, há 48 variáveis. Da mão,<br />

mais 17; e da cabeça, outras 30. (OESP, Geral, 13.01.2002).<br />

A idéia é conhecer as medidas dos pés à cabeça <strong>de</strong> 22 mil pessoas das regiões<br />

Nor<strong>de</strong>ste, Sul e Su<strong>de</strong>ste, utilizando um aparelho <strong>de</strong> alta precisão, o body scanner. A<br />

máquina registra a silhueta e a forma <strong>de</strong> uma pessoa virtualmente, em três dimensões,<br />

revelando mais <strong>de</strong> 85 medidas em apenas 20 segundos. Esse processo, além <strong>de</strong> minimizar<br />

o tempo necessário para a execução, minimiza e muito o fator <strong>de</strong> erro, uma vez que a<br />

utilização <strong>de</strong> uma forma <strong>de</strong> medição tradicional po<strong>de</strong>ria sofrer alterações em função <strong>de</strong> erro<br />

<strong>de</strong> leitura ou avaliações pessoais, entre outros.<br />

O trabalho <strong>de</strong> padronização <strong>de</strong> medidas é acompanhado por vários profissionais,<br />

entre eles, Elaine Radicetti, formada em arquitetura e urbanismo, e também em estilismo<br />

em confecção industrial pelo Senai-Cetiqt, no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Elaine <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u dissertação<br />

<strong>de</strong> mestrado sobre o tema, quando levantou as medidas <strong>de</strong> crianças e adultos no Rio e em<br />

São Paulo, cida<strong>de</strong>s escolhidas por serem os principais pólos <strong>de</strong> migração do País -<br />

portanto, têm uma significativa amostragem <strong>de</strong> biótipos diversificados. Nessa pesquisa, ela<br />

<strong>de</strong>tectou que o segmento infantil é o mais <strong>de</strong>fasado em termos <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lagem X corpo.<br />

"Hoje vemos uma geração <strong>de</strong> bebês gigantes, que alcançarão 1,90 m <strong>de</strong> altura quando<br />

tiverem 16 anos, e <strong>de</strong> meninas <strong>de</strong> 13 anos que calçam 40 e não encontram mo<strong>de</strong>los para<br />

seu gosto e ida<strong>de</strong> 28 ", comenta<br />

A valorização do profissional da área reflete-se no mercado <strong>de</strong> trabalho. Hoje, o<br />

setor busca profissionalização, favorecendo quem possui formação superior. As<br />

28 I<strong>de</strong>m. ibi<strong>de</strong>m.<br />

96


oportunida<strong>de</strong>s são muitas em um setor que movimenta R$ 60 milhões , cresce 20% ao ano<br />

e emprega mais <strong>de</strong> 1,5 milhão <strong>de</strong> pessoas.<br />

Po<strong>de</strong>-se perceber como é extensa a área <strong>de</strong> trabalho na moda, prova crescente<br />

disso foram os dados divulgados, em julho <strong>de</strong> 2005, pelo Instituto <strong>de</strong> Estudos e Marketing<br />

Industrial (IEMI) e pela Associação Brasileira da Indústria Têxtil e <strong>de</strong> Confecção (ABIT),<br />

sobre a produção <strong>de</strong> peças em 2004. Foram confeccionados 5,6 bilhões <strong>de</strong> peças entre<br />

vestuário, meias e acessórios.<br />

O Brasil consumiu 1 milhão <strong>de</strong> toneladas <strong>de</strong> tecidos, gerando US$ 15,9 bilhões e 1,1<br />

milhão <strong>de</strong> empregos. O investimento das 17,5 mil empresas que atuam no segmento foi da<br />

or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> US$ 103,6 milhões. A maior parte da produção está no Sul / Su<strong>de</strong>ste, que juntos<br />

reúnem 86% da produção nacional. A participação do Nor<strong>de</strong>ste foi <strong>de</strong> 12% em 2004.<br />

A ca<strong>de</strong>ia têxtil é a segunda que mais emprega no Brasil. Dentro das 25 mil fábricas ,<br />

97% da mão <strong>de</strong> obra é feminina, (é o setor que mais emprega mulheres). No campo<br />

acadêmico, mais <strong>de</strong> 100 cursos sobre o setor são reconhecidos pelo MEC 29 .<br />

Ressalte-se que o processo será longo para utilizar esses padrões tão<br />

importantes para o <strong>de</strong>senvolvimento da indústria brasileira. Antes disso será necessário<br />

rever até a cultura corporal, pois até hoje, em função <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> fatores, entre eles o<br />

número <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s e profissionais envolvidos, há lentidão para, apenas, <strong>de</strong>finir quais<br />

seriam as medidas a serem tiradas. Espera-se que as ações governamentais possam<br />

aquecer o interesse dos fabricantes na execução <strong>de</strong> novas portarias, para que possamos<br />

obter um padrão referencial <strong>de</strong> medidas brasileiras.<br />

29 As informações relativas ao setor têxtil fora apresentadas pelos representantes da ABIT e ABRAVEST em<br />

palestra proferidas no I Fórum <strong>de</strong> Mo<strong>de</strong>lagem SENAC em 12 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2007.<br />

97


Por fim, ressalta-se ainda a ênfase do superinten<strong>de</strong>nte, entrevistado, em enaltecer<br />

a iniciativa, através <strong>de</strong>sse projeto, <strong>de</strong> levar para <strong>de</strong>ntro da aca<strong>de</strong>mia um <strong>de</strong>safio abraçado<br />

por eles da ABIT e completou:<br />

“Somente com o apoio na base, ou seja, na formação <strong>de</strong> uma<br />

massa crítica consciente é que conseguiremos avançar em nossas idéias.<br />

Se mostrarmos para os consumidores e futuros <strong>de</strong>signers a importância,<br />

para o país, dos valores referenciais do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> novos<br />

produtos, sem que com isso seus potenciais criativos, que é um dos mais<br />

ricos do planeta, sejam cerceados, certamente estaremos dando um<br />

gran<strong>de</strong> passo para que nosso projeto possa estar concretizado. Só através<br />

do apoio, da instrução e da ação é que conseguimos realizar as mudanças<br />

necessárias para crescermos economicamente.”<br />

98


Consi<strong>de</strong>rações<br />

Finais<br />

Arremate &<br />

Acabamento<br />

“Quando a norma<br />

não é mais fundada<br />

sobre a disciplina e a<br />

culpa, e sim sobre a<br />

responsabilida<strong>de</strong> e a iniciativa, aqueles que não<br />

conseguem ser responsáveis nem ter iniciativa são<br />

consi<strong>de</strong>rados insuficientes.”<br />

Denise Bernuzzi <strong>de</strong> Sant’Anna<br />

99


CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

ARREMATE & ACABAMENTO<br />

Os apontamentos <strong>de</strong>ssa dissertação procuraram contribuir para uma reflexão<br />

acerca do corpo, como um “objeto” que portamos dia após dia nesse universo das imagens<br />

corporais. O organismo humano, entendido como meio <strong>de</strong> comunicação social (expondo<br />

quem somos através <strong>de</strong> um indumentária própria, acolhida e inserida em um <strong>de</strong>terminado<br />

grupo); elemento <strong>de</strong> diálogo com o mundo utilizando a linguagem não verbal (pois o corpo<br />

fala) é canal <strong>de</strong> mediação <strong>de</strong> sentido (respon<strong>de</strong> mediante nosso bem estar ) e <strong>de</strong> produção<br />

<strong>de</strong> experiências (inserções extra-corporais), nos dita as ações necessárias para manter um<br />

modo <strong>de</strong> vida saudável e elegante.<br />

A anatomia <strong>de</strong> um homem é diferente da anatomia <strong>de</strong> uma mulher. O tom da pele<br />

nos dá uma noção <strong>de</strong> ancestralida<strong>de</strong>.<br />

Relacionamos nossas dificulda<strong>de</strong>s em permanecer jovem e saudável com o fato <strong>de</strong><br />

tomarmos atitu<strong>de</strong>s transformadoras e significativas em relação ao nosso corpo. Quando a<br />

norma não é mais fundada sobre a disciplina e a culpa, e sim sobre a responsabilida<strong>de</strong> e a<br />

iniciativa, aqueles que não conseguem ser responsáveis e ter iniciativa, são consi<strong>de</strong>rados<br />

insuficientes.<br />

Nossos corpos nos pertencem muito menos do que acreditamos. Não são nossas<br />

proprieda<strong>de</strong>s, eles nos ultrapassam. Eles são falados e incorporados pela i<strong>de</strong>ologia, pelo<br />

mercado, pelas diversas modalida<strong>de</strong>s da microfísica do po<strong>de</strong>r.<br />

Ter um corpo saudável e <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um padrão <strong>de</strong> beleza parece ser hoje uma busca<br />

freqüente, normal e indispensável à vida. Mas, on<strong>de</strong> começa e termina a vida? Iniciaria ao<br />

nascer do nosso organismo físico e terminaria com seu sepultamento? Possuir um<br />

100


envoltório que se articula e se <strong>de</strong>sloca é sinal <strong>de</strong> estar vivo? Vida e morte, começo e fim. A<br />

carcaça mortal perece e não acompanha o espírito, imortal em sua jornada evolutiva e<br />

eterna. O espírito tem a leveza da transparência e o corpo o peso <strong>de</strong> sua opacida<strong>de</strong>.<br />

É preciso que seja feito um estudo direcionado tanto para a mo<strong>de</strong>lagem no Brasil<br />

como para quem <strong>de</strong>verá utilizar essas informações. Por mais que a empresa faça uma<br />

pesquisa entre seu público-alvo, localizado em sua região matriz, se quiser fornecer para<br />

outros estados ou regiões, ou corre o risco e manda as peças da forma que já são<br />

comercializadas, certamente excluindo uma boa fatia <strong>de</strong> possíveis consumidoras, ou faz<br />

uma nova pesquisa <strong>de</strong> campo.<br />

Apesar <strong>de</strong> se tratar <strong>de</strong> uma norma, é preciso que fique claro que a NBR 13.377 não<br />

é uma lei e, portanto, não é <strong>de</strong> uso obrigatório, sendo assim, os fabricantes não a seguem<br />

por completo e muitos, por sua vez, <strong>de</strong>senvolvem suas próprias tabelas <strong>de</strong> medidas,<br />

confundindo o cliente. Enquanto aguardamos um novo levantamento ergonômico da<br />

população brasileira a inclusão da norma NBR 15.127 vem dar norteamento aos<br />

confeccionistas na elaboração <strong>de</strong> uma coleção mais direcionada a um público consumidor<br />

mais <strong>de</strong>finido. Esse po<strong>de</strong>rá i<strong>de</strong>ntificar um produto certificado por um selo <strong>de</strong>senvolvido<br />

pelos órgãos responsáveis, dando-lhes garantia que estará adquirindo uma mercadoria<br />

<strong>de</strong>ntro dos padrões <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> e criativida<strong>de</strong> nacional.<br />

E já que essas normas visam a aten<strong>de</strong>r o consumidor final, seria bem mais prático<br />

para ele saber o referencial <strong>de</strong> seu tamanho em qualquer região do seu próprio país.<br />

<strong>Padrões</strong> <strong>de</strong> <strong>Corpo</strong> e <strong>Moda</strong>, preten<strong>de</strong> contribuir com essas mudanças.<br />

Estamos dando o primeiro passo para fazer parte da construção <strong>de</strong> uma Indústria da<br />

<strong>Moda</strong> Brasileira cada vez mais forte, mais produtiva e qualitativa. Acreditar em um futuro e<br />

fortalecer a tese <strong>de</strong> que é necessário pensar sobre a Indústria da <strong>Moda</strong> é tudo o que nos<br />

101


move. Somente com o estudo e o aprimoramento do ensino po<strong>de</strong>remos ser competitivos<br />

num mercado cada vez mais exigente.<br />

Acreditar neste projeto e em nossa competência profissional é tudo o que temos.<br />

Precisamos, cada vez mais, alimentar esta crença, melhorar e divulgar o que estamos<br />

fazendo e a forma como estamos <strong>de</strong>senvolvendo e fortalecendo o mercado brasileiro.<br />

Sendo assim, a Universida<strong>de</strong>, que <strong>de</strong>ve ser referência em qualida<strong>de</strong>, está fazendo o seu<br />

papel: formar profissionais e participar ativamente do processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

intelectual e econômico do país.<br />

102


Bibliografia<br />

ALCÂNTARA, M. Terapia pela Roupa. São Paulo: Ed. Mandarim, 1996.<br />

ALLÉRÉS, D. Luxo: Estratégicas <strong>de</strong> Marketing. São Paulo: FGV, 2000.<br />

ANDRÉA, J. Correlações Espírito – Matéria. São Paulo: Ed. Scieto Lorenz ,1992.<br />

BAIOCCHI <strong>de</strong> CARVALHO, K. M. Nutrição Clínica no Adulto – Guia <strong>de</strong> Medicina<br />

Hospitalar. Barueri. UNIFESP/EPM. 2002<br />

BARNARD, M. <strong>Moda</strong> e Comunicação. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed. Rocco, 2003.<br />

BARTHES, R. O Prazer do Texto. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1998.<br />

BAUDRILLARD, J. A Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Consumo. Lisboa: Ed. Edições 70 s/d.<br />

__________. O Sistema dos Objetos. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1997.<br />

__________. À sombra das maiores silenciosas: o fim do social e o surgimento<br />

das massas. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1985.<br />

1998.<br />

BLACKWELL, M. O Comportamento do Consumidor. São Paulo: Ed. Thomson,<br />

CARVALHO, F. A <strong>Moda</strong> e o Novo Homem. Coletânea <strong>de</strong> artigos publicados no<br />

Diário <strong>de</strong> São Paulo. São Paulo: Ed. Miguel Pelatim, 1992.<br />

CASTILHO, K. e GALVÃO,D (Orgs). A <strong>Moda</strong> do corpo, o corpo da moda. São<br />

Paulo: Ed. Esfera, 2002.<br />

CASTILHO, K. e MARTINS,M.M. Discursos da <strong>Moda</strong>. Semiótica, <strong>de</strong>sign e corpo.<br />

São Paulo: Ed. Anhembi Morumbi, 2005.<br />

CASTILHO, K. Configuração <strong>de</strong> uma Plástica: do corpo à moda. Tese <strong>de</strong><br />

Mestrado em Comunicação e Semiótica. PUC: São Paulo. 1998.<br />

__________. Do <strong>Corpo</strong> Perfeito à Ausência do <strong>Corpo</strong>. Tese <strong>de</strong> Doutorado em<br />

Comunicação e Semiótica. PUC: São Paulo. 2004.<br />

__________. <strong>Moda</strong> e Linguagem. São Paulo: Ed. Anhembi Morumbi, 2004<br />

CASTRO, A. L. Culto ao <strong>Corpo</strong> e a Socieda<strong>de</strong>: mídia, estilos <strong>de</strong> vida e cultura <strong>de</strong><br />

consumo. São Paulo: Ed. AnanBlume Editoras, 2003.<br />

103


__________. “<strong>Corpo</strong>, consumo e mídia”. In Revista comunicação, mídia e<br />

consumo. São Paulo: Ed. ESPM, 2004.<br />

CASTRO, A. L.; BUENO, M. L. (Orgs). <strong>Corpo</strong> Território da Cultura. São Paulo: Ed.<br />

AnanBlume Editoras, 2005.<br />

CAVIGLIOLI, F. La Dictature <strong>de</strong> la Beuté. Le nouvel observateur. Les<br />

Collections, n.21. 2000.<br />

CRESPO, J. A História do <strong>Corpo</strong>. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed. Difel, 1990.<br />

CUPPARI, L. Nutrição Clínica no Adulto – Guia <strong>de</strong> Medicina Hospitalar. Barueri:<br />

UNIFESP/EPM. 2002.<br />

DEL PRIORE, M. <strong>Corpo</strong> a corpo com a mulher; pequena história das<br />

transformações do corpo feminino no Brasil. São Paulo: Ed. SENAC, 2000 (série Ponto<br />

Futuro; 2.)<br />

DUARTE, S e SAGGESE, S. Mo<strong>de</strong>lagem Industrial Brasileira. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed.<br />

Letras & Expressões, 1998.<br />

EAGLETON, T. A I<strong>de</strong>ologia da Estética. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 1993.<br />

ECO, H. Psicologia do Vestir. Lisboa: Ed. Assirio e Alvin, 1989.<br />

ERNER, G. Vítimas da <strong>Moda</strong>? Como a criamos por que a seguimos. São Paulo:<br />

Ed. SENAC, 2005.<br />

Sage, 1992.<br />

1995.<br />

FEATHERSTONE, M. The Body, social process and cultural theory. London:<br />

__________. Cultura do consumo e pós-mo<strong>de</strong>rnismo. São Paulo: Ed. Nobel,<br />

FERREIRA, F. P. <strong>Padrões</strong> <strong>de</strong> tamanho do vestuário: porque e como utilizar. São<br />

Bernardo do Campo: Ed. Marco Item Comunicação, 1996.<br />

FIGUEIRA, D. N. Tabelas <strong>de</strong> medidas e a evolução do corpo da mulher<br />

brasileira. São Paulo: Monografia apresentada ao curso <strong>de</strong> Pós-Graduação, em moda e<br />

Criação da Faculda<strong>de</strong> Santa Marcelina – 2004.<br />

FISCHLER, C. Obeso benigno,obeso maligno. In SANT’ANNA, D.B. (org.)<br />

Políticas do corpo. São Paulo: Ed. Estação Liberda<strong>de</strong>, 1995.<br />

FLÜGEL, J. C. A Psicologia das Roupas. São Paulo: Ed Mestre Jou, 1966.<br />

FOUCAULT, M. Microfísica do Po<strong>de</strong>r. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed. Graal,1979.<br />

104


1985.<br />

1984<br />

__________. O cuidado <strong>de</strong> si. in História da sexualida<strong>de</strong>. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed. Graal,<br />

__________. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Editora Vozes,<br />

GARCIA, C.; MIRANDA, A. A <strong>Moda</strong> é Comunicação: experiências,memórias e<br />

vínculos. São Paulo: Ed. Anhembi Morumbi, 2005.<br />

HAYE, A. e MENDES, V. A moda do séc. XX. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2003.<br />

HOLF, T. “Publicida<strong>de</strong>: o corpo modificado”. In Revista comunicação, mídia e<br />

consumo. São Paulo: Ed. ESPM, 2004.<br />

HOLLANDER, A. O Sexo e as Roupas - A evolução do traje mo<strong>de</strong>rno. São Paulo:<br />

Ed. Rocco, 1996.<br />

LACAN, J. O estádio do Espelho como fundador da função do eu. Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 1998.<br />

1995.<br />

LE BRETON, D. Antropologia Del Cuerpo y mo<strong>de</strong>rnidad. B.A.: Nueva Vision,<br />

LIPOVESTSKY, G. O Império do Efêmero: a moda e seus <strong>de</strong>stinos nas<br />

socieda<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas. São Paulo: Ed. Companhia das Letras, 1999.<br />

LYRA, B – GARCIA, W. (Organizadores) <strong>Corpo</strong> & Imagem. São Paulo: Edit. Arte &<br />

ciência, 2002.<br />

MACHADO,I. Escola <strong>de</strong> semiótica. São Paulo : Ateliê editorial , 2003.<br />

MESQUITA, C. Incômoda <strong>Moda</strong> – Uma escrita sobre roupas e corpos instáveis.<br />

Dissertação <strong>de</strong> Mestrado em Psicologia Clínica. PUC – São Paulo. 2000.<br />

MORAES, E. R. O corpo impossível. São Paulo: Ed. Iluminuras, 2003.<br />

MORIN, E. Cultura <strong>de</strong> Massa do Séc XX – O Espírito do Tempo. Rio <strong>de</strong> Janeiro :<br />

Ed. Forense Universitária,1987.<br />

NOVAES, Sylvia C. Jogo <strong>de</strong> Espelhos. São Paulo: Edusp, 1993.<br />

QUEIROZ, Renato da Silva. (Org) O <strong>Corpo</strong> Brasileiro. Estudos <strong>de</strong> estética e<br />

beleza. São Paulo: Editora SENAC, 2000.<br />

SAFATLE, V. Destruição e reconfiguração do corpo na publicida<strong>de</strong> mundial dos anos<br />

90, In Revista comunicação, mídia e consumo. São Paulo: Ed. ESPM, 2004.<br />

105


SAHLINS, M. Cultura e Razão Prática. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 1979<br />

SANT’ANNA, D.B. (Org) Políticas do <strong>Corpo</strong>. Elementos para uma história das<br />

práticas corporais. São Paulo: Ed. Estação Liberda<strong>de</strong>, 1995.<br />

__________ . <strong>Corpo</strong>s <strong>de</strong> passagem: ensaio sobre a subjetivida<strong>de</strong><br />

contemporânea. São Paulo: Ed. Estação Liberda<strong>de</strong>, 2001.<br />

__________ . É possível fazer uma história do corpo? In <strong>Corpo</strong> e História,<br />

coletânea, Campinas: Autores Associados, 2006.<br />

__________ . <strong>Corpo</strong> e História, in Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Subjetivida<strong>de</strong>, NEP da<br />

Subjetivida<strong>de</strong> do Programa <strong>de</strong> Estudos Pós-graduados em Psicologia Clínica da PUC/SP<br />

v.1., nº 2. SP, 1993.<br />

SANTAELLA, L. Semiótica Aplicada. São Paulo: Ed. Thomson, 2002.<br />

__________. Teoria Geral dos Signos. São Paulo: Ed. Thomson, 2000.<br />

SCHPUN, M. R. Beleza em jogo: cultura física e comportamento em São Paulo<br />

nos anos 20. São Paulo: Ed. SENAC, 1999.<br />

SOUZA, Gilda <strong>de</strong> M. S. O espírito das roupas: a moda do séc. XIX. São Paulo:<br />

Ed. Companhia das Letras, 2001.<br />

1989.<br />

TEIXEIRA, M. Z. A Natureza Imaterial do Homem. São Paulo: Ed. Petrus, 2000.<br />

TOBY FISCHER, M. O Código do Vestir. s/d<br />

WILSON, Elizabeth. Enfeitada <strong>de</strong> Sonhos. São Paulo: Ed. Arte e Comunicação,<br />

Bibliografia Comentada<br />

BAUDRILLARD, J. A Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Consumo. Lisboa: Ed. Edições 70 s/d<br />

(Esse gran<strong>de</strong> sociólogo analisa o fenômeno do consumo dos objetos sugerindo o consumo<br />

como um modo ativo <strong>de</strong> relação e <strong>de</strong> resposta global. Abordando todas as formas <strong>de</strong> interação imitidas<br />

pelos na celebração dos objetos.)<br />

______________ O Sistema dos Objetos. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1997.<br />

(Obra inicial que teve continuida<strong>de</strong> no livro acima, o autor começa a esboçar a importância do<br />

consumo em relação ao comportamento do consumidor e suas influencias.).<br />

106


CASTRO, A. L. Culto ao <strong>Corpo</strong> e a Socieda<strong>de</strong>: mídia, estilos <strong>de</strong> vida e cultura <strong>de</strong><br />

consumo. São Paulo: AnanBlume Editoras, 2003.<br />

(A autora mostra seu imbricamento no mundo contemporâneo com a industria da cultura ao<br />

analisar revistas <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> circulação, mostrando-nos a preocupação da socieda<strong>de</strong> em cultuar um corpo<br />

bem torneado. Mapeando um estilo <strong>de</strong> vida, através das ativida<strong>de</strong>s físicas no culto ao corpo.).<br />

____________ “<strong>Corpo</strong>, consumo e mídia”. In Revista comunicação, mídia e<br />

consumo. São Paulo: Ed. ESPM, 2004.<br />

(Ao participar <strong>de</strong>sse compêndio <strong>de</strong> textos relacionados ao tema: <strong>Corpo</strong>, Consumo e Mídia; a<br />

autora <strong>de</strong>senvolve sua participação discutindo o culto ao corpo como estilo <strong>de</strong> vida. Abordando o papel<br />

da mídia em temas como sociabilida<strong>de</strong> e distinção social.).<br />

CASTRO, A. L.; BUENO, M. L. (Orgs). <strong>Corpo</strong> Território da Cultura. São Paulo,<br />

AnanBlume Editoras, 2005.<br />

(Essa coletânea <strong>de</strong> ensaios oferece umas reflexões <strong>de</strong>nsas, rigorosas e originais sobre o tema<br />

do título. Demonstrando-nos que a relação entre corpos é repleta <strong>de</strong> ambigüida<strong>de</strong>s, completando os<br />

espaços ,transformando a história.).<br />

CUNHA, K. Configuração <strong>de</strong> uma Plástica: do corpo à moda. Tese <strong>de</strong> Mestrado<br />

em Comunicação e Semiótica. PUC: São Paulo. 1998.<br />

__________. Do <strong>Corpo</strong> Perfeito à Ausência do <strong>Corpo</strong>. Tese <strong>de</strong> Doutorado em<br />

Comunicação e Semiótica. PUC: São Paulo. 2004.<br />

(“O corpo personifica o homem, presentificando-o e o instaurando no mundo”. Desta maneira a<br />

autora trabalha em sua tese a representação do corpo nos dias atuais. Voltando ao seu paradoxo da<br />

padronização e diferenciação; apresentando o corpo como uma po<strong>de</strong>rosa e multifacetada instituição<br />

política. Voltando ao seu paradoxo instaurado: padronização e diferenciação.).<br />

ERNER, G. Vítimas da <strong>Moda</strong>? Como a criamos por que a seguimos. São Paulo:<br />

Ed. SENAC, 2005.<br />

(O autor revela neste livro como tendências e estilos são <strong>de</strong>finidos, como marcas são criadas,<br />

questionando por que a tudo isso seguimos, analisando os estímulos que levam as pessoas a consumir<br />

<strong>de</strong>sesperadamente regras impostas por <strong>de</strong>terminadas facções do meio.).<br />

LIPOVESTSKY, G. O Império do Efêmero: a moda e seus <strong>de</strong>stinos nas<br />

socieda<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas. São Paulo: Ed. Companhia das Letras, 1999.<br />

(Marco essencial, literatura quase que obrigatória no meio acadêmico, muito embora<br />

questionado por seus pares, esse texto <strong>de</strong> Lipovestsks aborda <strong>de</strong> forma clara o papel da moda<br />

(comandando nossas socieda<strong>de</strong>s) no mundo mo<strong>de</strong>rno. Consi<strong>de</strong>rando a moda como uma das belas-artes.<br />

Segundo o autor: “A moda consumada vive <strong>de</strong> paradoxos: sua inconsciência favorece a inconsciência;<br />

suas loucuras, o espírito <strong>de</strong> tolerância; seu mimetismo, o individualismo; sua frivolida<strong>de</strong>, o respeito pelos<br />

direitos do homem.).<br />

107


MESQUITA, C. Incômoda <strong>Moda</strong> – Uma escrita sobre roupas e corpos instáveis.<br />

Dissertação <strong>de</strong> Mestrado em Psicologia Clínica. PUC – São Paulo. 2000.<br />

(A monografia discorre sobre o funcionamento da máquina social estreitamente ligada aos<br />

campos estéticos e mercadológicos que regem a apresentação dos corpos na socieda<strong>de</strong><br />

contemporânea.).<br />

SANT’ANNA, D. (Org) Políticas do <strong>Corpo</strong>. Elementos para uma história das<br />

práticas corporais. São Paulo: Ed. Estação Liberda<strong>de</strong>, 1995.<br />

(Ao organizar vários autores <strong>de</strong> textos que dissertam sobre corporieda<strong>de</strong> como um<br />

labirinto <strong>de</strong> máscaras, pele que a<strong>de</strong>re à outra pele, porém, nunca completamente, não apenas<br />

por subtração, mas pelos <strong>de</strong>slocamentos <strong>de</strong> suas zonas <strong>de</strong> sombra e luz. Como ela mesma<br />

termina dizendo que; são corpos inocentes, mas que nos afetam, e, no entanto não nos imitam<br />

nem nos repetem.).<br />

__________ . <strong>Corpo</strong>s <strong>de</strong> passagem: ensaio sobre a subjetivida<strong>de</strong><br />

contemporânea. São Paulo: Ed. Estação Liberda<strong>de</strong>, 2001.<br />

1989.<br />

(<strong>Corpo</strong>s <strong>de</strong> passagem, é um conjunto <strong>de</strong> ensaios. Os textos que compõem a obra não<br />

aprofundam as discussões teóricas das categorias envolvidas: corpo, subjetivida<strong>de</strong>, indivíduo, por<br />

exemplo. A autora não se preocupou com as relações <strong>de</strong> gênero, afinal, se a sexualida<strong>de</strong> passou a ser<br />

objeto <strong>de</strong> estudo é porque a socieda<strong>de</strong> contemporânea está preocupada com relações <strong>de</strong> gênero e está<br />

<strong>de</strong>sconstruindo os conceitos universais <strong>de</strong> ser homem e <strong>de</strong> ser mulher.).<br />

WILSON, Elizabeth. Enfeitada <strong>de</strong> Sonhos. São Paulo: Ed. Arte e Comunicação,<br />

(A autora busca através <strong>de</strong> seu texto contar a trajetória dos costumes e comportamento da<br />

socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna, enfocando a moda como vetor propulsor. O vestuário constitui a fronteira entre o eu<br />

e o não eu. Suas mudanças <strong>de</strong> estilos, formando i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> produzida em massa e para as massas.<br />

On<strong>de</strong> o capital constrói sonhos e imagens num mundo <strong>de</strong> amor e ódio. Mostrando a roupa como<br />

distinção sexual.).<br />

108


109


ANEXO 02<br />

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT<br />

O QUE É NORMA?<br />

Documento, estabelecido por consenso e aprovado por uns organismos<br />

reconhecidos, que fornece, para um uso comum e repetitivo, regras, diretrizes ou<br />

características para ativida<strong>de</strong>s ou seus resultados, visando à obtenção <strong>de</strong> um grau<br />

ótimo <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nação em um dado contexto<br />

REGULAMENTO<br />

Documento que contém regras <strong>de</strong> caráter obrigatório e que é adotado por uma<br />

autorida<strong>de</strong>. (ABNT ISO/IEC GUIA 2).<br />

REGULAMENTO TÉCNICO<br />

Regulamento que estabelece requisitos técnicos, seja diretamente, seja pela<br />

referência ou incorporação do conteúdo <strong>de</strong> uma norma, <strong>de</strong> uma especificação técnica<br />

ou <strong>de</strong> um código <strong>de</strong> prática.<br />

Nota: Um regulamento técnico po<strong>de</strong> ser complementado por diretrizes técnicas,<br />

estabelecendo alguns meios para obtenção da conformida<strong>de</strong> com os requisitos do<br />

regulamento, isto é, alguma prescrição julgada satisfatória para obter a conformida<strong>de</strong>.<br />

(ABNT ISO/IEC GUIA 2)<br />

O QUE É NORMALIZAÇÃO ?<br />

É a maneira <strong>de</strong> organizar as ativida<strong>de</strong>s pela criação e utilização <strong>de</strong> regras ou<br />

normas, visando contribuir para o <strong>de</strong>senvolvimento econômico e social.<br />

PRINCIPAIS OBJETIVOS<br />

• Facilitar a comunica: Proporcionar os meios necessários para a a<strong>de</strong>quada troca<br />

<strong>de</strong> informações entre clientes e fornecedores, com vistas a assegurar a<br />

confiança e um entendimento comum nas relações comerciais.<br />

110


• Simplificação: Reduzir as varieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> produtos e <strong>de</strong> procedimentos<br />

• Proteger Proteção ao consumidor: Assegurar a proteção do consumidor<br />

mediante o estabelecimento <strong>de</strong> requisitos que permitam aferir a qualida<strong>de</strong> dos<br />

produtos e serviços.<br />

• Segurança: Estabelecer requisitos técnicos <strong>de</strong>stinados a assegurar a proteção<br />

da vida humana, da saú<strong>de</strong> e do meio ambiente.<br />

• Economia: Reduzir o custo <strong>de</strong> produtos e serviços mediante a sistematização,<br />

racionalização e or<strong>de</strong>nação dos processos e das ativida<strong>de</strong>s produtivas, com a<br />

conseqüente economia para clientes e fornecedores.<br />

• Eliminação <strong>de</strong> barreiras comerciais: Evitar a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> regulamentos,<br />

muitas vezes conflitantes, elaborados para produtos e serviços, pelos diferentes<br />

países.<br />

PADRONIZAÇÃO DE MEDIDAS<br />

ABNT/CB-17 17 - Comitê Brasileiro <strong>de</strong> Têxteis e do Vestuário Normalização no<br />

campo da indústria têxtil e do vestuário compreen<strong>de</strong>ndo fibras, fios, cabos, cordoalhas,<br />

tecidos e outros artigos fabricados em têxteis; artigos confeccionados; matérias-primas;<br />

produtos químicos e auxiliares necessários para os diversos tratamentos, no que<br />

concerne a terminologia, requisitos, métodos <strong>de</strong> ensaio e generalida<strong>de</strong>s. Excluindo-se a<br />

normalização <strong>de</strong> máquinas e equipamentos<br />

para indústria têxtil que é <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> do ABNT/CB-04.<br />

Subcomitê: 17:700 – Confecção<br />

CE-17:700.04 – Medidas <strong>de</strong> tamanho <strong>de</strong> artigos confeccionados<br />

Por que normalizar?<br />

Para auxiliar o consumidor na compra <strong>de</strong> roupas, seja para:<br />

• Poupar tempo na prova <strong>de</strong> roupas;<br />

• Evitar problemas em caso <strong>de</strong> compra <strong>de</strong> peças sem direito à troca (por exemplo:<br />

roupas íntimas);<br />

• Presentes;<br />

• Compras à distância (internet, catálogos etc).<br />

111


Histórico<br />

1995 – ABNT NBR 13377 - Medidas do corpo humano para vestuário -<br />

<strong>Padrões</strong> referenciais<br />

• Objetivo: Padroniza os tamanhos <strong>de</strong> artigos do vestuário, em função das<br />

medidas do corpo humano.<br />

2004 – ABNT NBR 15127 - <strong>Corpo</strong> humano – Definição <strong>de</strong> medidas<br />

• Objetivo: Estabelece procedimentos para <strong>de</strong>finir medidas do corpo humano que<br />

po<strong>de</strong>m ser utilizadas como base na elaboração <strong>de</strong> projetos tecnológicos;<br />

• Elaborada pela ABNT/CEET-00:001.46 – Comissão <strong>de</strong> Estudo Especial<br />

Temporária <strong>de</strong> Medições do <strong>Corpo</strong> Humano;<br />

• Participação <strong>de</strong> diversos setores, tais como: têxtil, <strong>de</strong> confecção, automobilístico,<br />

móveis etc.<br />

projetos em <strong>de</strong>senvolvimento<br />

CE-17:700.04 17:700.04 –Medidas <strong>de</strong> tamanho <strong>de</strong> artigos confeccionados<br />

Revisão da ABNT NBR 13377 - Medidas do corpo humano para vestuário -<br />

<strong>Padrões</strong> referenciais<br />

• Início <strong>de</strong> estudo: Outubro /2006<br />

• Situação: Em estudo<br />

Projeto 17:700.04-002 - Medidas <strong>de</strong> tamanho p/ meias<br />

• Situação: Em fase final <strong>de</strong> estudo<br />

- OUTROS PROJETOS<br />

• CE-17:700.03 – Artigos confeccionados para vestuário incluindo roupas<br />

profissionais<br />

• Projeto 17:700.03-004 – Vestuário infantil – Requisitos <strong>de</strong> segurança e<br />

<strong>de</strong>sempenho<br />

• Projeto 17:700.03-005 – Vestuário feminino – Requisitos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho<br />

• Projeto 17:700.03-006 – Vestuário masculino – Requisitos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho<br />

112


ANEXO 05<br />

INFORMAÇÕES OBRIGATÓRIAS NAS ETIQUETAS<br />

113


ANEXO 06<br />

GRÁFICOS<br />

FABRICAÇÃO DE PRODUTOS TÊXTEIS<br />

Horas Trabalhadas na Produção<br />

HORAS<br />

2002/01 -1,2 jan/01 95,80 mil<br />

2003/02 5,6 jan/02 94,68 mil<br />

2004/03 5,4 jan/03 100,00 mil<br />

2005/04 10,1 jan/04 105,36 mil<br />

2006/05 0,7 jan/05 116,03 mil<br />

jan/06 116,80 mil<br />

HORAS TRABALHADAS<br />

12,0<br />

10,0<br />

8,0<br />

6,0<br />

4,0<br />

2,0<br />

0,0<br />

-2,0<br />

-1,2<br />

5,6 5,4<br />

10,1<br />

0,7<br />

2002/01 2003/02 2004/03 2005/04 2006/05<br />

ANO<br />

114


FABRICAÇÃO DE PRODUTOS TÊXTEIS<br />

Total <strong>de</strong> Pessoal Ocupado<br />

2002/01 -2,9 jan/01 102,58 mil<br />

2003/02 0,4 jan/02 99,51 mil<br />

2004/03 -0,3 jan/03 100,90 mil<br />

2005/04 5,4 jan/04 99,68 mil<br />

2006/05 -1,5 jan/05 105,02 mil<br />

jan/06 103,40 mil<br />

PESSOAL OCUPADO<br />

OCUPAÇÃO<br />

6<br />

5<br />

4<br />

3<br />

2<br />

1<br />

0<br />

-1<br />

-2<br />

-3<br />

-2,9<br />

0,4<br />

-0,3<br />

5,4<br />

-1,5<br />

2002/01 2003/02 2004/03 2005/04 2006/05<br />

ANO<br />

115


FABRICAÇÃO DE PRODUTOS TÊXTEIS<br />

Total <strong>de</strong> Vendas Reais<br />

2002/01 1,4 jan/01 91,12 mil<br />

2003/02 8,3 jan/02 92,36 mil<br />

2004/03 16,4 jan/03 100,00 mil<br />

2005/04 1,4 jan/04 116,44 mil<br />

2006/05 6,6 jan/05 118,11 mil<br />

jan/06 125,86 mil<br />

VENDAS REAIS<br />

VENDAS<br />

18<br />

16<br />

14<br />

12<br />

10<br />

8<br />

6<br />

4<br />

2<br />

0<br />

1,4<br />

8,3<br />

16,4<br />

1,4<br />

6,6<br />

2002/01 2003/02 2004/03 2005/04 2006/05<br />

ANO<br />

116


FABRICAÇÃO DE PRODUTOS TÊXTEIS<br />

Total <strong>de</strong> Salários Reais<br />

2002/01 10,5 jan/01 89,68 mil<br />

2003/02 0,9 jan/02 99,08 mil<br />

2004/03 12,8 jan/03 100 mil<br />

2005/04 6,9 jan/04 112,84 mil<br />

2006/05 8,1 jan/05 120,67 mil<br />

jan/06 130,42 mil<br />

SALÁRIOS REAIS<br />

R$<br />

14<br />

12<br />

10<br />

8<br />

6<br />

4<br />

2<br />

0<br />

10,5<br />

0,9<br />

12,8<br />

6,9<br />

8,1<br />

2002/01 2003/02 2004/03 2005/04 2006/05<br />

ANOS<br />

117

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