1 centro universitário senac - sp luiz augusto grando padilha ...
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CENTRO UNIVERSITÁRIO SENAC - SP<br />
LUIZ AUGUSTO GRANDO PADILHA<br />
DIAGNÓSTICO DA ACIDENTALIDADE OCUPACIONAL NA INDÚSTRIA<br />
MADEIREIRA: A EXPERIÊNCIA DA GESTÃO EM SAUDE E SEGURANÇA DO<br />
TRABALHO EM UMA EMPRESA DE SANTA CATARINA<br />
SÃO PAULO<br />
2007<br />
1
LUIZ AUGUSTO GRANDO PADILHA<br />
DIAGNÓSTICO DA ACIDENTALIDADE OCUPACIONAL NA INDÚSTRIA<br />
MADEIREIRA: A EXPERIÊNCIA DA GESTÃO EM SAUDE E SEGURANÇA DO<br />
TRABALHO EM UMA EMPRESA DE SANTA CATARINA<br />
Dissertação apresentada como parte das<br />
exigências para a obtenção do grau de Mestre em<br />
Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio<br />
Ambiente, ministrado pelo Centro Universitário<br />
Senac sob orientação da Profª. Dra. Alice Itani -<br />
Dr.<br />
SÃO PAULO<br />
2007<br />
2
P123d Luiz Augusto Grando Padilha<br />
Diagnóstico da acidentalidade ocupacional na indústria madeireira:<br />
a experiência da gestão em saúde e segurança do trabalho em uma<br />
empresa de Santa Catarina / Padilha, Luiz Augusto Grando –<br />
São Paulo, 2008.<br />
231 f.: il. color.<br />
Orientadora: Profa. Dra. Alice Itani.<br />
Dissertação de Mestrado em Gestão Integrada em Saúde do<br />
Trabalho e Meio Ambiente – Centro Universitário Senac<br />
– Campus Santo Amaro – 2008.<br />
1.Gestão 2.Saúde do trabalhador 3.Indústria madeireira<br />
4.Acidente de trabalho 5.Santa Catarina I. Itani, Alice (orient.)<br />
II. Título<br />
CDD 614.80981641<br />
3
LUIZ AUGUSTO GRANDO PADILHA<br />
DIAGNÓSTICO DA ACIDENTALIDADE OCUPACIONAL NA INDÚSTRIA<br />
MADEIREIRA: A EXPERIÊNCIA DA GESTÃO EM SAUDE E SEGURANÇA DO<br />
TRABALHO EM UMA EMPRESA DE SANTA CATARINA<br />
Dissertação apresentada como parte das<br />
exigências para a obtenção do grau de Mestre em<br />
Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio<br />
Ambiente, ministrado pelo Centro Universitário<br />
Senac sob orientação da Profª. Dra. Alice Itani -<br />
Dr.<br />
A banca examinadora dos trabalhos de Conclusão em sessão pública<br />
realizada em 29/09/2007, considerou o candidato: Aprovado.<br />
BANCA EXAMINADORA<br />
________________________________<br />
Alice Itani<br />
_______________________________<br />
Emilia Satoshi Miyamaru Seo<br />
________________________________<br />
Gilson Britto<br />
São Paulo<br />
2007<br />
4
AGRADECIMENTOS<br />
Agradeço a Deus por me iluminar durante toda a vida, dando-me força em<br />
momentos de dificuldade e fraqueza, e principalmente, ajudando-me a levantar e<br />
superar obstáculos a cada queda.<br />
Aos meus pais, Nilton e Ivalina, sempre os agradecerei, por tudo o que<br />
fizeram, por tudo o que são e representam na minha vida.<br />
A Liziane minha e<strong>sp</strong>osa e Guilherme meu filho pela compreensão por todos<br />
os momentos que permitiram minha ausência para a dedicação deste trabalho.<br />
A Profª. Alice pela sabedoria, conhecimento, paciência, que demonstrou<br />
durante todo o período que convivi com ela e que tanto ensinamento me<br />
proporcionou.<br />
E a todos que, direta ou indiretamente, e de forma e<strong>sp</strong>ecial colaboraram<br />
comigo para vencer mais uma etapa da minha vida.<br />
5
EPÍGRAFE<br />
Vida e Trabalho<br />
... Um homem se humilha se<br />
castram seus sonhos, seu<br />
sonho é sua vida e vida é<br />
trabalho; E, sem o seu trabalho,<br />
o homem não tem honra, e sem<br />
a sua honra, se morre, se mata.<br />
Não dá p’rá ser feliz!<br />
6<br />
Gonzaguinha
RESUMO<br />
O presente estudo trata de descrever a experiência vivenciada através de um<br />
diagnóstico da acidentalidade em uma grande indústria de transformação e<br />
beneficiamento de madeira, durante um período de 28 (vinte e oito) meses no<br />
período entre 2005 e 2007. Tem por objetivo subsidiar ações visando a prevenção<br />
da integridade física e saúde dos trabalhadores, bem como a gestão de saúde e<br />
segurança ocupacional numa indústria do ramo de molduras confeccionadas a partir<br />
do beneficiamento de madeira provenientes de reflorestamentos do Gênero Pinnus<br />
<strong>sp</strong>p, com alta tecnologia e excelente qualidade de seus produtos, somada a alta<br />
produtividade. A indústria madeireira com essas características se transformou<br />
rapidamente num pólo internacional no referido ramo. Foram sintetizados achados<br />
epidemiológicos a partir dos 611 acidentes de trabalho considerados, com e sem<br />
período de afastamento ocorrido no período. Foi possível verificar que embora o<br />
número absoluto de acidentes estudado tenha sido elevado, corre<strong>sp</strong>ondente ao<br />
período de estudo, que a taxa de freqüência comparada entre o ano de 2005 e 2007,<br />
apresentou uma redução de 31,85 %. O índice de avaliação de gravidade, no<br />
entanto, variou de 306,03 no ano de 2005 para 871,34 no ano de 2006, ou seja,<br />
apresentou um aumento superior a duas vezes o valor do ano anterior. Através<br />
deste trabalho foi possível caracterizar os acidentes ocorridos numa empresa<br />
madeireira de Santa Catarina analisando os dados e buscando identificar os pontos<br />
deficientes do processo de trabalho. O trabalho não tem a pretensão de esgotar a<br />
discussão sobre acidentes de trabalho, mas delinear uma per<strong>sp</strong>ectiva sobre uma<br />
proposta de prevenção.<br />
Palavras-chave: Gestão, saúde do trabalhador, indústria madeireira, acidente de<br />
trabalho, Santa Catarina.<br />
7
ABSTRACT<br />
The present study it treats to describe the experience lived deeply through a<br />
diagnosis of the accidents in a great industry of transformation and wooden<br />
improvement, during a period of 28 (twenty and eight) months in the period between<br />
2005 and 2007. It has for objective to subsidize action aiming at the prevention of the<br />
physical integrity and health of the workers, as well as the management of health and<br />
occupational security in an industry of the branch of frames confectioned from the<br />
wooden improvement proceeding from reforestations of the Pinnus Sort <strong>sp</strong>p, with<br />
high technology and excellent quality of its products, added the high productivity. The<br />
lumber industry with these characteristics if transformed quickly into an international<br />
polar region in the related branch. They had been synthecized found epidemiologists<br />
from the 611 considered industrial accidents, with and without period of removal<br />
occurred in the period. It was possible to verify that even so the absolute number of<br />
accidents studied has been raised, corre<strong>sp</strong>onding to the period of study, that the tax<br />
of compared frequency enters the year of 2005 and 2007, presented a reduction of<br />
31,85 %. the index of gravity evaluation, however, it varied of 306,03 in the year of<br />
2005 for 871,34 in the year of 2006, or either, presented a superior increase the two<br />
times the value of the previous year. Through this work it was possible to<br />
characterize the accidents occurred in a lumber company of Santa Catarina being<br />
analyzed the data and searching to identify the deficient points of the work process.<br />
The work does not have the pretension to deplete the quarrel on industrial accidents,<br />
but to delineate a per<strong>sp</strong>ective on a prevention proposal.<br />
Key-words: Management, health of the worker, lumber industry, industrial accident,<br />
Santa Catarina.<br />
8
LISTA DE TABELAS<br />
Tabela 1. ................................................................................................................. 71<br />
Tabela 2................................................................................................................... 73<br />
Tabela 3................................................................................................................... 74<br />
Tabela 4.................................................................................................................. 77<br />
Tabela 5 .................................................................................................................147<br />
Tabela 6..................................................................................................................148<br />
Tabela 7..................................................................................................................150<br />
Tabela 8..................................................................................................................151<br />
Tabela 9..................................................................................................................151<br />
Tabela 10................................................................................................................153<br />
Tabela 11................................................................................................................155<br />
Tabela 12................................................................................................................156<br />
Tabela 13................................................................................................................158<br />
9
LISTA DE SIGLAS<br />
ABIMCI – Associação Brasileira da Indústria da Madeira;<br />
ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas;<br />
AEPS – Anuário Estatístico da Previdência Social;<br />
ANEST – Associação Nacional de Engenharia e Segurança do Trabalho<br />
ANPM – Associação nacional de Qualidade da Madeira;<br />
AT – Acidente do Trabalho;<br />
BBS – Behavior Based Safety;<br />
CAT – Comunicação de Acidente do Trabalho;<br />
CBO – Código Brasileiro de Ocupação;<br />
CCOHS – Canadian Center for Occupational Health and Safety;<br />
CENEPI – Centro nacional de Epidemiologia;<br />
CIPA – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes;<br />
CIPLAN – Comissão Interministerial de Planejamento;<br />
CTPS – Carteira do Trabalho e Previdência Social;<br />
DORT – Doença Osteomuscular Relacionada ao Trabalho;<br />
DRT – Delegacia Regional do Trabalho;<br />
EPI – Equipamento de Proteção Coletiva;<br />
FSC – Forest Stewardship Council;<br />
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística;<br />
INPS – Instituto Nacional de Previdência Social;<br />
INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social;<br />
LER – Lesão por Esforço Repetitivo;<br />
MORT – Management Oversight Risk;<br />
MPAS – Ministério da Previdência e Assistência Social;<br />
NBR – Norma Brasileira;<br />
NOFMA – Associação Nacional dos Produtores de Pisos de Carvalho;<br />
NR – Norma Regulamentadora;<br />
OIT – Organização Internacional do Trabalho;<br />
OMS – Organização Mundial da Saúde;<br />
OPAS –<br />
PCMSO – Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional;<br />
10
PIB – Produto Interno Bruto;<br />
PNQM – Programa Nacional de Qualidade da Madeira;<br />
PPRA – Programa de Prevenção dos Riscos Ambientais;<br />
PSS – Posto de Seguro Social;<br />
SAT – Seguro Acidente do Trabalho;<br />
SESI – Serviço Social da Indústria;<br />
SESMT – Serviço E<strong>sp</strong>ecializado em Segurança e Medicina do Trabalho;<br />
SGSST – Sistema de Gestão em Saúde e Segurança do Trabalho;<br />
SIPAT – Semana Interna de prevenção de Acidentes;<br />
SSO – Saúde e Segurança Ocupacional;<br />
SST – Saúde e Segurança do Trabalho;<br />
SUS – Sistema Único de Saúde;<br />
TEM – Ministério do Trabalho e Emprego.<br />
11
SUMÁRIO<br />
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................14<br />
2 SAÚDE E SEGURANÇA DO TRABALHADOR ....................................................17<br />
2.1. SAÚDE DO TRABALHADOR.............................................................................17<br />
2.2 A PROBLEMÁTICA DOS ACIDENTES DE TRABALHO.....................................28<br />
2.2.1 O Debate da Causalidade ................................................................................33<br />
2.2.2 Acidentes de Trabalho no Brasil.......................................................................38<br />
2.2.3. Registros ou Notificações................................................................................45<br />
2.2.4. Panorama Nacional.........................................................................................48<br />
2.2.4.1. Por atividade econômica ..............................................................................50<br />
2.2.4.2. Por região.....................................................................................................51<br />
2.2.4.3. Por idade e sexo ..........................................................................................53<br />
2.2.4.4. Partes do corpo atingida...............................................................................53<br />
2.2.5 Causa e Culpa..................................................................................................54<br />
2.2.6. Informações sobre acidentes de trabalho........................................................69<br />
2.2.7. Acidentalidade brasileira .................................................................................72<br />
2.3 ACIDENTE DE TRABALHO: um desafio da gestão em saúde e segurança.......87<br />
3 CONSIDERAÇOES METODÓLOGICAS...............................................................89<br />
4 A INDÚSTRIA MADEIREIRA EM SANTA CATARINA E A ACIDENTALIDADE..95<br />
4.1 A INDÚSTRIA MADEIREIRA X...........................................................................96<br />
4.2 PROCESSO DE TRABALHO DA INDÚSTRIA MADEIREIRA X.........................98<br />
4.2.1. Processamento da madeira / Desdobro / Serraria ..........................................98<br />
4.2.2. Secagem da madeira ....................................................................................102<br />
4.2.3. Beneficiamento da madeira...........................................................................107<br />
4.2.4. O mercado de madeiras beneficiadas - molduras .........................................114<br />
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO DA ACIDENTALIDADE E PRÁTICAS DA<br />
INDÚSTRIA MADEIREIRA X..................................................................................117<br />
5.1 A concepção de acidente e o desenvolvimento de métodos de investigação.. 115<br />
5.2 Trajetória recente das concepções de acidentes do trabalho........................... 116<br />
5.3 A investigação dos acidentes do trabalho......................................................... 131<br />
5.4 Treinamento...................................................................................................... 139<br />
5.5 Indicadores epidemiológicos............................................................................. 140<br />
5.6 Banco de dados ................................................................................................145<br />
5.7 Acidentalidade X Atividade Laboral...................................................................147<br />
6 PREVENÇÃO DE ACIDENTES NUMA INDÚSTRIA MADEIREIRA DE SANTA<br />
CATARINA: ALGUNS PONTOS DE REFERÊNCIA..............................................163<br />
6.1 O SISTEMA DE GESTÃO EM SSO ..................................................................167<br />
6.2 ENVOLVIMENTO DA EMPRESA .....................................................................169<br />
6.3 AÇÕES DE SEGURANÇA E SAÚDE OCUPACIONAL ....................................172<br />
6.4 ATITUDES DO TRABALHADOR NA OCORRÊNCIA DOS ACIDENTES DE<br />
TRABALHO.............................................................................................................173<br />
6.5 A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E SEUS IMPACTOS NO<br />
COMPORTAMENTO DOS TRABALHADORES .....................................................177<br />
6.6 A PARTICIPAÇÃO DOS TRABALHADORES NOS PROGRAMAS DE SSO DA<br />
EMPRESA...............................................................................................................180<br />
12
6.7 O ORDENAMENTO FORMAL DO TRABALHO E OS CONFLITOS DE PODER –<br />
A QUÊ OU A QUEM O TRABALHADOR DEVE OBEDIÊNCIA? ............................181<br />
6.8 ASPECTOS CRÍTICOS DA SEGURANÇA NO TRABALHO AINDA<br />
PREDOMINANTES NA EMPRESA “X”...................................................................186<br />
6.9 DIAGNÓSTICO EM RELAÇÃO ÀS AÇÕES DE SEGURANÇA E A SAÚDE<br />
OCUPACIONAL DESENVOLVIDAS NA EMPRESA X ...........................................189<br />
6.9.1 O Conhecimento dos Gestores Acerca dos Riscos do Trabalho é Limitado, e<br />
em Algumas Circunstâncias, Inexistente.................................................................190<br />
6.9.2 Os Gestores Vacilam em Assumir o Compromisso de Administrar as Questões<br />
de Sso nas suas Áreas de Trabalho, Alegando não Saber que essa Atividade Faz<br />
Parte de Suas Atribuições.......................................................................................192<br />
6.9.3 Os Gestores ue Lidam com os Riscos Podem Saber de sua Existência, mas<br />
não se Esforçam para Corrigi-los por que seu Superior (Gerente) não lhe dão Apoio<br />
Necessário para as Ações Corretivas. ....................................................................194<br />
6.9.4 As Situações de Risco são Mantidas porque a Existência das Mesmas não<br />
Atrapalham e, Caso Atrapalhassem não Impediam de se Realizar os Serviços.....195<br />
6.9.5 A Exposição, por Longo Tempo, a uma Determinada Condição de Risco, sem o<br />
Devido Controle, Induzia os Trabalhadores a Enxergá-los Como Normal e Aceitável.<br />
................................................................................................................................196<br />
6.9.6 As Situações de Risco são Mantidas porque todas as Preocupações e<br />
Recursos são Voltados Prioritariamente para o Atendimento as Finalidades do<br />
Negócio ...................................................................................................................197<br />
6.9.7 As Situações de Risco são Mantidas Devido à Descrença das Pessoas com<br />
elas Envolvidas, por Falta de Re<strong>sp</strong>ostas as Inúmeras Solicitações para sua Correção<br />
................................................................................................................................198<br />
6.10 Impressões dos Trabalhadores Sobre o que Pensam e o que Fazem em<br />
Relação à Segurança e Saúde no Trabalho ...........................................................199<br />
6.11 Do Gerenciamento da Segurança e Saúde Ocupacional - SSO .....................204<br />
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................209<br />
ANEXOS……………………………………………………………………...……………181<br />
REFERÊNCIAS.......................................................................................................217<br />
13
1 INTRODUÇÃO<br />
Os acidentes de trabalho se mantêm como um problema de saúde nos<br />
ambientes de trabalho. Um dos maiores desafios da gestão da saúde e segurança<br />
do trabalho nas organizações é o da prevenção de acidentes e doenças<br />
ocupacionais. O impacto dos altos índices de acidentes ocupacionais é negativo<br />
tanto para a saúde do trabalhador como para a sociedade e, ainda, para o ambiente<br />
organizacional além de colocar em risco a sustentabilidade das organizações.<br />
A gestão da segurança e saúde estabelece o foco nos trabalhadores,<br />
identificando os perigos a que estes podem estar sujeitos em cada uma das<br />
atividades de trabalho e a necessidade do cumprimento de procedimentos<br />
normativas e legalistas, implementando daí, os controles de segurança e saúde<br />
ocupacional nos processos e instalações das organizações.<br />
Essa questão esteve presente na elaboração deste estudo durante os últimos<br />
anos. O setor madeireiro é um dos campeões de acidentes conforme estatística do<br />
Ministério do Trabalho. A indústria madeireira muito embora tenha se transformado<br />
rapidamente nos últimos anos, tornando-se referência internacional em tecnologia e<br />
com importância na economia dos municípios, estados e países, mantém altos<br />
índices de acidentes. A indústria agro-florestal e o setor madeireiro tem sido<br />
referência, tornando a região Meio-Oeste do Estado de Santa Catarina como o maior<br />
pólo do setor e com forte influência na economia do Estado. No entanto, não há<br />
estudos sobre acidentes de trabalho em indústria madeireira que possam contribuir<br />
para melhoria dos processos industriais e para as políticas de gestão. O objeto<br />
desse estudo trata de apresentar um diagnóstico da gestão de saúde e segurança<br />
ocupacional de uma grande indústria madeireira. Buscou-se identificar os acidentes<br />
14
ocorridos no período entre 2005 a 2007 bem como as práticas de gestão dos últimos<br />
28 meses, analisando os pontos deficientes do processo de trabalho e das políticas<br />
de gestão. Tem a finalidade de contribuir para as políticas de gestão das indústrias<br />
do setor. Partiu-se da hipótese que os acidentes de trabalho possuem causas<br />
complexas, baseadas principalmente na má gestão em Segurança e Saúde<br />
Ocupacional, mas que podem ser identificadas e eliminadas.<br />
O presente estudo tem o propósito de descrever o sistema de prevenção de<br />
acidentes em vigência como um instrumento de gestão de saúde e segurança<br />
ocupacional de uma indústria madeireira. Buscou-se identificar os acidentes<br />
ocorridos no período entre 2005 e 2007 bem como as práticas de gestão de dois<br />
anos, analisando os pontos deficientes do processo de trabalho e das políticas de<br />
gestão da empresa ora estudada. A consistência dos dados levantados permitiu<br />
aventar considerações, opiniões e conclusões que julgamos relevantes e fizeram<br />
com que passássemos a investir constantemente naqueles que verdadeiramente se<br />
interessam pelo processo de redução de custos, maior envolvimento, integração e<br />
comprometimento sobre prevenção de doenças e acidentes relacionados ao<br />
trabalho.<br />
Tem a finalidade de contribuir para as políticas de gestão das indústrias do<br />
setor. A relevância do estudo é obtida, dada à falta de estudos nesse setor. Partiu-se<br />
da hipótese que os acidentes de trabalho possuem causas complexas, mas que<br />
podem ser identificadas e eliminadas.<br />
Para tanto, o estudo está apresentado em seis capítulos. No segundo<br />
capítulo, apresenta-se uma discussão sucinta sobre a gestão da saúde e segurança<br />
do trabalhador, incluindo uma discussão sobre acidentes de trabalho. No terceiro<br />
capitulo apresenta-se as considerações metodológicas. No quarto capítulo, uma<br />
15
eve apresentação da indústria madeireira X em estudo, o processo de trabalho e a<br />
acidentalidade com as práticas de gestão. No quinto capítulo, a apresentação do<br />
programa de promoção da saúde do trabalhador por meio do programa de<br />
prevenção de acidentes na indústria madeireira X em estudo. Por último, as<br />
considerações finais.<br />
16
2 SAÚDE E SEGURANÇA DO TRABALHADOR<br />
O presente capítulo tem como intenção demonstrar que a gestão da saúde do<br />
trabalhador nas organizações passa, sobretudo pela compreensão da saúde do<br />
trabalho partindo da compreensão que o trabalho faz parte da existência do homem<br />
como ser social, capaz de articular ações para um fim determinado.<br />
Esta etapa consistiu de um levantamento das informações mais relevantes<br />
relativas ao tema de estudo, dentre os materiais já publicados em livros, periódicos e<br />
no meio eletrônico, até o momento da elaboração do trabalho.<br />
O Objetivo desta etapa foi construir a fundamentação teórica da pesquisa a<br />
partir de bases sólidas do conhecimento. Os principais a<strong>sp</strong>ectos levantados referem-<br />
se à (aos):<br />
- problemáticas dos acidentes do trabalho e doenças profissionais;<br />
- metodologia tradicionalmente utilizada para a sua investigação;<br />
- tecnologia de extração de conhecimentos em grandes bases de dados<br />
utilizadas para extrair informações implícitas – previamente desconhecidas e úteis –<br />
dificilmente identificáveis utilizando as técnicas convencionais de análises.<br />
2.1. SAÚDE DO TRABALHADOR<br />
Vários autores trabalharam esta temática da saúde e segurança do<br />
trabalhador nos ambientes de trabalho. A compreensão do trabalho elaborada por<br />
Marx considera o trabalho indi<strong>sp</strong>ensável à existência do homem, quaisquer que<br />
sejam as formas de sociedade. É necessidade natural e eterna de efetivar o<br />
intercâmbio material entre o homem e a natureza, e, portanto, de manter a vida<br />
17
humana (MARX, 1980). E considerou que as formações econômico-sociais são<br />
definidas como tipos históricos de sociedades caracterizadas pela combinação de<br />
um modo de produção com uma forma determinada de organização social e com um<br />
corpo particular de concepções ideológicas (1974), Atribuiu-se ao trabalho o papel<br />
de ampliar as potencialidades humanas, proporcionando bem-estar e melhoria da<br />
qualidade de vida.<br />
A compreensão da relação da saúde com a doença vem sendo objeto de<br />
reflexões e análises de diferentes estudiosos. Mendes (1995, apud SIGERIST E<br />
ROSEN), comenta tal associação em antigos papiros egípcios e documentos gregos<br />
e romanos. Apesar destas constatações – do adoecer trabalhando, das graves<br />
seqüelas físicas advindas das atividades laborais, assim como das perdas precoces<br />
de vidas decorrentes da exposição dos trabalhadores a situações precárias de<br />
trabalho – não existia ainda uma preocupação mais formalizada quanto à<br />
modificação deste quadro, por envolver, muitas vezes, populações escravas ou de<br />
povos subjugados. Muitos séculos se passaram até que essa questão começasse a<br />
ganhar um pouco de conhecimento suficiente para sustentar a associação entre<br />
trabalho, saúde e doença.<br />
Essas associações são relacionadas com o modo de produção predominante<br />
em cada época. No período mercantilista, a acumulação de metais determinava o<br />
poderio e a importância de uma nação. Problemas de saúde dos trabalhadores<br />
relacionados com a extração de metais podem ser vistos em escritos, como os de<br />
Agrícola e Paracelso escritos no século XVI. A obra de Ramazzini publicado em<br />
1700 – considerado o pai da Medicina do Trabalho para muitos historiadores – é<br />
desenvolvida durante anos a partir da pergunta que acrescentaria à anamnese<br />
18
hipocrática: “– Qual é a sua ocupação?” (DE MORBIS ARTIFICUM DIATRIBA, apud<br />
MENDES, 1995).<br />
Os estudos realizados anteriormente à Revolução Industrial podem ser<br />
considerados os primórdios de uma medicina voltada para as inter-relações entre<br />
trabalho e doença. De forma geral, surgiram no bojo dos estudos de limitada<br />
abrangência, onde, se iniciaram mudanças nas relações e nos processo de trabalho,<br />
com a intensificação, por exemplo, da extração de carvão. Em virtude desse<br />
processo, as conseqüências à saúde dos mineiros já puderam ser observadas nessa<br />
época. Durante a Revolução Industrial vai aparecer certa preocupação mais formal<br />
com o tema e também o surgimento de uma medicina voltada para essa questão.<br />
Seu foco de atenção encontrava-se principalmente no ambiente fabril gerador de um<br />
elevado contingente de doentes, mutilados e mortos. Era o nascimento da Medicina<br />
do Trabalho, com a finalidade de re<strong>sp</strong>onder ás expectativas do capital quanto à<br />
diminuição dos custos gerados pelos acidentes no ambiente de trabalho. Tratava-se<br />
de serviço centrado na figura do médico, mas que não questionava a organização do<br />
trabalho.<br />
Somente no início do século XX a Medicina do Trabalho definiu-se como área<br />
de conhecimento. Isso pode ser verificado por dois fatores. Primeiro, pela realização<br />
do I Congresso Internacional de Doenças do Trabalho, em Milão, Itália em 1906<br />
(MENDES, 1995). Foi o primeiro fórum internacional, voltado para a questão, de que<br />
se tem registro. Segundo, pela criação da Organização Internacional do Trabalho<br />
(OIT) em 1919, decorrente das perdas humanas elevadas não apenas nas frentes<br />
de batalha, mas também no interior das fábricas. A OIT é uma tentativa primeira de<br />
sistematização, entre as nações, de políticas voltadas para o atendimento da<br />
crescente demanda de reivindicações dos trabalhadores (OLIVEIRA, 1994).<br />
19
Mas é também o desenvolvimento da grande indústria, dos modelos de<br />
produção em massa, com o desenvolvimento tecnológico que possibilitou a<br />
aceleração dos processos industriais, da divisão do trabalho. Ficou evidente a<br />
incapacidade da Medicina do Trabalho em dar re<strong>sp</strong>ostas aos novos problemas que<br />
aparecem. O elevado custo – social e econômico direto e indireto – dos danos à<br />
saúde levou a uma reformulação do antigo modelo com a ampliação do lócus de<br />
atuação. O ambiente de trabalho integra-se como objeto de intervenção e são<br />
constituídas equipes multidisciplinares. É o surgimento da Saúde Ocupacional.<br />
A partir da década de 70, evidencia-se a ação dessa área da Saúde<br />
Ocupacional, em processo iniciado a partir do questionamento do próprio Welfare<br />
State, como reflexo da crise econômica e das finanças públicas. Se o Welfare State<br />
havia sido a re<strong>sp</strong>osta encontrada para superar a crise do capitalismo dos anos 30,<br />
reconhecendo-se a necessidade de uma intervenção estatal efetiva, de maneira<br />
regular e aperfeiçoar a alocação de recursos, isso foi desequilibrando. Essa<br />
intervenção visou garantir o aumento do consumo como forma de estimular a<br />
produção, promovendo, de um lado, certo grau de justiça distributiva e garantindo,<br />
de outro lado, os requisitos da acumulação capitalista (FURTADO, 1974).<br />
Esse modelo de financiamento público da economia capitalista e da<br />
reprodução da força de trabalho por meio de gastos sociais vai perdendo também<br />
por outros motivos. Estão nesses motivos, desde aqueles inerentes à sua própria<br />
estrutura interna, como a burocratização e ineficiência, até os de ordem externa,<br />
como a aceleração inflacionária e o aumento do desemprego, entre outros,<br />
evidenciando uma incapacidade de garantir o crescimento e superar as crises<br />
econômicas (Melo 1994). Com o esgotamento da política de bem-estar social é<br />
também a insuficiência do modelo denominado Saúde Ocupacional. Se houve no<br />
20
inicio um longo caminho – que ainda não terminou – de mudança do enfoque para a<br />
Saúde do Trabalhador, por meio dos modelos de analise dos processos do trabalho,<br />
como de Laurell e Noriega (1989) ganhando corpo a teoria da determinação social,<br />
cargas laborais e padrões de desgaste.<br />
Dessa trajetória, da Medicina do Trabalho à Saúde do trabalhador, e suas<br />
inter-relações, foi objeto de estudo de vários autores, entre os quais destacamos<br />
Laurel e Noriega (1989), Mendes & Dias (1991) e Mendes (1995). A intensificação<br />
do trabalho através do incremento de tecnologias e sua relação com o adoecer,<br />
apresentados até o momento, tiveram lugar em todos os países. Alguns países<br />
iniciaram seu processo de industrialização tardia, quase um século após sua<br />
efetivação nos países desenvolvidos, como o caso do Brasil. A associação trabalho<br />
e saúde-doença no Brasil, em função do seu histórico de utilização de mão-de-obra<br />
escrava até 1889 e industrialização tardia, iniciaram-se somente no final do século<br />
XIX. Isso se deu logo após o primeiro surto industrial do país. Este momento, de vital<br />
importância para o desenvolvimento do Brasil e dos demais países “em<br />
desenvolvimento” guarda semelhanças com os problemas enfrentados por outros<br />
países no início da Revolução Industrial, no que se refere à precariedade de<br />
condições de trabalho e extensão da jornada, entre outros.<br />
Os vários momentos de avanços e retrocessos no que se refere à saúde do<br />
trabalhador e à melhoria das condições de trabalho (LUCCA e FÁVERO, 1994)<br />
podem ser verificados no conflito de interesses entre as organizações e os<br />
trabalhadores. Nas três últimas décadas, em particular, não somente no Brasil como<br />
em âmbito mundial, ocorreram significativas mudanças nas relações entre capital e<br />
trabalho. A crise econômica mundial levou as reformulações das políticas públicas<br />
em vários países como Inglaterra, Canadá e E<strong>sp</strong>anha, somente para citar alguns<br />
21
exemplos. O esgotamento do modelo do Welfare State, já mencionado<br />
anteriormente, abriu e<strong>sp</strong>aço para discussões acerca do papel do Estado como<br />
regulador social e de novas agendas para a saúde com o novo modelo dito de<br />
neoliberal.<br />
Nesses confrontos de conflitos os impactos do modelo neoliberal para a<br />
saúde na década de 80 (ALMEIDA, 1996), têm sido bastante debatidos,<br />
internacionalmente por diferentes autores. Realidades, mais diversas têm gerado<br />
uma gama de propostas na tentativa de superar a problemática da racionalização<br />
dos gastos com saúde, sem perder a qualidade dos serviços (SALTMAN, 1994;<br />
CHERNICHOVSKY, 1995; CONTRANDIOUPOULOS, 1996). Estas reformas são<br />
importantes, pois acabam por influenciar a dinâmica interna dos países<br />
dependentes, como é o caso do Brasil, que em meio a estes processos não ficou<br />
imune à crise fiscal e ao debate ideológico neoliberal.<br />
Melo e Costa (1994) analisaram as propostas apresentadas pela OMS/OPAS/<br />
Banco Mundial, para a atenção à Saúde na década de 90, destacando a<br />
preconização de um Estado mínimo – via diminuição da oferta de bens e serviços de<br />
natureza social – com estimulo a privatização, inclusive da Previdência Social. Ao<br />
Estado caberia assumir a oferta de serviços simplificados e de baixo custo,<br />
apontando para o caminho da descentralização, sendo este o arcabouço adequado<br />
para uma economia de mercado. Do Estado mediador e regulador, passa-se para o<br />
mercado regulador e mediador. A análise da relação saúde-doença-trabalho no<br />
Brasil, nesse período, não pode desvincular-se da situação mundial acima descrita.<br />
Podemos observar em nosso país, na atualidade, uma busca pelo equilíbrio fiscal e<br />
monetário e, como conseqüência o desemprego e o empobrecimento da sociedade<br />
22
com graves repercussões para a saúde da população em geral e dos trabalhadores<br />
em particular.<br />
Após anos de um Estado repressor, sob a égide de uma Ditadura Militar e<br />
com uma política pautada na ausência de direitos sociais, as dificuldades para<br />
construção de um novo modelo político, incluindo um novo modelo de Saúde e<br />
principalmente para a Saúde do Trabalhador, ainda não foram superadas. O desafio<br />
persiste mesmo depois de quase duas décadas da promulgação da Constituição de<br />
1998 que, pela primeira vez em nossa história, coloca a saúde como um direito do<br />
cidadão e dever do Estado. O conhecimento deste período é importante não<br />
somente como “curiosidade” histórica, mas principalmente para melhor<br />
compreendermos a complexidade do momento atual. Alves (1984), em seu livro<br />
Estado e Oposição no Brasil (1964-1984), nos colocam à frente do intrincado jogo<br />
de forças políticas e econômicas que permeou todo este processo, até a<br />
denominada redemocratização do país.<br />
Entretanto, segundo Furtado (1974), este jogo de forças não se refere apenas<br />
às lutas internas pelo poder, mas também a sua inter-relação com os interesses<br />
externos do capital, ocorrendo neste período um importante fenômeno da economia<br />
mundial: o crescimento significativo das chamadas empresas multinacionais,<br />
desencadeando um novo tipo de relação entre <strong>centro</strong> e periferia. Observa-se que<br />
enquanto nas economias centrais o desenvolvimento e a acumulação de capital<br />
avançaram acompanhados de inegável estabilidade na repartição de renda, nas<br />
economias periféricas, ou dependentes, a industrialização veio acompanhada de<br />
intensa concentração de renda e aumento da distancia econômica e social entre<br />
ricos e pobres.<br />
23
O novo processo de industrialização nos países subdesenvolvidos – baseado<br />
na substituição das importações com o crescente controle das grandes empresas<br />
multinacionais sobre as atividades econômicas e produtivas destes países. Isto se<br />
dá através da instalação de filiais destes grandes grupos nos países periféricos<br />
onde, não raro, os próprios governos facilitam sua instalação, mediante incentivos e<br />
isenções fiscais, entre outros, tornando-se, portanto, os grandes financiadores dessa<br />
transferência. Essas empresas, por sua vez, em decorrência de seu poder<br />
econômico e político, acabam por pressionar pela manutenção de baixos salários,<br />
utilizando-se de mão-de-obra mais barata e aumentando sua margem de lucro.<br />
Agrava-se, portanto, a dependência dos países subdesenvolvidos em relação aos<br />
países centrais e ao capital multinacional, assim como cresce a interferência<br />
daqueles países nas políticas internas dos paises dependentes. Estes fatos são<br />
relevantes por vários motivos: por um lado, são geradores de conflitos internos em<br />
função da concentração de renda e do aumento do desemprego; por outro, levam a<br />
burocratização do aparelho estatal. Outra questão importante é o envolvimento de<br />
uma minoria privilegiada com o processo de acumulação, para a qual se torna<br />
particularmente interessante a existência de um Estado forte e centralizador, na qual<br />
as liberdades individuais são sumariamente suprimidas. Na América Latina, em<br />
e<strong>sp</strong>ecial, observamos o aparecimento de vários Estados sob controle de ditaduras<br />
militares, como no caso do Brasil (FURTADO, 1974; ALVES, 1984).<br />
Essa situação política acabou por facilitar o aumento da exploração da mão-<br />
de-obra assalariada, que existia desde os primórdios de nossa história. Com o<br />
fechamento dos sindicatos e a extinção dos direitos individuais, o trabalhador não<br />
tinha a quem recorrer, submetendo-se a uma situação de precariedade nas relações<br />
de trabalho de insalubridade e de periculosidade. A intensificação das atividades<br />
24
laborais não demoraram a gerar resultados alarmantes (FURTADO, 1974;<br />
FALEIROS, 1983; COHN e ELIAS, 1996; LACAZ, 1999). Para compreendermos<br />
melhor o desencadear de acontecimentos decorrentes dessa mudança político-<br />
econômica, gostaríamos de nos reportar, ainda que sucintamente, a alguns<br />
momentos que precederam esse processo, relacionados à organização de nosso<br />
sistema previdenciário. Não pretendemos aqui entrar em detalhes sobre a questão.<br />
Estudos importantes foram e têm sido feitos abordando esta temática, dando-<br />
nos uma visão panorâmica do complexo processo de formação do sistema<br />
previdenciário brasileiro e mostrando com clareza o legado desses eventos, que se<br />
refletem ainda hoje em nossa realidade, principalmente no que se refere à Saúde do<br />
Trabalhador (POSSAS 1981; OLIVEIRA e TEIXEIRA, 1986; COHN e ELIAS 1996).<br />
Já em seus primórdios um dos principais problemas observados no modelo brasileiro<br />
foi à vinculação das questões relacionadas à saúde do trabalhador ao Ministério do<br />
Trabalho. Este fato influenciou toda a difícil trajetória do trabalhador, com graves<br />
conseqüências à sua saúde. Em muitos momentos esta vinculação acabou por<br />
propiciar graves equívocos, com problemas da competência da área da Saúde<br />
sendo tratados como assuntos de Estado e de salvaguarda da soberania nacional.<br />
Outra questão importante refere-se às formas de captação e utilização dos<br />
recursos para a previdência social. Baseando-se na contribuição dos empregados<br />
formalmente inseridos no mercado de trabalho, sob a forma de porcentagem sobre<br />
os salários, o que, não tardou a trazer graves problemas, principalmente para seus<br />
mantenedores, os trabalhadores. Percebemos, portanto, a existência, desde o inicio,<br />
de um problema de difícil enfrentamento, qual seja, o da falta de recursos. Sob o<br />
pretexto desta constante ameaça de insuficiência de recursos, adotou-se o regime<br />
de capitalização que acabou por possibilitar a drenagem desses recursos para o<br />
25
financiamento de empreendimentos ditos estratégicos e, não raro, para fins<br />
clientelistas e eleitoreiros.<br />
As principais características deste sistema foram a centralização, o<br />
“burocratismo” e a ineficiência como o seguro social. O que lhe conferiu,<br />
contraditoriamente, uma enorme eficácia política (COHN e ELIAS, 1996). Verificou-<br />
se também, nesse momento, a consolidação de aparatos legais que tiveram como<br />
meta anular a participação dos trabalhadores no controle desta instituição. Essa<br />
di<strong>sp</strong>uta entre Estado e trabalhadores permanece até nossos dias (FALEIROS, 1983;<br />
1992). A partir da década de 60 a Previdência Social assumiu também a<br />
re<strong>sp</strong>onsabilidade pela assistência médica individual dos seus segurados, o que<br />
posteriormente determinou o caráter privatizante e excludente da saúde no nosso<br />
país. Da mesma forma que o dinheiro captado pela Previdência financiou, por<br />
exemplo, a Petrobrás, e, a partir desse momento então, foi utilizado também para<br />
financiamento do setor privado da Saúde.<br />
Neste pequeno retro<strong>sp</strong>ecto a questão da Saúde do Trabalhador, desde há<br />
muito tempo apresenta dificuldades, principalmente em relação aos direitos<br />
previdenciários (COHN e ELIAS, 1996). No momento em que se suprimiam as<br />
liberdades individuais é que foram criadas as condições para efetivação de ações e<br />
projetos impossíveis de serem equacionados até então. É nesse novo cenário que o<br />
regime implementou a unificação da previdência e, em 1996, criou o INPS (Instituto<br />
Nacional da Previdência Social). O projeto havia sido elaborado em 1945 e somente<br />
então se tornava realidade, cristalizando o perfil assistencialista (COHN e ELIAS,<br />
1996). Traduzindo-se, em geral, como questões meramente monetárias e<br />
financeiras, onde, os trabalhadores passaram efetivamente para a condição de<br />
mercadoria, perdendo o seu significado humano.<br />
26
Esta questão pode ser notada no discurso oficial da época, como podemos<br />
observar através de um trecho do pronunciamento do Presidente da Republica de<br />
então, General Ernesto Geisel, proferido em solenidade oficial no ano de 1974,<br />
quando da abertura do XIII Congresso Nacional de Prevenção de Acidentes do<br />
Trabalho realizado em São Paulo. Note-se a ironia do enfoque, antes de tudo<br />
econômico, que dava ás questões relacionadas à saúde do trabalhador, concluindo<br />
com um verniz humanista:<br />
(...) As estatísticas referentes a acidentes do trabalho, entre nós, são<br />
sabidamente muito mais que insatisfatórias, se não mesmo vexatórias. Em<br />
custos diretos, as perdas da economia brasileira, devidas a acidentes,<br />
elevam-se em 1973 a mais de um bilhão de cruzeiros. Se acrescentarmos<br />
os custos indiretos, teremos,no mesmo período, mais de cinco bilhões e<br />
duzentos milhões. E isso significa que o país, num esforço tremendo,<br />
de<strong>sp</strong>endeu, apenas no atendimento de acidentados do trabalho, soma<br />
equivalente a setenta por cento do total gasto, pelo INPS, e assistência<br />
médica e toda a população brasileira... (BRASIL, 1974)<br />
O que chama a atenção nesta fala é o fato de que – apesar de no decorrer do<br />
discurso o Presidente da Republica apontar para a gravidade do fato, em função das<br />
perdas humanas e listar os possíveis culpados para tal: as empresas, o próprio<br />
Estado, os trabalhadores e os sindicatos – fica evidente a preocupação, muito maior,<br />
com a economia de recursos financeiros do que com o comprometimento com a<br />
efetiva reversão desse trágico quadro. Principalmente quando o Estado –<br />
funcionando como grande facilitador da entrada das grandes empresas no país –<br />
adotou políticas econômicas e trabalhistas absolutamente excludentes e perversas.<br />
Franco (1981) analisa, com bastante clareza, esse cinismo oficial de então no<br />
que se refere às questões trabalhistas. É importante destacar que, apesar de<br />
alarmantes, as estatísticas referentes aos acidentes do trabalho divulgadas naquele<br />
momento não se tratavam propriamente de novidade. O Estado sempre foi muito<br />
hábil em omitir e descaracterizar esses dados ao longo de nossa história. Não foi de<br />
27
um momento para outro que simplesmente tomou-se consciência da existência e da<br />
dimensão econômica e social do acidente do trabalho, assim como de sua<br />
intencional ocultação. Durante o período do “milagre econômico”, por tratar-se de<br />
uma fase onde a ausência de direitos civis de qualquer ordem foi zelosamente<br />
mantida, tal ocultação se intensificou. Internamente iniciava-se a construção das<br />
condições necessárias para atender a nova fase de ajustamento do Capital mundial,<br />
em andamento desde a crise da política de bem-estar social. O panorama<br />
internacional delineado anteriormente nos colocava frente a empresas constituídas<br />
por grandes conglomerados, denominados multinacionais, que necessitavam<br />
expandir seus negócios e aumentar sua lucratividade, desde que a custos<br />
baixíssimos.<br />
Essas condições só poderiam ser satisfeitas em locais onde não se<br />
observasse uma sociedade civil fortemente organizada, ainda que,<br />
contraditoriamente, possuísse uma legislação trabalhista aparentemente<br />
representativa dos interesses dos trabalhadores (POSSAS, 1981; FALEIROS, 1992;<br />
DIAS, 1993). Este confluir de interesses acabou por gerar um quadro de exploração<br />
da mão-de-obra trabalhadora sem precedentes. As conquistas observadas em nossa<br />
legislação, no que se refere ao direito do trabalhador, acabaram por ser<br />
escamoteadas, quando não, simplesmente suprimidas em alguns momentos.<br />
2.2 A PROBLEMÁTICA DOS ACIDENTES DE TRABALHO<br />
O presente item tem a finalidade de apresentar alguns a<strong>sp</strong>ectos relativos ao<br />
tema da pesquisa, acidente do trabalho e doença profissional. Nele são abordadas<br />
questões relativas a conceituação acidente do trabalho, caracterização, notificação,<br />
28
além de apresentar uma visão geral do panorama atual do Brasil quanto aos<br />
problemas enfrentados no que diz re<strong>sp</strong>eito aos setores da economia mais afetados,<br />
bem como o perfil dos trabalhadores que tem sido violentados em decorrência das<br />
doenças e dos acidentes do trabalho.<br />
Acidente de trabalho se tornou um grande problema dentro da gestão da<br />
saúde e segurança do trabalho dentro das organizações. Mas, o que é acidente de<br />
trabalho?<br />
Muitas são as definições de acidentes de trabalho, e variam segundo o<br />
enfoque: legal, prevencionista, ocupacional, estatístico, previdenciário, etc., porém<br />
todos reconhecem que é um evento indesejável e ine<strong>sp</strong>erado que produz<br />
desconforto, ferimentos, danos, perdas humanas e ou materiais. Um acidente pode<br />
mudar totalmente a rotina e a vida de uma pessoa, e de uma organização, modificar<br />
sua razão de viver e atuar ou colocar em risco seus negócios e propriedades. Ao<br />
contrário do que muitos trabalhadores possam pensar, o acidente ocupacional não<br />
ocorre por acaso e nem por falta de sorte. Sob o ponto de vista de muitos<br />
e<strong>sp</strong>ecialistas em segurança ocupacional, os acidentes são “causados” por fatores<br />
conhecidos, previsíveis e controláveis.<br />
O conceito de Acidente do Trabalho variou ao longo da história sendo<br />
atualmente definido, conforme Lei nº. 8213, de 24.07.91, como:<br />
[...] o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo<br />
exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do artigo 11<br />
desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a<br />
morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade<br />
para o trabalho (Brasil, 1991)<br />
Algumas questões sempre estão presentes no universo da gestão das<br />
organizações, quando se refere aos acidentes de trabalho, tais como:<br />
29
- Os acidentes ocorrem toda vez que o homem contraria normas de<br />
prevenção de doenças ou doenças ocupacionais de forma proposital ou não<br />
proposital?<br />
- Os acidentes de trabalho, ocorrem quando da presença de circunstâncias<br />
externas que os homens dependem para realizar suas atividades ocupacionais,<br />
porém, tais circunstâncias são incompatíveis e contrarias às normas de segurança?<br />
Os acidentes de trabalho ocorrem por falta de capacitação de pessoal?<br />
- Os acidentes de trabalho são fruto de nossas escolhas e conseqüências de<br />
nossas próprias atitudes: erros inconscientes, distrações, esquecimentos, fatores<br />
psicológicos (depressão), fatores sociais (relacionamentos), ou falha orgânica<br />
(desmaio)?<br />
evitados”?<br />
- “Acidentes de Trabalho são previsíveis; se são previsíveis podem ser<br />
- Os acidentes de trabalho pode ser fruto de uma fatalidade, algo que<br />
simplesmente não haveria como ser previsto ou evitado?<br />
Com efeito, o ato inseguro se tornou uma frase comum ouvida nos ambientes<br />
de trabalho – como o grande argumento utilizado dentro da área de segurança.<br />
Considera-se que o trabalhador possui culpa por trabalhar no piloto-automático. Ou<br />
com excesso de confiança. São frases repetidas aos trabalhadores em treinamentos<br />
de segurança, em palestras de SIPAT, sobretudo em investigações de acidentes, em<br />
reconstituições de acidentes. E outro momento aparece à grande interrogação: como<br />
fazer com que as pessoas se cuidem no trabalho?<br />
De acordo com o conhecido dicionário da língua portuguesa, a palavra<br />
acidente é substantivo masculino que designa “acontecimento casual, fortuito,<br />
imprevisto”. Ainda segundo o mesmo autor, outro sentido para o termo acidente é o<br />
30
de “acontecimento infeliz, casual ou não, e de que resulta ferimento, dano, estrago,<br />
prejuízo, avaria, ruína, etc.; desastre” (FERREIRA, 1995). Referencias a “origens de<br />
causas remotas e desconhecidas”, “eventos não planejados, não previstos”, “falta de<br />
intenção” aparecem na literatura técnica relativa a acidentes (HALE e HALE, 1972;<br />
BROWN, 1990). Também no imaginário de trabalhadores aparecem referencias a<br />
acidentes como produtos da falta de sorte, ou azar, ou, ainda, descuidos da própria<br />
vitima (KOUABENAN, 1999; ALMEIDA e col. 2000).<br />
Brown (1992) aponta a possibilidade de interferência dos interesses do grupo<br />
profissional que conduz a investigação na definição de acidente. Assim, para<br />
psicólogos, o acidente pode ser definido como “falha para agir corretamente numa<br />
dada situação”. Por outro lado, médicos tenderiam a considerar acidentes como<br />
sinônimo de “lesão”. Apesar do tom de critica aos psicólogos na citação acima, esse<br />
autor adota a seguinte definição de acidente: “resultado não planejado de um<br />
comportamento impróprio”. Sua opção por esta definição é justificada nos seguintes<br />
termos:<br />
a) Diferencia o comportamento antecedente de sua conseqüência;<br />
b) Enfatiza a natureza de evento não planejado mais que a de não previsível;<br />
c) O comportamento antecedente é denominado não apropriado, quando<br />
analisado em relação às demandas atuais da tarefa e do ambiente;<br />
d) Evita a associação entre “acidente” e “acaso”, que, muitas vezes, dificulta<br />
a distinção de relação entre o comportamento antecedente e o resultado do<br />
acidente.<br />
Nessas teorias, evidencia-se predomínio de abordagens psicológicas, com<br />
maior difusão daquelas que enfatizam o estudo de comportamentos no trabalho.<br />
31
Segundo Dejours (1977), o encaminhamento da investigação acerca do papel do<br />
fator humano no acidentes assume dois caminhos: o da falha humana e dos<br />
recursos humanos. Do ponto de vista prático, o primeiro prioriza a abordagem de<br />
falhas, desre<strong>sp</strong>eito a regras, erros ou falhas cometidas no trabalho e a defesa de<br />
regulamentos, da disciplina, da vigilância e de instruções direcionadas para o<br />
controle das ações.<br />
A teoria do dominó, esboçada por Heinrich (1959), na década de 30,<br />
apresenta o acidente como ultimo evento de uma seqüência linear e corre<strong>sp</strong>onde à<br />
tentativa de sistematização do processo acidente, que se contrapõe à noção de<br />
fatalidade supracitada. Nessa teoria, o acidente é representado por série de 5<br />
pedras de dominó, posicionadas de tal maneira que a queda de uma desencadeia a<br />
das demais colocadas à sua frente.<br />
A terceira pedra da série introduziu a noção de atos inseguros e condições<br />
inseguras como fatores que precedem diretamente a ocorrência do acidente<br />
propriamente dito e a da lesão. De acordo com a teoria nas origens imediatas do<br />
acidente, as ações do trabalhador (ou de seus colegas) – atos inseguros – assumem<br />
papel de destaque a ser contemplado na prevenção. Atualmente, essa é uma das<br />
noções de causa de acidentes mais difundidas no Brasil e no mundo.<br />
Embora a teoria do dominó descreva o acidente como seqüência linear de<br />
eventos, sua difusão destaca a dicotomia ato inseguro / condição insegura, que<br />
também aparece referida como fator humano/fator técnico. A maioria das<br />
publicações brasileiras destinadas a profissionais que atuam no campo da saúde e<br />
segurança do trabalho, editadas sob os au<strong>sp</strong>ícios da Funda<strong>centro</strong>, difunde essa<br />
concepção de causa de acidentes e define como objetivo de sua investigação a<br />
identificação de atos e/ou condições inseguras.<br />
32
Binder e col. (1997) e Almeida e col. (2000) consideram que a adoção de<br />
práticas de investigação de acidentes baseadas nessa teoria contribui para a difusão<br />
de procedimentos de atribuição de culpa às vitimas de acidentes do trabalho no<br />
Brasil. As investigações estudadas eram sucintas e mostravam, em média, menos<br />
de 2 (dois) fatores causais por acidente. Assunto ainda à ser discutido nesta tese.<br />
2.2.1 O Debate da Causalidade<br />
Nos últimos 30 anos, a literatura de acidentes do trabalho consagra<br />
concepção multicausal, ampliando os horizontes a serem explorados numa<br />
investigação de acidentes e diminuindo a importância atribuída anteriormente às<br />
causas imediatas desses eventos. O surgimento da concepção multicausal enseja o<br />
aparecimento de novos métodos de investigação. Monteau (1979) classifica os<br />
métodos de investigação de acidentes em dois grupos: os baseados em questionário<br />
contendo lista fechada de possíveis fatores causais previamente identificados e os<br />
denominados hermenêuticos, que adotam busca aberta de possíveis fatores causais<br />
sem definição de causa "a priori”.<br />
Assim é que, por exemplo, o método "Management Oversight Risk Tree"<br />
(MORT), em sua versão completa, inclui esquema de fatores classificados por tipo,<br />
mas sem exploração de relações entre eles. A versão simplificada desse método<br />
adota questionário de perguntas fechadas e também constitui exemplo de técnica do<br />
primeiro grupo.<br />
O método de árvore de causas adota coleta de fatos aberta, baseada na<br />
busca de origens de fatores do acidente, e a lista de fatos elaborada; a seguir visa a<br />
organizar os achados de modo a facilitar sua utilização na montagem da árvore.<br />
33
Nessa etapa, as relações entre fatores são retomadas e servem de e<strong>sp</strong>inha dorsal<br />
da análise.<br />
Essa segunda vertente da investigação beneficia-se da adoção de<br />
compreensão do acidente como sinal da ocorrência de uma disfunção em sistema<br />
sócio-técnico aberto. Num primeiro momento, adota-se a idéia de que investigar um<br />
acidente significa identificar o que mudou no sistema - em comparação com o seu<br />
funcionamento sem acidente - e continuar a exploração até a localização das<br />
condições do sistema ou, mais precisamente, das interações entre seus<br />
componentes técnicos e sociais que permitiram a origem dessas mudanças. Aqui, a<br />
noção de multicasualidade assume a forma de rede de múltiplos fatores em<br />
interação.<br />
Nesse esquema, ilustram-se a interação dinâmica de componentes técnicos e<br />
sociais para a obtenção de produto ou resultado, num determinado contexto exterior<br />
e período de tempo. De modo geral, é raro encontrarem-se descrições de sistemas<br />
que apontem também a influência que este último fator tem sobre componentes<br />
(técnicos e humanos) e interações ocorridas no sistema. No entanto, no campo da<br />
saúde e trabalho, trata-se de a<strong>sp</strong>ecto de grande importância que precisa ser sempre<br />
lembrado.<br />
Os trabalhadores que vão atuar no sistema estabelecem relações entre si,<br />
com suas chefias e empregador (es). Cada um deles possui histórico de vida<br />
pessoal e profissional próprio e, de acordo com esses antecedentes e aqueles de<br />
suas comunidades de origem e de inserção da empresa, as relações sociais<br />
estabelecidas no sistema assumem características próprias que interferem nas<br />
relações assumidas entre empregados e chefias, e empregados e meios<br />
di<strong>sp</strong>onibilizados no sistema para o desenvolvimento de sua atividade.<br />
34
Quando os trabalhadores iniciam sua atividade, não o fazem com liberdade<br />
de escolha. Os meios utilizados são aqueles previamente determinados. Além disso,<br />
as chefias estabelecem os objetivos e metas de produção, definem prescrições,<br />
horários, a divisão das pessoas em equipes ou trabalho isolado, etc.<br />
Na atividade, se as interações entre trabalhadores e meios di<strong>sp</strong>oníveis<br />
ocorrem de acordo com o planejado, elas são consideradas positivas, e as saídas do<br />
sistema corre<strong>sp</strong>ondem, por exemplo, em qualidade e quantidade, às pretendidas. No<br />
entanto, sempre existem interações definidas como negativas devido ao fato de seus<br />
resultados não serem os planejados. Uma vez ocorrida a mudança, os<br />
trabalhadores, individual ou coletivamente, desencadeiam tentativa de recuperação,<br />
que pode corrigir o problema ou ensejar novas perturbações que, quando não<br />
restauradas, geram acidentes e/ou outras perdas para o sistema.<br />
De acordo com esse entendimento, causa é o resultado de uma combinação<br />
de fatores tidos como necessários e suficientes para explicar o mecanismo de<br />
origem de um acidente, cuja investigação nunca pode considerar-se esgotada. Por<br />
outro lado, a amplitude assumida por essa investigação recebe influência de rede de<br />
outros fatores internos e externos da empresa, como, por exemplo, o estágio de<br />
segurança já atingido, a<strong>sp</strong>ectos socioculturais e políticos, etc.<br />
As abordagens sistêmicas atribuem importância e<strong>sp</strong>ecial à noção de mudança<br />
no curso da atividade e, em particular, aquelas mudanças capazes de introduzir uma<br />
perturbação na forma de desenvolvimento habitual ou cotidiana dessa atividade. É a<br />
abordagem das ações ou comportamentos humanos no trabalho que vai permitir a<br />
elucidação dessas mudanças e subsidiar os caminhos a serem adotados na<br />
prevenção de acidentes. Na literatura, evidenciam-se formas diversas de abordagem<br />
dessas ações: há autores que tipificam erros humanos (RASSMUSSEN e col. 1987;<br />
35
KIRWAN, 1992a, 1992b) e buscam identificar os tipos de erros em acidentes; outros<br />
como Hale e Glendon (1987b) e Dejours (1996), desenvolvem modelos explicativos<br />
de comportamentos humanos face ao perigo.<br />
Na corrente comportamentalista, defendem-se o desenvolvimento de cultura<br />
de segurança e a utilização dos acidentes como fonte de aprendizado<br />
organizacional.<br />
Os elementos que caracterizam a existência de cultura de segurança são: a)<br />
identificação de riscos presentes em cada processo e tarefas associadas; b)<br />
avaliação de sua probabilidade e daquela de danos potenciais para pessoas,<br />
materiais e meio ambiente; c) adoção de medidas de controle; d) documentação de<br />
todo o processo para cada um dos riscos; e) di<strong>sp</strong>onibilização gratuita da<br />
documentação para todos os interessados, revisão periódica e face a circunstâncias<br />
(mudanças de equipamento, níveis de manutenção, etc.); f) avaliação de risco, pelos<br />
membros da equipe, antes do início de qualquer tarefa (identificar risco, adotar<br />
controles); g) demais membros da organização conhecem, encorajam e dão suporte<br />
a essas medidas (COOPER, 1999).<br />
Por sua vez, o processo do aprendizado organizacional (FREITAG e HALE,<br />
1997) considera que dada à ocorrência de acidente sua análise deve re<strong>sp</strong>onder às<br />
seguintes questões:<br />
a) Por que o planejamento e as avaliações existentes não identificaram o<br />
risco em questão?<br />
b) Por que seu controle não foi priorizado?<br />
c) Houve definição de re<strong>sp</strong>onsável por este controle?<br />
d) A comunicação foi adequada?<br />
e) As metas do sistema de gestão (da produção, da segurança etc.) eram<br />
36
conflitantes?<br />
f) Por que não foram alocados recursos adequados?<br />
g) Os desempenhos e comportamentos e<strong>sp</strong>erados foram adequadamente<br />
recompensados?<br />
Em 1990, Reason (1999) introduz as noções de erros ativos, cometidos pelos<br />
executantes ou operadores que atuam na linha de frente das empresas e que têm<br />
conseqüências imediatas, e de erros latentes, cometidos pelos idealizadores, pelos<br />
re<strong>sp</strong>onsáveis por decisões de alto nível, pelos construtores do sistema, diretores ou<br />
pessoal de manutenção e cujas conseqüências podem ficar "adormecidas" por muito<br />
tempo no sistema. Segundo ele, entre os integrantes da comunidade que atua na<br />
área da confiabilidade humana cresce a consciência de que os esforços<br />
empreendidos para descobrir e neutralizar os erros latentes tem resultados mais<br />
benéfico (na confiabilidade do sistema) do que as tentativas pontuais de reduzir<br />
erros ativos.<br />
Ele desenvolveu modelo de acidente baseado justamente na ultrapassagem<br />
de diversos níveis de barreiras ou placas de proteção. De acordo com esse autor, o<br />
acidente advém quando as brechas nas diversas placas se di<strong>sp</strong>õem de tal maneira<br />
que este evento pode atravessar todas elas e eclodir no sistema (REASON, 1999).<br />
Nessa abordagem, a existência das múltiplas barreiras é tomada como dado "a<br />
priori", e sua ausência é considerada como um fator de acidente, mesmo que<br />
inexistisse desde a concepção e montagem do sistema. Nesse sentido, adota-se<br />
como padrão a prescrição e não a atividade ou trabalho realmente desenvolvido por<br />
ocasião do acidente.<br />
37
2.2.2 Acidentes de Trabalho no Brasil<br />
No Brasil, as empresas que empregam trabalhadores de acordo com as<br />
regras preconizadas na Consolidação das Leis do Trabalho adotam definição jurídica<br />
de acidente do trabalho constante na legislação previdenciária: "aquele que ocorre<br />
pelo exercício do trabalho a serviço da empresa, provocando lesão corporal ou<br />
perturbação funcional que cause morte, perda ou redução, permanente ou<br />
temporária, da capacidade para o trabalho" (PAIXÃO, 1991). Assim, ocorrido um<br />
acidente em que a vítima é vinculada ao seguro de acidente do trabalho, o<br />
Departamento de Pessoal da empresa emite comunicação de acidente do trabalho<br />
(CAT), encaminhada à Previdência Social, com cópia para outros organismos<br />
públicos. Além disso, por força de obrigações definidas na legislação trabalhista<br />
vigente, setores da empresa procedem à investigação do acidente.<br />
As estatísticas oficiais de acidentes do trabalho são elaboradas com base nas<br />
CATs e, apesar da precariedade das informações di<strong>sp</strong>oníveis e de suas limitações<br />
no que tange ao dimensionamento do real impacto do trabalho sobre a saúde,<br />
mostram que sua ocorrência assume dimensão alarmante. Assim é que, de 1981 a<br />
1990, foram registrados junto à Previdência Social 10.374.247 acidentes do trabalho,<br />
dos quais 254.550 resultaram em invalidez e 47.251 em óbitos (BINDER e<br />
ALMEIDA, 1997).<br />
Na nova versão da Norma Brasileira 14280 (NBR 14280), a Associação<br />
Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) adota definição bastante semelhante à da<br />
legislação, embora se refira também a eventos sem vítimas: "Acidente de trabalho é<br />
a ocorrência imprevista e indesejável, instantânea ou não, relacionada com o<br />
exercício do trabalho, que provoca lesão pessoal ou de que decorre risco próximo ou<br />
38
emoto dessa lesão".<br />
Nesses dois casos, Legislação Trabalhista e Norma Brasileira, a exploração<br />
de causas predominantes baseia-se na noção introduzida pela terceira pedra da<br />
seqüência linear proposta por Heinrich: atos inseguros e condição insegura. Por<br />
vezes, as denominações usadas assumem pequenas mudanças: atos e/ou<br />
condições abaixo do padrão, condição ambiente de insegurança. Na versão<br />
assumida na Norma Brasileira, enfatiza-se a exploração da condição pessoal de<br />
insegurança, que, na seqüência das pedras do dominó, aparece como aquela que<br />
dá origem ao ato inseguro.<br />
Partindo do pressuposto de que a ocorrência de acidente implica na<br />
existência de pelo menos uma mudança, denominada variação, em relação à<br />
situação de trabalho cotidiana ou sem acidente, Monteau (1992) propôs classificação<br />
de acidentes que será usada neste estudo. A identificação dessa variação deve ser<br />
feita com base em comparação com a situação de trabalho real e não em relação à<br />
tarefa entendida enquanto trabalho prescrito.<br />
Os acidentes de tipo I são aqueles desencadeados pela presença de uma<br />
variação na situação cotidiana de trabalho ou que resultam de seqüência linear de<br />
fatores desencadeados a partir dessa variação. Em outras palavras, trata-se de<br />
variação cuja presença, isoladamente, gera perturbações ou interações negativas<br />
que resultam no acidente. Os acidentes de tipo I são mais freqüentes que os demais<br />
e acontecem em atividades habituais, envolvendo condições ligadas ao posto de<br />
trabalho e que são realizadas com o uso de componentes estáveis ou permanentes<br />
do sistema, facilmente identificados como de risco evidente. Nesses sistemas, em<br />
geral, a confiabilidade e a segurança baseia-se quase que exclusivamente no<br />
desempenho dos trabalhadores na atividade.<br />
39
Os acidentes do tipo II são aqueles em cujas origens participam conjunções<br />
de pequeno número de variações, ou seja, cujo desencadeamento necessita da<br />
presença de fator (es) mudança que, isoladamente, não leva(m) ao acidente, mas<br />
que, em associação com outro fator mudança de origem independente da sua,<br />
tornam-se suficientes para a ocorrência do AT. Trata-se de acidentes de ocorrência<br />
e<strong>sp</strong>orádica, menor que aquela dos de tipo I, envolvendo interferências<br />
organizacionais na atividade e situações de aparecimento limitado no tempo.<br />
Por fim, os acidentes de tipo III são aqueles cujas origens exigem a presença<br />
de conjunções de numerosos fatores variação de origens independentes entre si.<br />
Segundo Monteau, esses acidentes são de ocorrência excepcional,<br />
resultando de acumulação de erros ou afastamentos de regras e/ou procedimentos<br />
em sistemas dotados de política de gestão da segurança e que já resolveram<br />
problemas considerados clássicos para a Engenharia de Segurança. Isoladamente,<br />
as variações em questão podem não representar ameaça à segurança, mas, ao<br />
interagirem com as demais, levam ao acidente.<br />
Isso significa que, nesses sistemas, sempre está presente a possibilidade da<br />
ocorrência de falhas capazes de desencadear interações que ocorrem com tal<br />
rapidez que não podem ser interrompidas ou isoladas de outras partes do sistema e<br />
que impedem a continuidade da produção de modo seguro. Além disso, nem as<br />
melhorias organizacionais, nem as inovações tecnológicas diminuem a propensão<br />
desses sistemas para a ocorrência de acidentes.<br />
Por isso, as causas dos acidentes devem ser buscadas na complexidade do<br />
sistema. As investigações que se baseiam em concepção multicausal de acidentes e<br />
aquelas que exploram o processo causal buscando esclarecer rede de múltiplos<br />
fatores em interação costumam exigir formação adequada da equipe encarregada<br />
40
das análises. A implantação da técnica, nas empresas, deve ser precedida por etapa<br />
de negociações entre os diversos atores e setores da empresa, de modo a explicitar<br />
as razões de sua utilização e as contribuições e<strong>sp</strong>eradas de cada um deles. Além<br />
disso, a condução de cada análise costuma ter duração maior que aquela<br />
habitualmente dedicada a essa atividade nas empresas, e a exploração dos achados<br />
obtidos, particularmente daqueles de natureza gerencial e da organização do<br />
trabalho na empresa, nem sempre é possível, resultando, por vezes, em desestímulo<br />
da equipe de investigação.<br />
Esse conjunto de exigências mostra que a mudança de concepção de<br />
acidente e a adoção de técnica de investigação de base sócio-sistêmica por parte de<br />
uma empresa ou instituição não podem e não devem ser confundidas com processo<br />
isento de dificuldades. Por isso mesmo, vem à tona discussão acerca da indicação<br />
de seu uso ou introdução. A questão diz re<strong>sp</strong>eito à necessidade da adoção de<br />
procedimentos de investigação que se mostrem coerentes com a realidade de<br />
segurança a ser enfrentada.<br />
Isso significa que métodos mais sofisticados são indicados para utilização,<br />
principalmente em situações em que há predomínio de acidentes do tipo III de<br />
Monteau, ou em que os componentes técnicos do sistema, o arranjo físico, a<br />
organização do ambiente e os modos operatórios nele adotados são considerados<br />
seguros à luz dos conhecimentos existentes. É obvio que a utilização de técnica de<br />
investigação que explora grande quantidade de fatores causais, na análise de um<br />
acidente de tipo I, de Monteau, pode evidenciar, inclusive, problemas de segurança<br />
que extrapolam os limites daqueles mais evidentes. Também é plausível a adoção<br />
desse tipo de proposta como parte de objetivos institucionais que vão além da<br />
abordagem estrita do acidente. Sabe-se, por exemplo, que sindicatos de<br />
41
trabalhadores se interessam pelo uso de árvores de causas porque essas se<br />
mostram úteis na comunicação acerca do acidente e, conseqüentemente, no<br />
enfrentamento de práticas de atribuição de culpa aos trabalhadores vitimados.<br />
Para muitos leitores ou interessados na prevenção de acidentes, referir-se à<br />
importância da sua investigação pode parecer coisa óbvia. No entanto, como se<br />
mostra a seguir, embora a maioria dos autores estudados reconheça a importância<br />
dessa prática e recomende sua adoção, muitos são os que discutem limites e/ou<br />
falhas nela existentes, e há até quem negue a existência de qualquer benefício<br />
associado a esse procedimento.<br />
Segundo Lieber (1998), teorias e métodos de investigação de acidentes<br />
fundem "causalidade" com "re<strong>sp</strong>onsabilidade", baseando-se sempre na investigação<br />
de erros, e não de causas, e assumindo a necessidade da disciplina como<br />
pressuposto geral (p. 271-2). Para o autor, a noção de erro associa-se à idéia de<br />
violação de regras de segurança, normas ou padrões prescritos de trabalho, o que,<br />
por sua vez, implica na defesa de pressuposto de que o existente é conhecido e<br />
caracterizado por uma ordem que a investigação de acidente nunca questiona e, até<br />
pelo contrário, busca sempre preservar.<br />
É importante apontar que, de acordo com Lieber, o conceito de variação ou<br />
mudança adotado em alguns métodos e técnicas de investigação implica sempre na<br />
adoção dessa noção de erro associada à idéia de violação de regras, normas ou<br />
padrões prescritos.<br />
Para ele, "causa", no sentido "de produzir ou efetivar, não pode ser atribuição<br />
do contexto, o qual existe e persiste mesmo em condições de não-acidente. Logo,<br />
embora o contexto possibilite o acidente, ele em si não é causa" (LIEBER, 1998, p.<br />
263). Em outros momentos, o autor explicita sua opinião: "só o acaso justifica-se<br />
42
como causa" (p. 260). E, mais adiante: "O acidente de trabalho, por definição, é um<br />
acidente, ou seja, não cabe um fim mesmo [...]" (p. 227). De acordo com essa visão,<br />
o acidente só se revela "a posteriori". Retoma-se à concepção fatalista e nega-se<br />
importância à investigação.<br />
Segundo Hallgren (1996), no começo dos anos 90, cresce a utilização de<br />
métodos de análises de riscos e de investigação de desvios. Este último é um<br />
modelo de construção retro<strong>sp</strong>ectiva de acidentes e quase acidentes que também<br />
pode ser usado como método de avaliação de riscos e análises de segurança. O<br />
autor destaca que análises de segurança de produção, manutenção, etc., em que<br />
ocorrem a participação de empregados podem reduzir riscos de acidentes.<br />
Ao lado de vantagens e importância de investigações de acidentes na<br />
literatura, vários autores apontam a existência de falhas nessas práticas. Destacam-<br />
se críticas à ineficácia dos métodos de análise e de prevenção, assim como<br />
indicações de que grande parte das investigações fica incompleta, deixa "zonas de<br />
sombras" e resulta em atribuição de culpa ao próprio acidentado (HALE e HALE,<br />
1972; WIGGLESWORTH, 1978; LEPLAT e CUNY, 1979; BOOTH, 1981; SAAS e<br />
COOK, 1981; DWER, 1984, 1991; ALLEGRANTE e SLOAN, 1986; DWER e<br />
RAFTERY, 1991; ALMEIDA, 1996). Para esses autores, a correção dos problemas<br />
citados pode ocorrer pela utilização adequada de métodos de investigação que<br />
considerem a empresa como sistema sócio técnico aberto e que valorizem a<br />
reconstrução sistematizada do evento, inclusive o resgate de percepções dos<br />
acidentado(s) e de seus colegas de trabalho.<br />
As questões acima mostram a persistência de problemas não resolvidos na<br />
abordagem da investigação de acidentes. Características da equipe de investigação,<br />
como, por exemplo, de sua formação, técnicas escolhidas e recursos utilizados na<br />
43
condução de análises, da concepção de acidente adotada e difundida na empresa<br />
em geral, assumem lugar de destaque entre os fatores explicativos de resultados de<br />
investigações. Fatores do próprio fenômeno ou acontecimento - que assumem<br />
formas muito distintas, desde violência explícita, inaceitável, marcada por abusivo<br />
desre<strong>sp</strong>eito a direitos de cidadania, até eventos cujo mecanismo envolve a<br />
participação de elevado número de fatores que, isoladamente, não podem ser<br />
interpretados como precursores de acidentes, mas que, em conjunção, atuando<br />
simultaneamente, resultam no acidente - também têm sido apontados em tentativas<br />
de explicação de resultados dessas investigações. O mesmo tem acontecido com<br />
a<strong>sp</strong>ectos dos contextos sócio-políticos e culturais, intra e extra-empresa.<br />
As opiniões citadas nesse item procuram mostrar que o tema investigação de<br />
acidentes continua de<strong>sp</strong>ertando interesse, suscitando discussões, opiniões<br />
polêmicas e sendo reconhecido como objeto que merece estudos complementares,<br />
tanto acerca das características dessas investigações quanto dos contextos em que<br />
ocorrem.<br />
Algumas questões sugeridas são: a) Até que ponto pode chegar os registros<br />
da investigação obrigatória feita na empresa? b) Em que momento é interrompido a<br />
tentativa de reconstrução do acidente, desenvolvida por ocasião da investigação<br />
conduzida no interior da empresa? c) Qual ou quais as "regras de parada" das<br />
investigações adotadas nessas empresas? d) Quais os fatores associados com a<br />
elaboração desses registros? e) A existência de Sesmt, na empresa, diferencia a<br />
investigação conduzi da pela CIPA? f) Os registros de investigação e<strong>sp</strong>ecífica do<br />
Sesmt (item 4.12.h da NR - 4) são semelhantes ou diferentes daqueles da CIPA?<br />
44
2.2.3. Registros ou Notificações<br />
Os sistemas de registro ou notificação dos acidentes do trabalho variam de<br />
um país para outro. Eles dependem diretamente dos órgãos re<strong>sp</strong>onsáveis pelo<br />
controle e/ou indenização, os quais podem ser públicos, privados ou mistos. No<br />
Brasil, somente os trabalhadores do setor formal fazem a notificação do acidente do<br />
trabalho ou da doença profissional ao Instituto Nacional de Seguridade Social,<br />
através de seus empregadores. O instrumento formal de registro destes acidentes é<br />
a CAT – Comunicação de Acidente do trabalho. Trata-se de um formulário que pode<br />
ser preenchido manualmente ou eletronicamente. A empresa deve comunicar o<br />
acidente do trabalho, ocorrido com seu empregado, havendo ou não afastamento do<br />
trabalho, até o primeiro dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de<br />
imediato à autoridade competente, sob pena de multa em caso de omissão. Estas<br />
comunicações devem ser feitas mediante as seguintes circunstâncias (Quadro 1):<br />
Tabela 1 – Tipos de ocorrências que devem ser notificadas ao INSS<br />
Ocorrência(s) Tipos de CAT<br />
Mediante a ocorrência de acidente do trabalho, típico ou de trajeto, ou<br />
doença profissional ou do trabalho CAT inicial<br />
Mediante o reinício de tratamento ou afastamento por agravamento de<br />
lesão de acidente do trabalho ou doença profissional ou do trabalho, já CAT<br />
reabertura<br />
comunicado anteriormente ao INSS<br />
Mediante o falecimento do trabalhador em decorrência de acidente ou<br />
doença profissional ou do trabalho, ocorrido após a emissão da CAT CAT / óbito<br />
inicial<br />
Fonte: INSS<br />
45
Na falta de comunicação por parte da empresa, podem formalizá-la o próprio<br />
acidentado, seus dependentes, o sindicato da categoria, o médico que o assistiu ou<br />
uma autoridade pública. A comunicação a que se refere este item não exime a<br />
empresa da re<strong>sp</strong>onsabilidade pela falta de emissão da CAT.<br />
Esta comunicação deve ser feita em seis vias. Duas delas destinam-se ao<br />
INSS e ao serviço de saúde que atendeu o acidentado. As demais vias devem ser<br />
encaminhadas ao Ministério do Trabalho (DRT), ao sindicato da categoria, à própria<br />
empresa. Uma cópia deve ficar com o próprio acidentado. O registro da CAT deverá<br />
ser feito em todos os casos de ocorrência de acidentes, mesmo naqueles em que<br />
não seja necessário o afastamento do trabalho.<br />
No caso de doença profissional ou do trabalho, a CAT deve ser emitida após<br />
a conclusão do diagnóstico. E se a doença profissional ou do trabalho se manifestar<br />
após a desvinculação do acidentado da empresa onde foi adquirida, também deve<br />
ser emitida a comunicação do acidente, cabendo a re<strong>sp</strong>onsabilidade a empresa ou<br />
ao serviço médico de atendimento, beneficiário ou sindicato da classe ou de uma<br />
autoridade pública.<br />
A CAT deve ser apresentada no Posto do Seguro Social – PSS mais<br />
conveniente ao segurado, o que jurisdiciona a sede da empresa, do local do<br />
acidente, do atendimento médico ou da residência do acidentado.<br />
46
Empresa preenche o Quadro I<br />
“EMITENTE” da CAT e<br />
encaminha ao médico<br />
Serviço médico da empresa próprio, contratado, ou da<br />
rede SUS examina o acidentado, preenche o Quadro II<br />
“ATESTADO MÉDICO”<br />
Empresa ou SUS encaminha<br />
a CAT ao INSS para registro<br />
INSS emite relatório de registro de CAT<br />
para informação à empresa para ciência<br />
do registro da CAT<br />
Fonte: MPAS<br />
Segurado se acidente ou adquire doença do trabalho, e leva ao<br />
conhecimento da empresa para emissão de CAT (1)<br />
Sim Empresa<br />
emite CAT<br />
Não<br />
Figura 2 - Roteiro de emissão e registro de comunicação de acidente do trabalho<br />
Independente de quem preencher a CAT, a mesma deve ser encaminhada ao<br />
médico que der o atendimento ao acidentado para que ele preencha os campos<br />
referentes ao atendimento médico. Só então ela deve encaminhar ao INSS onde<br />
será utilizada para a emissão de relatórios e providências necessárias.<br />
A emissão das CATs têm uma importância muito grande, não só para garantir<br />
o direito do trabalhador ao seguro acidentário, mas também para alimentar a base<br />
de dados que é utilizada para mapear as ocorrências por tipo, motivo, região,<br />
atividade econômica, faixa etária etc. Há ainda muito interesse, por parte dos<br />
pesquisadores da área de saúde e segurança do trabalhador, por estes registros<br />
47<br />
Acidentado, sindicato de classe, médico,<br />
assistente ou autoridade pública,<br />
preenche o Quadro I “EMITENTE” da<br />
CAT e encaminha ao médico<br />
Serviço médico contratado ou da Rede SUS<br />
examina o acidentado, preenche o Quadro II<br />
“ATESTADO MÉDICO”<br />
O emitente ou SUS<br />
encaminha a CAT ao INSS<br />
para registro<br />
INSS gera relatório para acompanhamento do<br />
setor de fiscalização, após caracterizado o<br />
acidente e constatada a omissão<br />
Nota (1) – Emissão da CAT em 06 vias: 1ª via para o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, 2ª via para<br />
o emitente, 3ª via para o segurado ou dependente, 4ª via para o sindicato de classe do trabalhador, 5ª via<br />
para o Sistema Único de Saúde – SUS e 6ª via para a Delegacia Regional do Trabalho.
administrativos, visando a realização de investigações direcionadas a determinados<br />
grupos.<br />
2.2.4. Panorama Nacional<br />
Conforme publicado no Anuário Brasileiro de Proteção (2001) foram<br />
notificados ao INSS mais de 30 milhões de acidentes do trabalho e doenças<br />
ocupacionais, no período de 1970 a 1999. Com relação às comunicações de óbitos,<br />
estas ultrapassaram o número de 120 mil.<br />
Estes números representam parte da dimensão real do problema, uma vez<br />
que se referem apenas aos acidentes da população segurada, isto é, os<br />
trabalhadores do mercado formal, que são registrados, regidos pela Consolidação<br />
das Leis Trabalhistas, e, portanto, cobertos pelo seguro de acidentes do trabalho.<br />
Segundo o mesmo Anuário, cerca de 60 por cento da força de trabalho<br />
brasileira atua em atividades informais e, portanto, não comunica à Previdência<br />
Social os acidentes que sofre, uma vez que, por não contribuir não são assegurados<br />
por ela. Por este motivo não participam da estatística sobre os agravos motivados<br />
por suas atividades profissionais, o que demonstra serem muito maiores os números<br />
de ocorrências de acidentes e doenças do trabalho no Brasil.<br />
Importante ressaltar que, existe ainda, dentro do mercado formal, uma sub-<br />
notificação de acidentes do trabalho, principalmente quando o acidente não é grave<br />
e o trabalhador não necessita afastar-se de suas atividades profissionais.<br />
Outro fator que contribui para a não coerência dos dados publicados é a<br />
facilidade com que as empresas burlam o sistema de informação de doenças e<br />
48
acidentes, ignorando o preenchimento da CAT, ou efetuando registros incompletos e<br />
muitas vezes mentirosos (ANUÁRIO..., 2000).<br />
Contudo, a Previdência vem registrando diminuição da incidência e da<br />
mortalidade por acidentes de trabalho. Em 1970 ocorriam 167 acidentes em cada<br />
grupo de mil trabalhadores segurados. Em 1980, esta relação reduziu-se para 78 por<br />
mil, em 1990 ficou em 29 por mil e em 1998 atingiu 16 por mil. No tocante à<br />
mortalidade, a taxa reduziu-se, entre 1970 e 1998, de 30 para 15 por 100 mil<br />
trabalhadores segurados. Mesmo com a redução gradativa dos acidentes, o número<br />
de mortes é alto. Em 1999 morreram 3065 trabalhadores contra 3793 em 98 e 3469<br />
em 97 (ANUÁRIO..., 2001).<br />
Com base no Anuário Estatístico da Previdência Social - AEPS relativo ao ano<br />
de 1993, o número de acidentes no Brasil variou de 26 a 36 mil por mês, resultando<br />
numa média mensal de 31 mil acidentes e total de 378.365 acidentes. Deste total<br />
84,47 por cento foram acidentes típicos, 9,70 por cento de trajeto e 5,82 doenças do<br />
trabalho. (ANUÁRIO..., 2000, 2001).<br />
Estudos recentes indicam que alterações sócio-econômicas, como a variação<br />
nos níveis de industrialização e do Produto Interno Bruto (PIB) per capita e, ainda, a<br />
mudança na composição da força de trabalho com o deslocamento da mão-de-obra<br />
do setor secundário para o terciário foram mais significativos na redução das taxas<br />
anuais de ocorrência de acidentes entre 1970 e a década de 90, do que medidas de<br />
prevenção que eventualmente tenham sido adotadas pelo governo ou pelas<br />
empresas neste período.<br />
Ainda não se conhece o custo real para o país da ocorrência de acidentes e<br />
das doenças relacionadas ao trabalho. O Economista José Pastore estimou em R$<br />
20 bilhões anuais, sendo que deste total, 2,6 bilhões são recursos di<strong>sp</strong>onibilizados<br />
49
pelo governo através do Seguro Acidente de Trabalho (SAT), outros 2,5 bilhões<br />
provenientes dos familiares dos trabalhadores e cinco bilhões do mercado informal.<br />
As empresas arcam com a metade da conta – 10 bilhões de reais por ano<br />
(ANUÁRIO..., 2001).<br />
2.2.4.1. Por atividade econômica<br />
De acordo com informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –<br />
IBGE, a maior parte dos trabalhadores do país, 58,6 por cento concentra-se no setor<br />
terciário, enquanto que 28,4 por cento atua na indústria e 13 por cento na<br />
agropecuária (IBGE, 2000).<br />
O percentual de acidentes na Indústria vem diminuindo, pela primeira vez na<br />
história laboral do Brasil, enquanto que a participação do setor de “Serviços“ está<br />
crescendo. De acordo com O Anuário Brasileiro de Proteção – Edição 2001, o<br />
número de CATs registradas no ano de 1999 foi praticamente igual ao ano de 98.<br />
Contudo, a participação da “Indústria“ caiu de 49% em 1997, para 44% em 1999. Já<br />
o setor de “Serviços“ subiu de 38% para 44%. Quanto ao número da “Agricultura“,<br />
não houve alteração significativa permanecendo por volta dos sete por cento do total<br />
de acidentes.<br />
Em 1999, e<strong>sp</strong>ecificamente no campo dos acidentes típicos, ou seja, aqueles<br />
que ocorrem dentro do ambiente de trabalho, a “Indústria“ ainda reúnem o maior<br />
número de acidentes, 145.536 contra os 125.211 dos “Serviços”. Quanto aos<br />
acidentes de trajeto, o setor de “Serviços” lidera o ranking com 22.644 contra 11.773<br />
da “Indústria“. Em relação aos adoecimentos, 49 por cento pertencem ao setor de<br />
“Serviços“ (10.984 casos) e 44 por cento da “Indústria“ (9.781 casos).<br />
50
Quando se faz um maior detalhamento dos diversos setores de atividade<br />
econômica pode-se perceber que, o setor de “serviços prestados principalmente às<br />
empresas” é o que apresenta maior número de acidentes típicos (24.793 casos).<br />
Incluídas neste setor estão as “atividades de terceirização” como, por exemplo, os<br />
serviços de vigilância e segurança. Logo abaixo, com 23.495 acidentes típicos está a<br />
“construção” cujos principais problemas são as quedas e fraturas, e em terceiro, com<br />
22.328 acidentes, o setor “outras indústrias de transformação”, cujos problemas<br />
podem estar relacionados à amputação de membros ou perda auditiva pelo ruído.<br />
Segundo a Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social -<br />
DATAPREV, os trabalhadores que mais são acometidos pelas doenças provocadas<br />
pelo trabalho são os do setor de intermediação financeira, com 2.734 registros.<br />
Estes se relacionam às atividades bancárias e de digitação, que dão origem ao<br />
maior grupo de doenças denominadas LER – Lesões por Esforços Repetitivos e<br />
DORT – Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho. Este setor consome<br />
a maior parte dos benefícios destinados aos trabalhadores que adquirem<br />
incapacidade parcial permanente, seguido pela indústria de transformação.<br />
Segundo Amorim (apud ANUÁRIO..., 2001), um dos motivos do aumento da<br />
incidência de doenças ocupacionais no setor de Serviços tem relação direta com a<br />
reorganização do trabalho e ao impacto das novas tecnologias, principalmente no<br />
campo da informática.<br />
2.2.4.2. Por região<br />
Segundo o Anuário Estatístico da Previdência Social - AEPS relativo ao ano<br />
de 2004, São Paulo é o estado que mais notificou os acidentes do trabalho no Brasil<br />
51
apresentando um total de 170.036 casos, seguido por Minas Gerais com 48.308<br />
casos, Rio Grande do Sul com 43.865 e Paraná com 33.226. O Estado de Santa<br />
Catarina notificou 30.082 acidentes.<br />
Já o estado de Roraima foi o que menos notificou (113 casos) seguido de<br />
Amapá com 322 casos. Os óbitos seguiram tendência quase semelhante<br />
apresentando 665 mortes, casos de notificações em São Paulo, 350 em Minas<br />
Gerais, 212 no Paraná, 184 no Rio de Janeiro, 152 no Rio Grande do Sul. O Estado<br />
de Santa Catarina apresentou 147 casos que levaram trabalhadores a óbito.<br />
No que se refere às doenças, os estados com maior número são os mesmos<br />
dos acidentes, apresentando o Estado de São Paulo com 10.902 casos de doenças,<br />
porém, o Estado do Rio de Janeiro aparece em segundo lugar com 2.823, Rio<br />
Grande do Sul com 2.751 casos, Minas Gerais com 1.940, Santa Catarina com<br />
1.170 e o Estado do Paraná com 1.120 casos de doenças (ANUÁRIO..., 2004).<br />
Entretanto, é preciso esclarecer que as regiões que mais registraram<br />
acidentes são também aquelas que possuem os melhores e mais corretos<br />
procedimentos de notificação de acidentes do país.<br />
Um estudo comparativo divulgado pelo Sindicato dos Trabalhadores nas<br />
Indústrias Metalúrgicas de Osasco e Região ilustra bem esta situação. De acordo<br />
com os dados oficiais da Previdência, o município de Osasco registrou quase a<br />
mesma totalidade de acidentes do que sete Estados juntos. Ou seja, somando-se<br />
Sergipe, Maranhão, Tocantins, Piauí, Acre, Amapá e Roraima chega-se a 7.499<br />
registros. Enquanto que só Osasco contabilizou 7.283 acidentes.<br />
52
2.2.4.3. Por idade e sexo<br />
Segundo os dados apresentados pelo Dataprev no Anuário (2001), o grupo<br />
com maior número de acidentes registrados, tanto no ano de 1998 quanto 1999, é o<br />
que compreende trabalhadores entre 20 e 24 anos (969.889 casos). Em segundo<br />
lugar vem o grupo posterior, dos 25 aos 29 anos com 66.198 casos.<br />
No caso de doenças, observa-se um índice maior na faixa etária que abrange<br />
trabalhadores de 35 a 39 anos, o que se explica pelo fato de que a doença<br />
geralmente ocorre após um período maior de trabalho insalubre até se manifestar.<br />
Quanto ao sexo, a força de trabalho feminina vem aumentando ano a ano: em<br />
98 representava 8 por cento dos acidentes e no ano de 99 chegou a 20 por cento.<br />
Quanto a idade, a maior incidência de doenças nas mulheres ocorre entre os 30 e 34<br />
anos, enquanto que nos homens ocorre dos 20 aos 24 anos. Entretanto, para o caso<br />
dos adoecimentos das mulheres, este fenômeno ocorre mais cedo entre os 30 e 34<br />
anos. Acredita-se que este dado tenha ligação com o crescimento das LERs e<br />
DORTs associadas principalmente às atividades de digitação e outros movimentos<br />
repetitivos.<br />
2.2.4.4 Partes do corpo atingida<br />
Várias pesquisas sobre acidentes do trabalho apontam as mãos, os pés e os<br />
membros superiores como as partes mais atingidas dos trabalhadores, as quais<br />
sofrem lesões as mais variadas.<br />
53
Segundo Jesus (1987), a maioria é lesão traumática de tecidos moles (pele,<br />
tendões, músculos e nervos). Outras são fraturas e esmagamentos de artelhos<br />
(dedos dos pés).<br />
A mão e adjacências são as partes mais atingidas na concentrada faixa<br />
produtiva dos 21 aos 40 anos, cujos integrantes apresentam excessiva<br />
autoconfiança no domínio das máquinas, de acordo com a observação feita pelos<br />
médicos do Serviço de Cirurgia da Mão do Ho<strong>sp</strong>ital de Santo André (MÃO..., 1990).<br />
A cada três acidentes do trabalho um envolve a mão. Isso porque, quase a<br />
totalidade de trabalhadores diariamente as utiliza em meios onde existe a presença<br />
de agentes físicos, químicos, vibratórios, radioativos, biológicos etc.<br />
A seguir, retoma-se o tema dos resultados ou causas identificadas nas<br />
investigações de acidentes com ênfase nas atribuições de culpa e de<br />
re<strong>sp</strong>onsabilidade e nas conseqüências no campo da prevenção desses eventos.<br />
Além disso, exploram-se investigações conduzi das em empresas, procurando<br />
identificar formas de aparecimento dos a<strong>sp</strong>ectos citados e daqueles relacionados à<br />
sua gênese.<br />
2.2.5 Causa e Culpa<br />
É comum o trabalhador acidentado ser culpabilidado pelo acidente. Segundo<br />
Haddon Junior. (1968), a visão que considera doenças e acidentes como formas de<br />
expiação de pecados associa-se à persistência de noções que atribuem os<br />
acidentes à "sorte", "acaso" ou outras explicações não racionais. Segundo este<br />
autor, a superação dessas noções exige a adoção de abordagens etiológicas dos<br />
acidentes.<br />
54
Em 1978, Wigglesworth afirma que a culpa lançada sobre as vítimas dos<br />
acidentes associa-se com o desenvolvimento histórico das noções de<br />
comportamento faltoso e negligente, nas legislações de indenização de vítimas e de<br />
intervenção nos ambientes de trabalho. Na opinião deste autor, estabelece-se<br />
confusão entre alocação de culpa e identificação de causa, com ênfase em a<strong>sp</strong>ectos<br />
do comportamento humano e exclusão dos demais fatores, com conseqüências<br />
negativas para a prevenção.<br />
Em 1981, Booth lamenta que pesquisadores persigam a causalidade em<br />
termos comportamentais estritos, com ênfase em circunstâncias que antecedem<br />
imediatamente ao acidente. O autor revisa abordagens adotadas na prevenção de<br />
acidentes, destacando a grande difusão daquelas que atribuem os acidentes a<br />
"falhas humanas", e lembra a influência de Heinrich, pai da teoria do dominó, que,<br />
em seu livro, publicado pela primeira vez em 1931, afirmava que 90% dos acidentes<br />
eram causados por atos inseguros dos trabalhadores. Criticando essa abordagem,<br />
ele destaca que, em 1972, Hale e Hale já tinham mostrado que a eficácia das<br />
medidas preventivas recebia pouca atenção e cita Kletz, que, em 1979, afirmava<br />
"[...] dizer ‘Acidentes são causados por falhas humanas' não é inverdade, mas não é<br />
muito útil. Isso nos encoraja a dizer às pessoas para terem mais cuidado, ao invés<br />
de procurar modos de reduzir as oportunidades de erro".<br />
A atribuição de culpa ao trabalhador pela ocorrência do acidente que o<br />
vitimou teve na Teoria da Propensão ao Acidente um de seus pilares de<br />
sustentação. Em 1981, Saas e Cook discutiram equívocos estatísticos presentes em<br />
estudos dos primeiros defensores dessa teoria e apontaram seu papel como mis<br />
uma tática de atribuição de culpa à vítima.<br />
55
Depois de afirmar que cerca de 70% dos acidentes de aviação têm sido<br />
atribuídos a erros humanos, Feggetter (1982) acrescenta que, no passado,<br />
freqüentemente, o investigador se satisfazia com uma descrição superficial de falha,<br />
ao invés de buscar explicação em termos de causas e mecanismos dessas falhas.<br />
Segundo Leplat (1983), a mentalidade moderna ainda está impregnada com a<br />
concepção fatalista de acidentes ilustrada em frases como "a hora dele chegou".<br />
Depois de comentar que essa concepção tem sido apontada como mais presente<br />
entre pessoas com nível de instrução mais baixo, Koubenan (1999a) destaca achado<br />
de estudo conduzido por ele, em que, ao referir-se aos acidentes em que estiveram<br />
implicados, independentemente de seu "status" social, os entrevistados não hesitam<br />
em afirmar que tiveram um pouco de azar ("mal-chance").<br />
Saas (1984), reconstruindo o que denomina trajetória de um conceito<br />
ideológico - o da propensão ao acidente - chama a atenção para dois a<strong>sp</strong>ectos que<br />
considera favoráveis à difusão dessa teoria: o econômico representado pelo<br />
interesse de gerentes na contenção de custos de compensação aos acidentados, e<br />
o corporativo, representado pelo interesse de psicólogos industriais, categoria<br />
profissional emergente, re<strong>sp</strong>onsável pela elaboração dessa teoria que, apesar de<br />
inúmeras tentativas, nunca chegou a ser cientificamente comprovada.<br />
Na década de 50, a Teoria da Propensão ao Acidente começa a ser<br />
desacreditada, tendo sido os engenheiros os primeiros a abandoná-la, procurando<br />
explicações mais satisfatórias para a ocorrência dos acidentes. Posteriormente,<br />
esses profissionais foram seguidos pelos psicólogos industriais. Apenas entre os<br />
psicólogos ligados à tradição analítica, em sua maioria afastados da realidade do<br />
interior da fábrica, essa teoria continuou encontrando alguma aceitação (SAAS,<br />
1984).<br />
56
Em 1999, Perrow comenta que é preciso examinar minuciosamente a tese<br />
que afirma ser o erro humano a causa mais importante do acidente, pois ela "oculta<br />
mais coisas do que explica".<br />
As políticas de empresa, a concepção das plantas e do equipamento e as<br />
pressões comerciais contribuem todas elas para o erro dos operadores. [...]<br />
Poderíamos concluir, afirmando que o erro dos operadores foi não terem<br />
sido capazes de superar completamente o caráter complexo e inadequado<br />
do equipamento que deveriam utilizar.<br />
Em 1986, Allegrante e Sloan denunciam a prática de atribuir a culpa do mal à<br />
sua vítima como um dos dilemas éticos em saúde ocupacional. Segundo esses<br />
autores, como resultados dessa falha dirigem-se "todos os esforços para a mudança<br />
do comportamento da vítima mais do que das circunstâncias re<strong>sp</strong>onsáveis pelo<br />
problema".<br />
Descuido, desatenção, negligência, dentre outras, são expressões que<br />
escrevem o acidente de forma subjetiva, em termos de "falta" de pessoa ou pessoas,<br />
dificultando sua reconstrução em termos factuais. Sua utilização refletiria meramente<br />
a predi<strong>sp</strong>osição dos re<strong>sp</strong>onsáveis pela coleta de dados ou a busca "a priori" de<br />
causa única do acidente, ligada ao indivíduo, configurando investigações<br />
tendenciosas (WIGGLESWORTH, 1978; WALLER, 1987). Nessas situações, os<br />
acidentes são descritos em termos normativos e investigados sem realização de<br />
análise da tarefa, do sistema homem-máquina e do contexto sócio-político da<br />
empresa.<br />
Depois de criticar a Teoria da Propensão ao Acidente, Hoyos e Zimolong<br />
(1988) afirmam que o acidente resulta de seqüência de eventos representados por<br />
interação entre fatores técnicos e comportamentais. Para eles, o estabelecimento<br />
dicotomia entre esses fatores, nas investigações de acidentes, seria inadequado.<br />
Em 1991, Feyer e Willianson destacam que, de modo geral, as investigações<br />
57
de acidentes não levam em consideração a multiplicidade de fatores causais, nem<br />
analisam as eventuais relações existentes entre eles.<br />
Estudo conduzido por Kouabenan (1998) mostra que as crenças e as práticas<br />
sociais influenciam tanto a percepção de risco quanto as explicações das pessoas<br />
acerca das causas de acidentes. As pessoas consideradas fatalistas teriam<br />
conhecimentos limitados acerca de riscos e acidentes. Eles seriam distinguidos por<br />
atribuição causal que expressa falta de controle sobre os eventos. No estudo do<br />
autor, os acidentes de trânsito são atribuídos a fatores causais externos ao controle<br />
dos motoristas, e menor importância é dada aos fatores que implicam iniciativas de<br />
sua re<strong>sp</strong>onsabilidade. Essa racionalização tenderia a minimizar a re<strong>sp</strong>onsabilidade<br />
do indivíduo pelo acidente e, como conseqüência, também a sua culpa, funcionando<br />
como um mecanismo de defesa.<br />
Segundo o Canadian Center for Occupational Health and Safety (CCOHS,<br />
1998), raramente, ou nunca, um acidente teria apenas uma causa. Se, num acidente<br />
aparentemente simples, conclui-se que a causa foi um descuido do trabalhador e<br />
não se vai adiante, deixa-se de buscar re<strong>sp</strong>ostas a perguntas importantes, como:<br />
quê?<br />
− O trabalhador estava distraído? Se sim, por quê?<br />
− O procedimento que estava sendo seguido era seguro? Se não, por<br />
− Os equipamentos de segurança estavam em ordem ou di<strong>sp</strong>oníveis? Se<br />
não, por quê?<br />
− O trabalhador era treinado? Se não, por quê?<br />
Uma investigação que re<strong>sp</strong>onda a essas e outras questões afins,<br />
provavelmente, revelam condições mais importantes para a correção do que<br />
58
tentativas de prevenir o "descuido". Mais adiante, após lembrar que muitos modelos<br />
têm sido propostos para explicar as causas de acidente, propõe-se modelo<br />
simplificado de busca de causas ligadas a 5 categorias: tarefa, material, ambiente,<br />
pessoal e gerencial (CCOHS 1998).<br />
As propostas de investigações de acidentes mais difundidas no Brasil têm<br />
suas origens nas idéias de Heinrich (1959), divulgadas, inicialmente, na década de<br />
30. Segundo ele, o acidente seria resultante de seqüência linear de eventos,<br />
apresentada como equivalente a 5 (cinco) peças de dominó, di<strong>sp</strong>ostas segundo<br />
ordem "fixa e lógica". A terceira peça introduziu a dicotomia atos<br />
inseguros/condições inseguras. A partir daquela data, surgem inúmeras propostas<br />
de investigação de acidentes, porém, segundo Monteau e Pham (1988), a<br />
concepção de Heinrich facilitou a ação, e, por isso mesmo, os métodos de análise de<br />
acidentes dela derivados alcançaram grande desenvolvimento entre os<br />
investigadores desses eventos.<br />
No Brasil, o Ministério do Trabalho e Emprego, através de emissão de<br />
Normas Regulamentadoras (NR 4 - Serviço E<strong>sp</strong>ecializado em Engenharia de<br />
Segurança e em Medicina do Trabalho - Sesmt -; NR 5 - Comissão Interna de<br />
Prevenção de Acidentes - CIPA -; e NR 18 - Condições e Meio Ambiente de<br />
Trabalho na Indústria da Construção), torna obrigatória a investigação de acidentes<br />
do trabalho com uso de dois instrumentos de coleta de informações: o formulário de<br />
análises de acidentes (Anexo 2 da NR 5) e a ficha de acidente do trabalho (Anexo 1<br />
da NR 18), esta última para uso e<strong>sp</strong>ecífico em casos de acidentes ocorrido com<br />
trabalhadores da construção civil (BRASIL, 1998).<br />
De acordo com o Anexo III da Norma Regulamentadora número 5 da Portaria<br />
3214 do Ministério do Trabalho (Brasil 1998), as causas dos acidentes do trabalho<br />
59
seriam atos inseguros/condições inseguras, e a investigação de acidentes é<br />
apresentada como: "procura das causas do acidente; fonte de lesão; fator pessoal<br />
de insegurança; natureza da lesão; localização da lesão".<br />
Essa Norma não explicitava os conceitos que adotava para os elementos<br />
citados, porém, de acordo com a Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT<br />
- (1975), esses elementos são descritos como se segue:<br />
- "ato inseguro" é o ato que, contrariando preceito de segurança, pode causar<br />
ou favorecer a ocorrência do acidente;<br />
- "condição ambiente de insegurança ou condição ambiente" é a condição de<br />
meio que causou o acidente ou contribuiu para sua ocorrência;<br />
- "fonte da lesão" é a coisa, substância, energia ou movimento do corpo que<br />
diretamente provocou a lesão;<br />
- "fator pessoal de insegurança ou fator pessoal" é a causa relativa ao<br />
comportamento humano que leva à prática do ato inseguro;<br />
- "natureza da lesão" é a expressão que identifica a lesão, ou seja, qualquer<br />
dano sofrido pelo organismo humano como conseqüência de acidente do trabalho,<br />
segundo suas características principais;<br />
- "localização da lesão" é a indicação da sede da lesão.<br />
A legislação brasileira - NR 4, NR 5, NR 7, NR 9, NR 18... - estabelece a<br />
obrigatoriedade de elaboração de estatísticas de acidentes e recomenda sua<br />
utilização na definição de prioridades e metas a serem adotadas pelas empresas,<br />
assim como estabelece a realização de in<strong>sp</strong>eções de segurança que devem<br />
identificar fatores e situações de risco e solicitar as correções devidas com vistas à<br />
prevenção desses fenômenos (BRASIL, 1998).<br />
A adoção de formulário de investigação de acidente com campo destinado à<br />
60
definição de re<strong>sp</strong>onsável pela ocorrência parece ter como propósito preocupação de<br />
natureza jurídica, e não técnica, de comprovar ou atribuir culpa à vítima e,<br />
conseqüentemente, atribuir-lhe a re<strong>sp</strong>onsabilidade pelo ocorrido, eliminando ou<br />
dificultando as chances de re<strong>sp</strong>onsabilização civil e penal do empregador.<br />
Conduzida a investigação pela CIPA, organismo de composição paritária e assistido<br />
por profissionais e<strong>sp</strong>ecializados em prevenção, a conclusão ganha "status" de<br />
decisão técnica competente.<br />
Do ponto de vista da prevenção de acidentes, não parece, portanto, haver<br />
justificativa para a definição de re<strong>sp</strong>onsabilidade por sua ocorrência.<br />
Binder e col. (1997) mostraram que, em 70% de acidentes investigados em 3<br />
empresas metalúrgicas de grande porte e possuidoras de Sesmt do Estado de São<br />
Paulo, considerou-se como "causa" a prática de ato inseguro pelo acidentado ou<br />
colega de trabalho e que, em 83% dos casos, o acidentado foi considerado,<br />
re<strong>sp</strong>onsável pela ocorrência. Os autores também evidenciaram que, em 38% dos<br />
registros, a "causa apurada" com utilização do modelo de investigação padronizado<br />
pelo Ministério do Trabalho incluía termos ou expressões, como "descuido,<br />
negligência, desatenção, exposição desnecessária ao perigo", além do registro de<br />
causas como "operação incorreta" (15%), "improvisação" (2,8%), "pressa na<br />
execução da tarefa" (2,1 %), que foram interpretados como reveladores de emissão<br />
de juízo de valor ou julgamento "a priori" atribuidor de causa do AT a<br />
comportamentos faltosos do próprio acidentado.<br />
Quem é, nesses casos, o re<strong>sp</strong>onsável pelas re<strong>sp</strong>ostas aos quesitos do<br />
formulário? Em nossa experiência, a re<strong>sp</strong>osta a esta questão tem sido bastante<br />
heterogênea.<br />
Como a formação dos re<strong>sp</strong>onsáveis por esse preenchimento contempla os<br />
61
a<strong>sp</strong>ectos relativos à investigação de acidentes e preenchimento desses formulários?<br />
De acordo com nossa experiência, em muitos casos, trata-se apenas de treinamento<br />
de CIPA, curso que tem carga horária mínima de 18 horas para abordagem que<br />
contemple, no mínimo, os 11 itens listados no seu currículo básico. Nas empresas<br />
com Sesmt, a condução da investigação cabe, em geral, a técnico de segurança e<br />
pode contar, eventualmente, com intervenção do engenheiro de segurança. A<br />
formação desses profissionais pode incluir acesso a outras fontes de informação e<br />
orientações acerca da condução de investigações de acidentes, parte das quais<br />
pode vir a ser divulgadas na empresa através de materiais educativos, frases de<br />
segurança, matérias em boletins ou jornais da empresa, etc.<br />
Em 1986, discutindo sistemas de exploração de relatórios de acidentes do<br />
trabalho, após descrevê-los como fenômenos multicausais resultantes de disfunção<br />
em sistema homem/máquina capaz de apresentar uma ou mais origens, Ho e col.<br />
(1986) formulam a seguinte questão: Como fazer para descrever de modo rico e<br />
fidedigno um fenômeno complexo tal qual o acidente do trabalho, utilizando variáveis<br />
fáceis de manipular e tratar em computador?<br />
De acordo com Simard (1989), as práticas de gestão da segurança escolhidas<br />
e adotadas na empresa dependem, em larga escala, da forma como a sua alta<br />
direção vê e se posiciona em relação à função segurança. Para ele, quando se<br />
conhece a resistência das chefias à segurança, compreende-se que tais práticas só<br />
têm chances de êxito se recebem apoio visível dessa direção e que, além dessas<br />
características estruturais, a gestão organizacional de riscos eficaz possui outras de<br />
ordem mais funcional.<br />
62
Este nível nos envia às atividades de prevenção propriamente ditas<br />
permitindo-nos observar que as empresas possuidoras de taxas mais baixas<br />
de acidentes praticam um conjunto de atividades de identificação<br />
sistemática de riscos e de análise de fatores de acidente: por exemplo,<br />
atividades tais como a in<strong>sp</strong>eção freqüente dos locais de trabalho e o<br />
recenseamento de condições perigosas, análise imediata de todos os<br />
acidentes e incidentes, análise de segurança das tarefas, elaboração e<br />
análise de estatísticas de acidentes. [.] constata-se também que as<br />
atividades de intervenção visando a prevenção de acidentes são de<br />
orientação sócio-técnico [..J intervindo-se sobre fatores técnico-material e<br />
sobre os fatores psicossociais e organizacionais dos acidentes (SIMARD,<br />
1989, p. 81).<br />
Estudo de Almeida (1996) inclui quadro em que são listadas dificuldades<br />
presentes em investigações de acidentes. Trata-se de a<strong>sp</strong>ectos que podem ser<br />
considerados de natureza técnica ou associados ao próprio desenrolar do processo<br />
de trabalho, como ausência do acidentado no momento da(s) visita(s), mudança do<br />
cenário do acidente, presença de sistemas técnicos de grandes dimensões com<br />
painéis de comando fora do corpo da máquina, interações de tarefas, AT em<br />
atividade que aparece de modo limitado no tempo, etc.<br />
Outra dificuldade constatada na experiência do autor refere-se ao uso de<br />
roteiros ou práticas de investigação adotada, seja por equipes de Centros de<br />
Referência em Saúde do Trabalhador, seja por auditores ligados ao Ministério do<br />
Trabalho, baseados na checagem da existência ou não de desre<strong>sp</strong>eito a normas<br />
legais. Um dos inconvenientes dessa prática está no abandono da investigação de<br />
a<strong>sp</strong>ectos capazes de explicar como ocorreu o acidente em questão. Ou seja, quais<br />
os fatos ocorridos? Quais as condições do sistema que permitiram suas origens?<br />
Quais as formas de interação desses fatos que resultaram no acidente? A re<strong>sp</strong>osta a<br />
essas questões deixa de ser buscada, surgindo em seu lugar a busca de normas<br />
que deixaram de ser re<strong>sp</strong>eitadas no sistema. Nesses casos, o (des) preparo técnico<br />
da equipe de investigação e/ou dos seus interlocutores, na empresa, assume papel<br />
central na determinação do momento de término da coleta de dados.<br />
Os exemplos citados de dificuldades em experiências de utilização de método<br />
63
de investigação baseado em concepção sistêmica de acidente permitem apontar a<br />
necessidade de estudos complementares. Os problemas evidenciados nos estudos<br />
citados repetem-se? Mostram diferenças ou particularidades com raízes nos<br />
mesmos fatores já apontados ou surgem indícios de razões não evidenciadas até<br />
então cuja abordagem possa trazer novas contribuições para legisladores,<br />
profissionais da prevenção, pesquisadores interessados na produção e difusão do<br />
conhecimento, etc.? Por outro lado, o esclarecimento de questões como as<br />
apontadas podem contribuir com indicações que aperfeiçoem as possibilidades de<br />
utilização de outras das diversas técnicas de investigação de acidentes, inclusive<br />
daquelas difundidas mundialmente, por exemplo, com patrocínio da Organização<br />
Internacional do Trabalho.<br />
Os fatos comentados sugerem que a abordagem de investigação<br />
desenvolvida no âmbito de empresas e de seus resultados assume grande<br />
importância para os interessados no desenvolvimento de práticas de prevenção de<br />
acidentes.<br />
Almeida (1996), Almeida e col. (2000) descrevem entraves à condução de<br />
investigações de acidentes, realizadas por agentes externos às empresas. Os<br />
exemplos usados por esses autores mostram:<br />
a) caso em que opinião prévia do trabalhador revela compreensão do<br />
acidente como fruto do azar (má sorte) ou descuido do acidentado;<br />
b) caso em que proprietário de pequena empresa faz afirmações que<br />
intimidam, atribuindo o acidente à falha do acidentado e procurando encerrar a<br />
investigação;<br />
c) caso em que profissional de segurança de uma grande empresa, em<br />
conjunto com chefia imediata do acidentado, omitiram informações e fizeram<br />
64
afirmações que modificavam, por completo, a história do acidente investigado.<br />
Esses exemplos mostram elementos capazes de explicar, em parte, como se<br />
dá a construção dos limites de uma investigação de acidente.<br />
Considerando a abordagem de acontecimento cuja origem e cujas<br />
explicações envolvem tantos e tão variados a<strong>sp</strong>ectos, seja num mesmo país, seja<br />
entre diferentes países do mundo, pode-se supor a persistência de a<strong>sp</strong>ectos das<br />
explicações desses mecanismos envolvidos na origem de acidentes ainda não<br />
adequadamente esclarecidos ou interpretados, que, se estudados, possam trazer à<br />
luz pistas ou indícios que auxiliem o esclarecimento de razões, seja de sua<br />
persistência em realidades locais, seja de diferenças na importância assumida por<br />
alguma dessas razões, nessas diversas realidades.<br />
Embora a recomendação de prevenção seja apontada como parte da<br />
investigação de acidentes, inclusive nos roteiros de investigação propostos na<br />
legislação brasileira, em nosso país, praticamente, não se evidencia referência a<br />
meios de elaboração de sugestões e/ou critérios de escolha de medidas<br />
preconizadas.<br />
Volpato (apud Barreiros, 1989), para quem<br />
a política de prevenção de acidentes na maioria das empresas de<br />
mineração da região de Criciúma concentra-se nas práticas do trabalhador e<br />
transfere a ele a re<strong>sp</strong>onsabilidade de evitar o risco de acidentes ao mesmo<br />
tempo em que lhe impinge regras e regulamentos disciplinares, exigindo do<br />
trabalhador atos de submissão e obediência.<br />
De acordo com Barreiros (1996), a atribuição do trabalhador "resume-se em<br />
apontar ao supervisor as condições inadequadas ficando-lhe, entretanto, as<br />
obrigações de continuar executando suas atividades até que alguma providência<br />
seja tomada".<br />
65
Segundo Garcia (1996, p. 198), no meio rural,<br />
a hierarquia dos princípios de controle de riscos da engenharia e da higiene<br />
do trabalho é subvertida pelo enfoque simplista, pois as principais ações de<br />
segurança [...] propostas para o controle dos riscos se limitam a medidas<br />
centradas no indivíduo sujeito aos riscos, como atitudes, precauções e<br />
práticas a serem seguidas no trabalho, treinamentos e uso de equipamentos<br />
de proteção individual.<br />
Em seu estudo, para 125 acidentes investigados, Binder, Azevedo e Almeida<br />
(1997, p. 111) encontraram 144 propostas de prevenção, sendo que "a maioria delas<br />
(cerca de 80%) situa-se no campo das estratégias comportamentais e mostra<br />
formulação, como conscientizar, orientar, insistir em maior atenção, disciplinar e<br />
insistir no uso de equipamento de proteção individual".<br />
De forma semelhante, a prevenção de acidentes parece permanecer centrada<br />
em recomendações de mudanças do comportamento do acidentado, quando, na<br />
literatura internacional, surgem estudos incorporando contribuições da ergonomia,<br />
engenharia, engenharia de sistemas, sociologia, etc., apontando-se a<br />
re<strong>sp</strong>onsabilidade das gerências em matéria de organização da segurança e das<br />
ações de prevenção de acidentes (BOOTH, 1981; HALE e GLENDON 1987a) e a<br />
necessidade de integração das políticas de segurança às políticas gerenciais das<br />
empresas (PHAM, 1989; SIMARD, 1989; SIMARD e MARCHAND, 1994; HOFFMAN<br />
e col. 1995; MONTEAU s/d).<br />
Num breve resumo da evolução dos conhecimentos na área, pode-se elencar:<br />
a) explicita-se a necessidade de priorização da correção de situações de risco<br />
presentes, de maneira permanente, nos ambientes de trabalho, ou seja, eliminação<br />
de situações em que a segurança depende, exclusivamente, do desempenho do<br />
trabalhador na execução da tarefa (WIGGLESWORTH, 1976; HADDON JUNIOR e<br />
BAKER, 1981; BAKER e col. 1982);<br />
66
) evidencia-se, em países desenvolvidos, o esgotamento do potencial<br />
preventivo de medidas ditas técnicas e/ou tradicionais como proteção mecânica de<br />
máquinas e partes móveis de sistemas técnicos, organização, limpeza e melhorias<br />
do arranjo físico e di<strong>sp</strong>osição de peças e materiais em locais de trabalho, etc.<br />
(WIGGLESWORTH, 1972, 1976);<br />
c) estabelecem-se critérios para a seleção de medidas de prevenção<br />
(HADDON JUNIOR e BAKER 1981; BAKER e col. 1982; GIELEN, 1992);<br />
d) difunde-se a noção de estratégias de prevenção com seus diferentes níveis<br />
de aplicação (HADDON JUNIOR, 1968, 1980; WALLER, 1987; LANGLEY, 1988;<br />
BROWN, 1990);<br />
e) aponta-se a contribuição da organização e das relações sociais do trabalho<br />
na gênese dos acidentes (NICHOLS, 1975; DWYER e RAFTERY, 1991);<br />
f) ganha impulso e maior difusão o estudo da prevenção em sistemas sócio<br />
técnicos de grande complexidade. Segundo Perrow, nesses sistemas, surgiriam<br />
acidentes inevitáveis, baseados em interação de falhas que, isoladamente, são<br />
consideradas banais (PERROW 1984; MONTEAU e FAVARO 1990);<br />
g) conformam-se duas grandes correntes de estudos acerca da segurança no<br />
trabalho. Uma delas dá ênfase ao estudo de a<strong>sp</strong>ectos cognitivos e da confiabilidade<br />
no trabalho, com atenção e<strong>sp</strong>ecial no tema do erro humano, abordado como<br />
intrínseco ao processo de produção (RASMUSSEN e col. 1987; KIRWAN, 1992a, b;<br />
Amalberti 1996). A outra enfatiza a gestão de segurança, apontando fatores<br />
organizacionais cuja superação exige abordagem que integre as funções de<br />
segurança, produção e manutenção (MONTEAU e PHAM, 1988; MONTEAU, 1992).<br />
A associação de contribuições dessas duas correntes foi defendida por autores com<br />
Leplat e Rasmussen (1987) e Goguelin (1996).<br />
67
Como a redução dos erros humanos é abordada na literatura que trata da<br />
prevenção de acidentes? Para Reason, a redução de erros poderia se dar: 1) pela<br />
supressão de condições associadas ao seu desencadeamento, consideradas erros<br />
latentes ou condições em potencial para a sua ocorrência; 2) pela introdução de<br />
próteses cognitivas que ajudem o operador em seus pontos "fracos"; 3)<br />
incorporando, no sistema sócio-técnico, defesas voltadas para a recuperação dos<br />
erros já ocorridos. Entre os tipos de defesas, ele cita o envolvimento de coletivos de<br />
trabalho, regulamentações, procedimentos, organização, gestão e, enfim, da técnica.<br />
É possível que a insuficiente difusão desses novos conhecimentos, em nosso<br />
país, esteja contribuindo para a proliferação de sugestões de medidas de prevenção<br />
centradas na mudança de comportamentos dos acidentados, sem questionar seu<br />
potencial preventivo. Tampouco foram efetuados, entre nós, estudos para avaliar o<br />
impacto de medidas de prevenção adotadas. Como exceções merecem citação as<br />
publicações de Cohn e col. (1985) e Hirano e col. (1990), questionando a fragilidade<br />
técnica e as conseqüências político-ideológicas - como a "produção da consciência<br />
culposa" - dessa maneira de abordar os acidentes do trabalho.<br />
Uma questão que incomodaria investigadores preocupados com as práticas<br />
de atribuição de culpa é: O que deve ser feito, quando a investigação revela ‘erros<br />
humanos'? Para o CCOHS (1998), toda vez que houver constatação desse tipo de 1<br />
fato, ele deve ser apontado, lembrando-se que a intenção é corrigir a situação e não<br />
punir um indivíduo. Deixar de apontar a falha diminui a qualidade da investigação e<br />
poderia facilitar a sua participação em futuros acidentes.<br />
Comentando as conclusões da investigação, o CCOHS (1998) é explícito:<br />
"Nunca faça recomendações disciplinares a uma pessoa ou pessoas que podem ter<br />
cometido uma falta. Isso poderia não somente ir contra o propósito real da<br />
68
investigação, mas poriam em risco as chances do livre fluxo de informações em<br />
investigações futuras". Na mesma publicação, sugere-se a utilização de<br />
recomendações e<strong>sp</strong>ecíficas de correção dos problemas identificados, evitando-se<br />
redações que apenas apontam o problema a ser corrigido (CCOHS, 1998).<br />
2.2.6 Informações sobre acidentes de trabalho<br />
Não nos basta conhecer a definição de Acidente do Trabalho, suas causas,<br />
conseqüências e re<strong>sp</strong>onsabilidades, é necessário entender de que maneira eles<br />
alimentam o Sistema de Informação em Saúde do Trabalhador. A preconização do<br />
atendimento e da notificação dos Acidentes do Trabalho, como a conhecemos<br />
atualmente no Brasil, ocorreu em 1976, com a edição da Lei nº. 6367/76 do<br />
Ministério do Trabalho (BRASIL, Ministério do Trabalho, 1976).<br />
Nesse momento é instituída a Comunicação do Acidente do Trabalho (CAT),<br />
impresso e<strong>sp</strong>ecifico para a notificação do Acidente do Trabalho. Este documento foi<br />
reformulado posteriormente em 24/07/91, através das Leis nsº. 8.212 e 8.213 e<br />
regulamentado em 26/10/93 através da Ordem de Serviço INSS/DSS nº. 329. Em<br />
1999 ocorreu uma nova alteração no formato da CAT, através da Portaria 5051 de<br />
20/02/99, que permanece vigente até o momento (BRASIL. Ministério da Previdência<br />
e Assistência Social, 1991; BRASIL. Instituto Nacional de Seguridade Social, 1993;<br />
BRASIL. Ministério da Previdência e Assistência Social, 1999).<br />
Em 1994, após a Resolução SS- nº. 587, de 18.11.94, ficou definido que cabe<br />
ao empregador a emissão da CAT ou, caso o empregador não a emita, esta poderá<br />
ser efetuada pelo próprio acidentado, pela entidade sindical, pelo serviço médico que<br />
o atendeu, entre outros (SÃO PAULO, 1994). Atualmente encontra-se em estudo<br />
69
mudanças no sistema vigente de Seguro Acidente do Trabalho (SAT). O Ministério<br />
da Previdência e Assistência Social apresentou neste sentido, em versão preliminar,<br />
defendendo a privatização do SAT, em 10 de Outubro de 1997 (BRASIL. Ministério e<br />
Assistência Social; 1997).<br />
Na época da Revolução Industrial, as preocupações na área de segurança<br />
não tinham o foco na prevenção de acidentes, e sim na reparação dos danos à<br />
saúde e à integridade física dos trabalhadores, cujos custos diretos eram<br />
conhecidos. Entretanto, por volta de 1926, os estudos do pesquisador norte-<br />
americano Heinrich já demonstravam uma relação entre os custos indiretos e diretos<br />
da ordem de 4:1, ou seja, os custos indiretos eram muitos mais altos do que os<br />
custos diretamente associados aos acidentes, evidenciando que somente a<br />
reparação não era suficiente sendo necessários investimentos em prevenção.<br />
Em 1969, Frank Bird, diretor de segurança de serviços de engenharia da<br />
Insurance Company North América, realizou uma grande pesquisa com análise de<br />
1.750.000 ocorrências de acidentes, identificando que a maioria das ocorrências não<br />
estava relacionada a acidentes com vitimas e sim a acidentes que resultavam em<br />
danos à propriedade com seus conseqüentes prejuízos. Atualmente o número de<br />
acidentes do trabalho e doenças ocupacionais que vem ocorrendo no Brasil e no<br />
mundo é preocupante, uma vez que representa grandes perdas para o trabalhador,<br />
para a sua família, para o empregador, para o governo e para a sociedade como um<br />
todo.<br />
Tem-se conhecimento de estimativas da Organização Internacional do<br />
Trabalho de que os números de doenças relacionadas ao trabalho vão dobrar nos<br />
próximos 20 anos se nada for feito a partir de hoje. Pior ainda, muitas pessoas vão<br />
morrer devido às exposições aos riscos inerentes ao trabalho, segundo o informativo<br />
70
da Associação nacional de Engenharia de Segurança do Trabalho (INFORMATIVO<br />
ANEST, 1999). Podemos mencionar os impressionantes resultados divulgados pela<br />
Organização Internacional do Trabalho (OIT), que citam números entre 1,9 e 2,3<br />
milhões de mortes por ano no mundo como resultantes de acidentes relacionados ao<br />
trabalho (equivalentes a 5.500 mortes por dia), das quais:<br />
− 12 mil são de crianças;<br />
− 360 mil são relativas a acidentes no local de trabalho;<br />
− 1,6 milhões ocorrem em razão de doenças adquiridas no trabalho.<br />
Para se ter uma idéia comparativa de valores, basta compará-los aos<br />
resultados do conflito no Vietnã, que e 7 (sete) anos de guerra registrou cerca de 1,5<br />
milhões de mortes. Também pode ser feita uma com os números divulgados sobre a<br />
epidemia de AIDS no mundo pela United Nations Programme on HIV (UNAIDS,<br />
2003), que, em um período de cinco anos (1997 – 2002), registrou aproximadamente<br />
11,7 milhões de mortes (equivalente a 2,34 milhões por ano). No Brasil, a situação<br />
da acidentalidade e de afastamentos relacionados a atividades ocupacionais não é<br />
diferente haja a vista a quantidade de acidentes de trabalho divulgada pelo Ministério<br />
da Previdência Social (MPAS) apresentada na tabela 1.<br />
Os números apresentados são extremamente significativos, mesmo sem<br />
considerar o fato de que esses podem ser bem maiores em face de uma cultura de<br />
sub-notificação existente, como a que vigora no Brasil. Nesse sentido, algumas<br />
características e<strong>sp</strong>ecificas das legislações contribuem para a sub-notificação por não<br />
exigirem a notificação de diversos acidentes relacionados ao trabalho, como o que<br />
ocorre no Brasil em relação ao acidentes envolvendo trabalhadores informais e<br />
outros contratados de formas alternativas, como é o caso da área rural, das<br />
cooperativas e dos autônomos.<br />
71
Tabela 1 – Acidentes de Trabalho em 2003 no Brasil<br />
Número Classificação dos Acidentes*<br />
337.602 INCAPACIDADE<br />
TEMPORÁRIA<br />
O trabalhador fica afastado por um período, até<br />
que esteja apto para retornar à sua atividade<br />
profissional.<br />
O trabalhador fica incapacitado de exercer a<br />
atividade profissional que desempenhava na<br />
época do acidente. Essa incapacidade<br />
12.649<br />
INCAPACIDADE<br />
PERMANENTE<br />
permanente pode ser total ou parcial. No<br />
primeiro caso, o trabalhador fica impossibilitado<br />
de exercer qualquer tipo de trabalho e passa a<br />
receber uma aposentadoria por invalidez. No<br />
segundo caso, o trabalhador recebe uma<br />
indenização pela incapacidade sofrida (auxilioacidente),<br />
mas é considerado apto para o<br />
desenvolvimento<br />
profissional.<br />
de outra atividade<br />
60.120<br />
SIMPLES ASISTÊNCIA<br />
MÉDICA<br />
O trabalhador recebe atendimento médico e<br />
retorna imediatamente às suas atividades<br />
profissionais<br />
2.5825 ÓBITOS<br />
O trabalhador falece em virtude de um acidente<br />
de trabalho.<br />
TOTAL:<br />
419.953<br />
* Classificação de acidentes definida pela legislação previdenciária brasileira<br />
(Fonte: MPAS, 2003)<br />
2.2.7. Acidentalidade brasileira<br />
É nesse panorama que devemos analisar os acidentes de trabalho. As<br />
denuncias internacionais a re<strong>sp</strong>eito das precárias condições de trabalho, de<br />
insalubridade e periculosidade se situa em meados da década de 70. O inglório título<br />
foi conquistado pelo Brasil, nesse momento, de campeão mundial de Acidentes do<br />
Trabalho. Isso evidenciou o contraditório fato de que, apesar da existência de leis<br />
trabalhistas aparentemente progressistas, na pratica estas levavam em seu bojo<br />
dificuldades tamanhas de aplicabilidade, que resultavam na diminuição da<br />
comunicação do acidente de trabalho, tornando-o oculto.<br />
72
Observamos que o fato que mais chama a atenção nesses quase 15 anos de<br />
registro dos Acidentes do Trabalho é o grande aumento da relação óbitos/acidentes.<br />
Possas (1987) relata um aumento de aproximadamente 11 % realizando uma<br />
comparação ano a ano, em função da dificuldade de ocorrer o sub-registro do óbito.<br />
Apesar de neste período ter havido um rápido crescimento do número de segurados,<br />
pela expansão da força de trabalho urbana na época – que passou de 7.284.022<br />
segurados da previdência em 1970 para 22.562.301 em 1983 – o número de<br />
Acidentes registrados levaram a um significativo deslocamento das estatísticas em<br />
razão da gravidade dos acidentes.<br />
Portanto, em re<strong>sp</strong>osta à pressão internacional para que se efetivassem<br />
medidas destinadas a reversão deste quadro, o País simplesmente optou por ocultá-<br />
lo. Isso se deu principalmente a partir da aprovação da resolução INPS 900-10 de<br />
12/02/75, do Plano de Pronta Ação (POSSAS, 1987). Nesse momento efetivou-se a<br />
re<strong>sp</strong>onsabilização da empresa pela assistência e a concessão de benefícios aos<br />
acidentados do trabalho. O resultado foi uma diminuição, ainda maior, dos registros<br />
dos acidentes, que passaram a ser resolvidos (e ocultados) dentro da própria<br />
empresa, uma vez que, de acordo com estatísticas da época, do próprio INPS, parte<br />
significativa dos acidentes do trabalho necessitava de menos de 15 dias para serem<br />
resolvidos.<br />
A TABELA 2 apresenta os dados relativos à evolução dos óbitos ocorridos por<br />
acidente do trabalho no período de 1970 a 1983.<br />
73
TABELA 2 - Distribuição das mortes ocorridas por acidente do trabalho, Brasil<br />
1970 – 1983.<br />
ANO Nº. ACIDENTES ÓBITOS % MORTES /<br />
1971<br />
1972<br />
1973<br />
1974<br />
1975<br />
1976<br />
1977<br />
1978<br />
1979<br />
1980<br />
1981<br />
1982<br />
1983<br />
1970<br />
1.220.111<br />
1.330.523<br />
1.504.723<br />
1.632.696<br />
1.796.761<br />
1.916.187<br />
1.743.825<br />
1.614.750<br />
1.551.501<br />
1.444.627<br />
1.464.211<br />
1.270.465<br />
1.178.472<br />
1.003.115<br />
Fonte: Anuário Estatístico da Previdência Social, 1985.<br />
2.232<br />
2.559<br />
2.805<br />
3.122<br />
1.764<br />
3.942<br />
3.900<br />
4.445<br />
4.342<br />
4.673<br />
4.824<br />
4.808<br />
4.496<br />
4.214<br />
ACIDENTES<br />
0,18<br />
0,19<br />
0,19<br />
0,19<br />
0,21<br />
0,21<br />
0,22<br />
0,27<br />
0,28<br />
0,32<br />
0,33<br />
0,38<br />
0,38<br />
0,42<br />
A Tabela 3 mostra a evolução dos acidentes liquidados, segundo a<br />
conseqüência do trauma, no período de 1981 a 1990.<br />
Essa evolução deixa clara a crescente gravidade das lesões ao longo dos<br />
anos, com o aumento da ocorrência das incapacidades permanentes e do número<br />
de óbitos de maneira geral, quando comparados com o número total de acidentes.<br />
Em 19/07/1976 ocorre a promulgação da Lei 6.367, ainda em vigor, que transferiu a<br />
re<strong>sp</strong>onsabilidade dos primeiros quinze dias de afastamento do acidentado para a<br />
própria empresa, desvinculando-o (o acidente de trabalho) da Previdência e,<br />
portanto, diminuindo o custo securitário (BRASI, 1976). Tal fato propiciou uma<br />
drástica diminuição do número de notificações de acidentes do trabalho, o que<br />
explicaria, conforme discutido por vários autores, o deslocamento das estatísticas<br />
74
para o acidente grave, mais difícil de omitir (POSSAS, 1987; DIAS, 1993; REGO,<br />
1993).<br />
Tabela 3 - Evolução dos acidentes do trabalho liquidados segundo a<br />
conseqüência, no Brasil de 1981 a 1990.<br />
ANO<br />
1981<br />
1982<br />
1983<br />
1984<br />
1985<br />
1986<br />
1987<br />
1988<br />
1989<br />
1990<br />
A.M<br />
166.613<br />
140.123<br />
124.134<br />
131.179<br />
152.534<br />
159.144<br />
170.613<br />
147.415<br />
125.412<br />
61.215<br />
CONSEQUÊNCIA *<br />
I.T<br />
1.108.193<br />
1.042.487<br />
891.963<br />
845.206<br />
904.804<br />
954.274<br />
975.849<br />
839.370<br />
663.515<br />
660.107<br />
I.P<br />
29.921<br />
31.816<br />
30.166<br />
28.628<br />
27.283<br />
24.190<br />
23.150<br />
20.775<br />
19.550<br />
18.878<br />
O.<br />
4.808<br />
4.496<br />
4.214<br />
4.508<br />
4.360<br />
4.578<br />
5.238<br />
4.616<br />
4.091<br />
5.355<br />
TOTAL/ANO<br />
1.309.535<br />
1.218.922<br />
1.050.477<br />
1.009.516<br />
1.088.981<br />
1.142.186<br />
1.174.850<br />
1.012.176<br />
812.568<br />
745.555<br />
FONTE: Boletim Estatístico de Acidente do Trabalho (BEAT)<br />
*A.M. – Assistência Médica; I.T. – Incapacidade Temporária; I.P. – Incapacidade Permanente;<br />
O. - Óbitos.<br />
Outra grande dificuldade de lidarmos com as estatísticas oficiais advêm do<br />
fato de nosso sistema securitário contemplar apenas o trabalhador formalmente<br />
inserido no mercado de trabalho, o que torna os dados ainda mais frágeis. Machado<br />
e Gomes (1994), ao discutirem esta questão, corroboram nossa assertiva a re<strong>sp</strong>eito<br />
das dificuldades de se utilizar estatísticas oficiais, uma vez que estas se encontram,<br />
entre outros, permeadas de erros sistemáticos na coleta e interpretação das<br />
informações referentes ao Acidente de Trabalho. Em seu estudo os autores nos<br />
apresentam um agravante importantíssimo para a questão, qual seja, a relação<br />
existente entre o processo de trabalho e a violência urbana em nosso país, a<strong>sp</strong>ecto<br />
este merecedor de uma abordagem mais aprofundada. É importante ressaltar que o<br />
75
acidente de percurso também faz parte do universo dos acidentes do trabalho,<br />
incluindo-se nesse item muitos eventos ocorridos no trânsito, que infelizmente<br />
acabam por se desvincular do trabalho, compondo apenas as estatísticas de<br />
acidentes de transito.<br />
Mas estes não são os únicos a<strong>sp</strong>ectos existentes capazes de explicar a<br />
evolução dos Acidentes do Trabalho ao longo dos últimos 25 – 30 anos, Wünsch<br />
Filho (1999), ao discutir a reestruturação produtiva ocorrida no país, relaciona a<br />
diminuição do número de acidentes do trabalho registrado no país às mudanças<br />
econômicas observadas, ao amento do trabalho informal e a migração da mão-de-<br />
obra para setores com menor risco de acidentes. O autor faz uma série de<br />
correlações e considera que as associações encontradas em seu estudo reduzem a<br />
relevância atribuída, por muitos autores, à sub-notificação dos casos. Observamos<br />
que as dificuldades discutidas até o momento constituem-se em problemática das<br />
mais relevantes, sendo inclusive objeto de análise dos noticiários não-<br />
e<strong>sp</strong>ecializados, como a grande imprensa. O jornal “O Estado de São Paulo”, por<br />
exemplo, apoiado em estatísticas divulgadas pela Organização Internacional do<br />
Trabalho (OIT), também apresenta esta questão como resultante do aumento do<br />
trabalho informal e conseqüente diminuição do registro dos acidentes do trabalho (O<br />
ESTADO DE SÃO PAULO, 1996).<br />
A partir do período considerado de “abertura política” teve também inicio uma<br />
maior participação dos atores diretamente envolvidos com a questão (trabalhadores,<br />
sindicatos etc.) e ganhou força o Movimento da Reforma Sanitária, que deu voz às<br />
a<strong>sp</strong>irações de grande parte da população e alavancou um processo de importantes<br />
mudanças na área da Saúde, consubstanciadas com a promulgação da Constituição<br />
Federal de 1988. (Fleury, 1994). Marco desse período é a VIII Conferencia nacional<br />
76
de Saúde de 1986 que, em razão da aglutinação de forças atuantes expressivas na<br />
época, acabou pro influenciar fortemente a o capitulo da Saúde da nova Constituição<br />
da Republica, na contramão do Estado da República, na contramão do Estado<br />
mínimo e das agendas internacionais de saúde. Assim, a Saúde no Brasil passou a<br />
figurar como a única atividade pública, socialmente útil, caracterizada<br />
constitucionalmente de “relevância pública” (BRASIL, Constituição Federal – 1998,<br />
art. 197).<br />
A Saúde passou a ser considerada um direito de todo cidadão e dever do<br />
Estado e as ações e serviços públicos de saúde passaram a constituir o Sistema<br />
Único de Saúde (SUS), cujas diretrizes encontram-se e<strong>sp</strong>ecificadas no art. 198 da<br />
nova Constituição. Entretanto, a Lei Orgânica da Saúde, que inclui os princípios e<br />
diretrizes do sistema, só foi aprovada em 1990, sendo que a regulamentação do<br />
SUS somente se completou com a edição da Norma Operacional Básica 01/96<br />
(BRASIL. Ministério da Saúde, 1996). Dentre os avanços destacam-se as ações que<br />
se dirigem à saúde dos trabalhadores, que passam a ser asseguradas<br />
constitucionalmente através do art. 200 (BRASIL, 1998). Mas, da promulgação à sua<br />
efetivação há ainda um longo caminho a ser percorrido. Trata-se de um processo<br />
ainda em andamento.<br />
Ao compararmos a letalidade e a mortalidade por Acidentes do Trabalho<br />
nacionais com os índices de outros países, no ano de 1991 – como se pode ver na<br />
Tabela 3, segundo dados do Anuário Estatístico da OIT/91 – concluiremos que a<br />
situação era alarmante.<br />
77
TABELA 4 -Mortalidade e letalidade por acidentes de trabalho segundo país e<br />
tipos de ocorrências por ano de 1991<br />
PAÍS<br />
BRASIL<br />
ESPANHA<br />
SUÉCIA<br />
EUA<br />
FONTE: OIT/1991<br />
* mortes/1.000 acidentes<br />
* mortes/1.000.000 p.e.a.<br />
OCORRENCIA<br />
LETALIDADE *<br />
3,3<br />
2,0<br />
1,2<br />
0,8<br />
MORTALIDADE **<br />
203,0<br />
92,0<br />
29,2<br />
30,8<br />
O conflito de interesses políticos e econômicos contribuiu para a morosidade<br />
das modificações necessárias. Mesmo antes de sua completa implantação o<br />
Sistema Único de Saúde (SUS) já foi alvo de duras criticas e muitas tentativas de<br />
desestabilização (CASTRO, 1992; NETO, 1995; MOTA, 1995; GABARRA, 1995;<br />
BARROS, 1996). As dificuldades ainda são muitas, num embate constante entre<br />
forças desiguais. De um lado, os trabalhadores e seus poucos aliados na tentativa<br />
de cumprir a lei. De outro lado, o empresariado e seus prepostos distribuídos nos<br />
vários escalões governamentais (CARVALHO, 1992; CASTRO, 1992; VILAÇA e<br />
MENDES, 1993; FLEURY, 1994; BARROS, 1996).<br />
Neste movimento sinuoso e conflituoso da implantação do SUS, insere-se<br />
outro, ainda mais difícil: o da efetivação e viabilização das resoluções previstas para<br />
a Saúde do Trabalhador. Como já discutimos, trata-se de área permanentemente em<br />
confronto com os interesses do capital. Particularmente no Brasil, são décadas de<br />
omissão e descaso evidenciados através de esfera jurídica ainda muito distante da<br />
realidade e do alcance dos trabalhadores.<br />
78
Mas os avanços são inegáveis, e neste sentido, com o SUS implantado, a<br />
municipalização poderia ser considerada como um divisor de águas no que se refere<br />
às ações de saúde e, consequentemente, à saúde dos trabalhadores. Não obstante<br />
a contemplação legal, reafirmada em âmbitos estadual e municipal, as ações<br />
e<strong>sp</strong>ecificamente voltadas para a Saúde do Trabalhador ainda têm muito que<br />
caminhar. Esta pratica depende de mudanças que vão além da tran<strong>sp</strong>arência das<br />
ações e da confiabilidade das informações – de que todas as instâncias envolvidas<br />
na questão trabalhem harmoniosa e conjuntamente (BIONDI, 1994). A efetivação de<br />
um bom sistema de prevenção e promoção de saúde reside na existência de um<br />
fluxo de informações confiável e de fácil utilização, que vai desde o diagnostico dos<br />
agravos (acidentes e doenças do trabalho) e dos riscos envolvidos em cada<br />
processo produtivo, até a efetivação de ações preventivas e corretivas (OPIT, 1987;<br />
YAZLLE ROCHA, 1991; BRANCO, 1996).<br />
Os acidentes de trabalho e as doenças profissionais e do trabalham passaram<br />
a ser de notificação compulsória desde 1989 (Resolução nº. 23 da CIPLAN –<br />
Comissão Interministerial de Planejamento), porem até hoje o que predomina é a<br />
sub-notificação, como afirmam as próprias autoridades, quando se referem as<br />
estatísticas oficias. Em contraste com a notificação do Acidente do Trabalho que,<br />
como afirmamos até o momento, apresenta-se muito aquém do e<strong>sp</strong>erado e do<br />
desejado, o sistema de notificação compulsória da Vigilância Epidemiológica parece<br />
obter resultados muito mais confiáveis. Apesar de lidar com doenças consideradas<br />
estigmatizantes como a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e o Mal de<br />
Hansen (MH), ou aquelas que representam um claro sinal de empobrecimento e má<br />
qualidade de vida de uma população como a Tuberculose (Tb) e Malária, estas não<br />
deixam de aparecer nas estatísticas oficiais.<br />
79
Boletins epidemiológicos são impressos e distribuídos regularmente, com<br />
séries históricas de variados formatos e modelos: anuais, semestrais e até mensais.<br />
Como exemplo podemos citar o Informe Epidemiológico do SUS impresso<br />
regularmente desde 1991 pelo Ministério da Saúde e o Boletim Epidemiológico<br />
impresso regularmente desde 1996 pelo Centro Nacional de Epidemiologia<br />
(CENEPI).<br />
Apesar das dificuldades para se manter um fluxo fidedigno de informações,<br />
campanhas são elaboradas continuamente e veiculadas através dos meios de<br />
comunicação de massa como televisão ou rádio e de circulação interna como<br />
ofícios, solicitações, treinamentos, cursos, publicações etc., com o intuito de<br />
melhorar a coleta de dados, evitando a omissão, como presenciado pelo autor<br />
quando re<strong>sp</strong>onsável pelo Setor de Segurança do Trabalho de uma grande empresa<br />
madeireira, no Município de Caçador, Estado de Santa Catarina e como Engenheiro<br />
de Segurança do Trabalho do Sistema “S” – SESI, para UOS – Meio oeste do<br />
Estado de Santa Catarina.<br />
É perceptível a presença de um empenho continuo visando o esclarecimento<br />
da população e dos profissionais de saúde sobre a importância da notificação e da<br />
identificação precoce destes agravos, através da busca ativa dos casos na<br />
comunidade. E o mais importante é que estas notificações desencadeiam ações<br />
efetivas de prevenção e de controle. Contudo, não é possível identificar o mesmo<br />
tratamento para o Acidente do Trabalho. Em nenhum momento esta informação é<br />
trabalhada através de boletins. O Acidente do Trabalho e as Doenças do Trabalho<br />
simplesmente inexistem para os Serviços de Vigilância Epidemiológica. Ocorre uma<br />
preocupação com o aumento das lesões por causa externa, tão alardeada<br />
80
atualmente, mas sem a conexão desses traumas com o Trabalho, com a atividade<br />
laboral desenvolvida pelo individuo na hora do trauma.<br />
Será que tantos casos, escondidos sob a denominação genérica “Acidentes<br />
de Transito”, na realidade não ocultam a dura realidade do mundo do Trabalho em<br />
nosso país? Oliveira e Mendes (1997) analisaram a relação existente entre os<br />
Acidentes do trabalho e a violência urbana, nos alertando quanto à questão dos<br />
homicídios e dos acidentes de transito como grandes causadores de óbitos e que,<br />
em sua maioria, não são reconhecidos como fatos relacionados ao trabalho.<br />
Consideramos importante frisar esta questão, pois o acidente de transito<br />
oculta em seu bojo um grande percentual de acidentes de trabalho, como por<br />
exemplo, motoristas de táxi, de ônibus, representantes comerciais dentre outros,<br />
sem, no entanto aparecerem como tal. São pessoas que ao trabalhar tornam-se<br />
vitimas de acidentes. São aqueles que, segundo o conceito oficial de Acidente de<br />
Trabalho, estão a “serviço da empresa”. Esta é, ainda, uma faceta obscura a ser<br />
melhor estudada e compreendida, não sendo, no entanto, assim vista em Caçador –<br />
SC e, provavelmente, em nenhuma parte do país.<br />
Quando tratamos das doenças e patologias do trabalho as dificuldades são<br />
ainda maiores e a ocultação mais contundente, representando um achado fortuito de<br />
pesquisas e levantamentos isolados. Machado e Gomes, em estudo realizado no<br />
ano de 1995, abordam o fato ao relatar que:<br />
Em qualquer busca ativa de casos evidenciam-se verdadeiras epidemias:<br />
intoxicação por chumbo em Bauru, Curitiba e Rio de janeiro; surdez em<br />
Camaçari; silicose em São Paulo, Salto, Niterói e Criciúma; benzolismo em<br />
Cubatão, Volta Redonda, Duque de Caxias e Camaçari [...] (MACHADO e<br />
GOMES, 1995)<br />
Persiste a dificuldade de se comprovar a relação do trabalho com o viver-<br />
adoecer do trabalhador em uma infinidade de situações (POSSAS, 1981; COHN et<br />
81
al., 1985; FALEIROS, 1992; MINAYO, 1995). Essa indefinição acaba por tomar todo<br />
um contingente populacional, re<strong>sp</strong>onsável pela geração da riqueza deste país,<br />
totalmente vulnerável física e mentalmente, uma vez que não se di<strong>sp</strong>ões de um<br />
sistema de informações funcional e a sub-notificação do acidente de trabalho é a<br />
regra, quando deveria ser a exceção. A vinculação legal e civil da doença e do<br />
acidente do trabalho, representado por arcabouço legal de sanções e penas, foi<br />
elaborada com o objetivo de estimular a notificação dos acidentes e possibilitar<br />
melhorias das condições de trabalho através de modificações dos sistemas<br />
produtivos. No entanto, na prática, acabou por produzir um efeito contrário,<br />
aumentando a sub-notificação.<br />
O que existe é um sistema fragmentado, onde as diferentes instâncias<br />
trabalham isoladas, cada uma em sua e<strong>sp</strong>ecificidade, sem visão de conjunto e de<br />
relação de colaboração, tornado a informação inacessível, principalmente quando se<br />
trata de perfis locais e e<strong>sp</strong>ecíficos, ou seja, municípios ou organizações. Toda a<br />
informação existente é baseada na emissão da Comunicação do Acidente do<br />
Trabalho (CAT), que acaba por contemplar apenas os agravos ocorridos em<br />
trabalhadores formalmente inseridos no mercado de trabalho e, mesmo estes, não<br />
parecem em sua real magnitude em função da sub-notificação. Além disso, os<br />
informes são, via de regra, apresentados na forma de estatísticas envolvendo<br />
grandes regiões, o que acaba por mascarar peculiaridades locais e por diluir as<br />
informações. Quando se deseja entender a dinâmica de determinado setor ou<br />
região, mesmo de municípios menores, as estatísticas oficiais são quase nulas. O<br />
que temos é um conjunto de informações globais, incompletas e que não nos<br />
permite dimensionar o acidente do trabalho em nossa sociedade.<br />
82
As publicações existentes, embora abundantes, referem-se quase que<br />
exclusivamente a realidades setoriais e em geral na forma de estudos de caso. Não<br />
faltam trabalhos abordando o setor metalúrgico ou o setor petroquímico, com<br />
recortes bem delimitados que em geral não permitem extrapolações. Estes estudos<br />
são importantes, ainda que circunscritos. No entanto, como já dissemos, são<br />
insuficientes para mostrar a real dimensão de uma região ou de cada município<br />
isoladamente. Como exemplo podemos citar os estudos de Ferreira e Mendes<br />
(1981) em Campinas, Faria et al. (1983) em Cubatão, Santana et al (1998) em<br />
Camaçari e Santos e Robazzi (1998) em Ribeirão Preto. A efetivação do que se<br />
encontra preconizado na Constituição de 1988, ou seja, a municipalização da<br />
informação na Saúde do Trabalhador, somente ocorrerá através de uma<br />
significativa mudança no processo de geração e análise destas informações,<br />
tornando-as mais tran<strong>sp</strong>arentes e acessíveis.<br />
Se já era difícil em anos anteriores, este panorama fica ainda mais complexo<br />
quando analisamos o mundo do trabalho em meio às rápidas mudanças<br />
organizacionais através da reestruturação produtiva, decorrentes da globalização. A<br />
precarização das relações de trabalho e o aumento do desemprego levaram a uma<br />
desestruturação sindical. Estas organizações, na medida que não foram capazes de<br />
superar as dificuldades decorrentes deste novo quadro, passaram a deslocar sua<br />
atuação, deixando para trás as lutas por trabalho digno, melhorias salariais, direito<br />
ao lazer etc., para uma atuação centrada quase que exclusivamente na manutenção<br />
do emprego a qualquer custo com sérias repercussões para o já de<strong>sp</strong>rotegido<br />
mundo do trabalho (COSTA, 1994; ANTUNES, 1995; RIFKIN, 1995). Se junta a este<br />
perfil a pratica da terceirização do trabalho e o aumento do trabalho informal; muitas<br />
vezes de alto risco e periculosidade e sem nenhum amparo legal e,<br />
83
conseqüentemente, sem controle. Esta tendência de flexibilização das relações do<br />
trabalho acaba por criar um clima favorável a retrocessos na legislação trabalhista,<br />
além de gerar um enorme contingente de excluídos (RIGOTTO, 1998).<br />
Dias (1993) apresenta estimativas de incidência de acidentes do trabalho na<br />
ordem de 3 milhões de ocorrência por ano. Isto é uma verdadeira epidemia, com<br />
graves conseqüências sociais e econômicas. A Constituição de 1998, no capitulo da<br />
Saúde, e a Lei Orgânica da Saúde já nos colocam a exigência de se implementar<br />
programas e<strong>sp</strong>ecíficos objetivando impulsionar melhorias na qualidade das<br />
informações, sua análise e posterior divulgação (BRASI. Constituição, 1998;<br />
BRASIL. Ministério da Saúde, 1990). Isto é reafirmado institucionalmente, quer em<br />
âmbito estadual, quer municipal, principalmente com a efetivação da municipalização<br />
das ações de saúde (DALLARI, 1995).<br />
A informação em Saúde, em geral, e do Trabalhador, em particular se<br />
mantêm com serias dificuldades no país. Tal fato é admitido pelos próprios<br />
representantes governamentais. Constitui-se numa das preocupações prioritárias do<br />
Ministério da Saúde desde 1995, quando da instituição de grupo de trabalho<br />
encarregado de estudar e propor soluções para estas questões. O referido grupo de<br />
trabalho, naquela oportunidade afirmou que:<br />
[...] no nível periférico, a falta de padronização dos procedimentos,<br />
tratamento, análise e disseminação das informações [...] uma tendência<br />
para proliferar arquivos e banco de dados [...], frequentemente di<strong>sp</strong>ersos em<br />
unidades organizacionais internas de diversas instituições, com precária ou<br />
nenhuma coordenação central, [...] acarretam redundância e duplicidade de<br />
informações e dificuldade de sua recuperação. (INFORME<br />
EPIDEMIOLÓGICO SUS, 1995)<br />
Admitia-se que isso impossibilitava a efetivação de um Sistema de Informação<br />
confiável e ágil. A partir destas constatações, dentre outras, é que se elaborou o<br />
Sistema de Informações de Saúde, na procura de um modelo de sistema integrado e<br />
cooperativo, com políticas de informática em saúde e de documentação em saúde, o<br />
84
que gerou o documento aprovado pela Portaria Ministerial nº. 3 de 04/01/96<br />
(INFORME EPIDEMIOLÓGICO SUS, 95). Alves e Luchesi (1992) discutem estas<br />
questões no âmbito da Saúde do Trabalhador, ressaltando a precariedade de<br />
informações existentes com relação aos Acidentes do Trabalho e Doenças<br />
Profissionais.<br />
A questão é: será que a elaboração de documentos como ao acima<br />
mencionado tem sido capaz de gerar uma efetiva modificação e melhoria do Sistema<br />
de Informação em Saúde no que concerne à Saúde do trabalhador? O que<br />
representa afinal a municipalização das ações de saúde para a Saúde do<br />
Trabalhador?<br />
A municipalização de municípios do Estado de Santa Catarina, em e<strong>sp</strong>ecial a<br />
de Caçador se deu, como gestão plena das Ações de Saúde, no ano de 2001. Na<br />
gestão plena o município tem por atribuições implementar, organizar e administrar os<br />
serviços de saúde e, inclusive, efetivar ações voltadas para a melhoria da Saúde do<br />
Trabalhador. Estas ações não devem se restringir ao atendimento médico, mas,<br />
principalmente, devem dar prioridade à implementação de programas visando a<br />
coleta de informações, a identificação de fatores de risco à saúde do trabalhador,<br />
análise destas informações e sua divulgação, entre outros; tudo isso, resultando em<br />
aços de controle dos agravos identificados. Este controle pode ser obtido através de<br />
diversas formas, que vão desde campanhas educativas até intervenções no local de<br />
trabalho, previstas por lei (CLT – Capitulo V, Titulo 2; Lei Federal 6.514/77).<br />
Entretanto, este não pode ser um trabalho isolado, compartimentado e<br />
burocrático. É indi<strong>sp</strong>ensável e premente a sintonia entre os serviços envolvidos, sem<br />
duplicação do trabalho, buscando sempre a agilidade, a fidelidade e, principalmente,<br />
a di<strong>sp</strong>onibilidade das informações. Só assim a Assistência à Saúde do Trabalhador<br />
85
pode ser entendida como um processo, um conjunto de práticas eminentemente<br />
prevencionista, tendo, portanto como premissa, conhecer para prevenir, visando a<br />
melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores. A diversidade de serviços<br />
legalmente capazes de atuar, em diferentes frentes de trabalho e, muitas vezes, até<br />
com duplicação de funções, torna esta questão particularmente delicada. Biondi<br />
(1994) nos coloca a necessidade de se atuar de forma mais abrangente, com um<br />
maior envolvimento dos serviços municipais ligados à saúde publica (Vigilância<br />
Sanitária, Vigilância Epidemiológica e Saúde do Trabalhador), que classicamente<br />
tem trabalhado de forma compartimentada. Para ele há a necessidade de uma visão<br />
ampliada de atuação, a visão de Vigilância em Saúde.<br />
O Programa de Saúde do Trabalhador que almejamos compreende um<br />
conjunto de ações que vai do registro e da notificação às ações de prevenção, de<br />
promoção de saúde e do controle de agravos. Para a efetivação deste modelo é<br />
necessária a existência de um fluxo de informações fidedigno, capaz de tirar o<br />
acidente e as doenças do trabalho do escuro, possibilitando nortear nossas ações e<br />
indicar qual o melhor caminho a seguir. Apesar de sua posição de destaque na<br />
esfera nacional, no setor de industrialização de madeira e destaque estadual no que<br />
diz re<strong>sp</strong>eito a desempenho industrial, exportações e arrecadação de impostos,<br />
Caçador carece de estudos que avaliem esse processo em nível municipal. Antes,<br />
de entrar no setor e<strong>sp</strong>ecífico da madeireira, um pouco das considerações<br />
metodológicas sobre a forma de desenvolvimento do programa de prevenção e a<br />
compreensão de acidentes de trabalho.<br />
A redução dos acidentes de trabalho, inclusive nos países desenvolvidos, não<br />
é algo de fácil solução, pois apesar da melhoria de qualidade da legislação – que,<br />
em e<strong>sp</strong>ecial no Brasil, surgiu com a aprovação da portaria nº. 3.214, de 08 de Junho<br />
86
de 1978, que estabeleceu as Normas Regulamentadoras (NRs), e com a<br />
modernização tecnológica ocorrida nas ultimas décadas – a prevenção de acidentes<br />
ainda necessita de avanços significativos.<br />
2.3 ACIDENTE DE TRABALHO: um desafio da gestão em saúde e segurança<br />
Nesse contexto, pode-se afirmar que as empresas, como agentes sociais,<br />
podem trazer uma grande contribuição para a redução de acidentes, mais isso não<br />
ocorre de maneira efetiva pelo fato de as empresas, em sua grande maioria,<br />
adotarem modelos tradicionais de gestão da Segurança e Saúde no Trabalho -<br />
SST 1 . Tais modelos são caracterizados por:<br />
necessário;<br />
− Atribuição de um caráter marginal à SST, considerada um mal<br />
− Objetivo único de cumprir as exigências legais mínimas;<br />
− Adoção de princípios tayloristas, considerando o homem como uma<br />
peça na máquina-empresa;<br />
− Direcionamento de esforços para modificar o comportamento dos<br />
trabalhadores em razão de estes serem considerados os culpados pelos acidentes;<br />
− De<strong>sp</strong>rezível participação e envolvimento dos trabalhadores nas<br />
questões relacionadas à SST.<br />
No Brasil, os modelos tradicionais são aplicados em grande parte das<br />
empresas, visto que as suas ações em relação ao assunto tomam como base,<br />
essencialmente, o cumprimento das normas regulamentadoras do Ministério do<br />
1 Segurança e Saúde no Trabalho, em nosso contexto, deve ser entendido como “o estado de estar<br />
livre de riscos inaceitáveis de danos nos ambientes de trabalho, garantido o bem estar físico, mental e<br />
social dos trabalhadores”.<br />
87
Trabalho e Emprego (MTE) e da Previdência Social, sendo, as primeiras prescritivas<br />
quanto aos controles a serem adotados e a segunda com foco na compensação dos<br />
acidentados. Assim, pode-se considerar que há um grande e<strong>sp</strong>aço para a<br />
reavaliação e para a implementação de modificações significativas nos modelos de<br />
gestão, dentro de um novo paradigma, no qual os conceitos de desenvolvimento<br />
sustentável 2 , e principalmente o de re<strong>sp</strong>onsabilidade social 3 , sejam aplicados<br />
efetivamente e alicercem as decisões estratégicas das empresas.<br />
A gestão não deve ter como objetivo apenas atender as exigências legais,<br />
mas a partir delas, instituir uma cultura de prevenção de acidentes de trabalho que<br />
garanta a segurança e a integridade dos trabalhadores, desencadeando, como<br />
conseqüência, o aumento da produtividade e a melhoria da qualidade dos<br />
processos. Nesse sentido, os Sistemas de Gestão da Segurança e Saúde no<br />
Trabalho - SGSSTs ganham importância, pois estes são ferramentas gerencias que<br />
auxiliam as empresas na reavaliação de seus modelos de gestão e na criação de<br />
novos modelos condizentes com o atual paradigma, possibilitando a melhoria<br />
continua do desempenho em relação à SST, o que é uma necessidade fundamental<br />
para a empresa, trabalhadores e para a sociedade.<br />
2 O Conceito de desenvolvimento sustentável foi apresentado em 1987 – no relatório Our Commom<br />
Future (Nosso Futuro Comum), resultado da Assembléia Geral das Nações Unidas -, como aquele<br />
que “atende as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras<br />
atenderem as suas”.<br />
3 Re<strong>sp</strong>onsabilidade Social “é uma forma de conduzir os negócios da empresa de tal maneira que a<br />
torne parceira e co-re<strong>sp</strong>onsável pelo desenvolvimento social”. A empresa socialmente re<strong>sp</strong>onsável é<br />
aquela que possui a capacidade de ouvir os interesses das diferentes partes (acionistas, funcionários<br />
prestadores de serviços, fornecedores, consumidores, comunidade, governo e meio-ambiente) e<br />
conseguir incorporá-los no planejamento de suas atividades, buscando atender às demandas de<br />
todos e não apenas dos acionistas ou proprietários” (ETHOS, 2003).<br />
88
3 CONSIDERAÇOES METODÓLOGICAS<br />
Para o desenvolvimento deste trabalho e a apresentação do diagnóstico da<br />
situação ocupacional da empresa “x”, e a relação com os acidentes de trabalho, o<br />
estudo passou pela análise dos programas de manutenção industrial, do processo<br />
de trabalho e os processos de treinamentos utilizados. Em virtude do objetivo desta<br />
pesquisa e da natureza das questões formuladas, a mesma pode ser classificada<br />
como aplicada, qualitativa, exploratória e bibliográfica. Considerando a sua<br />
natureza, trata-se de uma pesquisa aplicada. Do ponto de vista da abordagem da<br />
obtenção das re<strong>sp</strong>ostas as questões formuladas, trata-se de uma pesquisa<br />
qualitativa e quanto aos seus objetivos, é uma pesquisa exploratória (descritiva e<br />
explicativa). O procedimento utilizado neste trabalho foi o estudo de caso e desta<br />
forma, foi efetuado um levantamento da literatura sobre a gestão em saúde do<br />
trabalho e sobre acidentes de trabalho. Apresentamos alguns pontos considerados<br />
no estudo. A investigação literária sobre o assunto central e temas paralelos deu<br />
particular ênfase ao conceito de acidentes ocupacionais, aos atributos essenciais<br />
associados às suas causas e aos fenômenos grupais do cenário interno e externo da<br />
empresa.<br />
Para a finalidade do presente estudo, adota-se a definição de Acidentes do<br />
Trabalho do Ministério da Previdência Social, compreendendo-se como aquele que<br />
ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa, ou ainda pelo exercício do<br />
trabalho dos segurados e<strong>sp</strong>eciais, provocando lesão corpora, perturbação funcional<br />
que cause a morte, a perda ou a redução da capacidade para o trabalho,<br />
permanente ou temporária.<br />
89
O estudo tem como base as informações contidas nas "Comunicações de<br />
Acidentes do Trabalho" (CAT), emitidas pelo Departamento de Segurança da<br />
empresa, base total deste diagnóstico. As Comunicações de Acidentes devidamente<br />
notificadas ao Posto do Seguro Social/INSS do município de Caçador, Santa<br />
Catarina, no período de Janeiro de 2005 a Abril de 2007, período em que também<br />
foram colhidos os dados, de todos os acidentes de trabalho, doenças ocupacionais e<br />
incidentes relacionados às atividades desenvolvidas na empresa, independente de<br />
sua gravidade, existência ou não de período de afastamento das atividades laborais<br />
totalizando 611 casos de acidentes ocupacionais.<br />
A indústria madeireira considerada é aquela que desdobra toras associada ao<br />
beneficiamento da madeira, fabricação de artefatos e componentes de madeira.<br />
Foram excluídos os casos provenientes das atividades relacionadas ao setor de<br />
silvicultura, presentes também no processo fabril da referida indústria. Na segunda<br />
parte da dissertação, utilizou-se a metodologia de pesquisa de campo, utilizando-se<br />
da população total, ou seja, através da realização de entrevistas com os<br />
funcionários da empresa que atua no ramo madeireiro. Os sujeitos da pesquisa de<br />
campo foram trabalhadores de ambos os sexos, em diferentes faixas etárias e que<br />
atuam nos diferentes setores do quadro organizacional da empresa pesquisada.<br />
O desenvolvimento do diagnóstico da acidentalidade foi efetuado por meio de<br />
instrumentos de medida em três etapas:<br />
a) As avaliações dos acidentes de trabalho registrados no caso de uma<br />
indústria madeireira, no Oeste do Estado de Santa Catarina, referentes aos últimos<br />
vinte oito meses (2005 – 2007);<br />
90
) As informações obtidas em investigações de acidentes do trabalho,<br />
realizadas segundo o modelo do Ministério do Trabalho e outro, formalmente<br />
utilizado pela empresa;<br />
c) As identificações de como foram os registros de cada investigação, o<br />
uso de palavras e/ou expressões indicativas de que forma os referidos acidentes<br />
ocupacionais ocorreram, ou seja, quais foram às verdadeiras causas.<br />
A compreensão do programa passou por verificar:<br />
1. Concepção de causas de acidentes de trabalho adotadas;<br />
2 As recomendações existentes sobre condução de investigações de<br />
acidentes do trabalho;<br />
3 Auditoria e avaliação periódica da empresa nos quesitos qualidade,<br />
segurança ocupacional, organização e implementação de melhorias;<br />
4 Compreensão das razões do insucesso das diversas iniciativas em<br />
SST, implementadas até hoje.<br />
Os trabalhadores que fazem parte do presente estudo realizam suas<br />
atividades laborais em uma grande empresa madeireira, no Município de Caçador,<br />
região Oeste do Estado de Santa Catarina. Nesta empresa, possuidora de SESMT e<br />
CIPA, devidamente registrados no Ministério do Trabalho, os colaboradores<br />
estabelecem relações entre si, com seus colegas, superiores hierárquicos, com a<br />
administração da organização, entidades de classe e sindicatos. Cada um deles<br />
possui histórico de vida pessoal e profissional próprio e, de acordo com esses<br />
antecedentes e aqueles de suas comunidades de origem e de inserção na empresa.<br />
As relações estabelecidas no sistema assumem características próprias que<br />
91
interferem nas relações assumidas entre empregados e superiores e empregados e<br />
meios di<strong>sp</strong>onibilizados no sistema para o desenvolvimento de sua atividade. Quando<br />
os trabalhadores iniciam suas atividades, não o fazem com liberdade de escolha. Os<br />
meios utilizados são aqueles previamente determinados. Além disso, as chefias<br />
estabelecem os objetivos e metas de produção, definem prescrições, horários, a<br />
divisão das pessoas em equipes ou trabalho isolado, etc.<br />
Nas atividades desenvolvidas, se as interações entre trabalhadores e meios<br />
di<strong>sp</strong>oníveis ocorrem de acordo com o planejado, elas são consideradas positivas, e<br />
as saídas do sistema corre<strong>sp</strong>ondem, por exemplo, em qualidade e quantidade, às<br />
pretendias. No entanto, sempre existem interações definidas como negativas devido<br />
ao fato de seus resultados não serem planejados. Uma vez ocorrida à mudança, os<br />
trabalhadores, individual ou coletivamente, desencadeiam tentativa de recuperação,<br />
que pode corrigir o problema ou ensejar novas perturbações que, quando não<br />
restauradas, geram acidentes e/ou outras perdas para o sistema. Na primeira parte<br />
do trabalho, foi efetuado levantamento da moderna literatura di<strong>sp</strong>onível sobre a<br />
temática, a partir de consultas a bibliotecas, livrarias e<strong>sp</strong>ecializadas e páginas da<br />
Web, sendo consultados livros, revistas, sites na Internet, teses e dissertações. A<br />
investigação literária sobre o assunto central e temas paralelos deu particular ênfase<br />
ao conceito de acidentes ocupacionais, aos atributos essências associados, às suas<br />
causas e aos fenômenos grupais do cenário interno e externo da empresa.<br />
A coleta de dados foi realizada pelo pessoal técnico, componente do SESMT<br />
da empresa aonde formam identificados todos os acidentes típicos entre Janeiro de<br />
2005 e Abril de 2007. A identificação foi obtida através das Comunicações de<br />
Acidentes de Trabalho emitidas através do Departamento de Segurança do Trabalho<br />
de uma grande indústria madeireira, situada no Município de Caçador, Estado de<br />
92
Santa Catarina, juntamente com todas as Análises e Investigações dos re<strong>sp</strong>ectivos<br />
acidentes do trabalho no referido período. Trata-se de um estudo descritivo em que<br />
foram analisadas 337 Comunicações de Acidentes de Trabalho (CAT) e 274<br />
Análises de Acidentes Ocupacionais, considerados sem afastamento das atividades<br />
laborais. Aplicou-se análise multivariada das causas dos acidentes e a classificação<br />
hierárquica de gravidades para a identificação dos cenários típicos de lesões<br />
decorrentes de acidentes.<br />
As variáveis selecionadas, analisadas e tratadas foram: número absoluto de<br />
acidentes, números absoluto com afastamento com período maior que 15 dias,<br />
número absoluto com afastamento em um período menor que 15 dias, número<br />
absoluto sem afastamento, dias/homem perdidos, taxa de freqüência, índice de<br />
avaliação de gravidade, sexo, turno de trabalho, setor de trabalho, agente ou objeto<br />
causador da lesão, localização da lesão, tipo de lesão e tempo de afastamento do<br />
trabalho estimado na primeira consulta pelo médico perito (tempo de afastamento<br />
prescrito).<br />
A composição de todos os cenários de lesões decorrentes de acidentes de<br />
trabalho na indústria madeireira em estudo, utilizando a Análise Multivariada, mostra<br />
que é possível obterem-se quadros sintéticos de diversas situações, permitindo<br />
levantar possibilidades de origens e conseqüências desses acidentes.<br />
Esta análise é particularmente apropriada para estudos exploratórios, sem<br />
hipóteses e<strong>sp</strong>ecíficas para serem testadas (teste de relação causal), em que se<br />
busca a identificação de tendências gerais ou padrões das características<br />
associadas aos eventos estudados. Possibilita a caracterização de grupos de<br />
acidentes mais típicos deste ou daquele ramo industrial, deste ou daquele setor<br />
dentro da indústria, ou até aqueles mais relacionados com determinadas atividades.<br />
93
É a técnica estatística multivariada indicada para estabelecer associação entre<br />
variáveis nominais e entre suas categorias, sem pretender inferir relação causal. A<br />
abordagem é inovadora e muito utilizada para estudos de acidentes, dentre os quais,<br />
aqueles decorrentes do trabalho.<br />
O tempo de afastamento real, dos acidentados foi obtido no laudo pericial,<br />
com o Setor de Benefícios do Posto do Seguro Social de Caçador. Em nove casos,<br />
que ainda não haviam sido encerrados até o final da coleta de dados, foi<br />
considerado como tempo de afastamento real o período compreendido desde o<br />
acidente até o último dia concedido pelo médico perito.<br />
A ocupação dos acidentados, considerada na análise foi a registrada na CAT<br />
no momento do acidente, independentemente da atividade que o trabalhador<br />
realizava no seu trabalho de forma efetiva. Nos casos em que o objeto causador do<br />
acidente não estava registrado no campo apropriado, essa informação era retirada<br />
da descrição do acidente.<br />
94
4 A INDÚSTRIA MADEIREIRA EM SANTA CATARINA E A ACIDENTALIDADE<br />
O presente capítulo tem a finalidade de apresentar a<strong>sp</strong>ectos do processo de<br />
transformação industrial da madeira, até o momento em que ela esteja pronta para a<br />
comercialização. São abordados temas sobre as técnicas utilizadas pela empresa<br />
ora estudada e sobre os ambientes de trabalho encontrados.<br />
Na segunda parte do capitulo são apresentados a<strong>sp</strong>ectos relativos às práticas<br />
de trabalho, ações desenvolvidas relacionadas a segurança ocupacional dos<br />
colaboradores e a descrição de todos os dados quantitativos que compõem o<br />
trabalho, possibilitando a exploração dos dados brutos, tratamento dos dados e<br />
análise estatística dos dados.<br />
A indústria madeireira estudada localiza-se em Caçador a 400 quilômetros da<br />
capital, Florianópolis, no Oeste do Estado. A importância dessa indústria pode ser<br />
avaliada pelo complexo que ela se constitui com o conjunto de atividades de<br />
extração e industrialização da madeira e reflorestamento, representando uma das<br />
principais fontes da economia do município, juntamente com a produção de tomates.<br />
Fundado em 1934, possui hoje uma população superior a 80 mil habitantes. A<br />
cidade foi colonizada por italianos, mas possui grande influência das culturas<br />
européias.<br />
Composta desde a semente até a expedição de seus produtos, a empresa X<br />
é referencia em qualidade, produtividade e meio ambiente. Localizada no na região<br />
Oeste, interior do Estado de Santa Catarina, a empresa X, ultrapassa seu perímetro<br />
e expande informações e ações provando a alta tecnologia empregada no seu<br />
processo industrial, não só para seus empregados, mas para toda a comunidade.<br />
95
Este capítulo está desdobrado em três itens. Um primeiro, uma rápida<br />
apresentação da indústria da madeira em estudo. Um segundo sobre seu processo<br />
de trabalho. Um terceiro sobre a acidentalidade dessa indústria em estudo.<br />
4.1 A INDÚSTRIA MADEIREIRA X<br />
Idealizada no ramo madeireiro, em função das excelentes condições da<br />
região, desde a sua fundação, em 1965, a empresa, dedicou-se à exploração de<br />
florestas nativas próprias, produzindo e comercializando madeira serrada de<br />
diferentes e<strong>sp</strong>écies, ao mesmo tempo em que iniciava a implantação de<br />
reflorestamento de e<strong>sp</strong>écies do gênero Pinnus em suas propriedades e algumas<br />
e<strong>sp</strong>écies nativas como a Araucária angustifólia e a erva-mate (Ilex paraguarensis),<br />
chegando a empregar cerca de 330 funcionários.<br />
A partir de 1990, em nova unidade industrial, já explorando somente florestas<br />
renováveis (plantadas), passou a produzir madeira de pinus <strong>sp</strong>p, serrada e estufada<br />
em bruto, para venda no mercado nacional e pequena parte para exportação. Em<br />
1993, na primeira ampliação da “nova” planta industrial, a empresa iniciou a<br />
produção de “clear blocks” (peças de madeira serrada e beneficiada sem a presença<br />
de defeitos), para a confecção de molduras, comercializando totalmente a sua<br />
produção com clientes norte americanos, chegando a 450 funcionários somente na<br />
planta industrial.<br />
No ano de 1994 adquirindo máquinas e equipamentos importados, com a<br />
melhor tecnologia mundial existente, da época, no ramo industrial madeireiro, a<br />
empresa, passou a produzir e comercializar “fingerjoint blanks” (emenda de clear<br />
blocks, no sentido longitudinal, com comprimentos definidos) e em 1997, sempre no<br />
96
contínuo processo de ampliação tecnológica passou a produzir molduras prontas a<br />
partir da emenda lateral dos finger-joit blanks, utilizando agora a mão de obra de<br />
aproximadamente 580 funcionários.<br />
Preocupada com a escassez de energia elétrica e pensando na economia de<br />
recursos a empresa investiu e colocou em funcionamento em Dezembro de 2000,<br />
uma usina termoelétrica que tornou a empresa auto-suficiente na produção de<br />
energia elétrica, pois a o gerador produzia, 2.000 kw/h, suficiente para abastecer<br />
cerca de 3.500 residências.<br />
Somente no ano de 2004, a empresa investiu cerca de US$ 5,3 milhões na<br />
aquisição de novos equipamentos, ampliando o seu parque fabril, dobrando a sua<br />
capacidade de produção e permanecendo ainda, auto-suficiente na geração de<br />
energia elétrica a partir da aquisição de um novo gerador com a mesma capacidade<br />
do primeiro instalado. No momento a empresa emprega cerca de 1.180 funcionários<br />
na área industrial e 380 funcionários na área florestal, a qual é detentora de<br />
Certificação Florestal, credenciada pelo FSC – Forest Stewarship Council (conselho<br />
de manejo florestal), a mesma organização que credenciou o processo fabril da<br />
empresa no ano de 2.000 (cadeia de custódia).<br />
A implantação das tecnologias foi permeada pela necessidade de abastecer<br />
novos mercados e pela re<strong>sp</strong>onsabilidade de preservação do meio ambiente, ficando<br />
a preocupação com a segurança e a saúde do principal autor desse processo em<br />
segundo plano. As adoções da política de investimentos em produtividade, qualidade<br />
e meio ambientes, definiram a diretriz básica da empresa X: “ampliar as suas<br />
divisas”.<br />
Além do complexo destinado a colheita florestal o grupo é proprietário de<br />
outras empresas que compõem o grupo, no Estado do Mato Grosso do Sul, que em<br />
97
uma área de 15.087ha., cria aproximadamente 15.000 cabeças de gado destinado a<br />
comercialização para abate.<br />
4.2 PROCESSO DE TRABALHO DA INDÚSTRIA MADEIREIRA X<br />
Para a compreensão do programa de promoção da saúde numa indústria<br />
madeireira é preciso compreender como se desenvolver o processo de trabalho que<br />
apresentamos em três pontos principais: processamento da madeira, secagem e<br />
beneficiamento.<br />
4.2.1. Processamento da madeira / Desdobro / Serraria<br />
Construída em 1990, com layout funcional e maquinário moderno, produzia<br />
aproximadamente 4.700,00 m³ de madeira serrada por mês. Atualmente após total<br />
remodelação e aquisição de novos equipamentos a Empresa tem capacidade para<br />
produzir 9.300,00 m³ de madeira serrada.<br />
No pátio da serraria, geralmente a matéria prima tem custo relativamente<br />
baixo, ou seja, é madeira de reflorestamento, com pouca variação de e<strong>sp</strong>écies,<br />
diâmetros e comprimentos. Desta forma, pode-se dizer que a matéria prima é<br />
homogênea, o que na maioria das vezes só é encontrado em madeiras de<br />
reflorestamentos, consideradas e<strong>sp</strong>écies de rápido crescimento.<br />
Ainda no pátio de toras, a madeira, ainda em forma de toras, passa pelo<br />
processo mecanizado de descascamento, onde, é descascada e selecionada por<br />
classes diamétricas. O processo de descascamento evita o desgaste prematuro e<br />
desnecessário das ferramentas cortantes e propicia a obtenção de resíduos, no caso<br />
98
cavacos, de melhor qualidade e a casca das toras, material seco, de alto poder<br />
calorífico, recomendado e utilizado como material combustível para geração de<br />
energia na própria usina termoelétrica da empresa<br />
Foto 1: visão do pátio de armazenamento de toras da empresa, com caminhão bi-trem,<br />
tran<strong>sp</strong>ortando toras provenientes dos reflorestamentos próprias da empresa. Ao fundo um a<br />
visão do Descascador e Tran<strong>sp</strong>ortador de Toras para os Box de Classificação dos diâmetros.<br />
Ambos devidamente separados, o cavaco é comercializado com empresas da<br />
região, tornando-se a matéria prima principal para a produção de celulose em<br />
empresas existentes na região e as cascas que são utilizadas no processo de<br />
queima, para produção de vapor e geração de energia na usina termoelétrica da<br />
própria empresa. Em relação às classes diamétricas, são utilizadas 08 (oito) classes,<br />
porém com muitos representantes (toras) em cada uma delas.<br />
Como as classes diamétricas apresentam muitos representantes, é possível<br />
concentrar o trabalho em uma única classe por um período ou turno de trabalho.<br />
Como os equipamentos de desdobro são ajustados para uma determinada classe<br />
99
diamétrica, podem-se aproveitar as suas máximas velocidades de desdobro e<br />
conseqüente eficiência no processo. Desta forma, após o ajuste dos equipamentos<br />
para uma determinada classe diamétrica, todas as toras receberão o mesmo<br />
tratamento no processo interno de desdobro da serraria.<br />
Para realizar o desdobro de toras na forma de madeira serrada, são utilizadas<br />
determinadas técnicas, que de acordo com as características relacionadas ao<br />
maquinário utilizado, formas de desdobro e principalmente à matéria prima, são<br />
chamadas de técnicas convencionais / tradicionais (manuais), em que os<br />
trabalhadores encaminham as toras e peças de madeira manualmente através do<br />
processo de desdobro ou técnicas modernas de serrarias (automatizado), em que o<br />
processamento é realizado por máquinas operadas a distancia (painéis de controle)<br />
por operadores capacitados.<br />
Foto 2: Visão interna de uma das serrarias da empresa. Num primeiro plano as toras sendo<br />
tran<strong>sp</strong>ortadas automaticamente para o inicio do processo de “desdobramento”<br />
100
O processo de desdobro de toras na empresa é um processo muito rápido, o<br />
que diferencia de outros processos convencionais. A trajetória da tora e das peças<br />
serradas no interior da serraria é totalmente automatizado em função da<br />
homogeneidade da matéria prima. Isto resulta em alta produção, reduzido uso<br />
exaustivo de mão de obra e conseqüente alta eficiência.<br />
As técnicas convencionais / tradicionais de serraria são muito utilizadas na<br />
região Norte para desdobro de madeiras de custo elevado e com muita variabilidade<br />
em termos de e<strong>sp</strong>écies e diâmetros, normalmente se tratando de madeira nativa.<br />
Desta forma é justificado o uso destas técnicas, pois a baixa produção é<br />
compensada com o alto custo do produto final. Por outro lado as técnicas modernas<br />
são amplamente utilizadas nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, desdobrando toras<br />
de e<strong>sp</strong>écies de rápido crescimento (eucalipto <strong>sp</strong>p e pinus <strong>sp</strong>p), que por sua vez<br />
apresentam uma larga homogeneidade em classes diamétricas.<br />
Foto 3: Visão do fim do processo de “desdobramento” da Serraria, já com a presença de<br />
tabuas “verdes”, devidamente gradeadas para irem ao processo de secagem.<br />
101
Em função da matéria prima e dos equipamentos utilizados, o desdobro da<br />
madeira através de técnicas modernas, implica num processo rápido. A trajetória da<br />
tora e das peças serradas dentro da serraria é realizada com grande automatização,<br />
em decorrência desta homogeneidade da matéria prima e a produção é alta e com<br />
elevada eficiência. Tais técnicas são utilizadas para o desdobro de madeira de baixo<br />
custo e homogeneidade diamétrica, ou seja, madeira proveniente de<br />
reflorestamentos. Desta forma, o baixo custo também do produto final é compensado<br />
pela elevada produção da indústria.<br />
4.2.2. Secagem da madeira<br />
Abordar o padrão de qualidade dos manufaturados de madeira, tais como<br />
portas, assoalhos, molduras ou móveis, implica necessariamente a abordarmos e<br />
discutir também, sobre um dos processos mais importantes no beneficiamento: a<br />
secagem da matéria-prima, madeira. A secagem é a operação intermediária do<br />
processo que mais contribui para agregar valor aos produtos manufaturados da<br />
madeira, mas é também uma das fases de maior custo na indústria de<br />
transformação. O processo consiste em acondicionar a madeira serrada (tábuas ),<br />
com alto índice de umidade, proveniente do processo de desdobro na serraria em<br />
estufas. No interior das estufas as tábuas permanecem aproximadamente por um<br />
período de 96 horas até atingir o teor de umidade de 8% a 10% de umidade. Nesta<br />
fase de processamento é que justamente, a empresa X, investiu maciçamente no<br />
ultimo ano de 2005, a fim de tornar-se auto-suficiente em secagem de madeira<br />
serrada, desta forma, não havendo mais necessidade de terceirizar parte desta<br />
operação. Essas razões motivam a constante busca por maior qualidade e eficiência<br />
102
nos secadores e aprimoramentos nos programas e processos de secagem<br />
propriamente dita. Cabe ressaltar que os dados estatísticos de acidentes<br />
ocupacionais da rede de empresas terceirizadas na fazem parte do presente estudo.<br />
Foto 4: Visão das tábuas já devidamente “secas”, em função de terem permanecido no<br />
interior das estufas de secagem por cerca de 96 horas.<br />
Tanto os usuários como as indústrias de manufaturados têm demonstrado<br />
preocupação com a crescente exigência de qualidade do produto, a necessidade no<br />
cumprimento de normas internacionais e a necessidade de certificação quanto aos<br />
padrões de qualidade necessários.<br />
De acordo com conceito generalizado utilizado pelo ramo madeireiro, são<br />
quatro os principais atributos de qualidade da madeira serrada e seca:<br />
a) livre de defeitos visíveis como rachaduras, empenamentos, manchas e<br />
colapsos; b) teor de umidade compatível com o uso pretendido; c) mínimo de<br />
103
variação no teor de umidade, tanto dentro da peça com entre peças e d) livre de<br />
tensões residuais da secagem.<br />
Um dos hábitos ainda persistentes na indústria é buscar o mínimo tempo<br />
possível, na conclusão do processo de secagem da madeira (algo em torno de 100<br />
horas/lote de madeira estufada), e com um nível aceitável quanto à incidência de<br />
defeitos visíveis, sem maiores preocupações com a qualidade intrínseca da madeira.<br />
Se o teor e a distribuição da umidade, bem como a presença de tensões residuais,<br />
estiverem fora do padrão recomendável; o produto pronto poderá apresentar<br />
problemas futuros na seqüência de outros processos de beneficiamento ou<br />
agregação de valores.<br />
A falta de cuidados com a qualidade da madeira seca tem causado problemas<br />
para a indústria no mercado interno e dificultado a conquista de e<strong>sp</strong>aço no mercado<br />
externo. No Brasil, o Código de Defesa do Consumidor tem sido usado com<br />
freqüência crescente por clientes insatisfeitos e forçando a reposição de produtos<br />
fora do padrão anunciado quando da comercialização; acarretando para a indústria o<br />
prejuízo financeiro e a perda de confiabilidade na marca ou no produto em si.<br />
Em relação aos mercados externos, o padrão de qualidade do produto<br />
nacional não se enquadra nos padrões requeridos pelo comprador. Com algumas<br />
exceções, o produto nacional usualmente tem penetração em mercados menores.<br />
Como um exemplo, as e<strong>sp</strong>ecificações técnicas da NOFMA (Associação Nacional<br />
dos Produtores de Pisos de Carvalho, em português) para pisos de carvalho e outras<br />
e<strong>sp</strong>écies comercializadas na América do Norte requerem que o teor de umidade<br />
esteja entre 6,0 e 9,0%, admitindo-se, no máximo, que 5% das peças de um lote<br />
qualquer tenham umidade entre 9,0 e 12,0%.<br />
104
Segundo essas e<strong>sp</strong>ecificações, umas poucas peças com teor de umidade<br />
acima de 12,0% (ou abaixo de 6,0%) desqualificam o lote inteiro, independente do<br />
volume de madeira contido nesse lote. É uma e<strong>sp</strong>ecificação rigorosa e que,<br />
provavelmente, poucas indústrias nacionais teriam condições de atender. Buscar um<br />
elevado padrão de qualidade para a madeira seca implica em conhecer detalhes do<br />
secador, das propriedades físicas da madeira, aprimorar o controle do processo e<br />
incluir o teor final de umidade como um dos parâmetros de classificação do produto.<br />
O controle do processo de secagem implica em medir continuamente a<br />
temperatura do ar, a umidade relativa ou a umidade de equilíbrio do ar (dependendo<br />
do tipo de controlador), e o teor de umidade da madeira. A falta de manutenção<br />
preventiva dos sensores ou do sistema de controle pode causar medições<br />
distorcidas, as quais comprometem a execução do programa de secagem e o<br />
controle do processo propriamente dito.<br />
Um secador que esteja operando estaria com o sistema de controle<br />
totalmente comprometido, e a madeira em secagem dificilmente atenderia a um<br />
padrão de qualidade mais rigoroso. Esse exemplo demonstra que a manutenção<br />
preventiva e a aferição ou calibração periódica dos sensores e do sistema de<br />
controle são extremamente importantes quando o objetivo é um produto realmente<br />
de qualidade.<br />
O programa de secagem, deve incluir as fases de uniformização e de<br />
condicionamento. A primeira tem por objetivo exatamente uniformizar a distribuição<br />
da umidade dentro da peça de madeira (principalmente no sentido da e<strong>sp</strong>essura) e<br />
entre as peças de uma mesma carga (lote); enquanto que o condicionamento visa<br />
aliviar as tensões residuais da secagem entre si. Essas duas fases, que são<br />
executadas ao final da secagem, demandam um tempo bastante longo (30 horas), e<br />
105
na maioria das vezes são abreviadas visando desocupar o secador o mais rápido<br />
possível de maneira que uma nova carga seja introduzida no interior do secador.<br />
Em alguns resultados provenientes de diferentes indústrias é possível<br />
observar que tanto a variação no teor de umidade (dentro e entre peças) como o<br />
residual de tensões não permite qualificar a madeira dentro de padrões rigorosos de<br />
qualidade. Resultados indesejáveis podem ser evitados não só pelo cuidado na<br />
montagem da carga e manutenção do secador como, principalmente, pela execução<br />
das fases de uniformização e acondicionamento das peças e grades por um período<br />
de tempo suficiente.<br />
Esta fase do beneficiamento, esta centrada na crescente exigência por<br />
qualidade nos manufaturados de madeira, o que, realça a importância do processo<br />
de secagem como uma das principais fases da manufatura para agregar valor ao<br />
produto. No Brasil são di<strong>sp</strong>oníveis tanto equipamentos com tecnologia avançada<br />
como pessoal técnico experiente e habilitado para orientar a indústria de<br />
manufaturados, de forma a suprir a demanda por tecnologia e conhecimentos.<br />
O setor da indústria de base florestal e madeireira está se organizando para<br />
atender as exigências do mercado consumidor. Exemplos marcantes da iniciativa<br />
industrial são o Programa Nacional de Qualidade do Compensado (iniciativa da<br />
ABIMCI) e o Programa de Qualidade para pisos de madeira maciça (iniciativa da<br />
ANPM - Associação Nacional dos Produtores de Pisos de Madeira); além de<br />
programas abrangentes como o PROMÓVEL e iniciativas setoriais por parte de<br />
consumidores institucionais no segmento da construção civil.<br />
A união de esforços das partes envolvidas será mais um passo no sentido de<br />
aprimoramento da indústria de manufaturados de madeira, aumentando a oferta de<br />
produtos de alto valor agregado, tanto para consumo interno como para exportação.<br />
106
4.2.3. Beneficiamento da madeira<br />
Após o desdobramento da tora em forma de pranchas na serraria, buscando<br />
obter o melhor aproveitamento possível da tora e posterior secagem da madeira<br />
artificialmente em estufas e<strong>sp</strong>ecialmente projetadas para esta finalidade. A madeira<br />
é aplainada e refilada em larguras menores, de acordo com as necessidades já pré-<br />
definidas pela programação de produção em função dos pedidos. As ripas são<br />
destopadas no sentido longitudinal em sua totalidade, com o objetivo de eliminar<br />
todos os defeitos.<br />
107<br />
Foto 5: Visão de um pacote de madeira “seca” e “bruta”, que será beneficiada primeiramente<br />
na plaina¹ (localizada ao fundo) e posteriormente seccionada em blocos nas destopadeiras²<br />
(linha de máquinas ao lado).<br />
1 - Plainas: propiciar o inicio do beneficiamento da madeira bruta e seca; 2 - Destopadeiras: efetuar o<br />
corte de defeitos existentes na madeira;
Foto 6: Blocos já selecionados conforme a presença ainda de possíveis defeitos e de acordo<br />
com as bitolas previamente definidas<br />
Estes pequenos blocos de madeira são novamente reagrupados emendando-<br />
se de topo (extremidades) e colados nas emendadeiras ³ longitudinais através de um<br />
processo chamado de finger-joint, de forma a obter peças de diferentes<br />
comprimentos, reconstituídas e sem defeitos para serem desdobradas e/ou usinadas<br />
com os mais variados perfis.<br />
³ Emendadeiras (finger-joint): propiciar a emenda das partes cortadas nas destopadeiras;<br />
108
Foto 7: A<strong>sp</strong>ecto da máquina emendadeira – finger-joint e ao lado pacote de madeira<br />
devidamente emendado, apresentando comprimento linear de 5,10 m.<br />
O produto, em seguida, é encaminhado para uma nova fase de acabamento,<br />
aonde serão realizados os “perfis” na moldura através da utilização de máquinas<br />
automatizadas, conhecidas por Plainas Moldureiras*, as quais são dotadas de<br />
cabeçotes (fresas), que definem a forma que será dada as peças de madeira.<br />
* Plainas Moldureiras: realizar o perfil na madeira de acordo com os pedidos da clientela.<br />
109
Foto 8: Pacote de madeira devidamente emendada, sendo encaminhadas suas peças<br />
individualmente para serem moldadas na Plaina Moldureira.<br />
Os perfis podem agora serem enviados para a expedição e posteriormente<br />
comercializados ou de acordo com a necessidade do cliente podem ser enviados<br />
para outra linha de acabamento para ser concluído através da pintura a base de<br />
gesso (primer). Este nível de acabamento (gesso) serve para eliminar pequenas<br />
imperfeições no produto. No caso da moldura artística a peça ainda pode receber<br />
mais de uma camada de gesso, polimento e pintura. Além de deixar a superfície lisa<br />
o gesso é importante para facilitar o acabamento.<br />
110
Foto 9: Perfis acondicionados em grades, para realização da secagem, após terem recebido a<br />
pintura de gesso por intermédio do processo automatizado da Politriz<br />
Como a indústria moldureira é direcionada para o mercado externo a<br />
preocupação com qualidade sempre foi ponto forte, neste segmento, porém para<br />
acompanhar a competitividade procura-se o equilíbrio entre qualidade e<br />
produtividade. “A indústria de molduras brasileira trabalha quase exclusivamente<br />
com produtos de faixa baixa ou médio-baixa fora de algumas raras exceções, ou<br />
seja, produtos que se destinam à exportação com baixo valor agregado”, afirmou<br />
Alessandro Agnoletti, diretor da SCM Marjos, que fabrica Serra fita, multiserras,<br />
moldureiras e plainas. Isso gera a exigência de alta produtividade e baixo custo fixo<br />
nas empresas. Por conta desta característica as máquinas devem re<strong>sp</strong>eitar ser<br />
produtivas, simples e de baixo custo de exercício.<br />
André Fumagalli, gerente técnico e comercial da B. Krick lembra que os<br />
pontos principais são a precisão dimensional e a qualidade do acabamento.<br />
Paralelamente a indústria moldureira tem-se preocupado com outros fatores de<br />
111
fundamental importância nas máquinas, tais como: menor custo de produção por<br />
metro linear, facilidade de operação e manuseio, rapidez na preparação e nos<br />
ajustes, longa vida útil, alto valor de revenda, assistência técnica de alto nível e bom<br />
serviço pós-venda. Ele contabiliza que mesmo com os altos e baixos normais do<br />
setor aliados aos atuais problemas macroeconômicos como dólar e a taxa de juros,<br />
a situação geral do mercado é positiva. “Hoje, no Brasil, a exportação de molduras<br />
fabricadas em moldureiras Weinig representa mais de 500 contêineres por mês”,<br />
informou. Houve uma evolução tecnológica significativa nas máquinas, pois a<br />
produção que era baseada em grandes séries mudou para a produção de vários<br />
lotes pequenos com grande agilidade e rapidez.<br />
A expectativa atualmente é das melhores no momento econômico mundial<br />
para o produto de alto valor agregado, como é o caso da madeira proveniente de<br />
reflorestamentos renováveis, desdobrada em madeira serrada e beneficiada em<br />
molduras e componentes para construção civil e móveis.<br />
O ramo da indústria madeireira há algum tempo vem adquirindo a filosofia<br />
empresarial de diversificar a produção e fabricar produtos com valor agregado mais<br />
alto. Este pensamento busca diversificar investimento para não depositar todas as<br />
fichas em uma só opção, e mais do que isto valorizar a produção. Entre os produtos<br />
que se destacam pelo valor agregado se encontra a moldura. O produto voltado para<br />
construção civil, composição de ambientes, é bastante valorizado no mercado<br />
externo. Apesar de não se ter estatísticas precisas a re<strong>sp</strong>eito, a estimativa é de que<br />
os valores totais das molduras de pinus exportadas pelo Brasil cheguem a 400<br />
milhões de dólares por ano - ABIMCI (Associação Brasileira da Indústria de Madeira<br />
Processada Mecanicamente). Exatamente por se tratar de um produto mais<br />
elaborado o destino das molduras de pinus é quase que exclusivamente, a<br />
112
exportação. Porém, como todos os produtos dirigidos ao mercado externo ele sofre<br />
com a<strong>sp</strong>ectos econômicos como a valorização do real frente ao dólar, concorrência<br />
internacional e atualmente preço da matéria-prima. As molduras de madeiras<br />
tropicais também têm seu e<strong>sp</strong>aço, e assim como as de pinus, estão orientadas para<br />
o mercado internacional. Segundo as estimativas dos produtores, os volumes<br />
produzidos de molduras a partir de madeiras tropicais são equivalentes a 300 mil<br />
metros cúbicos por ano (ABIMCI).<br />
O maior consumidor das molduras é o segmento da construção civil<br />
principalmente o mercado internacional que possui o hábito de utilizar o produto para<br />
este fim. Entre as particularidades que chama atenção nas molduras está o fato<br />
delas poderem assumir formatos e medidas variadas que atendem às mais diversas<br />
necessidades. “Os exemplos tradicionais de aplicação com efeito decorativo, são<br />
rodapé, utilizado nas junções entre o piso e parede, meia-cana, meia-lua e cordão”,<br />
comentou superintendente executivo da Abimci (Associação Brasileira da Indústria<br />
de Madeira Processada Mecanicamente), Jeziel Adam de Oliveira (REVISTA<br />
REFERÊNCIA, 2006).<br />
A principal e<strong>sp</strong>écie de árvore utilizada pelo mercado nacional para a<br />
confecção das peças é o pinus. As e<strong>sp</strong>écies predominantes são de Pinnus Taeda e<br />
Elliottiis, mas também é utilizado MDF e eucalipto. O Pinnus Taeda é o mais usado,<br />
já os pinus tropicais são utilizados em volumes bem menores. “A razão para tal é a<br />
grande predominância das florestas plantadas no <strong>centro</strong> sul do Brasil ser do gênero<br />
Taeda e Elliottiis”, comentou Armando José Giacomet, diretor administrativo da<br />
Bra<strong>sp</strong>ine (REVISTA REFERÊNCIA, 2006). Por este motivo também é que nesta<br />
região aonde se localizam as principais fabricas de molduras, com grande destaque<br />
para a cidade de Caçador e Braço do Norte, ambas localizadas no estado de Santa<br />
113
Catarina. Por ser proveniente de florestamentos ou reflorestamentos a e<strong>sp</strong>écie ainda<br />
possui outro a<strong>sp</strong>ecto importante o de se tratar de uma madeira ecologicamente<br />
correta.<br />
É possível fabricar qualquer tipo e quantidade de molduras, isto significa<br />
personalização do produto. Entretanto toda mudança de perfil implica em novo set-<br />
up (configuração na produção) com os custos fixos, o que acarreta aumento do<br />
preço, já que normalmente as molduras são produzidas em lotes econômicos.<br />
4.2.4. O mercado de madeiras beneficiadas - molduras<br />
A produção de pinus emendado em geral tem bons padrões de produção,<br />
controle e qualidade. Já a produção de madeiras nativas, se caracteriza, em geral,<br />
por padrões menos rígidos de controles, proporcionando produtos com qualidade<br />
mais flexível. O que se procura são peças isentas de defeitos, desbitolamento,<br />
emendas ou abertas. A moldura, via de regra, deve ser de madeira macia e fácil de<br />
se trabalhar. O PNQM (Programa Nacional de Qualidade da Madeira) iniciou no ano<br />
passado um grupo para os produtos de maior valor agregado. Estudos estão sendo<br />
realizados para definir quais produtos serão avaliados primeiro.<br />
Há uma tendência das indústrias em aumentarem o volume de produção de<br />
produtos de maior valor agregado, já que é a exigência do mercado. Com a<br />
globalização das economias há necessidade de produtos com maior valor agregado<br />
e que atendam a demanda do mercado internacional, para que a indústria se torne<br />
mais competitiva e consiga atingir diferentes estágios de operações globalizadas.<br />
O mercado de molduras é orientado quase que exclusivamente para o<br />
mercado externo. O produto de pinus emendado tem a América do Norte, Estados<br />
114
Unidos e Canadá, como os maiores clientes, já que a grande maioria da população<br />
destes países mora em casa de madeira. Os Estados Unidos são considerados os<br />
líderes mundiais no consumo destes produtos e têm uma população crescente.<br />
Cerca de 90% da produção de molduras no Brasil é destinada à exportação.<br />
Entre os motivos para que isto aconteça está a cultura no Brasil de não<br />
contemplar a madeira de pinus como material de excelência para ser utilizado em<br />
construções de boa qualidade. Já a escolha por madeira leve, de padrão uniforme<br />
de peso e densidade, é uma preferência dos clientes internacionais, mais voltados<br />
para a decoração e a construção civil.<br />
Depois de um ano como o de 2004 com preços internacionais de<br />
compensados, molduras, cercas, bem elevados, os preços da matéria-prima também<br />
subiram expressivamente em dólar. Desde o quarto trimestre do ano passado os<br />
preços de molduras e dos demais produtos sofreram redução em até 50% e as<br />
matérias-primas não tiveram ajustes neste sentido, deixando as indústrias bastante<br />
apertadas nos orçamentos. A tendência é enxugar custos, minimizando os tamanhos<br />
físicos dos perfis.<br />
Muitas empresas buscam na certificação florestal orientada pelo FSC o<br />
diferencial no produto e a garantia de estar trabalhando corretamente e re<strong>sp</strong>eitando<br />
o meio ambiente. A certificação representa a garantia de estar desenvolvendo as<br />
atividades dentro das mais rigorosas normas de re<strong>sp</strong>eito ecológico, social e de<br />
viabilidade econômica, passando esta segurança aos órgãos públicos, entidades e<br />
clientes com quem as empresas se relacionam. Apesar disto ainda não existe<br />
agregação de valor por se tratar de um produto certificado. Os mercados<br />
consumidores mais conscientes, e mais preocupados com o bem estar e o futuro do<br />
planeta têm grande interesse na certificação, enquanto mercados menos<br />
115
preocupados com o futuro não estão muito interessados, e procuram comprar o que<br />
é mais barato. As grandes empresas no setor vêem a certificação como uma<br />
tendência não só mercadológica, mas também comercial e social, pois este papel<br />
mais amplo da empresa junto à comunidade local deverá ser cada vez mais<br />
abrangente. Neste sentido a empresas procuram nos clientes e comunidades<br />
projetos com sustentabilidade e re<strong>sp</strong>eito aos conceitos sociais e ambientais vigentes<br />
na sociedade.<br />
116
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO DA ACIDENTALIDADE E PRÁTICAS DA<br />
INDÚSTRIA MADEIREIRA X<br />
5.1 A concepção de acidente e o desenvolvimento de métodos de investigação<br />
Neste capítulo, acompanhando a escolha de diversos autores, será utilizada a<br />
expressão fator de acidente em vez de causa de acidente. De acordo com esse<br />
entendimento, "causa" é o resultado de uma combinação de fatores tidos como<br />
necessários e suficientes para explicar o mecanismo de origem de um acidente, cuja<br />
investigação nunca pode ser considerada esgotada. Por outro lado, a amplitude<br />
assumida por essa investigação recebe influência de rede de outros fatores internos<br />
e externos da empresa, como, por exemplo, o estágio de segurança já atingido,<br />
a<strong>sp</strong>ectos socioculturais, políticos etc.<br />
A concepção multicausal e a concepção sistêmica dos acidentes do trabalho<br />
ensejaram o desenvolvimento de vários métodos de investigação. Segundo Monteau<br />
(1979) e Monteau e Favaro (1990) tais métodos baseiam-se:<br />
• em questionários, compostos por lista fechada de possíveis fatores causais<br />
previamente identificados como, por exemplo, o "Management Oversight Risk Tree"<br />
(MORT), desenvolvido por Johnson (1975); ou<br />
• na busca sistematizada de possíveis fatores causais, porém, sem<br />
estabelecimento a priori de questionários fechados (métodos hermenêuticos).<br />
Alguns métodos buscam os fatores que participaram do acidente, listando-os<br />
sem procurar identificar relações ou interações entre eles. Outros partem do<br />
pressuposto que o acidente resulta de múltiplos fatores em interação como, por<br />
exemplo, o Método de Árvore de Causas.<br />
117
Em sistemas de alta complexidade e com baixas taxas de freqüência de<br />
acidentes, alguns métodos, concebidos para investigação a priori de riscos, pos-<br />
teriormente passaram a ser usados em investigações de acidentes. Em geral, trata-<br />
se de questionários exaustivos, capazes de propiciar a identificação de falhas<br />
técnicas, gerenciais e/ou riscos assumidos, que tenham contribuído em qualquer<br />
etapa do desenvolvimento do acidente, quer em suas origens remotas, quer no<br />
agravamento de lesões após o acidente propriamente dito como, por exemplo, o<br />
MORT.<br />
Como exemplo de método baseado na Teoria de Sistemas e que di<strong>sp</strong>ensa o<br />
uso de questionários pré-elaborados, concebendo o acidente como fenômeno que<br />
decorre de rede de fatores em interação, pode-se citar o Método de Árvore de<br />
Causas, cuja divulgação no país vem aumentando nos últimos anos.<br />
5.2 Trajetória recente das concepções de acidentes do trabalho<br />
Na literatura recente destacam-se dois tipos de abordagens de acidentes do<br />
trabalho. De um lado, contribuições da Escola Comportamentalista ou "Behaviorista",<br />
que centra seus estudos na abordagem das ações humanas no trabalho. Nessa<br />
corrente há autores que analisam os comportamentos sob a ótica dos erros<br />
humanos, procurando identificar nos acidentes os tipos de erros ocorridos, centrando<br />
a prevenção na supressão desses erros. Outros autores, entretanto, procuram<br />
desenvolver modelos explicativos dos comportamentos humanos em face do perigo.<br />
Outra corrente é representada por autores que exploram, de maneira isolada<br />
ou associada, (a) contribuições da ergonomia acerca de a<strong>sp</strong>ectos cognitivos -<br />
individuais e coletivos - da confiabilidade humana em sistemas socio-técnicos<br />
118
abertos; e (b) a<strong>sp</strong>ectos do estudo das formas de gestão da produção e da segurança<br />
nesses sistemas.<br />
A seguir apresentaremos características de estudo dessas duas correntes e<br />
de a<strong>sp</strong>ectos do "diálogo" entre as duas.<br />
Segundo Rassmussem, Duncan e Leplat (1987) e Reason (1999), as ações<br />
humanas podem ser divididas em três tipos:<br />
• ações baseadas em habilidades, que se tornam "automatizadas", em<br />
que se usa a memória não consciente, podendo ser acionadas sem demanda de<br />
tempo, como trocar marcha de um automóvel, andar de bicicleta e executar<br />
trabalhos manuais repetitivos;<br />
• ações baseadas em regras ou prescrições, que exigem recorrer a estas<br />
para definir a ação, como, por exemplo, executar manutenção preditiva em equi-<br />
pamento;<br />
• ações baseadas em conhecimentos, que exigem raciocínios e<br />
integração de conhecimentos mais complexos para serem definidas, necessitando<br />
por vezes de tempo para avaliar o conjunto de informações di<strong>sp</strong>oníveis, como, por<br />
exemplo, a correção de parâmetros em sala de controle de sistema de elevada com-<br />
plexidade.<br />
Hale e Glendon (1987) afirmam que, se em situação baseada em habilidades<br />
ocorre um acidente e este é atribuído à "falta de cuidado" do operador. A reco-<br />
mendação de mais atenção só fará sentido se acompanhada por mudanças no nível<br />
de controle, isto é, transformação de ações baseadas em habilidades para ações<br />
baseadas em regras e/ou conhecimentos. É preciso assinalar que, em algumas<br />
situações, tal transformação exigirá modificações na concepção da atividade, porém,<br />
em outras, poderá exigir modificações em vários a<strong>sp</strong>ectos do processo produtivo.<br />
119
A corrente comportamentalista defende o 'desenvolvimento de cultura de<br />
segurança e a utilização dos acidentes como fonte de aprendizado organizacional.<br />
Para Cooper (1999), a existência de cultura de segurança implica identificar a priori,<br />
em cada um dos processos e tarefas a eles relacionadas, as situações que<br />
acarretam riscos à saúde e à integridade física dos trabalhadores, avaliando, para<br />
cada um deles, os danos potenciais e as probabilidades de ocorrência, devendo-se,<br />
a partir desse diagnóstico, adotar medidas de controle. Para esse autor, todos os<br />
procedimentos deverão ser registrados e essa documentação colocada<br />
gratuitamente à di<strong>sp</strong>osição dos interessados. Mudanças no processo produtivo,<br />
introdução de novos equipamentos, de novas matérias-primas etc. deverão ser<br />
submetidos aos mesmos procedimentos, antes de serem implantados<br />
definitivamente.<br />
Os autores que propugnam o desenvolvimento da cultura de segurança<br />
convivem com situações nas quais os acidentes ocorrem em sistemas em que a<br />
confiabilidade e a segurança associadas aos componentes técnicos são elevadas.<br />
Nesse contexto, a confiabilidade humana assume importância que não pode ser<br />
negligenciada. Assim, antes do início das tarefas - de qualquer tarefa, segundo<br />
Cooper (1999) - cabe aos membros da equipe, avaliar seus riscos.<br />
De acordo com Freitag e Rale (1999), a partir da ocorrência de um acidente<br />
do trabalho o aprendizado organizacional demanda as seguintes etapas:<br />
• por que o planejamento e as avaliações existentes não identificaram o<br />
risco em questão?<br />
adequada?<br />
• por que o seu controle não foi priorizado?<br />
• houve definição de re<strong>sp</strong>onsável por este controle? . a comunicação foi<br />
120
• as metas do sistema de gestão (por exemplo, de segurança e de<br />
produção) eram conflitantes?<br />
• por que não foram alocados recursos adequados?<br />
• desempenhos e comportamentos e<strong>sp</strong>erados foram adequadamente<br />
recompensados?<br />
Em 1990, Reason (1999) introduziu a terminologias erros ativos e erros<br />
latentes. Os erros cometidos pelos executantes/operadores que atuam na linha de<br />
frente e cujas conseqüências são imediatas constituem os erros ativos. Os<br />
cometidos por idealizadores, re<strong>sp</strong>onsáveis por decisões de alto nível, construtores<br />
do sistema, diretores etc., cujas conseqüências podem ficar "adormecidas" por muito<br />
tempo, são denominados erros latentes. Segundo esse autor, os esforços para<br />
descobrir e neutralizar os erros latentes produzem resultados mais efetivos em<br />
termos de aumentar a confiabilidade do sistema do que as tentativas pontuais de<br />
reduzir erros ativos.<br />
O modelo de acidente desenvolvido por Reason (1999) considera que<br />
diversas barreiras colocadas em seqüência possuiriam a capacidade de evitar os<br />
acidentes. Entretanto, devido à existência de brechas nessas barreiras, é possível<br />
que elas sejam ultrapassadas, dando ensejo à ocorrência de acidente. Nesse mode-<br />
lo, considera-se o trabalho prescrito, não o trabalho real (como é desenvolvido na<br />
prática), ou seja, os riscos existentes seriam identificados a priori.<br />
Para Sperandio (1996) a confiabilidade sistêmica baseia-se justamente nas<br />
capacidades e habilidades dos trabalhadores para corrigir perturbações: "não é so-<br />
mente não cometer erros, mas também fazer o gesto adequado, tomar a iniciativa<br />
que convém no momento, recuperar um erro da máquina ou de outro operador". Na<br />
literatura ergonômica, essa posição é largamente difundida e adotada em estudos<br />
121
sobre confiabilidade humana em sistemas considerados seguros, e<strong>sp</strong>ecialmente no<br />
tocante aos componentes técnicos, contrapondo-se às que atribuem papel exclusivo<br />
a ações do trabalhador pela ocorrência de acidentes.<br />
Para Dejours (1995), a abordagem do fator humano nos acidentes de trabalho<br />
possui duas vertentes: a da falha humana e a da gestão de recursos humanos. A<br />
primeira prioriza a identificação de falhas, de desre<strong>sp</strong>eito a regras, de erros ou de<br />
faltas cometidas no trabalho, privilegiando a defesa de regulamentos, de disciplina,<br />
de vigilância e de instruções direcionadas para o controle das ações. A vertente da<br />
gestão de recursos humanos, por sua vez, prioriza a<strong>sp</strong>ectos como a motivação do<br />
indivíduo e a cultura da empresa.<br />
"Viver é arriscar-se". As decisões e as práticas de correr riscos estão sempre<br />
presentes no cotidiano das pessoas. Estão também presentes na gestão das ati-<br />
vidades das empresas, em face das variabilidades normais dos processos de<br />
produção e de trabalho.<br />
A abordagem dos acidentes do trabalho deve, necessariamente, incluir a<br />
análise dos a<strong>sp</strong>ectos subjetivos envolvidos nas tomadas de decisão de assumir<br />
determinados riscos ou de se arriscar. Para Goguelin (1993), arriscar-se implica<br />
decisão de agir e significa expor-se a um perigo na e<strong>sp</strong>erança de obter vantagem ou<br />
ganho. Entretanto, o insucesso - capaz de prejudicar o autor e/ou outrem - pode<br />
sobrevir, sendo possível estimar suas probabilidades de ocorrência, bem como a<br />
gravidade do resultado ou resultados.<br />
Dentre os fatores que influenciam a decisão de arriscar-se são mencionadas a<br />
falta de formação adequada, a existência de competitividade nas relações entre o<br />
indivíduo (que arrisca) e o grupo, as pressões da organização (empresa), a<br />
adaptação ao perigo gerando falsa sensação de segurança e a existência de<br />
122
medidas/regras de segurança que geram desconforto. Simard (1993), analisando os<br />
fatores psicossociais que influenciam a decisão de arriscar-se, menciona a pressão<br />
de colegas, as atitudes da supervisão e a orientação da empresa.<br />
Goguelin (1993), referindo-se à importância de comportamentos seguros por<br />
parte dos trabalhadores, ou seja, do desenvolvimento da auto-segurança, dá grande<br />
importância a dois fatores:<br />
• o exemplo dado pelos escalões hierárquicos superiores;<br />
• a possibilidade de recusar a execução de tarefas perigosas.<br />
No contexto brasileiro, na maioria dos casos, arriscar-se é parte das tarefas<br />
habituais, desenvolvidas em contextos de subsistemas técnicos extremamente<br />
precários do ponto de vista da segurança. Acresce que, em muitos casos, os<br />
trabalhadores assumem riscos em obediência a determinações de chefias, ou seja,<br />
sabendo que a conseqüência possível da desobediência é a perda do emprego, o<br />
que paralisa a discussão, ainda que teórica, da aceitabilidade, pelos trabalhadores,<br />
de condições sabidamente frágeis do ponto de vista da segurança do trabalho.<br />
Nesses casos, arriscar-se não é fruto de decisão baseada em livre escolha do<br />
trabalhador. Pelo contrário, trata-se de imposição, em grande parte mediada pelo<br />
medo de perder o emprego.<br />
Mesmo em empresas que possuem critérios que definem a aceitabilidade dos<br />
procedimentos a serem adotados em situações que podem ensejar acidentes, não é<br />
sempre que se garante o re<strong>sp</strong>eito a eles, particularmente se surgiram sem ampla<br />
discussão e sem o apoio explícito e irrestrito dos escalões hierárquicos superiores.<br />
Para numerosos autores, o desenvolvimento de cultura de segurança na empresa só<br />
é possível se houver adesão de sua alta hierarquia.<br />
123<br />
Estudos ergonômicos enfatizam a importância do reconhecimento da
existência de variabilidade nas formas de realização das atividades pelos<br />
trabalhadores. Assim, "existe zona ou faixa de interações capaz de conduzir à<br />
obtenção dos resultados planejados, corre<strong>sp</strong>ondendo à "variabilidade normal",<br />
e<strong>sp</strong>erada, de componentes do sistema. Entretanto, mudanças que perturbam o fluxo<br />
da atividade (perturbação) a ponto de subtraí-l o do controle do trabalhador (ou tra-<br />
balhadores) são consideradas "variabilidades incidentais". Considera-se que as<br />
investigações de acidentes, incidentes e quase-acidentes exigem:<br />
• a compreensão da existência de variabilidade normal;<br />
• o esclarecimento das estratégias ou "jeitos" de que o trabalhador lança<br />
mão no desempenho de suas atividades;<br />
• a identificação dos fatores que, eventualmente, possam acarretar o<br />
insucesso dessas estratégias ou "jeitos".<br />
O esclarecimento das origens da desestabilização e do insucesso das<br />
estratégias usadas pelos trabalhadores exige confrontá-Ias com as exigências da<br />
tarefa. Freqüentemente, sem que se busquem tais origens, rotulam-se os insucessos<br />
como "erros humanos" ou "falhas humanas", expressões geralmente empregadas<br />
entre nós como equivalentes de atos inseguros.<br />
Cabe ressaltar que, na maioria dos processos de produção e de trabalho,<br />
particularmente como é o caso do estudo em questão, há separação entre<br />
planejamento e execução, as margens de manobras dos trabalhadores na execução<br />
de suas tarefas são extremamente exíguas, uma vez que objetivos, metas de<br />
produção, meios a serem utilizados, horários, equipes, prescrições etc. já foram<br />
definidos pelos planejadores.<br />
A abordagem investigativa, entretanto, enfatiza a importância da distinção<br />
entre trabalho real e trabalho prescrito, chamando a atenção para possibilidades de<br />
124
equívoco nas investigações de acidente quando se perde de vista esta diferença. No<br />
trabalho real, exigências diversas, incertezas de situações que escapam da norma<br />
ou a ultrapassam estão sempre presentes, constituindo a denominada "variabilidade<br />
normal".<br />
Trabalhar é fazer face a essa "variabilidade", integrante inseparável da<br />
situação de trabalho, por meio do que esses autores denominam gestos (manobras<br />
executadas). Os gestos, entretanto, não resultam de livre escolha do operador, pelo<br />
contrário, são conseqüências de relações (compromissos) entre objetivos, tarefa,<br />
meios de trabalho e características do operador. Nesse contexto, ser competente<br />
significa saber encontrar o "bom compromisso", ou seja, ser capaz de adquirir<br />
habilidades e de adotar estratégias gestuais, individuais e coletivas eficientes. Como<br />
as características dos operadores diferem entre si, ainda que tenham tido a mesma<br />
formação, seus gestos poderão ser semelhantes, não iguais, o que remete para<br />
grupo de gestos ou gestos assemelhados.<br />
Amalberti (1996) denomina a gestão de situações de regulação do trabalho<br />
em face da variabilidade de compromisso cognitivo, assinalando que se trata de algo<br />
forjado na atividade. Esse autor critica estudos que entendem erro humano como<br />
falha dos operadores, superáveis por melhoria na formação e aperfeiçoamentos das<br />
regulamentações das tarefas, ressaltando que os acidentes e os incidentes graves<br />
são raros, muitos deles provavelmente evitados "graças aos atores do sistema",<br />
infelizmente sem estatísticas a apoia-Ios, exatamente porque foram evitados.<br />
Segundo Amalberti (1996), para Reason, o erro humano não pode ser totalmente<br />
eliminado, representando "revés a ser pago à inteligência humana" e "qualquer que<br />
seja a formação, o tratamento ergonômico ou a regulamentação (...) ele resta na ori-<br />
gem de necessidades de segurança e tudo deve ser feito para conseguir sua<br />
125
edução".<br />
Partindo do reconhecimento da inevitabilidade do erro, Llory (apud Dejours,<br />
1995) passa a defender a necessidade de mudança do enfoque proposto nas<br />
abordagens de erro humano. Segundo ele, deve-se adotar justamente a idéia de que<br />
"errar é humano".<br />
A complexidade crescente dos sistemas de alta tecnologia pode constituir<br />
elemento de desequilíbrio do desempenho do operador ao colocá-Io em confronto<br />
com um sistema que ele sabe não compreender em sua totalidade. Amalberti (1996)<br />
usa a noção de compromisso cognitivo para referir-se à gestão desse risco,<br />
dinamicamente regulada no curso da tarefa, e que inclui uma série de escolhas<br />
estratégicas e de táticas locais ("apostas"). Essa forma de compreender o trabalho<br />
leva o autor à idéia de que a falha dos operadores se exprime, em primeiro lugar,<br />
pela perda de controle desse compromisso cognitivo, antes de configurar uma perda<br />
de controle do sistema físico. Lima e Assunção (2000) concordam com essa opinião<br />
e afirmam que "os acidentes podem nos apontar como os compromissos cognitivos<br />
foram rompidos e não no que eles consistem".<br />
No caso de sistemas técnicos de alta complexidade e nível de segurança<br />
elevado, com taxa de freqüência de acidentes tendendo a zero, mas podendo<br />
apresentar acidentes residuais potencialmente muito graves, fala-se em estagnação<br />
da prevenção. Considera-se que lições tiradas da investigação de tais acidentes não<br />
fornecem subsídios para a melhoria da segurança medida pela taxa de freqüência<br />
de acidentes, propondo-se "o deslocamento da análise para as regulações<br />
operatórias das situações normais"! .<br />
Considerando a afirmação de que a possibilidade de ocorrência dos acidentes<br />
está contida no sistema que os pode gerar, Baumecker descarta a possibilidade de<br />
126
eferir-se a eles como "fenômenos imprevisíveis", obras do acaso que só se<br />
revelariam a posteriori. A autora também descarta a visão determinista, segundo a<br />
qual os acidentes poderiam ser previstos com certeza absoluta considerando,<br />
entretanto, que "se a situação de trabalho 'contém' o acidente, será possível<br />
compreendê-lo e evitá-lo antes de sua ocorrência".<br />
Perrow (1999) considera que em sistemas altamente complexos e interligados<br />
os acidentes são inevitáveis ou "normais", exatamente em virtude dessas carac-<br />
terísticas: "[...] dadas as características do sistema, interações de falhas múltiplas e<br />
ine<strong>sp</strong>eradas são inevitáveis". Para esse autor, nesses sistemas há sempre<br />
possibilidade de ocorrência de falhas capazes de desencadear interações, que<br />
ocorrem com tal rapidez que não podem ser interrompidas ou isoladas de outras<br />
partes do sistema, impedindo a continuidade da produção de modo seguro.<br />
Desse ponto de vista, em sistemas de alta complexidade e fortemente<br />
interligados, nem as melhorias organizacionais, nem as inovações tecnológicas<br />
seriam capazes de impedir a ocorrência de acidentes. Para Perrow (1999), falhas<br />
consideradas triviais, ou sem significado para a segurança, quando presentes de<br />
modo isolado estão na origem desses "acidentes normais". Apesar da existência de<br />
sistemas de segurança redundantes, tais falhas tornam-se perigosas ao interagir de<br />
modo ine<strong>sp</strong>erado e incompreensível, durante e<strong>sp</strong>aço de tempo considerado crítico.<br />
É importante ressaltar que esse autor distingue dois tipos de interações: (a) as<br />
lineares, que ocorrem na seqüência de uma dada produção e, ainda que não<br />
planejadas, possuem visibilidade, sendo consideradas e<strong>sp</strong>eradas e familiares e (b)<br />
as complexas, que além de ine<strong>sp</strong>eradas e não planejadas, apresentam seqüências<br />
não familiares, não visíveis e, sobretudo, não compreensíveis em tempo real pelos<br />
operadores. Além disso, classifica os sistemas em lineares e complexos, a partir do<br />
127
número e do tipo de interações que apresentam, em associação com outras<br />
características (distribuição e<strong>sp</strong>acial dos processos, possibilidades de substituições<br />
de componentes, existência de mecanismos de feedback etc.).<br />
Entretanto, entendemos que a expressão acidente normal pode suscitar<br />
confusões, por exemplo, ao designar como talo que Reason (1999) denomina erros<br />
latentes ou fatores com implicações óbvias para a confiabilidade e a segurança do<br />
sistema.<br />
Analisando acidente de um navio tanque, que se chocou com destroços<br />
submersos quando navegava pelo rio Mississipi, Perrow (1999) classificou-o como<br />
acidente normal. Entretanto, no mapa de navegação utilizado havia erro na<br />
localização dos destroços em relação às margens e em relação à profundidade do<br />
rio, constituindo, em nosso entendimento, exemplo do que Reason (1999) denomina<br />
erro latente ou de fator com implicações para a segurança. Na análise, não há<br />
referência a eventual falha do sonar da embarcação na localização dos destroços.<br />
Também não há referência à vedação inadequada de uma válvula existente entre<br />
dois ambientes confinados que, a partir de pequeno dano no casco do navio,<br />
permitiu a passagem do óleo, de um ambiente confinado para o outro, propiciando a<br />
explosão. Tampouco as origens desse fato, de crucial importância para a<br />
compreensão das causas do acidente, foram apresentadas ou discutidas. A<br />
denominação acidente normal, nesse caso, foi empregada porque o autor concluiu<br />
que o acidente decorreu de "inter-relação não prevista entre dois subsistemas em<br />
estreita proximidade, causada por uma interação não linear, certamente não<br />
planejada, nem e<strong>sp</strong>erada" .<br />
É preciso registrar que Perrow (1999) distingue acidentes em sistemas<br />
complexos e de dimensões catastróficas que não podem ser denominados "normais"<br />
128
como, por exemplo, o de Bhopal, na Índia, em 1984, uma vez que a empresa<br />
convivia com numerosos problemas sérios que, reconhecidamente, implicavam<br />
grave ameaça à segurança, não configurando, portanto, situação com ocorrência de<br />
interações complexas e ine<strong>sp</strong>eradas.<br />
Em alguns casos, a acumulação de erros latentes pode contribuir para o<br />
surgimento de interação complexa, culminando em acidente. Em nossa opinião, na<br />
vigência de erros latentes passíveis de identificação (análise de risco, análise<br />
ergonômica da atividade etc.), se ocorrerem acidentes, estes não poderão ser con-<br />
siderados "normais".<br />
A leitura de Perrow (1999) é pessimista. Em sua opinião os acidentes<br />
"normais" não podem ser prevenidos porque resultam de interações complexas,<br />
imprevisíveis, que uma vez ocorridas não podem ser compreendidas em tempo real<br />
pelos operadores e, por isso, não permitem a adoção de regu1ações capazes de<br />
recuperar a perturbação ensejada. Contrapondo-se ao pessimismo de Perrow, a<br />
abordagem ergonômica destaca que o acidente tem uma história, com antecedentes<br />
que podem ser compreendidos com a ajuda de análise da atividade que identifique<br />
os mecanismos de regulação utilizados, permitindo a adoção de estratégias que<br />
aumentem as margens de manobras dos trabalhadores para fazer face ao<br />
enfrentamento de imprevistos.<br />
Segundo Kouabenan (1998), em investigações de acidentes do trabalho<br />
adota-se per<strong>sp</strong>ectiva de descrição do mecanismo causal ou de produção de ocor-<br />
rências, que não deve ser confundida com a possibilidade de predição desses<br />
eventos.<br />
Levando em conta o que a literatura dos acidentes do trabalho vem<br />
trabalhando nas ultimas três décadas com a concepção multicausal, ampliando os<br />
129
horizontes a serem explorados numa investigação de acidentes e diminuindo a<br />
importância atribuída anteriormente às causas imediatas desses eventos. O<br />
surgimento da concepção multicausal enseja o aparecimento de novos métodos de<br />
investigação. Monteau (1979) classifica os métodos de investigação de acidentes em<br />
dois grupos: os baseados em questionário contendo lista fechada de possíveis<br />
fatores causais previamente identificados, os quais são analisados em nosso estudo<br />
e os denominados hermenêuticos, que adotam busca aberta de possíveis fatores<br />
causais sem definição de causa “a priori”. A consistência dos dados levantados, nas<br />
investigações dos acidentes e incidentes, permitiu-nos aventar considerações,<br />
opiniões e conclusões que julgamos relevantes e fizeram com que passássemos a<br />
investir constantemente naqueles que verdadeiramente se interessam pelo processo<br />
de redução de acidentes, redução de custos, maior envolvimento, integração e<br />
comprometimento.<br />
A exploração de relações ou interações entre fatores de acidentes também é<br />
citada como característica de técnicas ou formas assumidas em investigação de<br />
acidentes. Partindo-se dessa característica, esboça-se, a seguir, a apresentação de<br />
duas formas que essas investigações podem assumir. A primeira delas, cuja forma é<br />
utilizada em nossa empresa, explora os múltiplos fatores na forma de lista, sem<br />
qualquer preocupação com a exploração de relações ou interações entre eles. A<br />
segunda explora “causas das causas”, procurando desenvolver a investigação até o<br />
esgotamento das informações possíveis com os recursos di<strong>sp</strong>oníveis na empresa,<br />
ou até o esclarecimento de a<strong>sp</strong>ectos considerados importantes na gênese do<br />
acidente, ou, ainda, até o momento em que se considere que já estão evidenciados<br />
fatores suficientes para embasar a adoção de decisões relativas à prevenção de<br />
130
acidentes assemelhados ao analisado. Nessa abordagem, a busca de fatores<br />
baseia-se na interação por eles assumida na origem do acidente.<br />
Nesse sentido, foi desenvolvido um procedimento (formulário de<br />
investigação), em anexo, para identificação de todos os acidentes bem como sua<br />
analise de causas.<br />
Para a análise dos acidentes foram selecionadas as seguintes variáveis:<br />
• - número absoluto de acidentes,<br />
• - número absoluto com afastamento com período maior que 15 dias,<br />
131<br />
• - número absoluto com afastamento em um período menor que 15 dias,<br />
• - número absoluto sem afastamento,<br />
• - dias/homem perdidos,<br />
• - taxa de freqüência,<br />
• - índice de avaliação de gravidade,<br />
• - sexo,<br />
• - turno de trabalho,<br />
• - setor de trabalho,<br />
• - agente ou objeto causador da lesão,<br />
• - localização da lesão,<br />
• - tipo de lesão<br />
• - tempo de afastamento do trabalho estimado na primeira consulta pelo<br />
médico perito (tempo de afastamento prescrito).<br />
O tempo de afastamento real, dos acidentados foi obtido no laudo pericial,<br />
com o Setor de Benefícios do Posto do Seguro Social de Caçador. Em nove casos,<br />
que ainda não haviam sido encerrados até o final da coleta de dados, foi
considerado como tempo de afastamento real o período compreendido desde o<br />
acidente até o último dia definido pela coleta dos dados.<br />
A ocupação dos acidentados, considerada na análise foi a registrada na CAT<br />
no momento do acidente, independentemente da atividade que o trabalhador<br />
realizava no seu trabalho de forma efetiva. Nos casos em que o objeto causador do<br />
acidente não estava registrado no campo apropriado, essa informação era retirada<br />
da descrição do acidente.<br />
Os tipos de ocorrência de acidentes categorizados foram: amputação,<br />
incidência de corpos estranhos, entorses/luxações, escoriações, esmagamentos,<br />
ferimentos contusos, ferimentos incisos, ferimentos perfurantes, queimaduras,<br />
traumatismos e outros. A localização da lesão foi classificada em: cabeça, membros<br />
superiores tronco, membros inferiores.<br />
Do total de acidentes analisados, em sua totalidade foram possíveis de se<br />
obter-se: o agente causador das lesões, o tempo de afastamento real, onde não se<br />
identificou nenhum óbito durante o período estudado; horário de trabalho e/ou turno,<br />
o tipo de ocorrência do acidente, e a descrição do tipo de lesão.<br />
As informações obtidas na CAT e nos laudos periciais foram transcritas em<br />
um formulário e<strong>sp</strong>ecífico para cada caso e compuseram um banco de dados<br />
arquivados pela empresa. Os dados foram agrupados de acordo com as categorias<br />
de variáveis consideradas e consolidados em tabelas e gráficos de freqüência<br />
simples e relativa.<br />
A técnica da análise multivariada das causas dos acidentes, aplicada para<br />
compor os cenários das lesões, com posterior agrupamento por meio da<br />
classificação hierárquica de gravidade, constituiu um pacote computacional<br />
132
estatístico utilizado para definição dos cenários de lesões decorrentes de acidentes<br />
na indústria madeireira em estudo.<br />
Todas as variáveis foram descritas quanto à distribuição e variabilidade para<br />
análise da consistência dos dados e posterior definição daquelas que comporiam a<br />
análise multivariada.<br />
5.3 A investigação dos acidentes do trabalho<br />
O desejável é que acidentes do trabalho não aconteçam. Entretanto, quando<br />
acontecem, é importante retirar deles o maior número de ensinamentos possível,<br />
visando prevenir novos episódios. Investigar um acidente do trabalho é desvendar<br />
meticulosamente a rede de fatores que contribuíram para sua ocorrência.<br />
Após um evento emocionalmente traumatizante, como são os acidentes do<br />
trabalho, a recuperação de informações por meio de entrevistas com trabalhadores<br />
que possuam relações diretas ou indiretas seja com o acidentado, seja com as<br />
circunstâncias em que o acidente ocorreu, não constitui tarefa fácil. Tampouco a<br />
investigação levará à sua descrição exata e completa, ou seja, à identificação de<br />
todos os fatores direta ou indiretamente implicados em sua ocorrência. Entretanto,<br />
ela deverá identificar não só o maior número possível desses fatores, mas, so-<br />
bretudo, esclarecer suas origens.<br />
O fato de no Brasil ainda prevalecer a concepção dicotômica de que os<br />
acidentes do trabalho decorrem da prática de atos inseguros pelos trabalhadores<br />
constitui dificuldade adicional à tarefa de identificar a rede de fatores causais que<br />
deram origem ao acidente investigado.<br />
133<br />
O modelo de formulário, que orientava a investigação dos acidentes pelas
comissões internas de prevenção de acidentes, CIPA, contido no Anexo II da<br />
"antiga" Norma Regulamentadora nº 5, provavelmente contribuiu para manutenção<br />
dessa concepção. Esse anexo solicitava do investigador o registro de "causa do<br />
acidente" e de "causa apurada", ambas no singular, trazendo implícita a concepção<br />
monocausal de fenômenos sabidamente pluricausais. E, ao solicitar a indicação de<br />
re<strong>sp</strong>onsável, induzia à identificação de culpados. A modificação desta norma,<br />
ocorrida em 1994, por meio de Portaria da Secretaria de Segurança e Saúde no<br />
Trabalho, se criticável quanto ao modo de tentar introduzir um novo método de<br />
investigação de acidentes do trabalho, teve o inegável e importante mérito de iniciar<br />
processo visando enterrar a concepção causal dicotômica dos acidentes do trabalho<br />
e auxiliando sua compreensão como fenômenos pluricausais. Embora tenha tido<br />
curta vigência, pois foi revogada em agosto do mesmo ano, esta Portaria deixou sua<br />
marca e, até onde nossa experiência prática tem tido condições de perceber,<br />
contribuindo positivamente, senão para o controle dos acidentes do trabalho no país,<br />
pelo menos para o início de questionamentos e reflexões acerca das práticas de<br />
investigação de acidentes vigentes.<br />
Em outros países é possível também encontrar investigações de acidentes do<br />
trabalho tendenciosas, como o caso de um acidente fatal ocorrido nos Estados<br />
Unidos, envolvendo um robô, cuja investigação, levada a efeito pelo National<br />
Institute for Occupational Safety and Health (NIOSH), como parte do projeto Fatal<br />
Accident Circunstances and Epidemiology, concluiu que "o maior fator contributório<br />
para este acidente fatal pode ter sido o comportamento da vítima". O relatório desse<br />
acidente revela que o acidentado entrou na área de funcionamento do equipamento<br />
e foi prensado entre um dos braços do robô e o poste de limitação de rotação do<br />
braço. Algumas das medidas de prevenção propostas: (a) fechamento da área de<br />
134
trabalho do robô; (b) instalação de painéis de controle do equipamento fora da área<br />
de operação; (c) recomendação de não utilização de postes de segurança para<br />
limitação de movimentos em caso de descontrole do equipamento, leva ao<br />
questionamento da real importância do comportamento da vítima na situação em<br />
que o acidente ocorreu. A propósito, cabe enfatizar que, segundo Hale e Glendon<br />
(1987):<br />
• o último fator desencadeante do acidente do trabalho pode ter sido o<br />
comportamento do acidentado, porém esse comportamento geralmente é irrelevante<br />
para a prevenção de novos acidentes;<br />
• os acidentes do trabalho indicam que as capacidades de controle do<br />
sistema foram excedidas e que eles eram previsíveis muito tempo antes dessas ca-<br />
pacidades terem sido excedidas.<br />
Praticamente não existem divergências, entre estudiosos de acidentes do<br />
trabalho, quanto à importância de investigações bem conduzi das, não só de aciden-<br />
tes do trabalho, como de incidentes e de quase acidentes. As investigações visam<br />
diagnosticar tanto as falhas no sistema que deram ensejo à ocorrência do episódio<br />
investigado como suas origens, de crucial importância para a prevenção.<br />
A falta de definição clara do objetivo da investigação tem sido um sério<br />
complicador da análise de acidentes do trabalho. Cabe enfatizar que investigações<br />
visando à prevenção devem buscar esclarecer os fatores causais que participaram<br />
do episódio em foco, deixando a identificação de re<strong>sp</strong>onsáveis e/ou culpados a<br />
cargo da Justiça Civil e da Justiça Criminal, re<strong>sp</strong>ectivamente. A confusão entre<br />
objetivos jurídicos e objetivos de prevenção tem se revelado altamente prejudicial<br />
aos últimos, na medida em que o encontro de culpados ou re<strong>sp</strong>onsáveis costuma<br />
encerrar a investigação, além de, progressivamente, induzir à sonegação de<br />
135
informações por parte dos trabalhadores, temerosos quanto a conseqüências em<br />
termos de punição por parte da própria empresa.<br />
Outra forma de sistematizar a investigação de acidentes relaciona-se à<br />
compreensão de que esses eventos caracterizam-se pelo encontro entre indivíduo(s)<br />
exposto(s) e energia perigosa, até então sob controle, mas que foi liberada. De<br />
acordo com esse ponto de vista, quando investigamos um acidente necessitamos<br />
identificar:<br />
• o tipo de energia liberada;<br />
• a forma pela qual essa energia atingiu o exposto (ou os expostos);<br />
• as conseqüências do encontro entre expostos e energia liberada;<br />
• as razões da existência de energia potencial (perigo) no sistema;<br />
• os fatores associados à liberação da energia que estava sob controle;<br />
• as condições que explicam a existência de expostos;<br />
• as razões de inexistência ou de insuficiência de barreiras ou de<br />
medidas de proteção capazes de evitar o encontro entre expostos e energia<br />
liberada.<br />
Temos consciência que um bom método deve prover maneiras adequadas de<br />
sistematizar a investigação, particularmente a coleta de dados, de sorte que os<br />
principais a<strong>sp</strong>ectos que possam ter contribuído para o desencadeamento do<br />
acidente sejam identificados e adequadamente descritos e caracterizados. Qualquer<br />
que seja o método adotado sempre a empresa se resguardou de:<br />
• preservar o local do acidente;<br />
• iniciar a investigação, no próprio local, o mais rapidamente possível<br />
esclarecendo seus objetivos e etapas, explicitando claramente a necessidade e a<br />
importância de colaboração de todos os detentores de informações que podem estar<br />
136
elacionadas ao acidente ou às circunstâncias em que ele ocorreu;<br />
• realizar esquemas, fotografar e filmar, registrando a<strong>sp</strong>ectos que podem<br />
ser decisivos na compreensão de como o acidente ocorreu (vista geral das ins-<br />
talações em que ocorreu o acidente, a<strong>sp</strong>ectos particulares do local, máquinas,<br />
equipamentos, desenvolvimento habitual da tarefa etc.);<br />
• entrevistar o acidentado (acidentes não fatais), modelo em anexo;<br />
• entrevistar todos os trabalhadores que possam contribuir para o<br />
esclarecimento de a<strong>sp</strong>ectos direta ou indiretamente relacionados ao acidente,<br />
independentemente do nível hierárquico;<br />
• não interromper a busca de informações nos casos em que sua<br />
obtenção depender da colaboração de indivíduos situados em escalões hierárquicos<br />
superiores da empresa;<br />
• não iniciar a elaboração de conclusões durante a coleta de<br />
informações, evitando emitir juízos e realizar interpretações precoces que possam<br />
configurar pensamentos e, ou atitudes preconceituosas e deletérias à investigação;<br />
• se necessário, formular hipóteses explicativas e buscar evidências<br />
capazes de confirmá-Ias ou de afastá-Ias;<br />
• não advertir, punir ou multar em decorrência de fatos, relacionados ou<br />
não ao acidente, que vierem à tona durante a investigação;<br />
• consultar documentos como atas de CIPA, cartões de ponto, registros<br />
de manutenção, bancos de dados de acidentes;<br />
• consultar registros de investigações pregressas que incluam a<strong>sp</strong>ectos<br />
semelhantes ao episódio investigado etc.<br />
Atualmente considera-se que os métodos baseados na Teoria de Sistemas,<br />
isto é, que partem do princípio que as empresas constituem sistemas socio-técnicos<br />
137
abertos, em cujo interior podem ocorrer perturbações potencialmente capazes de<br />
desencadear incidentes, quase-acidentes e acidentes, e que adotam questões<br />
abertas direcionadas para a identificação de perturbações e de suas origens são os<br />
que propiciam investigações mais abrangentes.<br />
Em muitas investigações de acidentes, entretanto, deparamos com situações<br />
nas quais os trabalhadores têm dificuldades para identificar o que variou entre a<br />
situação real de trabalho, descrita por procedimentos de segurança devidamente<br />
afixados nas máquinas que operam e o trabalho que estava sendo executado no<br />
momento do acidente. Percebemos que isso costumava ocorrer na empresa porque<br />
as condições de segurança são extremamente frágeis, nas quais a confiabilidade do<br />
sistema depende, quase que exclusivamente, do desempenho do trabalhador na<br />
execução da tarefa.<br />
Obtida a descrição do acidente, utilizando-se as regras do método,<br />
organizavam-se os denominados fatores de acidente (variações e fatos habituais), a<br />
partir dos quais elabora-se o esquema ou árvore de causas. A etapa seguinte é a de<br />
leitura e interpretação da árvore objetivando retirar ensinamentos do episódio<br />
ocorrido, com vistas à prevenção de outros acidentes com a<strong>sp</strong>ectos semelhantes, ou<br />
não, ao que foi investigado.<br />
138<br />
Em relação às investigações de acidente realizadas pela empresa,<br />
observou-se que as descrições são pobres, baseadas na concepção dicotômica atos<br />
inseguros/condições inseguras, com amplo predomínio dos primeiros. As estatísticas<br />
da empresa discriminam os setores de ocorrência dos acidentes, porém o método<br />
revela causas como:<br />
• vários fatores se interagem para a ocorrência dos acidentes, a maioria<br />
variações, participando do acidente;
• que tais fatores não se restringem às "imediações" da lesão;<br />
• que nas "imediações da lesão", ou seja, nos antecedentes imediatos do<br />
acidente-tipo (dedo prensado entre bancada e motor), existe um conjunto de fatores<br />
que configuram intervenção do trabalhador em condições precárias (uso de meios<br />
impróprios/equilíbrio instável do equipamento);<br />
Para que as medidas de prevenção sejam coerentes com os resultados da<br />
investigação, é indi<strong>sp</strong>ensável que todos os fatores evidenciados sejam colocados<br />
em discussão. Como se pode deduzir em função dos acidentes investigados, não se<br />
trata de processo de fácil condução, exigindo equipe de segurança tecnicamente<br />
bem preparada e, sobretudo, por configurar ampliação de seu e<strong>sp</strong>aço de atuação, é<br />
imprescindível a adesão dos escalões hierárquicos superiores da empresa.<br />
A investigação criteriosa dos acidentes do trabalho pode ser útil ao<br />
aperfeiçoamento da organização do trabalho e gerenciamento da empresa. Todavia,<br />
para que isso ocorra, os serviços de segurança precisam abandonar vícios e<br />
preconceitos acumulados ao longo de sua história, particularmente a visão dos aci-<br />
dentes como fenômenos parci ou unicausais, decorrentes da prática de "atos<br />
inseguros"/"atos abaixo do padrão" pelos acidentados, cuja (falsa) superação<br />
dependeria de mudanças de comportamento de modo a eliminar a prática de tais<br />
atos.<br />
Se, por um lado, mudanças substanciais na forma como os acidentes do<br />
trabalho são tratados pela empresa necessitam do engajamento de sua alta hi-<br />
erarquia, por outro lado, se a os serviços de segurança continuar sendo gerida como<br />
sempre o foi, é pouco provável que o quadro atual venha a se alterar, pelo menos<br />
em curto e médio prazos. No entanto, cabe assinalar que os conhecimentos de<br />
segurança do trabalho da empresa evoluíram substancialmente e já se percebe em<br />
139
muito que o número de acidentes absolutos tem diminuído, ano a ano, diferente da<br />
taxa de gravidade, em função de um passivo recente que a empresa carrega com<br />
sigo.<br />
O setor de segurança precisa ganhar o mesmo status dos que decidem os<br />
destinos da empresa. Para tanto, é necessário, além do engajamento da alta<br />
hierarquia nas questões de segurança, a conquista de legitimação enquanto<br />
interlocutores, por parte dos profissionais de segurança do trabalho, o que exige não<br />
só grande preparo técnico, como adequada "sensibilidade política".<br />
Investigações superficiais, restritas aos fatores imediatamente precedentes à<br />
lesão, tendem a adotar recomendações centradas na mudança de comportamentos<br />
do trabalhador, como "ter mais calma"; "prestar mais atenção", "tomar mais<br />
cuidado", deixando intocados a<strong>sp</strong>ectos da organização do trabalho e do<br />
gerenciamento da empresa que lhes deram origem. Longe de expressar decisão<br />
voluntária do trabalhador, tais "comportamentos inadequados", ao contrário,<br />
decorrem das condições concretas em que se realiza o processo de produção.<br />
Do ponto de vista da prevenção, demandas urgentes - desencadeando ou<br />
não acidentes - exigem esclarecimento das origens das urgências. Por outro lado, os<br />
procedimentos a serem adotados em tais situações devem ser explicitados e<br />
analisados, tanto do ponto de vista da produtividade, quanto da segurança.<br />
Além da ampliação da investigação que o Método de Árvore utilizado pela<br />
empresa propicia, revelando inquestionavelmente a pluricausalidade dos acidentes,<br />
a árvore de causas permite que o acidente seja visualizado com maior clareza,<br />
facilitando a comunicação e o diálogo entre interlocutores com diferentes formações<br />
e pertencentes a diferentes níveis hierárquicos. Quando corretamente aplicado,<br />
contribui para melhorar a compreensão do fenômeno acidente, bem como das<br />
140
práticas de prevenção e, além de fortalecer os mecanismos de resolução de<br />
problemas em grupo, impede a atribuição de culpa pelo acidente ao acidentado,<br />
prática ainda vigente em nosso país, explícita ou disfarçadamente.<br />
A possibilidade de conduzir satisfatoriamente investigações de acidentes,<br />
mesmo conhecendo-se apenas superficialmente o processo de produção, constitui<br />
inegável vantagem desse método. Sua aplicação adequada, entretanto, exige<br />
domínio de linguagem, treinamento e di<strong>sp</strong>onibilidade de tempo, enquanto seu<br />
sucesso em termos de prevenção depende de integração ao conjunto de políticas da<br />
empresa.<br />
5.4 Treinamento<br />
Foram levantados também os materiais utilizados no treinamento com todas<br />
as informações contidas em materiais didáticos e de divulgação interna na empresa.<br />
O material foi levantado, classificado e analisado.<br />
grupos:<br />
CIPA;<br />
Inicialmente, o material foi classificado segundo tipo, separando-se em<br />
• Apostilas e textos usados em treinamentos, oferecidos a membros da<br />
• Exemplos de investigações de acidentes apresentados em<br />
treinamentos ou formação de membros da CIPA, Brigada de Emergência e pessoal<br />
técnico que participa das análises de acidentes;<br />
• Frases de segurança e recomendações de prevenção, presentes em<br />
cartazes e material de divulgação usados na empresa;<br />
141
Em seguida o material foi detalhadamente lido e relido, partindo então para<br />
uma segunda etapa, onde, foram feitas aplicações de questionários investigativos,<br />
preservando o sigilo das pessoas e ao mesmo tempo oferecendo o<br />
acompanhamento necessário. Neste estágio, houve a solicitação explicita para<br />
evitarem a comunicação entre si, de modo a exprimirem seus exclusivos pontos de<br />
vista, visando identificar:<br />
• Concepção de causas de acidentes (dicotomia ato inseguro/condição<br />
insegura, teoria do dominó, disfunção em sistema e outras);<br />
• Orientação relativas a investigações de acidentes (preparação,<br />
cuidados a à serem adotados, rotinas de procedimentos, formulários de<br />
investigação, preservação de local, formas de registro dos achados e outras.<br />
5.5 Indicadores epidemiológicos<br />
Um dos importantes usos da epidemiologia é fornecer elementos para nortear<br />
o estabelecimento de prioridades em termos de prevenção. Em relação aos<br />
acidentes de trabalho, essa disciplina é capaz de:<br />
• descrever, segundo os parâmetros clássicos de pessoa, local e tempo,<br />
a ocorrência dos acidentes do trabalho;<br />
• estimar os riscos de acidentar-se, de ficar inválido, e de morrer,<br />
segundo ramo de atividade econômica, ocupação, região geográfica e outros<br />
parâmetros;<br />
• avaliar a evolução da ocorrência dos acidentes comparando-as com<br />
variações na atividade econômica, introdução de novas tecnologias e<br />
implementação de medidas de prevenção;<br />
142
• avaliar o impacto dos acidentes na vida dos acidentados em termos de<br />
saúde mental, desenvolvimento de doenças psicossomáticas, hipertensão arterial e<br />
outras.<br />
Os métodos epidemiológicos analíticos podem contribuir para desvendar o<br />
papel de fatores que têm impacto na acidentalidade (econômicos, tecnológicos,<br />
preventivos etc.). Igualmente, para a avaliação do efeito do acidente na vida das<br />
vítimas, comparativamente aos trabalhadores que não se acidentaram, seja em<br />
termos de sobrevida (estudos de sobrevivência), seja em termos de morbidade<br />
(estudos de caso-controle e de coorte).<br />
Os indicadores epidemiológicos constituem instrumento valioso para<br />
acompanhamento da evolução da ocorrência dos acidentes de trabalho.<br />
Incidência e taxa de freqüência: são indicadores utilizados para medir a<br />
ocorrência dos acidentes do trabalho. Aliados a um terceiro indicador, a taxa de<br />
gravidade, constituem importantes ferramentas para a definição de prioridades.<br />
A incidência é a razão entre o número de casos de acidentes do trabalho<br />
(numerador da fração) e a população exposta ao risco de vir a acidentar-se (de-<br />
nominador da fração) em determinado local (país, região, cidade, ramo de atividade<br />
etc.) e em determinado intervalo de tempo. Para evitar trabalhar com cifras muito<br />
pequenas, o valor obtido é geralmente multiplicado por 1.000.<br />
N° de acidentes do trabalho ocorridos<br />
Incidência = ------------------------------------------------------------------------ x 1.000<br />
N° de trabalhadores expostos ao risco de acidentar-se<br />
A taxa de freqüência é um indicador mais preciso do que a incidência, pois<br />
leva em conta o número de horas trabalhadas pelos expostos ao risco de se<br />
143
acidentar no trabalho. Ela é calculada por:<br />
N° de acidentes do trabalho ocorridos<br />
Taxa de freqüência = --------------------------------------------------- x 1.000.000<br />
N° de horas-homem trabalhadas<br />
A taxa de freqüência de acidentes do trabalho leva, pois, em consideração a<br />
dinâmica da população trabalhadora: ao deixar o trabalho por demissão, aposen-<br />
tadoria ou outra causa, o trabalhador, simultaneamente, deixa de estar exposto ao<br />
risco de acidentar-se não podendo mais contribuir para o denominador (número de<br />
horas-homem trabalhadas).<br />
Outro indicador importante é a taxa de gravidade, dada por:<br />
Nº. de dias perdidos + Nº. de dias debitados<br />
Taxa de gravidade = ----------------------------------------------------------- x 1.000<br />
Nº. de horas-homem trabalhadas<br />
Esse indicador permite avaliar quantitativamente as perdas decorrentes dos<br />
acidentes de trabalho por incapacidade temporária ou permanente dos acidentados.<br />
Para cálculo dos dias debitados, muitos países seguem a orientação da Sixth<br />
lnternational Conference of Labour Statisticians que estabeleceu em 7.500 o número<br />
de dias a debitar em caso de óbito e de incapacitação total permanente. No Brasil,<br />
em casos de óbito ou de incapacitação total permanente são debitados 6.000 dias;<br />
em outros tipos de perda, o número de dias a debitar é estabelecido pela Norma<br />
Regulamentadora nº 5 (NR 5) (Editora Atlas, 2001).<br />
144
5.6 Banco de dados<br />
Com os dados coletados, o autor construiu e gerenciou o banco de dados,<br />
utilizados a partir dos dados das fichas de investigação dos acidentes consolidados<br />
para os universos da empresa informante e analisada. Os dados das fichas de<br />
análises de materiais didático-organizacional foram consolidados pela empresa em<br />
estudo da seguinte forma:<br />
o Os formulários re<strong>sp</strong>ondidos pelos colaboradores foram integralmente<br />
aproveitados. Todos os dados quantificados e quantificáveis foram transformados<br />
em tabelas;<br />
o As re<strong>sp</strong>ostas as questões abertas foram tratadas do ponto de vista da<br />
freqüência e semelhança das re<strong>sp</strong>ostas, sendo objeto de comentários pertinentes.<br />
Podemos afirmar que nesta etapa, utilizou-se a metodologia de pesquisa de<br />
campo, através da realização de entrevistas com os funcionários que constituem o<br />
quadro de funcionários da empresa em estudo.<br />
Os sujeitos da pesquisa de campo foram trabalhadores de ambos os sexos,<br />
em diferentes faixas etárias e que atuam nos diferentes setores e turnos do quadro<br />
organizacional da empresa pesquisada.<br />
Foram obtidos junto ao Serviço E<strong>sp</strong>ecializado em Segurança e Medicina do<br />
Trabalho – SESMT, da empresa X, os seguintes materiais:<br />
2005 e 2007;<br />
- Cópias das Comunicações dos Acidentes de Trabalho, referentes aos anos<br />
- Fichas de análises de acidentes de trabalho referentes aos acidentes<br />
ocorridos no biênio 2005 / 2007;<br />
145
- Formulários de investigação de acidentes re<strong>sp</strong>ectivos aos acidentes<br />
ocorridos durante os anos de 2005 e 2007;<br />
- Cópia das análises psicológicas dos trabalhadores que sofreram acidente de<br />
trabalho ocorrido durante os anos de 2005 e 2007;<br />
2005 – 2006;<br />
- Quadros III, IV, V e VI de acordo com a NR-04 do MTE, referente ao biênio<br />
- Cópias de reuniões extraordinárias da Comissão Interna de Prevenção de<br />
Acidentes – CIPA.<br />
As informações contidas nos documentos supracitados, relativos à<br />
investigação de acidentes foram, conforme o caso, transcritas e/ou classificadas<br />
para uma ficha de entrada de dados de árvore de causas. A transcrição e a<br />
classificação foram feitas pelo autor, utilizando os instrumentos citados, elaborados<br />
de modo a permitir a classificação de informações. O material foi analisado para<br />
identificar:<br />
− Concepção de causas de acidentes (dicotomia do ato<br />
inseguro/condição insegura, teoria do dominó, disfunção em sistema ou outras);<br />
− Orientações relativas a investigações de acidentes (preparação,<br />
cuidados a serem adotados, recomendações propostas, rotinas de procedimentos,<br />
check-list, preservação de local, formas de registro dos achados e outras);<br />
− Recomendações de prevenção;<br />
− Outras referências a causa(s) e/ou investigação(s).<br />
146
Com os dados coletados, construiu-se e gerenciou-se um banco de dados<br />
conclusivo. Os dados das fichas de investigação de acidentes foram consolidados<br />
para o universo da empresa X, informante e posteriormente analisados.<br />
5.7 Acidentalidade X Atividade Laboral<br />
A tabela 5 retrata a situação fidedigna dos acidentes ocupacionais<br />
relacionados na empresa X, de acordo com os re<strong>sp</strong>ectivos setores que a constituem,<br />
durante o ano de 2005, conforme modelo do Quadro III constante na Norma<br />
Regulamentadora (NR-4), aprovada pela Portaria Nº. 3.214 de 08 de Junho de 1978.<br />
De acordo com a tabela 5, as variáveis selecionadas, foram subdivididas por setor<br />
considerando-se: o número absoluto de acidentes 190, o número absoluto com<br />
afastamento com período maior que 15 dias, o número absoluto com afastamento<br />
em um período menor ou igual há 15 dias, dias/homens perdidos, taxa de freqüência<br />
e índice de avaliação de gravidade durante a decorrência do ano de 2005.<br />
147
Tabela 5 - Acidentes de 2005, por número e setor.<br />
SETOR<br />
Nº<br />
ABSOLUTO<br />
Nº<br />
ABSOLUTO<br />
C/AFAST. <<br />
15 DIAS<br />
Nº<br />
ABSOLUTO<br />
COM<br />
AFAST. ><br />
15 DIAS<br />
DIAS<br />
HOMENS<br />
PERDIDOS<br />
TAXA DE<br />
FREQÜÊNCIA<br />
148<br />
ÍNDICE DE<br />
AVALIAÇÃO DE<br />
GRAVIDADE<br />
SERRARIA I 50 42 7 661 25,8945 13,2200<br />
SERRARIA II 13 11 2 405 6,7326 31,1538<br />
FABRICA I 58 46 12 2.052 30,0377 35,3793<br />
FABRICA I (FINGER) 12 10 2 865 6,2147 72,0833<br />
FABRICA II 10 10 0 96 5,1789 9,6000<br />
FABRICA III 13 12 1 815 6,7326 62,6923<br />
FABRICA IV 3 2 0 4 1,5537 1,3333<br />
FABRICA V 9 7 2 286 4,6610 31,7778<br />
EXPEDIÇÃO 3 3 0 11 1,5537 3,6667<br />
PREPARO 8 7 1 81 4,1431 10,1250<br />
MANUTENÇÃO ELÉTRICA 1 1 0 3 0,5179 3,0000<br />
MANUTENÇÃO MECÂNICA 2 2 0 5 1,0358 2,5000<br />
MECÂNICA DE VEICULOS 1 1 0 8 0,5179 8,0000<br />
CALDEIRA 2 2 0 19 1,0358 9,5000<br />
CARPINTARIA 3 3 0 12 1,5537 4,0000<br />
SERVIÇOS GERAIS 1 1 0 1 0,5179 1,0000<br />
TURBO<br />
TOTAL DO<br />
1 1 0 7 0,5179 7,0000<br />
ESTABELECIMENTO<br />
869<br />
190 161 27 5331 98,3992 306,0316<br />
Fonte: Dados primários, Padilha, 2007.<br />
A tabela 6 retrata a situação fidedigna dos acidentes ocupacionais<br />
relacionados na empresa X, de acordo com os re<strong>sp</strong>ectivos setores que a constituem,<br />
durante o ano de 2006, conforme o Quadro III constante na Norma<br />
Regulamentadora (NR-4), aprovada pela Portaria Nº. 3.214 de 08 de Junho de 1978.<br />
De acordo com a tabela, as variáveis selecionadas no ano de 2006 foram<br />
subdivididas por setor considerando-se: o número absoluto de acidentes, o número<br />
absoluto com afastamento com período maior que 15 dias, o número absoluto com<br />
afastamento em um período menor ou igual há 15 dias, dias/homens perdidos, taxa<br />
de freqüência e índice de avaliação de gravidade.
Tabela 6 - Acidentes de 2006 por número e setor.<br />
SETOR<br />
Nº.<br />
ABSOLUTO<br />
Nº.<br />
ABSOLUTO<br />
C/AFAST. ≤<br />
15 DIAS<br />
Nº.<br />
ABSOLUTO<br />
COM<br />
AFAST. ><br />
15 DIAS<br />
DIAS<br />
HOMENS<br />
PERDIDOS<br />
TAXA DE<br />
FREQÜÊNCIA<br />
ÍNDICE DE<br />
AVALIAÇÃO<br />
DE<br />
GRAVIDADE<br />
SERRARIA I 39 24 12 1380 20,4292 35,3846<br />
SERRARIA II 6 3 3 175 3,1430 29,1667<br />
FABRICA I 35 26 8 871 18,3339 24,8857<br />
FABRICA I (FINGER) 13 8 4 409 6,8097 31,4615<br />
FABRICA II 5 4 1 509 2,6191 101,8000<br />
FABRICA III 5 3 2 503 2,6191 100,6000<br />
FABRICA IV 2 1 1 66 1,0477 33,0000<br />
FABRICA V 5 3 2 604 2,6191 120,8000<br />
EXPEDIÇÃO 1 0 1 92 0,5238 92,0000<br />
ESTUFA 1 1 0 2 0,5238 2,0000<br />
MANUTENÇÃO ELÉTRICA 1 1 0 5 0,5238 5,0000<br />
MANUTENÇÃO MECÂNICA 4 2 2 85 2,0953 21,2500<br />
PÁTIO 1 0 1 101 0,5238 101,0000<br />
CALDEIRA 1 1 0 4 0,5238 4,0000<br />
CARPINTARIA 2 1 1 44 1,0477 22,0000<br />
RECURSOS HUMANOS 1 0 0 0 0,5238 0,0000<br />
FABRICA DE MERCADO<br />
INTERNO 1 0 1 128 0,5238 128,0000<br />
SERVIÇOS GERAIS 3 1 1 39 1,5715 13,0000<br />
LÂMINAS 1 1 0 6 0,5238 6,0000<br />
TURBO GERADOR<br />
TOTAL DO<br />
1 0 0 0 0,5238 0,0000<br />
ESTABELECIMENTO<br />
862<br />
128 80 40 5023 67,0496 871,3485<br />
Fonte: Dados primários, Padilha, 2007.<br />
Através da análise das tabelas 5 e 6, verificamos que no período de 24 meses<br />
o número de acidentes ocupacionais com afastamento chegou à marca de 318<br />
acidentes. Conforme já mencionado, nos 28 meses de estudo podemos constatar<br />
337 acidentes ocupacionais com afastamento, portanto, somente no ano de 2007,<br />
durante os quatro meses de Janeiro a Abril, já ocorreram 19 acidentes com<br />
afastamento.<br />
Vale a pena destacar que, apesar do item setor ou posto de trabalho ter<br />
entrado na análise, foi possível identificar um setor característico na indústria<br />
madeireira: a serraria; e um setor característico de uma empresa que trabalha com<br />
beneficiamento de madeira: o pré-corte (efetuado na linha de destopadeiras<br />
149
presentes na fábrica I). O contato com máquinas em movimento e, principalmente, o<br />
contato com as serras (circular e serra fita), que geram as mutilações maiores e<br />
permanentes decorrentes das amputações de dedos, mãos e outras partes de<br />
membros superiores, constituem os cenários mais típicos desse setor industrial. As<br />
amputações representam o tipo mais grave de lesão, quer pelo maior tempo de<br />
afastamento do trabalho – geralmente mais de trinta dias – quer por estar<br />
relacionada a algum grau de invalidez imposta ao trabalhador.<br />
Foi possível constatar ainda no estudo que a indústria de transformação da<br />
madeira é uma atividade considerada insalubre, pois o ambiente de trabalho<br />
apresenta ruído acima dos limites de tolerância previstos na legislação do Ministério<br />
do Trabalho. Assim, menores estão proibidos de trabalhar nesta atividade. De<br />
acordo com a legislação vigente, não foram encontrados trabalhadores no presente<br />
estudo com menos de 18 anos.<br />
A atividade profissional (ocupação) registrada na CAT nos permitiu que se<br />
fizesse uma análise mais detalhada sobre esta variável. Através da leitura e análise<br />
dos dados e informações contidas nas CAT, pode-se observar que dos 96% dos<br />
trabalhadores registrados estavam cumprindo suas atividades de acordo com a CBO<br />
(Código Brasileiro de Ocupação), e de acordo com seus registros em carteira.<br />
Apenas 4% dos acidentados desenvolviam atividades diversas daquela do registro<br />
no momento do acidente, ou seja, observou-se que ocorria desvio de função entre<br />
os acidentados, principalmente entre a função do trabalhador (na CAT denominada<br />
como ocupação) e a atividade que ele exercia no momento do acidente.<br />
A tabela 7 mostra a distribuição dos acidentados, segundo faixa etária. Dos<br />
611 acidentados, 222 acidentados (36,33%) eram jovens com idade variando entre<br />
18 a 30 anos de idade. Em 347 acidentes (56,79%), a idade do acidentado esteve<br />
150
entre 31 a 45 anos de idade. Em 42 (6,89%) casos, a idade da vitima variou entre 46<br />
e 60 anos de idade. A idade média do acidentado foi de 34,7 anos.<br />
Tabela 7- Acidentes entre 2005 e 2007 segundo faixa etária.<br />
Faixa etária<br />
Acima de 18 a 30 anos<br />
31 a 45 anos<br />
46 a 60 anos<br />
Fonte: Dados primários, Padilha, 2007.<br />
Acidentes<br />
Número %<br />
222<br />
347<br />
42<br />
36,33<br />
56,79<br />
6,89<br />
Total 611 100<br />
A tabela 8 mostra a distribuição dos acidentes, segundo a causa externa dos<br />
mesmos. Os grupos de causas mais freqüentes foram: amputação 9 (1,5%)<br />
acidentes; corpos estranhos (olhos) em 43 (7,0%); entorses / luxações em<br />
71(11,6%); escoriações, em 84 (13,7%); esmagamentos em 22 (3,6%); ferida<br />
contusa, em 154 (25,2%); ferida incisa, em 86 (14,1%); ferida perfurante, em 25<br />
(4,1%); queimadura, em 9 (1,5%); traumatismo, em 105 (17,2%); outros, em 3<br />
(0,5%) acidentes.<br />
A tabela 9 mostra a distribuição de palavras, expressões ou grupo de<br />
expressões referentes a comportamentos do acidentado, usadas nas descrições dos<br />
acidentes, elaboradas pelo SESMT da empresa ora estudada e registradas no<br />
campo destinado à descrição do Acidente do Trabalho. Portanto, se referem às<br />
conclusões da investigação conduzida pela empresa. Em 409 (67%) das 611<br />
investigações, foi usada a expressão ato inseguro; em 202 (33%) houve o registro<br />
da expressão condição insegura.<br />
151
Tabela 8 - Acidentes do trabalho, segundo tipo de lesão ocasionada entre 2005<br />
– 2007.<br />
Amputação<br />
Corpo Estranho<br />
Entorse / Luxação<br />
Escoriações<br />
Esmagamentos<br />
Ferida Contusa<br />
Ferida Incisa<br />
Ferida Perfurante<br />
Queimadura<br />
Traumatismo<br />
Outros<br />
Fonte: Dados primários, Padilha, 2007.<br />
Tipo da Lesão Número %<br />
9<br />
43<br />
71<br />
84<br />
22<br />
154<br />
86<br />
25<br />
9<br />
105<br />
3<br />
1,5<br />
7,0<br />
11,6<br />
11,7<br />
3,6<br />
25,2<br />
14,1<br />
4,1<br />
1,5<br />
17,2<br />
0,5<br />
Total 611 100,0<br />
Tabela 9- Resultado de investigação entre 2005 – 2007.<br />
Palavras, expressões ou grupo de expressões Número %<br />
Ato Inseguro<br />
Condição Insegura<br />
Fonte: Dados primários, Padilha, 2007.<br />
409<br />
202<br />
67,0<br />
33,0<br />
Total 611 100,0<br />
O fato de constar, em todas as investigações, e na própria descrição do<br />
evento já incluir esses tipos de palavras e expressões as mesmas não devem ser<br />
meno<strong>sp</strong>rezadas, pois revela julgamentos negativos em relação a supostos<br />
152
comportamentos do acidentado, em etapa da investigação que por sua vez deveria<br />
estar voltada para a reconstituição do evento.<br />
Em nenhum dos 611 acidentes foram encontradas palavras ou expressões<br />
que implicassem atribuição de sua ocorrência ao azar ou má sorte do trabalhador, à<br />
vontade divina, a uma fatalidade ou algo semelhante. Esse achado corre<strong>sp</strong>onde ao<br />
e<strong>sp</strong>erado em registro de investigação, uma vez que o instrumento adotado não<br />
explora e nem registra as opiniões dos trabalhadores acerca de sua visão sobre<br />
causas dos acidentes.<br />
O horário da ocorrência dos acidentes ao longo do dia permitiu verificar em<br />
que períodos ocorrem maior número de acidentes. Através deste estudo podemos<br />
constatar que não houve diferenças significativas entre o número de ocorrências e o<br />
período ou turno de trabalho determinado e utilizado pela empresa “X”. Uma<br />
conclusão, no entanto, podemos afirmar, que durante o período compreendido entre<br />
o primeiro turno de trabalho estabelecido pela administração da empresa “X” (05:00h<br />
– 13:40h) e o segundo turno (13:40h – 22:00h), integra-se a estes dois turnos o turno<br />
“comercial” (07:50h – 17:40h), justamente os períodos que proporcionalmente<br />
ocorreram o maior numero de acidentes e que justamente são os períodos de<br />
trabalho em que estão presentes na empresa o maior número de pessoas que<br />
integram o quadro administrativo da mesma.<br />
Entre todos os acidentes registrados, observou-se uma distribuição totalmente<br />
aleatória no que diz re<strong>sp</strong>eito à hora de ocorrência. Não houve significância a<br />
determinado horário, se ocorreu no inicio da jornada, na primeira hora, meio da<br />
jornada, terceira hora ou próximo ao seu término. Não conseguimos determinar, da<br />
mesma forma, se as ocorrências foram próximas as pausas para alimentação ou<br />
após as refeições, principalmente, em função do número elevado de acidentes<br />
153
constatados e ao longo período de estudo (28 meses). Contudo, essa relação<br />
precisa ser investigada em outra oportunidade, em estudo e<strong>sp</strong>ecífico.<br />
Ferreira & Valenzuela (1998), ao estudar essa variável em acidentes de<br />
trabalho ocorridos em 1991 em Porto Alegre, registraram igualmente dois momentos<br />
de maior número de acidentes: um às 10h, com 12% (entre 9h e 11h com 29%) dos<br />
casos e às 15h com 9% (15h às 17h com 24%) dos casos. O estudo registrou<br />
igualmente uma deflexão entre 12h e 13h.<br />
A tabela 10 mostra a distribuição dos acidentes, segundo turno de trabalho<br />
devidamente e<strong>sp</strong>ecificado. Os períodos de ocorrência mais freqüente foram: turno I<br />
– manhã (05:00h – 13:40h) 180 (29,5%) acidentes; turno II – tarde (13:40h –<br />
22:00h) 157 (25,7%); turno III – noite (22:00h – 05:00h) 138 (22,6%); turno comercial<br />
(07:50h – 17:40h) 86 (14,0%) e turno de revezamento (6h) 50 (8,2%).<br />
Tabela 10 - Acidentes do Trabalho, segundo turno de trabalho, entre 2005 –<br />
2007.<br />
Turno de Trabalho Número %<br />
1 – Manhã (05:00h – 13:40h)<br />
2 – Tarde (13:40h – 22:00h)<br />
3 - Noite (22:00h – 05:00h)<br />
Comercial (07:50h – 17:40h)<br />
Revezamento (6 horas)<br />
Fonte: Dados primários, Padilha, 2007.<br />
180<br />
157<br />
138<br />
86<br />
50<br />
29,5<br />
25,7<br />
22,6<br />
14,0<br />
8,2<br />
Total 611 100,0<br />
A análise dos agentes causadores de acidentes, demonstrada através da<br />
Tabela 11, possibilitou também identificação de dez grupos de agentes causadores<br />
de acidentes, cujas características permitem compreender e sintetizar esses eventos<br />
154
na indústria madeireira em estudo. Podem-se determinar as lesões mais típicas<br />
relacionadas a determinados tipos de agentes, bem como em que circunstâncias<br />
esses acidentes ocorreram.<br />
As condições do ambiente industrial, condições de máquinas e equipamentos<br />
e presença de proteções adequadas, presença de programas de capacitação<br />
e<strong>sp</strong>ecíficos e investimentos na área de saúde do trabalhador são condições citadas<br />
como re<strong>sp</strong>onsáveis pelo auxilio no controle dos acidentes ocupacionais.<br />
Confirmando as citações, a interpretação do observado no estudo demonstra<br />
que: no cenário 1, as lesões estão mais relacionadas com problemas decorrentes de<br />
traumatismos ocasionados por blocos de madeira que por algum motivo se<br />
de<strong>sp</strong>rendem das máquinas e atingem os funcionários; no cenário 2, com a<strong>sp</strong>ectos<br />
ergonômicos e ou da organização do processo de trabalho, quando do uso de<br />
ferramentas; no cenário 3, com a<strong>sp</strong>ectos relacionados ao trabalho com máquinas; no<br />
cenário 4, com materiais em processo de beneficiamento; no cenário 5, as lesões<br />
decorrem principalmente da falta de proteção em mesas ou contato com esteiras<br />
tran<strong>sp</strong>ortadoras; no cenário 6, as lesões estão relacionadas a problemas de postura<br />
e movimentos indevidos do corpo; no cenário 7, com partículas, fagulhas, estilhaços<br />
ou rebarbas presentes nos processos de produção; no cenário 8, lesões<br />
relacionados a ambientes quentes; no cenário 9, as lesões decorrem do uso<br />
indevido de veículos industrias e no cenário 10, a outros fatores indeterminados.<br />
Para cada notificação de lesão superficial, foram registrados 1,3 casos de<br />
lesões de partes moles profundas. Parece antagônico acreditar que essa seja a real<br />
relação entre estes dois tipos de lesões, isto é, que ocorram mais lesões graves do<br />
que leves. É possível afirmar com toda certeza que isto não ocorre pela sub-<br />
notificação das lesões leves, aquelas que não implicariam em afastamento do<br />
155
trabalhador, ou que necessitariam de poucos dias de afastamento. A empresa<br />
realiza a investigação de todos os acidentes, independente de sua gravidade. O<br />
número de quase acidentes, ou seja, ocorrências que por algum motivo não se<br />
transformaram em um acidente, por exemplo: “aquele corpo estranho que atingiu o<br />
supercílio do trabalhador e não o interior de seu globo ocular”. Porém como já<br />
mencionamos em outro momento a sub-notificação dos acidentes de trabalho é uma<br />
realidade constante em Caçador (SC). Aqueles acidentes que ocorrem com lesões<br />
leves freqüentemente não são notificados.<br />
Tabela 11- Agentes causadores das lesões e freqüência entre 2005 – 2007.<br />
Agentes Causadores das Lesões Número %<br />
Blocos de Madeira<br />
Ferramentas<br />
Máquinas<br />
Materiais em processos<br />
Mesas / Esteiras<br />
Posturas e movimentos do corpo<br />
Partículas, fagulhas, estilhaços e rebarbas<br />
Altas temperaturas<br />
Veículos industriais / automotores<br />
Outros<br />
Fonte: Dados primários, Padilha, 2007.<br />
30<br />
58<br />
134<br />
124<br />
68<br />
44<br />
55<br />
31<br />
32<br />
35<br />
4,9<br />
9,5<br />
22,0<br />
20,3<br />
11,0<br />
7,2<br />
9,1<br />
5,1<br />
5,2<br />
5,7<br />
Total 611 100,0<br />
156
A tabela 12 mostra a distribuição dos acidentes, segundo tipo da lesão<br />
devidamente e<strong>sp</strong>ecificada. A partir da divisão em quatro regiões distintas, foi<br />
possível constatar que as partes do corpo atingidas com maior freqüência foram:<br />
cabeça 52 (8,5%) acidentes; tronco 113 (18,5%) acidentes; membros superiores 356<br />
(58,3%) acidentes e membros inferiores 90 (14,7%) acidentes.<br />
Tabela 12- Acidentes do trabalho, segundo local da lesão, entre 2005 – 2007.<br />
Turno de Trabalho Número %<br />
Cabeça<br />
Tronco<br />
Membros Superiores<br />
Membros Inferiores<br />
Fonte: Dados primários, Padilha, 2007.<br />
52<br />
113<br />
356<br />
90<br />
8,5<br />
18,5<br />
58,3<br />
14,7<br />
Total 611 100,0<br />
A compreensão e a visualização dos cenários típicos possibilitam o<br />
planejamento de medidas gerais e e<strong>sp</strong>ecíficas na prevenção dos acidentes. A<br />
constatação de que determinado tipo de acidente ocorre mais em certos setores da<br />
indústria, ou está envolvido a certo tipo de equipamento ou máquina, auxilia o<br />
desenvolvimento de ações pontuais e diretas no ambiente do trabalho e ações com<br />
o trabalhador.<br />
A tabela 13 mostra a distribuição das “medidas propostas”, registradas nas<br />
fichas de investigação dos 611 acidentes, de acordo com grupo de medidas. Os<br />
grupos de medidas “Mudanças de comportamento e atitudes”, no desenvolvimento<br />
das atividades totalizaram 139 (22,7%) recomendações. Tendo em vista que o<br />
preenchimento das fichas de investigação ser sempre confeccionadas na forma de<br />
157
entrevistas entre o acidentado e os re<strong>sp</strong>onsáveis técnicos da segurança ocupacional<br />
da empresa, merece atenção e<strong>sp</strong>ecial, o fato, e servirá como um dos temas da<br />
conclusão de nosso estudo, que a “Capacitação, participação em palestras e cursos<br />
técnicos” totalizaram 105 (17,2%) recomendações; uso correto e permanente de<br />
“Equipamentos de proteção individual” totalizou 23 (3,8%) recomendações. A<br />
mudança sugerida, com mais freqüência foi a de realizações de “Manutenção” em<br />
máquinas e equipamentos industriais, “Avaliações e In<strong>sp</strong>eções” preventivas, por<br />
parte do setor de manutenção industrial e elétrica da empresa “X”. Em 27 (4,4%)<br />
casos, houve sugestão de colocação ou melhoria de “Sinalização de segurança”;<br />
somadas têm-se 55 (9,1%) medidas propostas que se referem às mudanças na<br />
“Organização / Layout”, nos ambientes onde ocorrem os acidentes, pois, considerou-<br />
se que a falta de organização do ambiente ocupacional acarretaram diversos<br />
acidentes. A inclusão de “Equipamentos de Proteção Coletiva” totalizou 13 (2,13%)<br />
casos de sugestões para minimização dos acidentes de trabalho; Do total das 611<br />
sugestões averiguadas, apenas 21 (3,4%), sugerem a “Introdução de mudanças<br />
operacionais e a adoção de novas normas de segurança ocupacional” e 27 (4,4%)<br />
casos sugestões genéricas, sem e<strong>sp</strong>ecificação de objetivos e/ou conteúdos.<br />
158
Tabela 13 - Medidas propostas nas investigações de acidentes e incidentes<br />
entre 2005 – 2007.<br />
Agentes Causadores das Lesões Número %<br />
Mudanças de comportamento / atitudes<br />
Capacitação, palestras e participação em cursos<br />
técnicos<br />
Equipamentos de proteção individual<br />
Manutenção, avaliações e in<strong>sp</strong>eções de segurança<br />
Sinalização de segurança<br />
Organização / Layout<br />
Equipamentos de proteção coletiva<br />
Introdução de mudanças operacionais e adoção de<br />
novas normas de segurança ocupacional<br />
Outros<br />
Fonte: Dados primários, Padilha, 2007.<br />
139<br />
105<br />
23<br />
201<br />
27<br />
55<br />
13<br />
21<br />
27<br />
22,7<br />
17,2<br />
3,7<br />
33,0<br />
4,3<br />
9,1<br />
2,2<br />
3,4<br />
4,4<br />
Total 611 100,0<br />
Neste estudo, a proporção de medidas dirigidas a mudanças de<br />
comportamentos dos acidentados foi inferior à observada no estudo de Binder,<br />
Azevedo e Almeida (1997), que atingiu 72,95 das propostas. Segundo Levanthal e<br />
col. (1965), o uso de orientações e<strong>sp</strong>ecificas para a ação seria condição necessária,<br />
mas não suficiente, para a implementação de mudanças de comportamento com<br />
vistas à prevenção de acidentes. As medidas propostas na empresa estudada foram<br />
genéricas e semelhantes às já observadas em estudo de Binder e col. (1997).<br />
Carpentier-Roy e col. (1998) afirmam que a existência de uma “cultura do<br />
oficio” dos trabalhadores, reconhecida pelos integrantes dos níveis hierárquicos<br />
superiores da empresa, seria favorecida por iniciativas de formação e<strong>sp</strong>ecifica e<br />
poderia estimular a condição de sentir-se pertencente e integrado ao grupo dos<br />
trabalhadores da empresa. Essa condição também foi apontada por Dejours (1993a,<br />
1997) como de grande importância para a confiabilidade dos sistemas. A abordagem<br />
159
preventiva proposta na empresa estudada perde a oportunidade de utilizar o<br />
processo de investigações de acidentes para o aprendizado organizacional, através<br />
da exploração desse sentimento de “ser parte” de um grupo.<br />
Assim, um a<strong>sp</strong>ecto que chama a atenção, quando se observam os dados<br />
acima, é a pobreza das recomendações. Se a análise das descrições de acidentes e<br />
de suas causas apuradas ou conclusões já revela falhas, a comparação de seus<br />
achados com aqueles das recomendações de prevenção revela quadro ainda mais<br />
precário: fatores causais registrados como tal deixam de ser considerados em<br />
proporção que aumenta quando se trata de a<strong>sp</strong>ectos ligados à gestão da<br />
produção/organização do trabalho, mas que não é de<strong>sp</strong>rezível se o fator causal é de<br />
natureza técnica ou ambiental. O predomínio de medidas genéricas ligadas a<br />
comportamentos e/ou características de acidentados, nas recomendações,<br />
complementa o quadro de precariedade das investigações de acidentes e representa<br />
fato adicional no processo de atribuição de causa, culpa e re<strong>sp</strong>onsabilidade às<br />
vítimas de acidentes.<br />
Essa precariedade torna-se mais grave devido ao divórcio que revela existir<br />
entre as análises de acidentes e do trabalho em sua totalidade. No entanto, esses<br />
achados mostram que a mesma separação existe, tanto em relação à per<strong>sp</strong>ectiva do<br />
aprendizado organizacional, desenvolvida por estudiosos de comportamentos face<br />
ao perigo, quanto à da análise da atividade desenvolvida pela corrente francesa da<br />
Ergonomia.<br />
Por que as condições organizacionais são as mais negligenciadas na<br />
exploração das análises conduzidas na empresa? Este estudo não explorou essa<br />
questão com os atores re<strong>sp</strong>onsáveis pelas análises, porém é possível formular<br />
algumas hipóteses a esse re<strong>sp</strong>eito.<br />
160
As referências à organização do trabalho da empresa, obtida nas<br />
investigações de acidentes, aparecem de modo isolado, não explorando de forma a<br />
ensejar um diagnóstico da origem de acidentes que propicie a identificação de<br />
pontos de convergência ou problemas cuja abordagem possa mostrar-se de<br />
interesse da segurança e dos gestores da produção. Nessas condições torna-se<br />
quase impossível a tarefa de sensibilização da empresa para a adoção de<br />
abordagem que integre a problemática dos acidentes com aquela do seu modelo de<br />
eficácia de produção.<br />
Na empresa estudada, não há a adoção de estratégias de prevenção<br />
baseadas em cada um de seus a<strong>sp</strong>ectos identificados. Alguns acidentes ocorreram<br />
durante a realização de horas extras. No entanto não há registros de<br />
recomendações de prevenção formuladas para a correção desse fator. Ele é<br />
simplesmente “esquecido”.<br />
A identificação de a<strong>sp</strong>ectos da organização do trabalho na análise de<br />
acidentes constitui oportunidade perdida para o desencadeamento de ações que<br />
levem ao diagnóstico da complexidade da situação que está na origem dos<br />
acidentes. Uma investigação quando adequadamente utilizada, permite identificar<br />
pontos críticos da atividade desenvolvida na empresa, momentos de gestão<br />
temporal da produção, de gestão de demandas que ultrapassem as capacidades de<br />
recursos técnicos e humanos existentes no sistema, entre outros que ensejam a<br />
adoção de estratégias de recuperação que podem fracassar e, direta ou<br />
indiretamente, levar ao acidente. Sua identificação deve gerar solicitações de<br />
análises complementares e medidas de prevenção.<br />
161
Em seu conjunto, esses achados indicam que, na empresa estudada, a<br />
análise de acidentes é vivenciada como formalidade burocrática e como instrumento<br />
de controle do potencial de questionamento que poderia advir desse processo.<br />
162
6 PREVENÇÃO DE ACIDENTES NUMA INDÚSTRIA MADEIREIRA DE SANTA<br />
CATARINA: ALGUNS PONTOS DE REFERÊRENCIA<br />
Ao longo deste capítulo citaremos indicadores de referencia, considerados os<br />
causadores dos acidentes do trabalho provenientes de fenômenos resultantes de<br />
rede de múltiplos fatores em interação. Dada a heterogeneidade dos processos<br />
produtivos da industria e a di<strong>sp</strong>aridade dos estágios de desenvolvimento da<br />
segurança do trabalho, eles continuam constituindo um desafio em termos de<br />
prevenção.<br />
Alguns indicadores epidemiológicos citados anteriormente e a noção de<br />
tipologia de acidentes fazem parte do rol de "ferramentas" utilizadas para descrever<br />
as características de situações que foram capazes de gerar acidentes do trabalho.<br />
Os indicadores são abordados em item e<strong>sp</strong>ecífico, cabendo colocar que, os<br />
indicadores de referência aludidos nos subtítulos referem-se aos acidentes que<br />
ocorrem em diversas situações em que prevalecem os acidentes do trabalho, isto é,<br />
que ocorrem em sistemas com taxas de freqüência de acidentes variadas, com<br />
incorporação tecnológica elevada ou muito elevada, nos quais a participação de<br />
fatores relacionados à organização do trabalho e ao gerenciamento da empresa na<br />
ocorrência dos acidentes do trabalho é negligenciável e o conhecimento dos<br />
a<strong>sp</strong>ectos subjetivos envolvidos no trabalho é de grande importância para a<br />
prevenção.<br />
É preciso ter em mente que os acidentes do trabalho constituem objeto de<br />
interesse de diferentes áreas do conhecimento no interior da industria, cujo estudo<br />
requer o concurso de diversas e<strong>sp</strong>ecialidades, para que seus múltiplos a<strong>sp</strong>ectos<br />
jurídicos, sociais, psicológicos, médicos, ergonômicos, de engenharia, dentre<br />
163
outros), possam ser mais bem explorados e conhecidos.<br />
O fato de o trabalho real, em maior ou menor grau, diferir sempre do trabalho<br />
prescrito constitui a<strong>sp</strong>ecto freqüentemente negligenciado, levando a explicações<br />
simplistas acerca da origem dos acidentes, que seriam fruto de desobediência a<br />
regras e/ou a prescrições.<br />
Além de dominar as habilidades técnicas requeridas pelas tarefas a serem<br />
executadas, os trabalhadores precisam integrar-se ao coletivo da empresa, processo<br />
que implica estabelecer relações com colegas e chefias, conhecer regras formais e<br />
informais, desvendar o "clima" ou ambiente psicossocial da empresa e aprender a<br />
utilizar procedimentos e estratégias adotados, aceitos ou tolerados - visando superar<br />
a variabilidade e as incertezas presentes na situação real de trabalho. Nesse<br />
sentido, é fundamental que os mecanismos cognitivos e afetivos dos seres humanos<br />
no trabalho sejam levados em consideração.<br />
Uma das conseqüências da evolução da concepção de acidentes, verificadas<br />
na industria ora estudada, tem sido a crescente compreensão da inutilidade de<br />
recomendações de prevenção como "prestar mais atenção", "conscientizar", "tomar<br />
mais cuidado" e assemelhadas. Firma-se o entendimento de que o trabalho<br />
desenvolvido em condições em que a segurança depende exclusivamente no<br />
desempenho do indivíduo na tarefa, exigindo a manutenção de grau vigília<br />
incompatível com as capacidades humanas, configura "acidente e<strong>sp</strong>erando para<br />
acontecer" sendo, portanto, inaceitável.<br />
Devido à diversidade dos processos de produção e de trabalho, com graus<br />
variados de incorporação tecnológica e enorme variabilidade de condições de<br />
segurança do trabalho, a prevenção de acidentes de trabalho na industria<br />
madeireira, do ponto de vista técnico, apresenta numerosos complicadores.<br />
164
O ponto de partida para definir os indicadores de referência é a abordagem<br />
de alguns elementos que compõem os programas de gestão da segurança e saúde<br />
ocupacional (SSO) na empresa, que constituirão o objeto do estudo e observação.<br />
Para a implementação desse programa, três a<strong>sp</strong>ectos foram importantes. Primeiro,<br />
compreender o elevado índice de acidentes do trabalho na empresa ora estudada.<br />
Segundo, compreender a cultura organizacional. Terceiro, dominar o processo de<br />
trabalho identificando todos os pontos e as interações com equipamentos,<br />
instalações, técnicas e instrumentos.<br />
na empresa:<br />
São três elementos básicos que envolvem os programas de gestão de SSO<br />
a) A<strong>sp</strong>ectos culturais: as percepções e práticas da empresa em relação à<br />
segurança e saúde ocupacional. As práticas de SSO são definidas e fundamentadas<br />
nas concepções e no valor que se confere ao assunto.<br />
b) A<strong>sp</strong>ectos técnicos: ferramentas e técnicas utilizadas na identificação e no<br />
controle dos riscos existentes nas atividades laborais. As ferramentas de SSO são<br />
concebidas e implementadas para corrigir o que se pretende corrigir. Ferramentas<br />
de SSO, por mais aprimoradas que sejam não operam milagres.<br />
c) A<strong>sp</strong>ectos ligados a objetivos e resultados: o que a empresa<br />
verdadeiramente pretende com os programas de SSO idealizados e implementados.<br />
A definição do que se pretende com as ações de SSO constitui-se no principal<br />
elemento de sucesso e/ou de insucesso nas ações de SSO na empresa.<br />
Dentre os diversos elementos que envolvem a gestão de segurança e saúde<br />
ocupacional (SSO), inclusive os três aqui enumerados – cultura de segurança,<br />
ferramentas e objetivos – avaliados em termos de importância; sem dúvida, os<br />
a<strong>sp</strong>ectos culturais, representam, de longe, o que há de mais significativo para<br />
165
facilitar, inibir ou inviabilizar o sucesso desse programa. Por mais elaborado que seja<br />
um programa de SSO, e por melhor que sejam as ferramentas por ele<br />
di<strong>sp</strong>onibilizadas para o diagnóstico e a solução dos riscos ocupacionais do trabalho,<br />
se não houver, primeiro um sistema consistente de gestão em SSO proporcionando<br />
sustentação aos programas implementados e principalmente a participação<br />
compromissada de todos os envolvidos em suas ações, e<strong>sp</strong>ecialmente do quadro de<br />
comando da empresa, em todos os níveis, os resultados por ele produzidos serão<br />
limitados, tanto do ponto de vista do que poderá ser feito – identificação e solução<br />
dos riscos ambientais no trabalho – quanto da manutenção das correções e<br />
principalmente no combate sistemático ao surgimento de situações novas,<br />
semelhantes às que foram corrigidas. Já, anteriormente citado, a empresa ora<br />
estudada, muito investiu na melhoria das condições de trabalho, - sendo possuidora<br />
da melhor tecnologia industrial, atualmente existente no ramo madeireiro – corrigindo<br />
muitas falhas, mas nem sempre mantendo o que foi corrigido, e menos ainda<br />
prevenindo o surgimento de situações idênticas às que foram objeto de correção.<br />
Esse paradoxo, resultante da precariedade dos sistemas de SSO que pudessem<br />
favorecer as ações de controle, termina transformando a gestão de SSO em um<br />
sistema sem solução , onde o que se faz é como se nada tivesse sido feito.<br />
Em função dos traços da cultura de SSO, encontrados na empresa, objeto do<br />
estudo, a questão de segurança e saúde ocupacional, não tem sido tratado da forma<br />
como deveria ser tratada, quer seja por parte da empresa, por parte de seus<br />
gestores, quer seja pelos trabalhadores, notadamente pelas suas representações –<br />
os sindicatos.<br />
Neste capitulo foi possível elucidar os principais problemas existentes e que<br />
são considerados os causadores dos elevados índices de acidentalidade, na gestão<br />
166
de segurança e saúde ocupacional, que dificultam e, em certas circunstâncias, até<br />
mesmo inviabilizam o aperfeiçoamento e conseqüentemente o amadurecimento dos<br />
programas de SSO, da empresa X, entre outro, são os que seguem:<br />
6.1 O SISTEMA DE GESTÃO EM SSO<br />
Dentre os fatores que concorrem para manter a segurança e saúde no<br />
trabalho em segundo plano na empresa “X”, com desempenho muito aquém do<br />
e<strong>sp</strong>erado, figura-se a ausência de um Sistema de Gestão de SSO com consistência<br />
suficiente para comportar e suportar os diversos “Programas de SSO” que são<br />
implementados na empresa.<br />
Há uma enorme preocupação, de parte dos profissionais do SESMT, em criar<br />
e aprimorar ferramentas técnicas voltadas para a identificação e avaliação dos riscos<br />
no trabalho com vistas ao seu controle, sem se dar conta de que essas ferramentas<br />
não têm vida própria, não existem por sim mesma. A funcionalidade (praticidade)<br />
dessas ferramentas reside na aplicação de outras ferramentas que deveriam compor<br />
o sistema de SSO, tão ou mais importante do que as primeiras. Trata-se de<br />
ferramentas administrativas, destinadas a orientar e controlar a aplicação das<br />
ferramentas técnicas.<br />
A gestão da produção, utilizada na empresa, atualmente, tão eficiente e tão<br />
debatida diariamente, di<strong>sp</strong>onibiliza e usa, com firmeza, um elenco de ferramentas<br />
técnicas, orientadas e controladas por meio de ferramentas administrativas<br />
derivadas das políticas gerencias e do departamento de recursos humanos da<br />
empresa. Os gestores da produção são suficientemente esclarecidos de suas<br />
re<strong>sp</strong>onsabilidades em relação às suas atribuições e de como cumpri-las. Conhecem<br />
167
e praticam os instrumentos de medida de sucesso e sabem, com a mesma<br />
desenvoltura, o que está em jogo quando cometem falhas, principalmente quando as<br />
falhas colocam em risco o sistema produtivo e sabem o que fazer quando os<br />
indicadores de produção não são alcançados conforme o planejado. O mesmo não<br />
ocorre com as questões de SSO, salvo no discurso ou quando ocorre um acidente<br />
“grave” que provoca ranhuras na imagem da empresa. A clarividência desses<br />
critérios entre os dois setores é um reflexo da situação muito bem determinada neste<br />
trabalho e também demonstra a importância conferida à Segurança e a Produção<br />
pela empresa “X”.<br />
A ausência verificada de ferramentas administrativas para a orientação e<br />
condução dos Programas de SSO na empresa, demonstra que os gestores<br />
(supervisores) das áreas produtivas não são suficientemente informados do que lhe<br />
compete fazer em relação à segurança no trabalho e da mesma forma, o que<br />
deveria ser avaliado e mensurado. Se as metas de SSO não suficientemente claras<br />
e nem há definição de como atingi-las, as cobranças não fogem a regra. Verificou-se<br />
que no tocante às metas de produção, além da preocupação no seu<br />
estabelecimento, na definição de como atingi-las, há um elenco de medidas<br />
administrativas prontas, que são usadas na correção do que deu errado. Aliás, é<br />
conveniente ressaltar, que muito esforço tem-se feito atualmente para a antecipação<br />
dos erros como iremos verificar em nossas considerações finais.<br />
168
6.2 ENVOLVIMENTO DA EMPRESA<br />
Não é próprio da cultura empresarial brasileira o corpo diretivo das empresas<br />
se envolverem, direta ou concretamente, com as questões de segurança e saúde<br />
ocupacional, salvo quando da ocorrência de algum distúrbio nos setores que as<br />
compõem – acidentes graves – que, além de causarem danos humanos e materiais,<br />
provocam estragos na imagem das empresas, colocando seus dirigentes em<br />
situação de desconforto perante o público interno e principalmente perante o público<br />
externo, com prejuízos irreparáveis à imagem de suas organizações.<br />
De maneira não muito diferente, na empresa “X”, os prepostos da direção<br />
(supervisores de área e produção), sobretudo das áreas de risco – por não se<br />
considerarem ou não terem sido, formalmente, considerados pela alta direção como<br />
re<strong>sp</strong>onsáveis diretos pela promoção da segurança e saúde dos trabalhadores – se<br />
esquivam, de todas as maneiras possíveis, de assumirem, de fato, o papel de<br />
gestores e re<strong>sp</strong>onsáveis pelos programas de segurança e saúde ocupacional, diga-<br />
se de passagem, onerosos, prepostos designados pela alta direção.<br />
É notório que a empresa “X”, vem trabalhando, com afinco, na tentativa de<br />
reverter essa postura, prova-se a redução dos números de acidentes que ocorreram<br />
entre o ano de 2005 e 2006. E muitas, a de<strong>sp</strong>eito das dificuldades inerentes a<br />
qualquer mudança cultural, vêm realizando, com razoável sucesso. As razões do<br />
sucesso aparente, porém muito distante da necessidade e do desejado, localizam-se<br />
principalmente nas estratégias e ações sustentadas por uma política consistente de<br />
capacitação dos colaboradores em SSO, inteiramente apoiada pela alta direção da<br />
empresa ora estudada.<br />
169
É conveniente lembrar que uma política em SSO não se restringe a um único<br />
item, por exemplo, um “perfeito” cronograma de capacitação, o que com toda certeza<br />
a torna lacônica e, por este motivo, imprecisa. Essa referência, imprescindível ao<br />
bom andamento dos programas de SSO existente na empresa, não estão<br />
suficientemente explicitados e definidos. A imprecisão na definição de atribuições e<br />
de re<strong>sp</strong>onsabilidades, e<strong>sp</strong>ecialmente para o quadro de comando da empresa, nesse<br />
terreno, termina por incutir nos supervisores a idéia de que sua função na empresa,<br />
não é fazer segurança, mas nitidamente cuidar da produção. E essa idéia, pela<br />
mesma razão, é reforçada pelos critérios utilizados nas avaliações de desempenho<br />
implantadas constantemente na empresa “X” e re<strong>sp</strong>ondidas por todos os<br />
colaboradores da empresa. A aferição, e o que dela decorre, para medir<br />
desempenho, em relação a SSO, não é a mesma utilizada em relação aos itens de<br />
produção. No tocante a produção as metas são claramente definidas,<br />
acompanhadas, avaliadas e refeitas, sempre que se fizer necessário, utilizando-se<br />
de ferramentas e de critérios conhecidos e aceitos por todos. Já no tocante à SSO,<br />
as metas são lacônicas, ou pior ainda, irreais. Assim verificamos que as metas de<br />
SSO, não são definidas em dados concretos, em elementos exeqüíveis e<br />
mensuráveis, resultando disso a descrença (item à ser estudado), dos trabalhadores<br />
a todas as iniciativas da empresa neste terreno. E o pior dessa descrença esta no<br />
que ela representa para os trabalhadores e na associação que os mesmos fazem<br />
entre essa descrença e a imagem do SESMT, da empresa.<br />
Os altos índices de eventos indesejados na gestão de SSO na empresa “X”<br />
podem estar relacionados a motivos mais facilmente perceptíveis, verdadeiros ou<br />
falsos, não reduzindo ou excluindo, com isso, o peso da imprecisão na formulação<br />
de alguns itens ou da inexistência de uma política bem definida e clara em SSO,<br />
170
como: a falta de objetivos, falta de re<strong>sp</strong>onsáveis, não existência de metas e maior<br />
variabilidade de indicadores de desempenho em SST, ausência de atribuições e<br />
estratégias de ação, por exemplo.<br />
A maneira com que a empresa trata as questões de saúde e segurança é uma<br />
das principais causas de muitos desconfortos e até mesmo, constrangimentos,<br />
sofrido por eles, quando da ocorrência de acidentes graves, que carecem de<br />
esclarecimentos perante o publico externo e, sobretudo perante o conselho de<br />
gestores da re<strong>sp</strong>ectiva empresa. Porém, a alta executiva jamais tomará uma decisão<br />
que pudesse comprometer a organização baseada em informações que não sejam<br />
consistentes. Percebe-se uma incoerência na transferência das informações, ou<br />
seja, a segurança do trabalho é colocada em segundo plano não por que ela, de<br />
fato, requer esse tratamento, mas por insuficiência de informações que o referido<br />
setor repassa para a alta direção.<br />
O trabalhador, por vários motivos, pode ter cometido erros graves na<br />
execução de suas atividades, incluído negligencia e imprudência, mas também errou<br />
na tentativa de compensar a ausência de acertos que a organização não lhe<br />
ofereceu. Não há duvida de que a maioria esmagadora dos acidentes de trabalho<br />
ocorrido tiveram, como causa, uma ligação estreita com manifestações de<br />
comportamentos inadequados ou inseguros, ora de parte do trabalhador ora de seu<br />
facilitador que o manda ou permite trabalhar em desacordo com os procedimentos<br />
de trabalho. Nesse sentido, sem perder de vista a questão do comportamento, o que<br />
tem de ser estudado e corrigido, é o que esta dando origem ao comportamento. A<br />
filtragem das informações sobre as reais condições de trabalho, na empresa<br />
estudada, foi e certamente continuara sendo um problema cuja solução esbarra na<br />
cultura de SSO da empresa. Falta à alta direção informações detalhadas sobre o<br />
171
tema Segurança Ocupacional, e, não há como fugir à regra: o ato de mudar começa<br />
pelo conhecimento daquilo que se deseja mudar.<br />
6.3 AÇÕES DE SEGURANÇA E SAÚDE OCUPACIONAL<br />
O número considerável de técnicas, normas e programas de segurança e<br />
saúde ocupacional, existentes na empresa X, ainda em função da cultura dominante,<br />
é concebido e orientado somente para o atendimento a legislação que di<strong>sp</strong>õem<br />
sobre a matéria. Ocorre ainda que os programas de SSO, existentes,<br />
fundamentados nesse princípio são, via de regra, pobres e de desempenho ruim, por<br />
várias razões, mas principalmente porque privilegiam as situações de risco que se<br />
apresentam em franco desacordo com a lei. É possível claramente listar alguns dos<br />
programas que apenas maquiam a segurança do trabalho na empresa estudada,<br />
sendo: Mapas de Risco, Ordens de Serviço, PPRA, PCMSO e CIPA, todos apenas<br />
cumprindo seus princípios “legalistas” e pouco envolvimento direto e<br />
compromissado dos gestores das áreas produtivas e dos trabalhadores.<br />
Paradoxalmente, por essa via, a empresa acaba gastando mais do que se estivesse<br />
controlando efetivamente seus ambientes de trabalho. Portanto, podemos afirmar<br />
que a empresa continua não protegendo os seus trabalhadores e, ainda, abre<br />
e<strong>sp</strong>aços ao acumulo de passivos, principalmente nos tempos atuais, no momento do<br />
pagamento da alíquota suplementar à aposentadoria e<strong>sp</strong>ecial.<br />
A crença de que o cumprimento da legislação trabalhista, previdenciária e de<br />
eventuais notificações provenientes a partir da visita dos Órgãos Fiscalizadores junto<br />
a empresa, restabelece a conformidade legal da empresa em relação à segurança e<br />
a saúde no trabalho, porém, tem provocado aborrecimentos constantes para alta<br />
172
administração, simplesmente pelo fato de não ser esse expediente, em nenhum<br />
sentido, verdadeiro. A não conformidade entre os programas legais exigidos, para<br />
com a segurança e a saúde ocupacional é muito distante e por este motivo da<br />
inconveniência entre os altos índices de acidentes de trabalho ora estudados e a<br />
verdadeira orientação dos programas de SSO existentes na empresa.<br />
6.4 ATITUDES DO TRABALHADOR NA OCORRÊNCIA DOS ACIDENTES DE<br />
TRABALHO<br />
A cultura de SSO predominante na empresa estudada é notória em relação<br />
no estabelecimento do nexo causal dos acidentes e as atitudes e ações<br />
comportamentais do acidentado.<br />
É sabido que uma quantidade apreciável de acidentes do trabalho ocorridos<br />
na empresa “X” ou em qualquer parte do mundo tem suas origens no<br />
comportamento das vítimas, como conseqüência direta de erros no sistema de<br />
trabalho. Com relação a isso, são vários os indicadores relatados que demonstram<br />
esta afirmação. O que é mal compreendido é por que as pessoas se expõem, de<br />
maneira passiva, a determinadas condições de risco suscetíveis de lesá-las ou de<br />
matá-las, sem os reparos devidos, ainda que o reparo seja uma simples recusa do<br />
trabalho perigoso. Percebe-se, no entanto, que a recusa ao trabalho perigoso está<br />
prevista na política de SSO da empresa e na minuta de todos os treinamentos sobre<br />
SSO ministrados na empresa, porém, não sendo regularmente utilizada pelos<br />
trabalhadores ou não utilizada de forma nenhuma.<br />
Imaginar que o trabalhador se expôs a uma condição de risco que pode lesá-<br />
lo ou matá-lo simplesmente porque foi di<strong>sp</strong>licente, imprudente, negligente ou<br />
173
indisciplinado é ignorar os princípios naturais que orientam a preservação da vida e<br />
a não valorização dos determinantes do comportamento humano. Muitas vezes, foi<br />
possível verificar que os trabalhadores se comportaram de maneira equivocada no<br />
trabalho, em franca desobediência a determinadas normas de segurança,<br />
simplesmente porque não lhe foi proporcionada outra alternativa segura para<br />
executar, com a devida segurança o trabalho sem apreço. Nesse sentido é<br />
conveniente ressaltar que nem sempre o trabalhador é cobrado pela maneira como<br />
estava trabalhando, mas pelo resultado do seu trabalho. Daí a impulsão de se<br />
realizar o trabalho ainda que em desacordo com as e<strong>sp</strong>ecificações normativas do<br />
mesmo. Isso sem contar que muitos procedimentos de trabalho ou de segurança<br />
não são observados pelo simples fato de os trabalhadores julgá-los desnecessários.<br />
É notório que o comportamento positivo ou negativo do trabalhador, na sua<br />
relação com o trabalho depende fundamentalmente das condições oferecidas pelo<br />
trabalho, da carga do trabalho, da carga de capacitação a ele ofertada, da<br />
suscetibilidade do trabalhador no trato com as exigências presentes nos ambientes<br />
listados de trabalho e de sua vida, assim como da natureza, da intensidade e da<br />
duração da convivência com essas exigências.<br />
Do conjunto de fatores (exigências) identificadas no diagnóstico, que<br />
certamente contribuem, de forma significativa, na manifestação de comportamentos<br />
inadequados do trabalhador em relação ao seu trabalho, é possível destacar:<br />
a) Falta de identidade com trabalho, isto é, o trabalhador não encontra no<br />
trabalho outras referências que não sejam o salário e a imperiosa necessidade de<br />
ganhá-lo.<br />
174
) Insatisfação no trabalho por razões múltiplas, mas principalmente por<br />
falta de per<strong>sp</strong>ectivas de crescimento profissional e/ou funcional. Sentir que as<br />
chances de melhorias são demasiadamente reduzidas, ou inexistentes, a de<strong>sp</strong>eito<br />
do esforço de<strong>sp</strong>endido.<br />
c) Dificuldades de relacionamentos com colegas e/ou com chefias<br />
motivadas por acúmulo de cansaço resultante de sobrecarga de trabalho.<br />
d) Falta de preparo adequado para o trabalho: executar atividades para as<br />
quais não foram suficientemente treinados, sobretudo as atividades padronizadas.<br />
e) Stress decorrente da pressão no trabalho, da carga no trabalho, do<br />
horário de trabalho (trabalho em turno), da insegurança, do medo em relação ao<br />
futuro, de incertezas, da síndrome de ansiedade e de angústia, somadas aos<br />
problemas do contexto da vida, como: dificuldades de administrar o orçamento<br />
doméstico, dificuldades nos relacionamentos afetivos com o cônjuge e com os filhos,<br />
vícios, crises existenciais, entre outros.<br />
f) Síndrome de estagnação e/ou de final de carreira. Sentir-se com<br />
vontade de se aposentar em definitivo ou mudar de função ou de emprego. Perder o<br />
gosto pelo trabalho e pela convivência com os colegas.<br />
A inclusão do comportamento dos trabalhadores no conjunto dos fatores<br />
causais de acidentes de trabalho, quando cabível, de forma alguma significa debitar<br />
aos trabalhadores acidentados a culpa pelos acidentes e, conseqüentemente, pelos<br />
danos deles decorrentes, incluindo a invalidez e a morte. Na arte de prevenir<br />
acidentes, o comportamento do trabalhador, como comportamento em si, conforme<br />
expresso na ação do acidente, ainda que tenha sido a causa preponderante, é de<br />
importância secundária, servindo apenas como pista para o direcionamento dos<br />
175
estudos que certamente terão de ser feitos na busca de suas causas. O que deve<br />
ser levado em conta, e por todos os meios possíveis valorizados e cuidadosamente<br />
estudados, é, os determinantes do comportamento, ou seja, o que o motivou. O que<br />
houve de errado no ambiente, nas relações de trabalho, incluindo os<br />
relacionamentos interpessoais, e na vida do trabalhador que interferiram direta ou<br />
indiretamente na vivência dele com o todo do seu trabalho, definindo posturas<br />
traduzidas em atitudes corretas ou equivocadas.<br />
O termo do “ato inseguro”, que tanto serviu e ainda contínua, em alguns<br />
ambientes, servindo para re<strong>sp</strong>onsabilizar e até mesmo culpar trabalhadores pelos<br />
acidentes sofridos, mais tem servido para ocultar, na empresa “X”, sinais de agravos<br />
à saúde do trabalhador e, da mesma forma, inadequações na organização do<br />
trabalho; do que propriamente atendido às finalidades a que se propõe, que é<br />
estabelecer nexo entre os acidentes ocorridos e suas reais causas, com vista à<br />
correção.<br />
O erro na execução do trabalho, embora indesejável, é passível de ocorrer, e<br />
todos, indistintamente, neles podem incorrer. Não é, por conseguinte, o erro,<br />
enquanto erro em si, que interessa a quem lida, com e<strong>sp</strong>írito construtivo, com a<br />
prevenção de acidentes, mas as causas do erro; não importando sua clarividência,<br />
se visíveis ou ocultas, se imediatas ou remotas. Não se previne nenhuma e<strong>sp</strong>écie de<br />
erros sem conhecê-los em profundidade, definindo, qualificando e/ou quantificando<br />
suas reais causas, para, na seqüência, combatê-las.<br />
A abordagem da segurança do trabalho a partir do raciocínio de que o<br />
trabalhador errou ao executar suas tarefas porque é di<strong>sp</strong>licente, indisciplinado,<br />
negligente, imperito ou simplesmente imprudente – princípios nos quais se<br />
fundamentam as teses do “ato inseguro”- é tão nociva à gestão da segurança no<br />
176
trabalho quanto o é, a crença de que o trabalhador por sua conta e risco nunca erra<br />
ao realizar o seu trabalho, e quando erra é porque foi induzido ao erro por motivos<br />
totalmente alheios não apenas à sua condição de trabalhador, mas também de<br />
cidadão e talvez até de humano. Tanto a primeira forma de pensar quanto a outra<br />
linha de raciocínio pecam e em nada contribuem para a segurança no trabalho,<br />
porque, de um lado, constrói-se a idéia de um trabalhador anárquico, irre<strong>sp</strong>onsável e<br />
indisciplinado em relação ao cumprimento de normas de trabalho – na maioria das<br />
vezes elaboradas por quem não está diretamente envolvido com os processos de<br />
trabalho, que não define por desconhecimento o que deve ser rigidamente<br />
observado e o que permite algum tipo de flexibilidade orientada – resultando daí a<br />
explicação da “desobediência”, parcial ou total, do trabalhador em relação ao seu<br />
cumprimento. De outro lado, retrata-se um trabalhador, em todos os sentidos,<br />
duplamente vitimado, sem levar em consideração a sua participação, direta ou<br />
indiretamente, na ocorrência do acidente. À vezes o trabalhador sabe como executar<br />
a tarefa, as condições de trabalho lhe oferecem os recursos necessários ao<br />
exercício correto do mesmo e o indivíduo erra ao optar por outra via, obscura e sem<br />
controle. Essa manifestação de comportamento, pela sua natureza, mais que as<br />
outras, precisará ser estudada, em profundidade.<br />
6.5 A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E SEUS IMPACTOS NO<br />
COMPORTAMENTO DOS TRABALHADORES<br />
O modelo de gestão de segurança e saúde ocupacional, atualmente vigente,<br />
que permite relacionar a ocorrência de acidentes de trabalho ao comportamento do<br />
trabalhador – caracterizando-o como di<strong>sp</strong>licente, imperito, negligente e/ou<br />
177
imprudente na definição causal dos acidentes – sem levar em conta as condições<br />
físicas do ambiente laboral e principalmente os elementos que determinam a<br />
organização formal ou informal do mesmo, certamente, está tratando a questão da<br />
SSO de forma imprecisa e parcial. E, o que é pior, às vezes inconseqüente, e por<br />
isso mesmo, improdutivo. Isso porque, por essa via, a análise termina privilegiando o<br />
comportamento da vítima, desvinculado dos fatores que o tenham determinado, em<br />
detrimento da investigação científica que procura, isentá-lo de quaisquer<br />
parcialidades, desvendar e correlacionar os determinantes causais das atitudes tanto<br />
dos gestores quanto dos trabalhadores, numa dada situação.<br />
A definição da causa dos acidentes de trabalho pela via do “ato inseguro”,<br />
amplamente utilizada na empresa, não peca apenas por privilegiar o comportamento<br />
do trabalhador como causa preponderante dos acidentes de trabalho, em detrimento<br />
da qualidade dos ambientes e da organização do mesmo, mas principalmente por<br />
imaginar que os erros cometidos pelo trabalhador na execução de suas tarefas<br />
derivam simplesmente das limitações do próprio trabalhador, não guardando, por<br />
isso, nenhuma relação com as condições de trabalho, com os modos de ser e de<br />
agir da empresa.<br />
Essa forma equivocada de abordar a questão reflete nas práticas de<br />
treinamento em prevenção de acidentes, desvinculadas dos processos produtivos,<br />
imaginando que a capacitação do trabalhador para fazer segurança seja a solução<br />
mais produtiva na prevenção de acidentes, o que nem sempre ocorre. O treinamento<br />
em prevenção de acidente produz bons resultados, não há dúvidas, quando<br />
associado à melhoria contínua dos ambientes e, principalmente, da organização do<br />
trabalho. O treinamento produz excelentes resultados quando voltado para os<br />
178
elementos fundamentais do trabalho e os a<strong>sp</strong>ectos da segurança abordados como<br />
partes intrínsecas do mesmo.<br />
Outro a<strong>sp</strong>ecto negativo na abordagem do acidente de trabalho a partir do<br />
comportamento do trabalhador, na visão do “ato inseguro”, foi o equívoco de se<br />
imaginar que o trabalhador, voluntariamente, comete erros no trabalho simplesmente<br />
porque, em determinado momento, decide por conta própria como se comportar no<br />
trabalho, improvisando condições alternativas para a realização das tarefas,<br />
passando por cima dos procedimentos normativos previamente definidos para o<br />
mesmo – procedimento ou prática padrão. Afirmar que o trabalhador decide por<br />
conta própria como se comportar em relação às normas que orientam o trabalho,<br />
sem levar em conta o complexo de variáveis que envolvem o próprio trabalho,<br />
sobretudo as relações de poder, revela não apenas uma inversão de papéis, mas,<br />
sobretudo, uma demonstração clara da maneira como o trabalho é organizado<br />
naquele ambiente, bem como as incongruências de seus sistemas de controle.<br />
A organização da produção e o que dela decorre – fazer o quê, por que,<br />
como, onde e e<strong>sp</strong>ecialmente por quem – sempre e necessariamente serão de<br />
re<strong>sp</strong>onsabilidade da empresa, na pessoa de seus prepostos, e não dos<br />
trabalhadores. Não acreditamos que o trabalhador, em nenhuma empresa brasileira,<br />
em face da cultura do trabalho ainda predominante no Brasil, di<strong>sp</strong>onha de poderes<br />
para decidir, individualmente, como deve se comportar no trabalho,<br />
independentemente das determinações normativas impostas pela empresa. O que<br />
se afigura como mais provável, nesse particular na empresa “X” são as falhas no<br />
ordenamento formal do trabalho e as deficiências no controle que a empresa exerce<br />
sobre o mesmo em decorrência de falhas no seu sistema de organização,<br />
e<strong>sp</strong>ecialmente em relação à organização formal do trabalho.<br />
179
6.6 A PARTICIPAÇÃO DOS TRABALHADORES NOS PROGRAMAS DE SSO DA<br />
EMPRESA<br />
Ainda em relação aos a<strong>sp</strong>ectos culturais relacionados à segurança e saúde<br />
ocupacional, ao longo do estudo e que foi possível constatar de certa forma<br />
paradoxal, porém verdadeiro e importante, é que, tão prejudicial quanto às doenças<br />
e os acidentes de trabalho são determinadas formas escolhidas pela empresa para<br />
com eles lidar. O enfrentamento dessa questão, pela sua complexidade e pela<br />
variedade causal, não passa apenas pelo treinamento e<strong>sp</strong>ecífico dos trabalhadores<br />
para fazer segurança, independentemente das condições materiais onde o trabalho<br />
se realiza e de suas formas de organização. Afirmar que treinar trabalhadores para o<br />
estrito cumprimento de normas em ambientes agressivos, desfavoráveis à vida,<br />
onde a organização do trabalho pouco favorece o exercício correto do mesmo, sem<br />
oferecer aos trabalhadores as condições necessárias e abertura para discutir,<br />
ponderar e propor medidas de melhorias, tanto no ambiente quanto na organização<br />
do trabalho, é exacerbar o estado de angústia que caracteriza a exposição,<br />
consciente, a riscos potencialmente capazes de gerar danos à saúde.<br />
Esse ponto de vista apóia-se no raciocínio de que se expor a uma situação de<br />
risco à saúde e/ou à integridade física, sem saber o que isso significa: é bem<br />
diferente do que estar consciente do problema e ter que a ele se expor sem<br />
condições para agir. Nesse caso, o dano não se restringe apenas àquele provocado<br />
pelo risco em questão, mas também pelo sofrimento de natureza mental de não<br />
poder se proteger. Oferecer essa condição ao trabalhador, na expectativa de que ela<br />
seja um caminho alternativo para a solução do problema acidentário, além de não<br />
representar solução alguma, aprofunda ainda mais o abismo que separa os<br />
180
propósitos da empresa em relação ao tema do engajamento e<strong>sp</strong>ontâneo,<br />
voluntarioso e compromissado dos trabalhadores.<br />
Nada mais danoso a qualquer programa de gestão de SSO do que o<br />
constrangimento sofrido pelos trabalhadores que passaram por treinamento<br />
e<strong>sp</strong>ecífico de segurança, promovidos pela própria empresa, mas que, ao tentarem<br />
colocar em prática as lições aprendidas, são impossibilitados de fazê-lo, ora por<br />
decisão de suas chefias imediatas, sem justificativas convincentes para isso, ora<br />
porque as condições de trabalho não permitem. No caso da segunda hipótese, o<br />
conflito está intimamente relacionado ao fato de o conteúdo do treinamento não ter<br />
levado em conta as peculiaridades do ambiente e a natureza do trabalho. Em todos<br />
os sentidos, a ocorrência desse fato pode ser debitada à desvinculação da SSO dos<br />
processos produtivos e da própria organização formal do trabalho.<br />
6.7 O ORDENAMENTO FORMAL DO TRABALHO E OS CONFLITOS DE PODER –<br />
A QUÊ OU A QUEM O TRABALHADOR DEVE OBEDIÊNCIA?<br />
Outro a<strong>sp</strong>ecto importante, fruto dos traços da cultura ainda predominante na<br />
empresa “X”, que interfere de maneira negativa no desempenho da gestão da<br />
segurança e saúde ocupacional, é o dualismo crescente vivenciando cotidianamente<br />
pelos trabalhadores no cumprimento do ordenamento formal do trabalho. O fosso<br />
que ainda separa o discurso formal do trabalho (normas escritas) da diversidade de<br />
formas práticas – nem sempre em conformidade ao que está escrito – da realização<br />
de tarefas por parte dos trabalhadores, às vezes até orientados pelos supervisores,<br />
relaciona-se, no que podemos levantar, entre outros motivos, aos que se seguem:<br />
181
01. Incompatibilidades entre: padrões de trabalho (norma escrita),<br />
condições ambientais e organizacionais do trabalho e características individuais dos<br />
trabalhadores.<br />
02. Deficiência na capacitação técnica dos trabalhadores para a correta<br />
execução das tarefas conforme prescrições normativas;<br />
03. Distanciamento dos supervisores de seus comandados em decorrência<br />
do volume de trabalho burocrático realizado em escritório – atualmente um<br />
supervisor não consegue permanecer mais do que 60% do tempo de trabalho junto<br />
aos seus comandados.<br />
04. Declínio na capacitação técnica dos supervisores – os supervisores<br />
estão virando gestores e perdendo ou não adquirindo, suficientemente, informações<br />
técnicas – dificultando, com isso, o atendimento às demandas cotidianas dos<br />
colaboradores. É importante ressaltar que os colaboradores recorrem ao seu<br />
facilitador em busca de informações técnicas relacionadas ao seu trabalho.<br />
05. Conflitos entre o saber técnico teórico apropriado pelos gestores e as<br />
experiências práticas adquiridas nas vivências cotidianas dos colaboradores com o<br />
seu dia-a-dia de trabalho.<br />
06. Duplicidade de orientação sobre como realizar as tarefas –<br />
procedimentos escritos e ordens verbais de seus supervisores;<br />
07. Desempenho avaliado pelo trabalho concluído e não pela forma de<br />
como se deveria trabalhar.<br />
formal.<br />
08. Pouca credibilidade, por parte dos supervisores, no sistema de trabalho<br />
09. Carga e ritmo de trabalho, às vezes, incompatíveis com as reais<br />
condições e organização do mesmo.<br />
182
10. O cumprimento de todos os procedimentos de trabalho e segurança<br />
“engessa” o sistema produtivo.<br />
Os dados levantados na empresa avaliada revelam, com clareza, os fatores<br />
inibidores e/ou impeditivos do cumprimento parcial ou total das formalidades de<br />
segurança relacionadas ao trabalho. Os fatores acima relacionados, que por sua<br />
natureza se desdobram em muitos outros, foram escolhidos numa amostra de<br />
situações com características semelhantes e se tornaram objeto do presente<br />
diagnóstico de SSO. Dos dez fatores, acima mencionados, no nosso entendimento,<br />
sem nenhuma dúvida, o fenômeno que denominamos duplicidade de orientação é o<br />
que mais perturba os trabalhadores no exercício de seu trabalho. Fenômeno<br />
decorrente das inúmeras incompatibilidades existentes entre trabalhadores e<br />
condições de trabalho e trabalhadores e chefias imediatas. Ressaltamos que por se<br />
tratar de um fenômeno relativamente recente, não foi ainda suficientemente<br />
avaliado, mas ele está diuturnamente presente nas vivências dos trabalhadores com<br />
o seu dia-a-dia de trabalho.<br />
É importante ressaltar que a maioria dos trabalhadores ingressou na empresa<br />
na condição de serventes, de aprendizes ou de ajudantes e aprendeu a trabalhar<br />
seguindo orientação oral – ordens verbais – de suas chefias imediatas, passando<br />
por fases diferenciadas e distintas do processo de aprendizagem – aprenderam a<br />
fazer, fazendo – sob a orientação e o comando direto de seus supervisores<br />
hierárquicos: encarregados ou supervisores. Ao término de um determinado tempo,<br />
em função da aprendizagem, esses trabalhadores foram classificados (anotações<br />
em CTPS) nas suas re<strong>sp</strong>ectivas áreas de atuação, procedimento esse, que não só<br />
determinou o andamento das atividades laborais, como também definiu e<br />
estabeleceu os vínculos do trabalhador com a empresa. Isso significa que a imagem<br />
183
– positiva ou negativa – que o trabalhador forma a re<strong>sp</strong>eito da empresa é definido<br />
por esse expediente. O que ele aprende nesse lapso de tempo, em todos os<br />
sentidos, influencia nas suas vivências futuras na empresa, inclusive na definição e<br />
cultivo dos laços afetivos.<br />
As dificuldades nesse terreno, na empresa pesquisada, são notórias e<br />
certamente estão relacionadas ao fato de os trabalhadores e menos ainda os<br />
supervisores não terem ainda aprendido a se entender sem o apoio do poder, para<br />
de um lado, mandar, ordenar, determinar e de outro, obedecer. O poder, como<br />
instrumento funcional entre o ato de mandar e o de obedecer, remonta os mais<br />
longínquos tempos da vida humana. A inversão desse quadro não é tarefa<br />
impossível, porém demandará investimento pesado a médio e em longo prazo,<br />
sobretudo na educação e capacitação dos atores envolvidos.<br />
Em decorrência disso, verificaram-se, freqüentemente, conflitos entre<br />
trabalhadores e supervisores tanto na definição quanto na execução dos trabalhos.<br />
Houve momentos em que os trabalhadores se depararam com dificuldades surgidas<br />
entre eles e suas chefias imediatas e não souberam como agir: em relação a “quê”<br />
ou a “quem” obedecer.<br />
Os conflitos, por sua natureza, somente aprofundam as dificuldades de<br />
relacionamentos entre supervisores e trabalhadores, colocando, de um lado, os<br />
procedimentos de trabalho, reconhecidos por ambos, como inadequados – escritos e<br />
estabelecidos pela empresa – de outro, as indecisões ou as ordens dos supervisores<br />
nem sempre coincidentes com tais procedimentos. Os supervisores sabem que o<br />
atendimento aos procedimentos escritos é importante, mas que estes foram feitos<br />
com a finalidade de otimizar os resultados da produção, e sabem, da mesma forma,<br />
que a cobrança que recai sobre eles no dia-a-dia diz muito mais re<strong>sp</strong>eito aos<br />
184
cronogramas de produção do que qualquer outra coisa. E que, entre cumprir<br />
rigorosamente os ditos procedimentos e fazer as coisas andarem em direção ao<br />
atendimento aos cronogramas de produção, não há dúvida de que seus esforços<br />
são canalizados nesta direção.<br />
Outra questão não menos importante evidenciada, expõem, claramente, uma<br />
dificuldade, senão explicita velada, da parte dos detentores do conhecimento técnico<br />
em aceitar as experiências dos trabalhadores, não apenas como verdade<br />
substancial, mas como solução para determinados problemas para os quais o<br />
conhecimento técnico revela-se inócuo. De outra feita, os trabalhadores têm<br />
dificuldade em elaborar “relatórios escritos” onde suas experiências podem ser<br />
retratadas com sustentações convincentes. Essa manifestação cultural, em alguns<br />
casos de agravos à segurança e a saúde dos trabalhadores, foi apontada como<br />
re<strong>sp</strong>onsável por um fenômeno conhecido como “acomodação” de problemas<br />
originalmente simples, que, por falta de solução adequada, transformaram-se em<br />
problemas complexos, com jusantes em acidentes graves.<br />
Do acima exposto, infere-se que a dificuldade maior enfrentada pela empresa,<br />
na condução das mudanças propostas, não está nos ajustes técnicos e<br />
organizacionais necessários à nova ordem, mas no comportamento das pessoas<br />
envolvidas direta ou indiretamente na sua condução. Não é tarefa impossível<br />
transformar, em curto prazo, as experiências construídas e vivenciadas ao longo de<br />
gerações, principalmente em uma empresa de origem familiar, sobretudo no que se<br />
refere às relações de poder, em relações formais, onde a fala direta verbalizada<br />
oralmente e revestida de autoridade é substituída por procedimentos escritos, frios, e<br />
que exigem do trabalhador alto grau de comprometimento e principalmente de<br />
iniciativa voluntária na sua condução.<br />
185
A questão que se impõe diante de tudo isso é saber qual o grau de<br />
confiabilidade desse sistema em relação aos riscos oferecidos pelo trabalho e a<br />
relação que ele tem com a ocorrência de acidentes, por sinal, crescente no que diz<br />
re<strong>sp</strong>eito a gravidade dos mesmos. É importante enfatizar, que uma quantia<br />
considerável dos acidentes graves, ocorridos no período de estudo em questão,<br />
tiveram como causa principal desobediência à procedimentos formais de trabalho.<br />
Paradoxalmente, os procedimentos formais de trabalho que deveriam funcionar<br />
como e<strong>sp</strong>inha dorsal de orientação e controle, vêem se transformando, em alguns<br />
casos, em peças geradoras de conflitos, em indutores de erros na execução das<br />
tarefas e conseqüentemente, em acidentes graves. Evidentemente que não foram os<br />
procedimentos, por si só, re<strong>sp</strong>onsáveis pela ocorrência de acidentes, mas a relação<br />
existente entre procedimentos e comportamento das pessoas em relação a eles.<br />
Assim, tão ou mais importante do que apontar o descumprimento de procedimentos<br />
como re<strong>sp</strong>onsáveis por distúrbios nas relações de trabalho, é definir porque os ditos<br />
procedimentos não são observados, pelo menos no mínimo das expectativas.<br />
6.8 ASPECTOS CRÍTICOS DA SEGURANÇA NO TRABALHO AINDA<br />
PREDOMINANTES NA EMPRESA “X”<br />
Quando se pensa em gerência da segurança no trabalho não se refere a um<br />
ato administrativo isolado e diferenciado do complexo dos demais atos de governar.<br />
A diferença não pode ser identificada no processo, mas sim no objeto a ser<br />
administrado e nos resultados pretendidos.<br />
A concepção vivenciada e diferenciada de administração do conjunto de<br />
fatores que compõem, por exemplo, a produção, a manutenção ou qualquer área de<br />
186
apoio, ou ainda serviços da empresa, em relação à segurança e à saúde do<br />
trabalhador, está precisamente no dualismo: trabalhar e fazê-lo com segurança. Na<br />
empresa, quando se fala em “fazer segurança” ou dotar o ambiente e as atividades<br />
de mecanismos seguros e saudáveis, a idéia que se tem é de que a segurança é<br />
uma atividade à parte, desvinculada dos elementos que compõem o sistema<br />
produtivo.<br />
Conceber de forma dualística o mundo do trabalho demonstra claramente que<br />
existem duas situações distintas nas relações de trabalho: uma que consiste em<br />
apenas trabalhar; e outra, trabalhar com segurança. Reforça-se a idéia, portanto, de<br />
“trabalhar com segurança”, numa clara alusão do fato de que é possível trabalhar<br />
sem a mesma, e que, se pretendida a segurança, será necessária a implantação de<br />
medidas e<strong>sp</strong>ecíficas para garanti-la.<br />
Essa forma de pensar nos leva a concluir de que uma operação à ser<br />
efetivada implica procedimentos e<strong>sp</strong>ecíficos da atividade em apreço,<br />
complementados por mecanismos outros, garantidores da segurança dos<br />
trabalhadores.<br />
Nossa visão contradiz esse raciocínio, defendendo que a execução correta de<br />
uma determinada tarefa traz em si mesma o postulado da segurança. A insegurança,<br />
por conseguinte, é o pressuposto da realização de uma tarefa de forma irregular,<br />
incorreta, ou em desacordo com o que fora planejado. Nesse caso, o que deve ser<br />
observado e corrigido não é a insegurança explicitada na realização de uma dada<br />
atividade, mas a forma em si, com correção e/ou com adequação, uma vez que é<br />
dessa inadequação que surge, de maneira agravada, a condição de risco.<br />
Esse modo de pensar situa-nos diante da totalidade de operações existentes<br />
na empresa, das mais simples às mais complexas, das manuais às mecânicas.<br />
187
Insistir na separação entre trabalho seguro e trabalho correto é continuar conferindo<br />
ao trabalho duas dimensões distintas – uma de produção, outra de segurança – o<br />
que, além de não ser verdade, subtrai os verdadeiros re<strong>sp</strong>onsáveis pela segurança<br />
dos trabalhadores (gerentes, gestores, supervisores, facilitadores e líderes) não<br />
apenas a atribuição, mas, sobretudo o dever de fazê-la. A primeira dimensão diz<br />
re<strong>sp</strong>eito ao negócio, daí a atenção que lhe é dada; a segunda, ao trabalhador, que,<br />
se acometido por alguma doença ficar inválido ou morrer, tem a Previdência Social<br />
para zelar por ele e/ou seus dependentes. A empregadora, nada paga a mais, a não<br />
ser quando o trabalhador lesado apela para a lei comum para pleitear a reparação<br />
(indenização) pelo dano sofrido, o que também não é nada fácil.<br />
Conclui-se, portanto, que a gestão da segurança e saúde ocupacional não é<br />
tarefa e<strong>sp</strong>ecífica de um determinado setor da empresa – por sinal, desvinculado da<br />
produção, o SESMT – mas parte integrante do ato de gerenciar a produção ou o<br />
serviço; por conseguinte, deve compor as demais atribuições daqueles que criam e<br />
gerenciam as condições de trabalho. O paradoxo da dissociação da segurança no<br />
trabalho das atividades produtivas está no fato de quem cria os riscos no trabalho –<br />
gestor da produção – não se sentir re<strong>sp</strong>onsável pela sua correção. O<br />
questionamento que tal situação se impõe é, se o gestor di<strong>sp</strong>õe de poderes para<br />
criar ou manter uma condição de risco no trabalho, porque os mesmos poderes não<br />
servem para corrigir ou impedir o surgimento de novos riscos? A re<strong>sp</strong>osta a esse<br />
questionamento só poderá ser encontrada – para corrigir ou para manter a situação<br />
vigente – na correta aplicação da excelência de um sistema de gestão em segurança<br />
e saúde ocupacional adotado pela empresa.<br />
188
6.9 DIAGNÓSTICO EM RELAÇÃO ÀS AÇÕES DE SEGURANÇA E A SAÚDE<br />
OCUPACIONAL DESENVOLVIDAS NA EMPRESA X<br />
Como ilustração das dificuldades em lidar com as questões de segurança e<br />
saúde dos trabalhadores na empresa, a partir da visão dos Supervisores de Área,<br />
Chefes de Seção e Monitores de Produção retrato aqui o conteúdo extraído de<br />
pesquisas de clima periodicamente realizadas entre os diversos setores que<br />
compõem a unidade industrial ora referida.<br />
É possível ressaltar que os mesmos itens são abordados em diferentes<br />
épocas, e que os resultados obtidos, comparados a outros diagnósticos não tem<br />
sofrido alterações substanciais como se imaginava ter ocorrido, dada a constante<br />
capacitação referente a Segurança Ocupacional e motivação do grupo de<br />
supervisores havida durante o período da realização das pesquisas, somada ao<br />
aprimoramento de novos programas de qualidade voltados à produção da empresa.<br />
Levar em conta como referencia apenas itens das pesquisas que tiveram<br />
representatividade, relacionados a questões de Segurança e Saúde Ocupacional.<br />
Esclarecer e entender por Supervisores, Chefes e Monitores todos aqueles que, de<br />
uma maneira ou de outra, tem como atribuição facilitar o trabalho de outrem, como<br />
gerente técnico, encarregado e líder de equipes de trabalho ou seções. Os itens são<br />
os que seguem:<br />
189
6.9.1 O Conhecimento dos Gestores Acerca dos Riscos do Trabalho é Limitado, e<br />
em Algumas Circunstâncias, Inexistente.<br />
Considerando que as questões de segurança e saúde ocupacional foram<br />
tratadas durante anos por um setor e<strong>sp</strong>ecífico da empresa, desvinculado dos<br />
processos produtivos – o SESMT – os conhecimentos, as experiências e as<br />
informações (instrumentos tecnológicos) acerca do tema ficaram e são restritos ao<br />
domínio dos profissionais do setor. Portanto, não é de estranhar que a grande<br />
maioria dos gestores ou facilitadores e até mesmo os trabalhadores apresentem<br />
ainda dificuldades de compreender e de familiarizar-se com o conceito de risco, suas<br />
causas, seus impactos e os re<strong>sp</strong>ectivos mecanismos de controle, o que ficou patente<br />
em algumas situações reais que apresentamos a seguir.<br />
a) Profissionais terceirizados trabalhando em alturas, acima de 2,00<br />
(dois), metros (sobre telhados), sem proteção adequada e de controle ao risco,<br />
observados por supervisores em suas re<strong>sp</strong>ectivas áreas de trabalho, que nada<br />
fizeram para conter tal ação, não ser pelo fato de raras vezes realizar uma ligação<br />
telefônica para o pessoal componente do SESMT, a fim de avisar da referida<br />
situação.<br />
b) Trabalhadores da empresa não capacitados e nem habilitados para<br />
operar empilhadeiras, realizando tal atividade em horários que não haviam<br />
re<strong>sp</strong>onsáveis pelo setor de Segurança Ocupacional na empresa, porém, sob ordem<br />
dos facilitadores de produção, os quais permitiam tais fatos, em prol dos objetivos de<br />
produção à serem cumpridos.<br />
190
c) Trabalhadores - Operadores de Serras – desenvolvendo suas<br />
atividades em seus postos de trabalho, operando suas re<strong>sp</strong>ectivas máquinas sem as<br />
devidas proteções coletivas (sensores de presença), mesmo após informarem aos<br />
sues superiores de problemas ocorridos e que não mais permitiam que a referida<br />
proteção coletiva estivesse exercendo sua função que seria de não permitir que os<br />
discos de serras das máquinas fossem acionados, quando, a mão do operador<br />
estivesse no raio de ação da serra.<br />
Insistir constantemente na reflexão sobre as conseqüências danosas do<br />
dualismo entre trabalhar com segurança – trabalhar com qualidade. Se as questões<br />
de segurança não fossem vistas em separado do processo de trabalho, certamente<br />
situações como essas não ocorreriam, pois, definida a forma de executar a<br />
atividade, a segurança da mesma seria algo intrínseco ao processo como um todo.<br />
O facilitador (supervisor) certamente teria e terá informações precisas e completas<br />
sobre os processos, métodos e recursos di<strong>sp</strong>onibilizados para a efetiva execução do<br />
trabalho.<br />
Impõem-se, então, que a empresa desenvolva um maciço trabalho de levar<br />
aos facilitadores e se trabalhadores os conhecimentos e experiências necessários<br />
ao exercício pleno das atividades que lhe são destinadas, incluído nelas os itens de<br />
saúde e segurança ocupacional, com a mesma determinação de observá-los como o<br />
fazem em suas atividades rotineiras. E não somente cobrar resultados na prática da<br />
prevenção de acidentes, da mesma foram que é feito quando se trata da produção.<br />
191
6.9.2 Os Gestores Vacilam em Assumir o Compromisso de Administrar as Questões<br />
de SSO nas suas Áreas de Trabalho, Alegando não Saber que essa Atividade Faz<br />
Parte de Suas Atribuições<br />
Tomando-se como base o desempenho dos programas de SSO<br />
implementados na empresa, verifica-se que existe uma falta de evolução, aonde<br />
podemos perceber claramente dois estágios distintos, porém, que corroboram com a<br />
alta incidência de acidentes na empresa e conforme a maneira que eles são<br />
concebidos e conduzidos, se mantém estáveis os índices de acidentalidade. Esses<br />
estágios puderam ser compreendidos como:<br />
1. Primeiro estágio: quando a empresa atua nas conseqüências dos<br />
problemas. Apareceu um problema que compromete o sistema, a empresa, parcial<br />
ou totalmente, o corrige; apareceu outro, ela adota a mesma providencia, porém não<br />
investe na antecipação dos riscos. É o que se pode chamar de efeito “reativo”. Essa<br />
fase é denominada “administração por crise”. Crise por que não há mínimo de<br />
planejamento para o desencadeamento das ações de identificação e de controle dos<br />
riscos. Assim sendo, tudo o que se faz é acompanhado no sentido, cada vez maior,<br />
de urgência e de improvisações. Nada é feito para atender às demandas presentes,<br />
tudo é voltado para o atendimento precário dos problemas instalados e acumulados<br />
ao longo do tempo. E o pior: neste modelo de gestão estão ausentes os<br />
re<strong>sp</strong>onsáveis pela condução das ações de SSO para identificação e controle dos<br />
riscos. Quando os problemas se precipitam – ocorrência de acidentes, por exemplo<br />
– todos se dizem re<strong>sp</strong>onsáveis, mas ao mesmo tempo ninguém é re<strong>sp</strong>onsável. Não<br />
há definição clara de quem se encarrega e re<strong>sp</strong>onsabiliza por esta tarefa na<br />
empresa. Este é, por conseguinte, um modelo de “gestão” de SSO, orientado pelo<br />
192
faz-de-conta, pelo princípio que determina: “se finge que me obriga a fazer, finjo que<br />
faço”. Na mesma linha de raciocínio situam-se as cobranças. E tudo continua como<br />
antes.<br />
Ressaltamos que o desastre maior dessa forma de lidar com as questões da<br />
segurança e saúde do trabalhador da empresa, não esta no fato de ser ela, por si só,<br />
considerada um desastre, mas por ser, na atualidade, re<strong>sp</strong>onsável por mais da<br />
metade de todos os acidentes listados neste trabalho.<br />
2. Segundo estágio: é quando percebemos que existe uma dissociação<br />
das questões da segurança do trabalho dos processos produtivos, ou seja, pouco<br />
compromisso das gerencias (supervisores) produtivas com as questões de saúde e<br />
segurança dos trabalhadores. A segurança na empresa não é incorporada aos<br />
processos produtivos e é somente conduzida por um setor – SESMT – e que não<br />
di<strong>sp</strong>õem de poderes para intervir diretamente nos processos de trabalho, que<br />
enfrenta dificuldades não só de determinar papéis e atribuições para as gerencias<br />
operacionais, mas, principalmente de fazer essas gerencias cumprirem fielmente os<br />
seus papéis. Essa incumbência, na empresa ora estudada, esta a cargo do<br />
departamento de Recursos Humanos, portanto, podemos chamar esta fase de<br />
“gestão de segurança pelo SESMT”, ou seja a saúde e a segurança ocupacional não<br />
fazem parte da atividade corrente do negócio, portanto devem ser tratadas em<br />
separado, e por um organismo e<strong>sp</strong>ecifico, as vezes auxiliado pela CIPA.<br />
193
6.9.3 Os Gestores Que Lidam com os Riscos Podem Saber de sua Existência, mas<br />
não se Esforçam para Corrigi-los por que seu Superior (Gerente) não lhe dão Apoio<br />
Necessário para as Ações Corretivas.<br />
Essa situação foi vivenciada por nós na empresa “X”. Evidentemente, tal<br />
procedimento é sustentado pela filosofia de que de que segurança não é parte<br />
integrante do negócio da empresa, e que por isso pôde ser minimizada ou<br />
transferida para quem, sabidamente, não di<strong>sp</strong>õem para tomar as decisões<br />
necessárias em relação às medidas de controle.<br />
Essa dicotomia é piorada também por causa do modelo de seguro acidente<br />
de trabalho adotado no Brasil durante a vigência do referido estudo. O então modelo<br />
de SAT – Seguro de Acidente de Trabalho - (sob estudo de alteração breve) é<br />
aquele em que o Estado banca os benefícios acidentários sem questionar sua<br />
origem, ou seja, sem verificar se o acidente que gerou o beneficio foi ou não<br />
resultado da inobservância das normas legais vigentes, por parte do contratante do<br />
seguro. É óbvio que, num sistema de compra e venda de seguros de acidentes<br />
dessa natureza poucas foram as empresas que destinaram investimentos de monta<br />
pra a melhoria das condições de trabalho. Sem duvida, a re<strong>sp</strong>onsabilidade maior<br />
pela situação acidentária do País era do Estado, que não havia definido políticas<br />
consistentes para o setor, reconhecendo e premiando as empresas que tivessem<br />
investido na melhoria das condições de trabalho e punindo as que não fizessem,<br />
impondo-lhes alíquotas diferenciadas de seguro acidente. Ao dar a todos o mesmo<br />
tratamento, cobrando taxas unificadas de seguro e reparar toda sorte de danos sem<br />
questionar a suas origens, o Estado não poderia obter outro resultado senão que a<br />
194
maioria das empresas, preferisse relegar o item “segurança do trabalho” ao segundo<br />
plano na organização, administrando-o numa visão meramente legalista.<br />
6.9.4 As Situações de Risco são Mantidas porque a Existência das Mesmas não<br />
Atrapalham e, Caso Atrapalhassem não Impediam de se Realizar os Serviços<br />
Essa é uma situação apesar de comum e aparentemente banal, tendo em<br />
vista o exposto até aqui, mas extremamente importante que deve se considerada por<br />
algumas razões:<br />
1ª) É o retrato fiel do dualismo que marca a relação de trabalhar com<br />
segurança e trabalhar corretamente. Se as questões de segurança são postas de<br />
lado e não abordadas diretamente por chefias e trabalhadores que as vivenciam<br />
cotidianamente, simplesmente por que sua presença não atrapalha, e se atrapalham<br />
impede a execução das tarefas, fica claro o quanto elas são minimizadas e, por isso,<br />
desconsideradas nas relações de trabalho.<br />
2ª) Os trabalhadores ainda não estão totalmente conscientizados –<br />
e<strong>sp</strong>ecialmente as chefias – da necessidade de incluírem, em suas atribuições, a<br />
re<strong>sp</strong>onsabilidade pela segurança e saúde no trabalho, fato este, comumente<br />
vivenciado, pois não constatamos que algum gerente, por sua conta e risco, tenha<br />
resolvido definir o que fazer na empresa “X”, a não ser que suas decisões sejam<br />
vantajosas ao negócio que ele “ajuda” a pro<strong>sp</strong>erar, e mesmo assim é preciso<br />
convencer aos seus superiores da conveniência de tal procedimento. O que ele faz é<br />
pautado em regras nem sempre definidas por ele mesmo.<br />
O que a empresa produz vincula-se não apenas à sua marca, mas também à<br />
figura do Gerente Industrial. Assim, o que a empresa produz não deixa de refletir a<br />
195
imagem de que a gerencia quer. As coisas boas ou ruins produzidas pela empresa<br />
carregam indelevelmente a marca do Gerente Industrial, de seu dono ou<br />
empreendedor. E no tocante a segurança do trabalho não há nenhuma diferença. A<br />
empresa que ora estudamos e que permanece com as condições de risco<br />
administradas por um setor não ligado a produção é aquela que seus dirigentes<br />
assim o decidiram.<br />
6.9.5 A Exposição, por Longo Tempo, a uma Determinada Condição de Risco, sem o<br />
Devido Controle, Induzia os Trabalhadores a Enxergá-los Como Normal e Aceitável.<br />
“Ninguém conhece melhor sua atividade de trabalho e seu ambiente do que o<br />
próprio trabalhador”, através desta afirmação pode constatar outro grande dualismo<br />
na empresa ora estudada, pois, mesmo conhecendo e vivenciando seu ambiente de<br />
trabalho, o trabalhador parece estar “cego” às situações de risco, pois ter-se<br />
acostumado a uma situação errada, onde há exposição não controlada a uma<br />
situação, é fatal para a reflexão correta do problema, pois, no ato de pensar sobre o<br />
todo, essa variável não se faz presente, não é considerada e muito menos<br />
solucionada.<br />
Daí a importância da percepção dos riscos, seja por parte dos trabalhadores<br />
ou por que re<strong>sp</strong>onde pela sua segurança. Assim, a percepção do Gerente é a peça<br />
decisiva, visto ser ele quem di<strong>sp</strong>õe de poder para intervir no processo de modo a<br />
corrigir situações anômalas.<br />
Podemos concluir que é necessário o surgimento de novas situações<br />
renovadoras, a fim de, perceber e agir, ao alcance das pessoas envolvidas com a<br />
situação acima descrita. Ao se afirmar que uma situação esta errada, é necessário<br />
196
mostrar e comprovar o que é correto. Sem isso a afirmação torna-se de pouca ou<br />
nenhuma serventia. Notificar uma situação errada, como em muitas situações até<br />
foram observadas, sem apontar a solução adequada torna-se uma exercício inócuo,<br />
e<strong>sp</strong>ecialmente em relação à mudança de atitudes por parte de quem está envolvido<br />
com os processos de trabalho.<br />
Esse questionamento é por demais importante no exercício da prevenção de<br />
acidentes, tendo em vista a quantidade de acidentes ora estudados e decorrentes de<br />
exposições à condições de riscos conhecidas pelos trabalhadores, mas nem por isso<br />
reivindicam e/ou exigem sua correção.<br />
6.9.6 As Situações de Risco são Mantidas porque todas as Preocupações e<br />
Recursos são Voltados Prioritariamente para o Atendimento as Finalidades do<br />
Negócio<br />
De todos os itens abordados, esse foi o que mais se sobressaiu no elenco de<br />
“razões” apresentadas pelos supervisores/facilitadores para justificar a não<br />
implementação das medidas de controle propostas. A maioria dos supervisores<br />
alegava não di<strong>sp</strong>or de tempo para se dedicarem à correção de anomalias existentes<br />
nos ambientes e que possíveis intervenções nas condições de trabalho,<br />
prejudicariam por demais a produção. Isso novamente nos remonta aos comentários<br />
anteriormente formulados sobre o dualismo “trabalhar com segurança e trabalhar<br />
corretamente”. Ora, se consideramos que segurança no trabalho é parte intrínseca<br />
da realização correta de determinada tarefa, e que o acidente é evitável a partir do<br />
ato de trabalhar com correção, não se pode aceitar a alegação de “falta de tempo”<br />
para o devido equacionamento das condições de trabalho. Como não haver tempo<br />
197
para organizar, realizar, acompanhar e avaliar corretamente o trabalho? Nas<br />
situações que tivemos a oportunidade de acompanhar pessoalmente não foi possível<br />
estabelecer a relação entre a falta de tempo e a não correção do que ali seria<br />
necessário. O constatado não foi “falta de tempo” e sim falta de um compromisso<br />
caracterizado pela vontade de fazer e pela ausência de cobrança da parte de que<br />
tem o poder para decidir sobre o ato de fazer. Com isso cada vez mais acreditamos<br />
que a segurança do trabalho só existe, de fato, onde quem tem o poder assim o<br />
determina. Segurança não é uma questão de bom senso, mas uma questão de<br />
poder.<br />
6.9.7 As Situações de Risco são Mantidas Devido à Descrença das Pessoas com<br />
elas Envolvidas, por Falta de Re<strong>sp</strong>ostas as Inúmeras Solicitações para sua Correção<br />
A descontinuidade de ações para com a segurança leva muitos trabalhadores<br />
não crerem mais em atitudes seguras, em função de tantas vezes terem vivenciado<br />
promessas de melhorias, porém, não concluídas. Acrescentando ainda que as<br />
recomendações sejam raramente solicitadas por trabalhadores, pois os mesmos são<br />
pouco ouvidos. Se, de um lado, a segurança/saúde já é vista como desvinculada do<br />
processo de trabalho, ou um apêndice do mesmo, já que atinge em primeira mão o<br />
trabalhador e somente depois o sistema produtivo, a ausência de re<strong>sp</strong>ostas às<br />
manifestações de apreço, e<strong>sp</strong>ecialmente dos trabalhadores, termina<br />
comprometendo o sistema como um todo.<br />
Esse raciocínio é tão relevante para a proficiência de todo o nosso trabalho,<br />
que nos leva a formular um convite para melhor reflexão sobre o tema através de<br />
situações como a que descreveremos abaixo e por muitas vezes vivenciada: Um<br />
chefe de turno sugere ao Supervisor de Área uma série de alterações julgadas<br />
198
necessárias e viáveis para uma dada situação, em beneficio das melhorias das<br />
condições de trabalho, da produtividade, do conforto e bem-estar ou da saúde dos<br />
colaboradores da empresa. Se não encontra eco nem re<strong>sp</strong>osta de qualquer natureza<br />
às suas cogitações bem-intencionadas, que tipo de atitude é a mais provável que ele<br />
vá assumir? Repetiria o mesmo gesto indefinidamente, e com a mesma solicitude,<br />
ou veria esvaírem-se suas intenções a médio ou longo prazo e dificilmente voltaria a<br />
elas?<br />
6.10 Impressões dos Trabalhadores Sobre o que Pensam e o que Fazem em<br />
Relação à Segurança e Saúde no Trabalho<br />
Enumeramos abaixo, algumas considerações extraídas do conteúdo de<br />
re<strong>sp</strong>ostas constantes em pesquisas de clima elaboradas pela referida empresa. As<br />
impressões são as que seguem:<br />
1. A Segurança no Trabalho, na pratica, só adquire importância nos<br />
momento de crises (quando ocorrem acidentes graves que podem comprometer<br />
principalmente a imagem da empresa).<br />
2. O fosso que separa o discurso (SSO como valor) da prática (o que<br />
efetivamente é feito) constitui o mais importante obstáculo no desenvolvimento das<br />
ações de SSO na empresa.<br />
3. O trabalhador sabe o que é mais importante para a empresa não é<br />
como o trabalho esta sendo executado, mas o resultado dele advindo (a produção).<br />
4. O trabalhador não é cobrado pela maneira como esta trabalhando, mas<br />
pelo resultado do trabalho realizado. De tal postura resulta o fato de os supervisores<br />
199
não verem ou fingirem que não estão vendo o cometimento de “erros” –<br />
desobediência aos procedimentos – na execução da tarefa.<br />
5. O trabalhador, às vezes, prefere, de maneira silenciosa, correr o risco<br />
oferecido pela atividade a correr o risco de ser mal entendido ou censurado pela<br />
chefia em caso de reclamação ou recusa ao trabalho.<br />
6. É consenso entre trabalhadores e supervisores que, se o risco de uma<br />
determinada tarefa é considerado leve ou moderado é preferível se expor a ele para<br />
ganhar tempo na execução da tarefa do que fazer como está prescrito, gastando-se<br />
mais tempo na sua execução.<br />
7. O trabalhador, embora sabendo (está escrito nos procedimentos) que<br />
pode recusar-se a executar uma tarefa perigosa, sem a proteção devida, prefere<br />
executá-la em desobediência às normas, pelo fato de não ter certeza de qual seria a<br />
reação da sua chefia face à sua recusa.<br />
8. A avaliação inadequada do risco (minimizar ou exagerar) dificulta<br />
tomada de decisões corretas em relação ao seu controle, principalmente por parte<br />
das chefias.<br />
9. Por não ser a segurança parte integrante das atividades produtivas,<br />
quem cria ou mantém a situação de risco (chefes de turno), não se sentem<br />
inteiramente re<strong>sp</strong>onsáveis por sua correção.<br />
10. Por ser a produção prioritária, os re<strong>sp</strong>onsáveis por ela estão sempre<br />
alegando não di<strong>sp</strong>or de recursos para a correção das situações de risco, ainda que o<br />
recurso seja apenas o comprometimento.<br />
11. A segurança do trabalho é exigida pela chefia, desde que não interfira<br />
nos cronogramas de produção.<br />
200
12. Um número considerável de situações de riscos poderia ser resolvida<br />
se houvesse, por parte das chefias, interesse e comprometimento em resolvê-la.<br />
13. Uma dificuldade importante e vivenciada, no enfrentamento dos riscos<br />
do trabalho, por parte do trabalhador, está nas freqüentes mudanças de funções,<br />
para o atendimento às demandas de trabalho, produção, da fadiga resultante da<br />
sobrecarga de trabalho e dos altos índices de absenteísmo causados pelos índices<br />
de doença e acidentes de trabalho vivenciados na empresa “X”.<br />
A definição de fatores culturais como obstáculo ao avanço das questões de<br />
saúde e segurança ocupacional na empresa “X”, constitui problema não apenas nos<br />
referidos ambientes ora estudados, mas sim no nível de Brasil e até mesmo em<br />
economias altamente desenvolvidas, pois, o problema existe e se manifesta, em<br />
alguns pontos, de maneira bem parecida como o que ocorre no Brasil e em outros<br />
países em desenvolvimento.<br />
Como exemplo, apresentamos uma relação de quinze itens elaborada por<br />
Almeida (1996), através da qual o é possível fazer uma comparação e elaborar<br />
conclusões.<br />
segurança);<br />
1. Limitação de recursos para a remoção dos perigos;<br />
2. Ultrapassagem dos limites das tarefas ou atribuições dos profissionais;<br />
3. Aceitação dos perigos como inevitáveis;<br />
4. Influencia do clima social;<br />
5. Tradição na indústria;<br />
6. Falta de competência técnica para a remoção dos perigos;<br />
7. Incompatibilidade de demandas (produção, custos, qualidade, versus<br />
8. Dependência do trabalhador como se apresenta;<br />
201
9. Falta de autoridade para resolver os problemas;<br />
10. Situações contingentes;<br />
11. Gestão ou gerenciamento de fatores do sistema de segurança;<br />
12. Sobrecarga de tarefa;<br />
13. Práticas, políticas e regras das empresas;<br />
14. Falta de informação (quebra de comunicação);<br />
15. Inexistência de obrigação legal.<br />
Fazendo uma comparação entre os itens levantados neste trabalho e os itens<br />
levantados pelos dois pesquisadores holandeses, verificamos que há uma enorme<br />
semelhança entre alguns deles. A justificativa da falta de recursos para resolver<br />
problemas pertinentes à segurança não está propriamente relacionada à falta, em si,<br />
de recursos, mas a importância que se dá ao seu emprego. Hale e Glendon (1987),<br />
verificaram que a alegação de falta de recursos para corrigir situações de risco no<br />
trabalho não procedia apenas das médias e pequenas empresas holandesas, mas<br />
também das grandes, incluindo as estatais. E mais, que o fenômeno não se<br />
verificava apenas na Holanda, mas em todos os países da União Européia por eles<br />
visitados. Outro item da listagem holandesa que nos chamou atenção foi o que se<br />
refere à falta de autoridade para decidir sobre a intervenção no ambiente de<br />
trabalho, isto é, na correção dos riscos. Hale e Glendon não definem de quem é a<br />
falta de poder para intervir nas condições de trabalho, se dos trabalhadores ou dos<br />
gerentes das áreas de riscos. Outro fator importante não esclarecido pelos dois<br />
autores é o que se refere aos a<strong>sp</strong>ectos de gerenciamento da segurança do trabalho.<br />
Como ele é feito, se separado dos processos produtivos, como é o caso na empresa<br />
“X”, ou se integrado e de re<strong>sp</strong>onsabilidade das chefias das áreas.<br />
202
Em função do que foi visto até aqui, acreditamos que podemos afirmar, sem<br />
receio de cometer injustiça, que o juízo que os trabalhadores fazem dos a<strong>sp</strong>ectos de<br />
sua segurança e saúde no trabalho está intimamente relacionado aos conteúdos e<br />
maturidade dos programas de segurança ocupacional desenvolvidos na empresa<br />
onde eles exercem suas atividades.<br />
As experiências têm demonstrado que a participação dos trabalhadores nos<br />
programas de SSO está intimamente vinculada a maturidade da empresa<br />
relacionada com o tema e principalmente ao conjunto de ações que ela desenvolve,<br />
e<strong>sp</strong>ecialmente na área de educação (capacitação), para incorporá-los nos seus<br />
programas. No presente estudo, percebemos que os programas de segurança são<br />
desvinculados das atividades produtivas, organizados e implementados pela equipe<br />
de segurança, o SESMT – é comum então os trabalhadores associarem as ações de<br />
segurança do trabalho com aquilo que eles vivenciam no cotidiano, como, por<br />
exemplo, uso dos equipamentos de proteção individual – EPI, realização de exames<br />
médicos, principalmente os periódicos. Além das atividades da CIPA – Comissão<br />
Interna de Prevenção de Acidentes que também são de seu conhecimento. Num<br />
ambiente dessa natureza dificilmente os trabalhadores associam as ações de<br />
segurança à promoção da qualidade de vida ou algo que possa melhorar o<br />
relacionamento deles com o próprio trabalho. Diferentemente do que ocorre aqui,<br />
nas empresas onde os programas de segurança ocupacional são abordados como<br />
parte integrante dos processos produtivos, onde as ações de segurança são<br />
concebidas e implementadas como parte integrante do próprio negócio da empresa.<br />
A importância da adoção de programas dessa natureza, dentre outras<br />
vantagens, esta no ganho da não necessidade do desenvolvimento de ações em<br />
duplicidade para abordar o mesmo conteúdo (que são os a<strong>sp</strong>ectos produtivos); sem<br />
203
contar com a vantagem maior que é a possibilidade de convencer os trabalhadores<br />
de que para fazer segurança não precisam desenvolver ações e<strong>sp</strong>ecificas para isso,<br />
bastando incluir essa preocupação nos procedimentos de trabalho e transformá-la<br />
em ações concretas que possam ser constantemente avaliadas e quantificadas.<br />
6.11 Do Gerenciamento da Segurança e Saúde Ocupacional - SSO<br />
Indaguemos de inicio: o que se entende comumente por administrar ou,<br />
melhor dizendo, gerenciar? Se nos apoiarmos nas teorias existentes de<br />
administração, iremos encontrar uma variedade de re<strong>sp</strong>osta que, fundamentadas<br />
nas diversas correntes de pensamento, em ultima análise, podem ser condensadas<br />
na expressão “fazer acontecer” (algo ou o objetivo que se tem em mente).<br />
Se administrar é “fazer acontecer”, impõe-se a necessidade de se<br />
complementar a questão: fazer o quê, fazer onde, fazer como, fazer quando e fazer<br />
por quê? E e<strong>sp</strong>ecialmente, fazer através de QUEM?<br />
Dessa forma, percebe-se que o ato de administrar coloca o indivíduo-<br />
administrador, ou assim entendido, diante de uma determinada “situação-problema”,<br />
que, embora e<strong>sp</strong>ecífica e distinta, apresenta na sua essência três vertentes<br />
diferentes, embora forme, na sua dinâmica, um todo integrado.<br />
Essa situação poderia ser representada por um triangulo, em que em um dos<br />
vértices seria ocupado pelo problema (cenário de risco) em apreço; o outro, pelo<br />
complexo de informações técnico-gerenciais capazes de facilitar a resolução do<br />
problema (solução dos riscos) , ou seja, pelas variáveis de possíveis soluções; e o<br />
ultimo, pela governabilidade (poder para implementar a solução dos<br />
204
problemas), isto é, pela fração de poder que o administrador di<strong>sp</strong>õe para intervir e<br />
implementar sua solução ou criar novos problemas.<br />
Voltando ao primeiro vértice do nosso triangulo, que se refere ao problema a<br />
ser resolvido, foi possível perceber na empresa “X”, que não basta se deparar com o<br />
mesmo e propor uma solução imediata. É necessário que se caminhe na direção de<br />
suas verdadeiras causas, definindo sua natureza, de onde procedem, suas diversas<br />
conexões e como se manifestam.<br />
É importante ressaltar que todo o problema instalado na empresa é resultante<br />
de decisões prévias (pensar e agir) oriundas de reflexões e comparações feitas num<br />
dado momento, numa dada realidade. Em se tratando de situações relacionadas ao<br />
ambiente, às condições e às organizações do trabalho, nada ocorre ao acaso: tudo é<br />
fruto de decisões de quem está envolvido na questão, fazendo ou deixando de fazer.<br />
Se considerarmos o ato de pensar na sua relação com o ato de fazer, e<br />
compreendermos que toda situação materializada (proteções, sensores, guarda-<br />
corpos, uso indiscriminado de produtos químicos, erros na utilização de<br />
equipamentos coletivos e individuais de proteção) é resultante desta relação<br />
pensar/agir, perceberemos a importância da governabilidade tanto para decidir o que<br />
fazer numa dada situação, como para buscar, com determinação as verdadeiras<br />
causas geradoras dos problemas vigentes. Ressaltando que agir sem conhecer, às<br />
vezes, é pior do que agir sem plena noção do que fazer e de que resultado se<br />
pretende obter. Se o mais importante na tarefa de prevenir acidentes é não deixar de<br />
fazer o que precisa ser feito, se não se conhece o que precisa ser feito é como se<br />
nada existisse. É como se o ambiente de trabalho fosse totalmente de<strong>sp</strong>rovido de<br />
perigos e riscos.<br />
205
A governabilidade, portanto, é um fator decisivo no processo de gestão das<br />
condições de trabalho, porque através dela o gestor (supervisor) juntamente com os<br />
colaboradores teriam a oportunidade de levantar os problemas existentes num<br />
ambiente, definir suas causas objetivas e aprofundar no terreno das causas<br />
subjetivas – aquelas que passam pelo campo do pensar, do refletir e do estabelecer<br />
correlações entre as diversas variáveis para então agir eficazmente na definição da<br />
tomada de medias corretivas.<br />
Quando, se porventura, se criar na empresa um e<strong>sp</strong>aço facilitador para tratar<br />
dos problemas existentes, e<strong>sp</strong>ecialmente dos riscos do trabalho, nas suas<br />
dimensões de efeitos e causas destas ultimas – as suas vertentes já mencionadas –<br />
será possível melhorar, de forma considerável, a visão dos problemas na sua<br />
verdadeira essência e dar-lhes soluções adequadas, isto é, aquelas que solucionem<br />
os problemas e que efetivamente possam ser implementadas pela empresa. É assim<br />
que a cultura instalada deixará de ser um entrave ao tratamento adequado das<br />
questões pára tornar-se ponto de partida para a transformação cultural necessária<br />
ao efetivo gerenciamento integrado da segurança, da qualidade e do meio ambiente<br />
ocupacional.<br />
Caso o supervisor (gestor) se deparar com uma situação/problema, que ele<br />
conheça toda a sua plenitude, definindo causas e vislumbrando efeitos, e di<strong>sp</strong>ondo<br />
de conhecimentos técnico-gerenciais de resolução, mas não fazendo por falta de<br />
poder decisório, por não estar no rol de suas atribuições, ainda assim deve restar-lhe<br />
governabilidade suficiente para construir hipóteses de soluções, relacionar recursos<br />
e procedimentos que possibilitem o encaminhamento do assunto a quem di<strong>sp</strong>õem<br />
de poder para decidir, reservando-se a prerrogativa de cobrar uma solução, agora<br />
com pleno conhecimento de causa. Oferecer soluções e não apenas apontar<br />
206
problemas, como normalmente acontece nas empresas quando o assunto é<br />
segurança no trabalho. Essa é a maneira mais adequada para que se ganhe<br />
governabilidade necessária ao enfrentamento dos problemas. Quando falamos de<br />
governabilidade, falamos de poder; e nas organizações modernas o verdadeiro<br />
poder é aquele que deriva do argumento sólido, da consistência da verdade e do<br />
beneficio que ela poderá gerar tanto para as pessoas quanto para a organização.<br />
Do exposto acima, podemos compreender o porquê que o modelo de gestão<br />
da segurança e saúde ocupacional existente na empresa ora estudada, que por sua<br />
vez, é totalmente dissociado dos processos produtivos, e conduzido pelos técnicos<br />
e<strong>sp</strong>ecializados em segurança e saúde ocupacional, funciona precariamente,<br />
produzindo, em conseqüência disso, resultados muito aquém do e<strong>sp</strong>erado, melhor<br />
dizendo, do necessário. Razões é que não faltam para justificar o baixo desempenho<br />
do atual modelo de gestão de SSO em voga na empresa “X”. De um lado, é o<br />
Gerente/Supervisor da produção que gera e mantém os riscos do trabalho,<br />
eximindo-se, de todas as maneiras possíveis, de assumir, de fato, a<br />
re<strong>sp</strong>onsabilidade de promover a segurança de seus trabalhadores; de outro, são os<br />
componentes do SESMT, engenheiro, técnicos de segurança a insistir, mas, de<br />
prático, pouco fazendo, porque não di<strong>sp</strong>õem de poder para intervir nos processos de<br />
trabalho com a devida imposição. E ainda que lhes fosse conferido o poder<br />
necessário, o modelo de gestão de SSO em voga, não ajudaria nessa empreitada,<br />
sem criar os transtornos resultantes da duplicidade de comandos.<br />
Aproveitamos o ensejo para lembrar que ao tratarmos de governabilidade<br />
estamos tratando da di<strong>sp</strong>onibilidade de poder para decidir, justamente o que não é<br />
conferido ao trabalhador para decidir sobre a adulteração de uma condição de<br />
trabalho. Se o trabalhador assim se comporta é porque alguém, se não o mandou,<br />
207
não fechou suficientemente os e<strong>sp</strong>aços facilitadores de postura dessa natureza. No<br />
nosso entendimento, o comportamento correto e/ou incorreto do trabalhador é<br />
determinado pelo conjunto de variáveis que envolvem a organização do trabalho,<br />
mas também e principalmente pelos e<strong>sp</strong>aços surgidos em decorrência do exercício<br />
do poder na gestão daquilo que esteja sendo realizado. É pouco provável que um<br />
trabalhador, suficientemente preparado para trabalhar em uma atividade normal,<br />
num ambiente em que as condições de trabalho sejam compatíveis com as<br />
determinações normativas do trabalho, viole um procedimento de trabalho<br />
simplesmente por que acredita que essa seja a melhor maneira de alcançar o<br />
objetivo pretendido, ou seja, a tarefa concluída. Se ele não detém poder para tal,<br />
assim se comporta, certamente é porque encontrou ambiente favorável para agir<br />
desta forma. Os diagnósticos de avaliação da cultura da empresa “X”, não deixam<br />
duvida quanto ao que acabamos de expor. O que falta aos programas de SSO, ora<br />
em curso na empresa estudada, não é ferramenta técnica, isso eles têm, e de boa<br />
qualidade, o que lhes falta é ferramenta gerencial. O que notamos é a falta de<br />
orientação administrativa de como os programas devam funcionar e o que<br />
certamente ocorreria, caso não funcionasse a contento. Não devemos nos esquecer<br />
que a administração da produção funciona, e na maioria das vezes, a contento,<br />
porque di<strong>sp</strong>õe e usa, sem cerimônia, desses recursos.<br />
208
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
Neste capítulo são apresentadas às considerações finais deste trabalho no<br />
que diz re<strong>sp</strong>eito ao desenvolvimento do trabalho, as contribuições cientificas, às<br />
per<strong>sp</strong>ectivas de continuidade e às recomendações para trabalhos futuros.<br />
A sistematização e análise do programa de prevenção de acidentes do<br />
trabalho que vem sendo desenvolvido na indústria madeireira X permitiu diagnosticar<br />
a situação existente. Foi possível, através do banco de dados existente no presente<br />
estudo, conhecer os tipos de acidentes mais freqüentes, identificar os índices de<br />
gravidade, dias de afastamento, locais de risco, horários e populações por turnos de<br />
trabalho com a presença de maior risco e índices de ocorrência. A existência de<br />
uma fonte sistematizada de dados sobre os acidentes de trabalho ocorridos na<br />
indústria madeireira propicia a reflexão sobre o acidente de trabalho e possibilita o<br />
estabelecimento de parâmetros locais e regionais bem como de medidas para<br />
solucionar e/ou minimizar os riscos a que os trabalhadores estão expostos.<br />
A leitura desses dados mostra a urgência de políticas de gestão voltadas<br />
exclusivamente para esta problemática, reunindo esforços de profissionais de<br />
diferentes áreas de conhecimento. O programa de prevenção de acidentes pode ser<br />
considerado um programa de promoção da saúde, uma vez que pode reunir diversos<br />
setores e atividades da empresa X, para identificar mecanismos e<br />
consequentemente diminuir o impacto negativo destas ocorrências, minimizando<br />
assim incidência e a gravidade dos acidentes.<br />
Para fazer face aos problemas de segurança do trabalho identificados, na<br />
empresa “X”, é preciso organizar um conjunto de ações, denominado re<strong>sp</strong>osta<br />
organizacional, que deve possuir as seguintes características:<br />
209
• envolvimento efetivo do trabalhador, incentivado por meio de<br />
treinamento do grupo em habilidades para resolução de problemas;<br />
• um forte líder de projeto, com re<strong>sp</strong>onsabilidade e autonomia;<br />
• flexibilidade organizacional, ou seja, abertura à exploração das causas<br />
dos problemas e à adoção de correções, mesmo quando estas impliquem ques-<br />
tionamento de decisões estratégicas;<br />
• consistência entre ações e metas estabelecidas pela organização;<br />
• comprometimento dos recursos com a re<strong>sp</strong>osta;<br />
• melhorar o conhecimento acerca da tarefa;<br />
• aumentar as possibilidades de antecipação de problemas,<br />
determinando as variáveis essenciais para o operador, dando-lhe informações sobre<br />
a evolução do processo, alargando o seu campo de controle e melhorando os<br />
di<strong>sp</strong>ositivos de aviso acerca dos momentos em que as variáveis críticas afastam-se<br />
da zona de segurança;<br />
• melhorar a percepção e o diagnóstico de erros concebendo sistemas<br />
tolerantes a erros e garantindo acesso a informações acerca dos estados<br />
intermediários do sistema antes do estado final em que pode manifestar-se o erro;<br />
• estabilizar as condições de funcionamento do sistema;<br />
• eliminar a atribuição de culpa ao autor do erro, de modo a diminuir<br />
dificuldades que podem surgir no trabalho daqueles que se dedicam à identificação<br />
de erros ocorridos;<br />
• a introdução de sistemas de ajuda à tomada de decisões,<br />
genericamente denominadas próteses cognitivas, capazes de ajudar o operador em<br />
seus pontos "fracos", incluindo di<strong>sp</strong>ositivos técnicos de aviso à população, melhorias<br />
de treinamento e suportes informatizados;<br />
210
manutenção;<br />
• a inclusão de di<strong>sp</strong>ositivos de ajuda à memória de pessoal de<br />
• a incorporação, no sistema sócio-técnico, de defesas voltadas para a<br />
recuperação dos erros já ocorridos, dentre as quais cita o envolvimento de coletivos<br />
de trabalho, regulamentações, procedimentos, organização, gerenciamento e, enfim,<br />
da técnica.<br />
Podemos considerar que o conjunto de todas essas defesas é que irá conferir<br />
a organização um melhor desempenho e seu nível de segurança global,<br />
acrescentando ainda o pensamento sistêmico de não privar o operador de suas<br />
defesas naturais e não contrariá-Ias, além deixar o operador regular seu<br />
compromisso deixando-lhe o controle da situação e dos riscos a correr, favorecendo<br />
a visibilidade de suas próprias ações e das ações do sistema, para que ele regule<br />
eficazmente os riscos que corre e suas defesas e de modo coerente.<br />
O desenvolvimento das conclusões acima citadas partiu da reflexão dos<br />
casos registrados de acidentes de trabalho. São considerações que dependendo a<br />
forma de análise será de grande contribuição para a identificação dos fatores que<br />
possam estar levando à ocorrência de acidentes e gerenciamento de riscos. Este<br />
mecanismo também pode auxiliar tanto nos estudos na área de segurança e saúde<br />
do trabalhador, como os gestores re<strong>sp</strong>onsáveis pela prevenção. A identificação de<br />
a<strong>sp</strong>ectos a serem investigados possibilita a definição de ações a serem adotadas<br />
visando à fiscalização, prevenção de novos acidentes e causas de doenças<br />
ocupacionais.<br />
A partir dos dados levantados passamos a refletir e levantar considerações<br />
importantes como da necessidade de investir constantemente nos estudos e<br />
211
eflexões sobre o processo de redução de acidentes, redução de custos, buscando<br />
maior envolvimento, integração e comprometimento dos gestores.<br />
É necessário um sistema de gestão integrado que que deve também levar em<br />
conta que a segurança ocupacional é um beneficio e por meio do desenvolvimento<br />
de vários processos de segurança ocupacional, baseados em conhecimentos de<br />
engenharia, de processos de trabalho e de gestão de pessoas, poderá se alcançar o<br />
êxito em segurança de seus colaboradores.<br />
Estudar e definir quais as atividades e/ou tarefas que, em relação à SSO –<br />
Segurança e Saúde Ocupacional necessitem, verdadeiramente, de procedimento<br />
escrito (normas) para sua execução. Foi possível, por meio de entrevistas, através<br />
do modelo de investigação de acidentes em anexo, com mais de oitocentos<br />
trabalhadores, que uma quantidade enorme de ações em SSO são deliberadamente<br />
descumpridas porque são consideradas desnecessárias por quem esta incumbido<br />
de cumpri-las. Acreditamos que o caminho mais curto para resolver este impasse é a<br />
definição, com absoluto critério, do que deva ser padronizado.<br />
Não devemos nos esquecer que os padrões de trabalho devem ser vistos e<br />
tratados como uma garantia de controle e não como uma mera formalidade. O<br />
descumprimento de padrões de trabalho, independente da razão, além de outros<br />
prejuízos que acarretam ao sistema produtivo, constitui-se na mais poderosa arma<br />
de corrosão e depreciação de qualquer sistema organizacional.<br />
A exploração de relações ou interações entre fatores de acidentes também é<br />
citada como característica de técnicas ou formas assumidas em investigação de<br />
acidentes. Partindo dessa característica, das duas formas que essas investigações<br />
podem assumir, identifica-se a primeira delas como a forma utilizada até então pela<br />
empresa em estudo. Isto significa a exploração dos múltiplos fatores na forma de<br />
212
uma lista, sem qualquer preocupação com a exploração de relações ou interações<br />
entre eles. Avança-se sobre uma segunda que explora o método da busca das<br />
“causas das causas”, procurando desenvolver a investigação até o esgotamento das<br />
informações possíveis com os recursos di<strong>sp</strong>oníveis na empresa. Isso representa o<br />
esclarecimento de a<strong>sp</strong>ectos considerados importantes na gênese do acidente. A<br />
busca dos pontos falhos do processo de trabalho, até o momento em que se<br />
considere que já estão evidenciados fatores suficientes para embasar a adoção de<br />
decisões relativas à prevenção de acidentes assemelhados ao analisado. Nessa<br />
abordagem, a busca de fatores baseia-se na interação por eles assumida na origem<br />
do acidente.<br />
Avanços no estudo dos a<strong>sp</strong>ectos ambientais, tecnológicos, legais e<br />
organizacionais vêm sendo perseguidos constantemente de forma significativa no<br />
Brasil e no mundo. Mesmo assim, os acidentes ainda acontecem e isso faz com que<br />
os prevencionistas olhem com mais atenção, principalmente, nos últimos anos para<br />
os fatores relacionados a fatores humanos que até então, tinham sido pouco<br />
tratados nas práticas e programas. Considerado como algo complexo e de grande<br />
variabilidade, tem sido visto como uma incógnita nas discussões a re<strong>sp</strong>eito de<br />
Sistemas de Gestão de SST.<br />
Apoiado na noção de cultura de segurança, do modelo B.B.S Behavior Based<br />
Safety ou a Segurança Baseada no Comportamento colocou-se algumas questões:<br />
Como educar as pessoas? Como comprometê-las com o processo? Como melhorar<br />
o controle dos riscos? Como motivar para a prevenção?<br />
Algumas re<strong>sp</strong>ostas podem ser dadas e justificadas em função de<br />
procedimentos que atualmente a empresa “X” já aplica em suas rotinas diárias, entre<br />
elas: a) busca incessante pela disseminação sem discriminação dos procedimentos<br />
213
operacionais e de forma clara e acessível; b) indicação de re<strong>sp</strong>onsáveis por ações<br />
previamente definidas; c) pleno envolvimento de todos os colaboradores nas<br />
tomadas de decisões; d) busca incessante por melhores atitudes dos colaboradores,<br />
avaliadas por equipes interdisciplinares; e) intensa capacitação dos colaboradores<br />
focadas na ampliação do conhecimento, no desenvolvimento de novas habilidades,<br />
na motivação individual e motivação das equipes (setores) e no autoconhecimento<br />
(personalidade) de cada membro da equipe de colaboradores. f) concentração nas<br />
pessoas não nos processos adaptando os processos ao homem; g) abordagem<br />
holística na solução de problemas – uso constante de uma visão sistêmica sobre<br />
eventos indesejáveis que ainda ocorrem na organização; h) estímulo à comunicação<br />
aberta (compromisso com a verdade); i) trabalho em equipe – união dos<br />
colaboradores na busca dos indicadores previamente estabelecidos, independente<br />
dos resultados e j) a constante busca da consciência das vulnerabilidades das<br />
lideranças, permitindo a abertura às mudanças.<br />
A empresa tem pleno conhecimento que é preciso avançar nesse<br />
entendimento. Para os processos de gestão é necessário desenvolver<br />
conhecimentos associando, conhecimentos técnicos, operacionais, com os<br />
conhecimentos sobre gestão de pessoas, para o cotidiano das organizações de<br />
trabalho. È necessário um trabalho constante sobre as lideranças e subordinados,<br />
sobre os comportamentos sistêmicos de cada parte interessada pela busca da<br />
prevenção. O estudo sobre o erro humano na ocorrência de acidentes de trabalho<br />
necessita levar em conta as condições de trabalho, o ambiente de trabalho e a<br />
localização dos erros no processo de trabalho. Não se pode analisar as atitudes e as<br />
reações dos indivíduos em ambiente de trabalho sem considerar a situação total, o<br />
envolvimento de todos a situações ou eventos a que eles estão expostos, todas as<br />
214
inter-relações entre as diferentes variáveis, incluindo o meio, o grupo de trabalho e a<br />
própria organização como um todo, conscientes da avaliação continua deste<br />
processo e dos resultados obtidos. Consideramos que a gestão comportamental é a<br />
força propulsora de formação da cultura de segurança total e posteriormente de sua<br />
consolidação iniciando de forma individual e instantaneamente passando ao<br />
coletivo.<br />
Vale também considerar que como os trabalhadores sempre vão além de<br />
suas “obrigações” para identificar condições de risco é preciso compreender o<br />
entendimento dos trabalhadores sobre seu processo de trabalho e, intervir, para<br />
correção.<br />
A de gestão da saúde e segurança nos ambientes de trabalho pode ser vista<br />
como expressão da qualidade da relação do indivíduo com o meio social que o<br />
cerca, com os companheiros de trabalho e com a organização. Isso leva a indicar a<br />
necessidade de melhor compreender o processo de trabalho bem como as atitudes<br />
diante do trabalho bem como as inúmeras e simultâneas influências, portanto não<br />
pode ser observado de maneira linear e simplista, sob pena de reducionismo dos<br />
acidentes.<br />
Podemos considerar que o desafio do gestor nas organizações deve ser<br />
baseado na produção com segurança e desenvolver uma Cultura de Segurança<br />
dentro de uma organização, onde todos se sintam re<strong>sp</strong>onsáveis pela segurança e a<br />
busquem a todo o momento. Nesse sentido, cada um dos envolvidos, desde os<br />
trabalhadores, supervisores, média gerência e alta direção são envolvidos nos erros<br />
e acidentes. Um acidente não ocorre por erro de apenas um fator, mas um conjunto<br />
de fatores que contribuem para que isso aconteça. Mas é somente o acidentado,<br />
215
que está diretamente envolvido com a operação que leva sempre a culpa além de<br />
ser vitimado.<br />
Em uma organização que tenha como objetivo a cultura de segurança total,<br />
as práticas de segurança ocupacional devem ser difundidas e desenvolvidas, além<br />
de reforçadas pelo conjunto da organização, reconhecimento por parte dos colegas<br />
e dos chefes com preocupação ativa e contínua coma a segurança.<br />
A gestão de segurança requer atenção contínua sobre fatores técnicos e<br />
tecnológicos incluindo os ambientais em que se incluem equipamentos, ferramentas<br />
e layout; os fatores comportamentais, como atitudes, e compreensão dos processos<br />
de trabalhos pelos envolvidos e; os fatores culturais, ou seja, prática de segurança e<br />
conhecimentos sobre os riscos do trabalho, aonde se vai além das obrigações para<br />
garantir a segurança de outra pessoa. Os três itens se resumem em uma única<br />
palavra a Cultura de Segurança. Esta discussão será ainda objeto posterior de<br />
estudo para poder sustentar o pressuposto que se poder desenvolver um programa<br />
de Cultura de Segurança Total.<br />
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227
ANEXOS<br />
228
ANEXOS<br />
Formulário de Investigação de Acidentes<br />
CIPA<br />
CIPA<br />
Co Comissã Co Comissã<br />
missão missã o Interna Interna de de Prevenção Prevenção de de Acidentes<br />
Acidentes<br />
Investigação de Acidentes CAT Nº<br />
Tipo de acidente: ( x ) Típico ( ) Trajeto ( ) Doença<br />
Profissional<br />
Nome do Funcionário:<br />
Função: Motorista Setor: Seção: -<br />
Função exercida na hora do Acidente:<br />
Data do Acidente: Hora do Acidente: Após: horas de trabalho<br />
E<strong>sp</strong>ecificação do local do acidente:<br />
Agente causador:<br />
Parte do Corpo Atingida:<br />
Descrição do Acidente:<br />
1ª testemunha: 2ª testemunha:<br />
Causa do Acidente:<br />
Medidas Propostas (Prevenção):<br />
Execução das medidas propostas:<br />
Supervisor/Chefe de Turno<br />
Manutenção Mecânica –<br />
Manutenção Elétrica<br />
Outros:<br />
Conclusão – SESMT/CIPA<br />
Re<strong>sp</strong>onsabilidade:<br />
Nome do Supervisor: Assinatura/Data:<br />
Chefe de Turno: Assinatura/Data:<br />
Observações:<br />
Segurança do Trabalho Presidente da CIPA<br />
229
1. Emitente<br />
1.<br />
2.<br />
3. Médico 4. Segurado ou 5. Autoridade<br />
Empregador Sindicato<br />
dependente pública<br />
COMUNICAÇÃO DE ACIDENTE DO TRABALHO - CAT 2.Tipo de<br />
CAT<br />
1. Início 2. Reabertura 3. Comunicação de Óbito em :<br />
3. Razão Social/Nome 4. Tipo 1. CNPJ 2. CEI 3. CPF 4. NIT 5. CNAE<br />
Empr<br />
e<br />
gador 6. Endereço Rua/Av./Nº/Comp. Bairro CEP 7. Município 8. UF 9. Telefone<br />
Acide<br />
n<br />
tado<br />
10. Nome 11. Nome da mãe<br />
12. Data de 13.<br />
14. Estado Civil 15. CTPS Data de<br />
16. UF<br />
nasc.<br />
Sexo<br />
Série<br />
Emissão<br />
1. Masc 2. Fem 1. Solteiro 2. Casado 3. Viúvo<br />
Outro6.IGN<br />
4. Sep. Judic. 5.<br />
17. Carteira de identidade Data Orgão Exp. 18. UF 19. PIS/PASEP 20. Remuneração mensal<br />
21. Endereço Rua/Av./Nº/Comp. Bairro CEP 22. Município 23. UF 24. Telefone<br />
25. Nome da 26. CBO 27. Filiação à Previdência Social 28.<br />
29. Área<br />
ocupação<br />
Aposentado?<br />
1. Empregado 2. Trab. Avulso 3. Seg. E<strong>sp</strong>ecial 4.<br />
Médico resid<br />
1. Sim 2. Não 1. Urbana 2. Rural<br />
30. Data do 31. Hora do 32. Após quantas horas de<br />
33. Houve afastamento? 34. Último dia Trabalhado<br />
acidente<br />
acidente<br />
trabalho?<br />
1. Sim 2.Não<br />
35. Local do<br />
acidente<br />
36. CNPJ 37. Município do local do acidente 38. UF 39. E<strong>sp</strong>ecif. do local do acidente<br />
Acide<br />
n<br />
1<br />
te ou<br />
Doen<br />
40. Parte(s) do corpo atingidas(s) 41. Agente causador<br />
ça 42. Descrição da situação geradora do acidente ou doença<br />
45. Nome<br />
43. Houve registro policial?<br />
1. Sim 2.Não<br />
44. Houve morte?<br />
1. Sim 2. Não<br />
Teste<br />
munh<br />
a<br />
46. Endereço Rua/Av./Nº/Comp. Bairro CEP 47. Município 48. UF Telefone<br />
49. Nome<br />
50. Endereço Rua/Av./Nº/Comp. Bairro CEP 51. Município 52. UF Telefone<br />
Local e data Assinatura e Carimbo do emitente<br />
53. Unidade de atendimento médico 54. Data 55. Hora<br />
Atendi<br />
mento 56. Houve internação? 57. Duração provável do Tratamento<br />
dias<br />
1. Sim 2. Não 1. Sim 2. Não<br />
59. Descrição e natureza da lesão<br />
Lesão Ferida contusa<br />
Dia<br />
gnós<br />
tico<br />
58. Deverá o acidentado afastar-se do trabalho durante o<br />
tratamento?<br />
60. Diagnóstico provável 61. CID - 10<br />
62. Observações<br />
Local e data Assinatura e Carimbo do médico com CRM<br />
63. Recebida 64. Código da Unidade 65. Número do acidente Notas:<br />
1 - A inexatidão das declarações<br />
desta<br />
66. É reconhecido o direito do segurado à habilitação de benefício 67. Tipo Comunicação implicará as sanções<br />
acidentário?<br />
previ<br />
1. Sim 2. Não 1. Típico 2. Doença 3.<br />
sistas nos arts. 171 e 299 do<br />
Trajeto<br />
Código<br />
68. Matrícula do servidor. Penal; 2 - A comunicação de<br />
acidente do<br />
trabalho deverá ser feita até o 1º<br />
230
dia<br />
útil após o acidente, sob pena de<br />
multa;<br />
3 - A comunicação do acidente do<br />
traba<br />
Lho reger-se-à pelo art. 134 do<br />
Decreto<br />
nº 2.172/97; 4 - Os conceito de<br />
acidente<br />
Matrícula Assinatura do servidor do trabalho e doença ocupacional<br />
estão<br />
definidos nos arts. 131 a 133 do<br />
Decreto<br />
nº 1.172/97; 5 - A caracterização do<br />
acidente reger-se-á pelo art. 135 do<br />
Decreto nº 2.172/97.<br />
A COMUNICAÇÃO DO ACIDENTE É OBRIGATÓRIA, MESMO NO CASO EM QUE NÃO HAJA AFASTAMENTO DO TRABALHO.<br />
231