16.04.2013 Views

a criação da personagem dentro da cena lírica

a criação da personagem dentro da cena lírica

a criação da personagem dentro da cena lírica

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

ESCOLA DE MÚSICA E BELAS ARTES DO PARANÁ<br />

PROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA<br />

HILDOMAR OLIVEIRA DOS SANTOS SILVA<br />

A INTERPRETAÇÃO DO CANTOR LÍRICO: A CRIAÇÃO<br />

DA PERSONAGEM DENTRO DA CENA LÍRICA<br />

CURITIBA<br />

2011


ESCOLA DE MÚSICA E BELAS ARTES DO PARANÁ<br />

PROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA<br />

HILDOMAR OLIVEIRA DOS SANTOS SILVA<br />

A INTERPRETAÇÃO DO CANTOR LÍRICO: A CRIAÇÃO<br />

DA PERSONAGEM DENTRO DA CENA LÍRICA<br />

CURITIBA<br />

2011<br />

Relatório referente aos resultados<br />

finais do Projeto de Iniciação<br />

Científica vinculado ao programa<br />

PIC-EMBAP, <strong>da</strong> Escola de Música<br />

e Belas Artes do Paraná.<br />

Orientação: Prof.ª Mª Denise<br />

Jussara Sartori.


RESUMO<br />

A seguinte pesquisa tem como foco a interpretação do cantor lírico <strong>dentro</strong> <strong>da</strong><br />

<strong>cena</strong> <strong>lírica</strong>. São analisados os principais elementos que constituem a estrutura operística<br />

juntamente com importância destes para uma melhor interpretação do canto lírico. Em<br />

segui<strong>da</strong>, relatas-se a experiência de Stanislavski e com cantores atores do Teatro<br />

Bolshoi de Moscou, buscando uma interpelação entre praticas teatrais e o canto lírico.<br />

Palavras chaves: Ópera, Teatro, Stanislavski, cantor lírico.


ABSTRACT<br />

The following research focuses on the interpretation of the opera singer in the opera<br />

scene. It analyzes the main elements that constitute the operatic structure along with their<br />

importance to a better interpretation of classical singing. Then relatas to experience Stanislavsky<br />

actors and singers of the Bolshoi Theatre of Moscow seeking a formal practices between theater<br />

and opera singing.<br />

Keywords: Opera, Theatre, Stanislavski, opera singer.


1 – APRESENTAÇÃO<br />

2 – INTRODUÇÃO<br />

3 – ÓPERA<br />

SUMÁRIO<br />

4 – O CANTOR LÍRICO E OS ELEMNTOS DA ÓPERA COMO INFLUÊNCIAS<br />

PARA SUA ATUAÇÃO CÊNICA.<br />

4.1 : O Libreto como uma Dramaturgia.<br />

4.2 : o idioma em que a ópera é canta<strong>da</strong> e sua importância para uma boa interpretação<br />

cênica do cantor lírico.<br />

4.3 : A música, estilo, compositor e contexto histórico.<br />

4.4. A <strong>personagem</strong> segundo seus “Desenhos musicais realizados pelo compositor”.<br />

4.5. Recitativo e Ária.<br />

5 – O CANTOR LÍRICO E AS PRÁTICAS CORPORAIS DE CONSTANTIN<br />

STANISLAVSKI<br />

6 – CONCLUSÃO.<br />

7 – BIOGRAFIA.


1 - APRESENTAÇÃO<br />

Os motivos que me levam a esta pesquisa vão desde minhas linhas de<br />

pesquisa volta<strong>da</strong>s para arte, minha formação tanto em musica (canto lírico) quanto em<br />

teatro até o gracioso e belo prazer de apreciar uma obra artística realiza<strong>da</strong> por bons<br />

artistas. A musica sempre esteve liga<strong>da</strong> à minha vi<strong>da</strong>. Os primeiros contatos com<br />

instrumentos foram em ban<strong>da</strong>s fanfarras na escola, onde iniciei meus contados com o<br />

ritmo musical. Depois fui aprendendo outros instrumentos de maneira autodi<strong>da</strong>ta<br />

(violão, percussão, bateria, guitarra, gaita, canto). O estudo acadêmico <strong>da</strong> musica só<br />

surgiu em 2002, quando entrei no curso de canto <strong>da</strong> escola de Musica Mestre Odilon de<br />

Castanhal e no ano de 2008 no curso de canto lírico na Escola de Musica <strong>da</strong><br />

Universi<strong>da</strong>de Federal do Pará, formando-me em 2009 no curso técnico de canto lírico.<br />

O estudo <strong>da</strong>s artes cênicas entra em minha vi<strong>da</strong>, ain<strong>da</strong> de forma empírica, nas<br />

peças escolares e nos quatro anos do curso de letras que cursei entre 2002 e 2005 na<br />

Universi<strong>da</strong>de Estadual do Pará. Durante muito tempo pratiquei um teatro amador e só<br />

foi no ano de 2006 que ingressei em um estudo mais técnico <strong>da</strong>s artes cênicas, na Escola<br />

de Teatro e Dança <strong>da</strong> UFPA. No decorrer deste curso sempre tentava vincular o<br />

conhecimento musical com minhas praticas corporais, surgindo assim, o interesse por<br />

trabalhar musica e artes cênicas.<br />

Vindo para Curitiba em 2010 para estu<strong>da</strong>r na Escola de Música e belas artes do<br />

Paraná, representa uma grande oportuni<strong>da</strong>de de poder continuar a estu<strong>da</strong>r tanto a arte do<br />

canto como o teatro, mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des artísticas que se encontram <strong>dentro</strong> <strong>da</strong> linguagem <strong>da</strong><br />

Ópera, as quais pretendo pesquisar com o olhar de ator e cantor.<br />

Um dos fatores principais desta investigação é considerar a música (<strong>dentro</strong> <strong>da</strong><br />

estética <strong>da</strong> Ópera) como o gênero artístico impulsionador <strong>da</strong> pesquisa, sem deixar de<br />

levar em consideração to<strong>da</strong> a importância que as outras vias artísticas terão.


2 – INTRODUÇÃO<br />

Interpretação! Palavra que apresenta variados significados dependendo do tipo<br />

de obra que se vá interpretar. Geralmente, quando se assiste a uma ópera, teatro, <strong>da</strong>nça,<br />

o leigo resume com bastante clareza sua não satisfação com o espetáculo: “não gostei<br />

porque o ator (atriz ou cantor e cantora) não interpretou bem”. Talvez, em sua grande<br />

maioria, o público não tenha o conhecimento técnico para explicar a má atuação de<br />

determinado artista, apenas não se sentiu atraído ou “preso” pela sua interpretação.<br />

O que seria então a arte de “interpretar bem” para o público em geral? Como<br />

um artista deveria trabalhar a interpretação de um <strong>personagem</strong>? Quais os meios de<br />

trabalho e pesquisa que devem ser usados para se chegar a uma veraci<strong>da</strong>de<br />

interpretativa?<br />

Poderíamos citar grandes visionários e suas técnicas de interpretação, como por<br />

exemplo: Jerzy Grotowiski, Rodolf Laban, Antonan Artour, Pina Bausch, no entanto,<br />

independente <strong>da</strong> técnica destes visionários <strong>da</strong> interpretação, cabe ao atuante ter a<br />

capaci<strong>da</strong>de de absorver esses ensinamentos e, alem disso, ter disciplina e persistência<br />

em seu aprendizado, criando uma rotina intensa de estudo, trabalho e conhecimento de<br />

sua arte.<br />

O principal foco deste trabalho é a interpretação do Cantor lírico em espetáculos<br />

operísticos, estabelecendo um paralelo entre elementos cênicos e musicais na<br />

perspectiva do cantor lírico, ou melhor, “O Cantor-ator” e, seu processo de construção<br />

<strong>da</strong> <strong>personagem</strong>. Falar de canto lírico e não falar de ópera é um fator quase que<br />

impossível, assim, desenvolverei um panorama <strong>da</strong> Historia <strong>da</strong> Ópera do ponto de vista do<br />

próprio cantor lírico, tendo como elemento principal o Cantor lírico e sua relação com os<br />

elementos vinculados à interpretação.<br />

Do ponto de vista musical, existe nesta pesquisa um pequeno desmembramento dos<br />

elementos que compõem to<strong>da</strong> estrutura operística, sejam elas materiais ou humanas, com o<br />

intuito de buscar nestes elementos, que influenciam o entendimento correto do cantor para com<br />

a obra a qual executa. Tudo deverá ser uma referência que contribua para a <strong>criação</strong> <strong>da</strong><br />

<strong>personagem</strong>: libretos e libretistas, figurino, cenografia, contexto histórico, compositor, estilo,<br />

maestro, literatura, entre outros.


Por fim, no quinto capítulo, remeto-me ao trabalho realizado por Constantin<br />

Stanislavski, um dos grandes fun<strong>da</strong>dores do Teatro de Arte de Moscou, que tinha como<br />

uma de suas grandes frases para com os artistas e mesmo a própria arte, o seguinte<br />

dizer: Antes ame a arte em você do que você na sua arte. 1 Tal afirmação, leva-nos a<br />

considerar uma perspectiva bastante subjetiva partindo do artista, na qual sua<br />

criativi<strong>da</strong>de e seus processos de <strong>criação</strong> artísticos devem, em primeira instância, obter<br />

um forte caráter pessoal, com o intuito de conseguir sempre novas formas artísticas.<br />

Cito Stanislavski, como base teatral <strong>da</strong> pesquisa, por ter sido um homem de<br />

teatro e de Ópera, trabalhou tanto com atores e atores-cantores. Trouxe seus métodos de<br />

teatro e conjugou-os na en<strong>cena</strong>ção <strong>lírica</strong>s. Desenvolvendo um diferencial nas óperas<br />

que encenou. Realizou praticas corporais volta<strong>da</strong>s para cantores líricos do teatro Bolshoi<br />

e alunos do conservatório de Moscou. Assim, acredito que esta valorosa experiência<br />

contribui ain<strong>da</strong> mais para a interpretação do cantor lírico; experiência que relatará<br />

algumas práticas realiza<strong>da</strong>s por Stanislavski e que obtiveram um resultado bastante<br />

positivo.<br />

1 Stanislavski, Constantin, 1863‐1938. A construção <strong>da</strong> <strong>personagem</strong> / Ed. Rio de Janeiro:<br />

Civilização Brasileira, 2011. Pg. 22.


3 – ÓPERA<br />

Para iniciarmos com uma expressão bastante objetiva, com o intuito de<br />

definirmos ao máximo o conceito de Ópera, poderíamos dizer que: A Ópera é um teatro<br />

cantado. Nos dias de hoje, tal expressão comporta uma varie<strong>da</strong>de de linguagens<br />

artísticas que envolvem música e teatro, porém é preciso deixar bastante claro que to<strong>da</strong>s<br />

elas possuem uma raiz de desenvolvimento artístico, desencadeando ca<strong>da</strong> uma, o seu<br />

fim estilístico. Desta forma, a Ópera, também tem a sua linha cronológica de<br />

desenvolvimento a ser analisa<strong>da</strong>.<br />

Uma ópera é uma obra teatral que combina solilóquio,<br />

dialogo, cenário, ação e música contínua (ou quase<br />

contínua). Embora as primeiras peças do gênero a que<br />

hoje <strong>da</strong>mos o nome de ópera apenas <strong>da</strong>tem dos últimos<br />

anos do século XVI, a ligação entre música e teatro<br />

remonta à antigui<strong>da</strong>de. Nas peças de Eurípides e Sófocles<br />

eram cantados, pelo menos, os coros e algumas partes<br />

<strong>lírica</strong>s. Eram também cantados os dramas litúrgicos<br />

medievais, e a música era usa<strong>da</strong>, se bem que apenas<br />

ocasionalmente, nos mistérios e milagres <strong>da</strong> baixa I<strong>da</strong>de<br />

Média. No teatro do Renascimento, em que tantas<br />

tragédias e comédias imitavam os modelos gregos ou a<br />

eles iam buscar inspiração, os coros eram por vezes<br />

cantados, em especial no início e no final dos actos; além<br />

disso, entre os actos de uma comédia ou de uma tragédia<br />

era costume representar intermedi ou intermezzi –<br />

interlúdios de carácter bucólico, alegórico u mitológico;<br />

nas comemorações oficiais importantes, como os<br />

casamentos reais, estes interlúdios eram produções<br />

musicais espectaculares e elabora<strong>da</strong>s, com coros, solistas<br />

e grandes conjuntos instrumentais. (Palisca, 1988: p. 316)<br />

Como esta pesquisa tem como propósito uma investigação sobre o cantor lírico e<br />

sua interpretação <strong>dentro</strong> do gênero <strong>da</strong> ópera, cabe-me apenas realizar um panorama <strong>da</strong><br />

historia <strong>da</strong> Ópera <strong>da</strong> perspectiva do próprio cantor lírico, ou seja, o desenvolvimento <strong>da</strong><br />

Ópera tendo como elemento principal o Cantor lírico e sua relação com os elementos<br />

relacionados à interpretação.


É quase que uma questão lógica hoje em dia, quando falamos que um cantor de<br />

ópera deve ser, ou pelo menos se colocar como tal, um ator em <strong>cena</strong> também. Porem,<br />

nem sempre foi assim, durante muito tempo o que se valorizava era apenas a voz e sua<br />

técnica perfeita. Tudo se resumia a voz belíssima dos cantores e cantoras, ficando o<br />

resto esquecido ou abandonado pelo intérprete.<br />

A Ópera foi mais um fruto do Renascimento italiano.<br />

Assim, não é por acaso que tem raízes na exuberância<br />

criativa de Florença. Na última déca<strong>da</strong> do século XVI,<br />

um grupo de artistas plásticos, músicos e poetas, os<br />

membros <strong>da</strong> ‘Camerata Fiorentina’, empenharam-se em<br />

promover na ci<strong>da</strong>de um renascimento do teatro grego.<br />

Mas se saiu na ver<strong>da</strong>de com a ideia de que essas histórias<br />

podiam ser conta<strong>da</strong>s em forma de opera in música – uma<br />

obra musical. (Riding, 2010: p . 17)<br />

O cantor lírico é o grande mentor deste espetáculo. A meu ver, ele é o que<br />

congrega to<strong>da</strong>s as interseções artísticas existentes em um espetáculo operístico, tendo<br />

que estar ciente tanto do mecanismo musical <strong>da</strong> obra quanto <strong>da</strong> narrativa que se<br />

propõem (libreto). Vincula expressão musical com expressão corporal, para enfim,<br />

comunicar ao publico o resultado de um “sincretismo artístico”.


4 – O CANTOR LÍRICO E OS ELEMENTOS DA ÓPERA.<br />

4.1. O libreto como uma dramaturgia.<br />

Se no teatro temos o texto falado, na ópera temos o texto cantado ou em forma<br />

de recitativo, sendo considerado <strong>da</strong> dramaturgia de uma ópera, composta ou por um<br />

libretista ou o próprio compositor.<br />

“Primeiro o texto, depois a música” – é o velho credo italiano <strong>da</strong> ópera. Certos<br />

compositores têm discor<strong>da</strong>do, mas o fato é que to<strong>da</strong> grande ópera começa com um bom<br />

libreto. Seja qual for o enredo, o libretista é quem inspira a música que tornará<br />

memorável a ópera. Sejam fictícios ou factuais, cômicos ou trágicos, os melhores<br />

libretos inspiram música arrebatadora e emoções fortes. (RIDING, 2010: P. 23).<br />

4.2. A língua em que a ópera é canta<strong>da</strong> e sua importância para uma boa<br />

interpretação cênica do cantor lírico.<br />

Considerando o texto de uma ópera como sendo a parte <strong>da</strong> comunicação verbal,<br />

mesmo este texto vindo seguido de linhas melódicas e seus desenhos musicais, é preciso<br />

que o cantor lírico comunique a sua arte para com seu publico tanto com a palavra<br />

quanto com a música, gerando uma única linguagem comunicativa.<br />

Além <strong>da</strong> união entre palavra e melodia, torna-se, também, de extrema<br />

importância o conhecimento <strong>da</strong> língua em que se canta, seja ela italiano, alemã, Frances,<br />

inglês, russo, etc. É necessário que o cantor lírico tenha o domínio <strong>da</strong> dicção <strong>da</strong> língua<br />

em que canta e sua semântica, motivo este que <strong>da</strong>rá um suporte de significado para sua<br />

interpretação no palco. É impossível interpretar um <strong>personagem</strong> sem saber o que diz<br />

este <strong>personagem</strong>, ou melhor, sem saber o que canta esse <strong>personagem</strong>. Geralmente,<br />

muitos cantores cantam sem saber o que estão falando para o publico, ocasionando uma<br />

interpretação totalmente desconecta<strong>da</strong> com o universo do <strong>personagem</strong>. Não é preciso<br />

que o cantor seja fluente por completo nas línguas em que canta, porem, é uma


obrigação que ele saiba, pelo menos, em sua língua o que diz quando canta. Que faça<br />

um roteiro de ação conjugando com palavras ou frases chaves na partitura musical.<br />

Em seu livro “A palavra expressiva, S. M. Volkonski diz: ‘Se as vogais são um<br />

rio e as consoantes as suas margens é preciso reforçar estas ultimas, para evitar as<br />

inun<strong>da</strong>ções! (p.134). Este é um ponto que serve para to<strong>da</strong>s as línguas, pois realmente<br />

cantamos com as vogais e articulamos com as consoantes. É como se fosse as<br />

consoantes que determinassem o significado conduzido pelas vogais. No entanto, para<br />

uma boa interpretação do cantor lírico, não é suficiente apenas a boa articulação <strong>da</strong>s<br />

palavras, sejam elas em alemão, italiano, russo, Frances, etc. É preciso que se obtenha<br />

significado nas palavras que se diz, pois é neste significado que começa um dos<br />

processos de interpretação.<br />

Só para se ter uma ideia, vejamos um trecho que relata um pouco as pesquisas <strong>da</strong><br />

camerata Fiorentina e confirma que, no inicio <strong>da</strong> ópera o texto era um dos pontos chaves<br />

do trabalho.<br />

O modo correto de musicar um texto, afirmava Galilei,<br />

era utilizar uma melodia a solo que pusesse em relevo as<br />

inflexões naturais <strong>da</strong> fala de um bom orador ou actor...<br />

Ottavio Rinuccini (1562-1621) e Jacopo Peri (1561-<br />

1633) se convenceram, como o atestam os seus prefácios<br />

ao texto e música de L’Euridice, de que as tragédias<br />

antigas eram canta<strong>da</strong>s na íntegra... Todos procuraram<br />

chegar a um tipo de canto intermédio entre a recitação<br />

fala<strong>da</strong> e a canção. (Palisca, 1988: p. 320)<br />

Neste ponto, a citação a cima, serve-nos apenas para constarmos o quanto<br />

o texto é importante em uma ópera, pois desde os primórdios de sua <strong>criação</strong> já se<br />

pensava bastante no texto, tanto do ponto de vista técnico quanto, aqui nesta pesquisa,<br />

para uma necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> interpretação.


4.3. A música, estilo, compositor e contexto histórico.<br />

Outro fato que influencia bastante no desempenho cênico do cantor lírico é o<br />

conhecimento <strong>da</strong> contextualização <strong>da</strong> obra a qual executa. Ter, no mínimo, as<br />

referencias básicas sobre o compositor, estilo e a época em que foi escrita a obra são<br />

artifícios que complementam na construção <strong>da</strong> <strong>personagem</strong>. Ao se sujeitar a cantar<br />

apenas um recitativo <strong>da</strong> alguma ópera, o cantor terá que a principio ter pesquisado todo<br />

o universo literal e musical que circun<strong>da</strong> aquela ópera: como foi escrita? Quem<br />

escreveu? Onde morava quem escreveu? Em que ano? Em que língua e país? Qual era o<br />

estilo musical <strong>da</strong> época em que foi escrita? E assim por diante.<br />

Há tantos estilos quantos são os compositores, e ca<strong>da</strong><br />

compositor importante tem vários estilos diferentes, de<br />

acordo com as influências do seu tempo e com o<br />

amadurecimento <strong>da</strong> sua personali<strong>da</strong>de. Se é essencial<br />

para o ouvinte entender a questão do estilo musical<br />

aplica<strong>da</strong> à obra e um determinado compositor, isso ain<strong>da</strong><br />

é mais importante para o intérprete. Pois o intérprete é o<br />

“intermediário” <strong>da</strong> música. O ouvinte ouve menos o<br />

compositor do que a concepção que o intérprete faz desse<br />

compositor. O contato do escritor com o leitor é direto;<br />

um quadro precisa apenas ser pendurado na parede para<br />

que possa ser apreciado. Mas a música, como o teatro, é<br />

uma arte que deve ser reinterpreta<strong>da</strong> para que possa<br />

viver. O pobre compositor, tendo terminado a sua<br />

composição, deve colocá-la à mercê de um intérprete –<br />

que, é bom não esquecer, é uma criatura com a sua<br />

própria natureza musical e a sua própria personali<strong>da</strong>de.<br />

(Copland, 1974: p. 159).<br />

A ópera como um gênero composta de várias linguagens artísticas em favor de<br />

uma só transmissão comunicativa, tem no cantor lírico o seu principal intérprete. Assim,<br />

é de suma importância o desempenho deste artista <strong>dentro</strong> do gênero, uma vez que ele<br />

tem que, através de sua técnica de canto e sua postura como cantor ator, transmitir ao<br />

publico o resultado final de gigantesco aparato artístico.


4.4. O <strong>personagem</strong> segundo seus “Desenhos musicais realizados pelo compositor” e<br />

a classificação vocal.<br />

Se ca<strong>da</strong> <strong>personagem</strong> possui uma tessitura vocal que o coloca <strong>dentro</strong> de uma<br />

classificação vocal que respeita a tradição do canto lírico: soprano, mezzosoprano,<br />

contralto, tenor, barítono, baixo. Existe também outros elementos que caracterizam a<br />

voz do cantor e consequentemente o <strong>personagem</strong>, que são os seus temas musicais <strong>dentro</strong><br />

<strong>da</strong> ópera e a disposição rítmica e melódica em que se encontram esses temas.<br />

No processo de <strong>criação</strong> de um compositor, como por exemplo Rossini, mais<br />

especificamente em sua obra o Barbeiro de Sevilha, temos uma demonstração bastante<br />

interessante no que diz respeito a essas disposições. Para ca<strong>da</strong> <strong>personagem</strong> existe um<br />

tema característico ao <strong>personagem</strong> e a tessitura vocal, transformando tudo em um só<br />

plano artístico.<br />

É interessante que o cantor lírico tenha esta atenção e crie a movimentação<br />

corporal de seu <strong>personagem</strong> tendo como referencia, também, as partes em que não<br />

hajam linhas melódicas para a voz, ou seja, onde existe somente a orquestra,<br />

introduções de ária e recitativo e a própria abertura <strong>da</strong> ópera. É importante saber que<br />

estamos todo o tempo em <strong>cena</strong> mesmo quando não estamos cantando.<br />

4.5. Recitativo e Ária.<br />

O recitativo e a ária são dois elementos básicos na estrutura musical de uma<br />

ópera. Em geral, são esses elementos que o cantor lírico precisa ter o domínio para<br />

desenvolver sua interpretação musical. No entanto, fica a cargo do próprio interprete a<br />

realização de uma pesquisa sobre os estilos de recitativo e ária existentes durante to<strong>da</strong> a<br />

história <strong>da</strong> ópera, uma vez que a <strong>criação</strong> <strong>da</strong> ópera tem como um dos principais pontos de<br />

parti<strong>da</strong> a palavra e a música, ou seja, a palavra canta<strong>da</strong> como ária ou recitativo.


The Arias in Operas, Cantatas, Oratorios and Passions<br />

generally have the counterpart function of the recitatives,<br />

that means recitatives are responsible for spoken or<br />

descriptive moments and arias illustrate the emotion and<br />

the state of spirit of the situation (SANTOS). 2<br />

Na estrutura musical dos recitativos existem algumas sentenças que são<br />

origina<strong>da</strong>s desde o Barroco: suspiratio, abruptio, aposiopesis e mutatio Toni (que são<br />

figuras de silencio) e temos também o exclamatio, catabasis e saltus duriusculus.<br />

1 - O suspiratio refere-se a um uso específico de pausas em uma composição, que tem como<br />

finali<strong>da</strong>de expressar suspiros ou afetos de desejo ardente e sau<strong>da</strong>de (BARTEL, 1997,<br />

p.392).<br />

2 - O abruptio é uma figura de silêncio muito usa<strong>da</strong> no stylus recitativus (BARTEL, 1997,<br />

p.203). Estabelece uma quebra repentina e inespera<strong>da</strong> em uma parte <strong>da</strong> música, ocasionando<br />

uma “surpresa” para quem ouve. Diferentemente do suspiratio, que se encontra em ambos,<br />

ária e recitativo, o abruptio só é encontrado no recitativo.<br />

3 - A aposiopesis é frequentemente considera<strong>da</strong> uma pausa em uma ou mais vozes, com<br />

função expressiva. No entanto, Bartel relatou que essa figura refere-se ao uso intencional e<br />

expressivo do silêncio e é frequentemente encontra<strong>da</strong> em<br />

composições cujo texto trata <strong>da</strong> morte ou <strong>da</strong> eterni<strong>da</strong>de (BARTEL, 1997, p.203).<br />

4 - O mutatio toni é uma alteração irregular do modo. expressão do texto e os afetos. O<br />

mutatio toni significa uma mu<strong>da</strong>nça de uma tonali<strong>da</strong>de maior para uma menor, ou viceversa,<br />

provoca<strong>da</strong> pelo texto ou afeto (apud BARTEL, 1997, p.336).<br />

5 – Catabasis é uma passagem descendente que expressa humil<strong>da</strong>de, “descendo”<br />

(BARTEL, 1997, p.215)<br />

6 - O exclamatio é uma exclamação musical frequentemente associa<strong>da</strong> a uma exclamação<br />

no texto” (BARTEL, 1997, p. 265).<br />

7 - O saltus duriusculus Bartel define como um salto dissonante (BARTEL, 1997).<br />

Todos esses elementos do recitativo ou <strong>da</strong> ária são de extrema importância para<br />

o cantor lírico. Conhecendo esses elementos <strong>da</strong> música e conjugando com a dicção <strong>da</strong><br />

2 As árias em óperas; cantatas, oratórios e paixões tinham, geralmente, uma função de<br />

complementar os recitativos. Isso significa que os recitativos são responsáveis por momentos<br />

falados ou descritivos e as Árias ilustram a emoção e o estado de espírito <strong>da</strong> situação (tradução<br />

de Rosane Viana no artigo Análise retórica e fenomenológica do recitativo e ária “Lascia ch’io<br />

pianga <strong>da</strong> ópera Rinaldo, de G.F.Händel.”


língua em que canta, tópico que cito também neste trabalho, teremos uma boa<br />

interpretação musical do cantor lírico e, consequentemente uma “vazão” destas<br />

competências para o aspecto cênico do cantor.<br />

Atuar como veraci<strong>da</strong>de um <strong>personagem</strong> operístico requer uma mescla de<br />

artifícios musicais e teatrais que são interdependentes no que diz respeito a uma boa<br />

comunicação artística para com o público, a obra, o estilo e o compositor.<br />

5 – O cantor ator e as praticas de Constantin Stanislavski.<br />

Antes que qualquer som se propague pelo ar até chegar aos ouvidos do público,<br />

que permanece ansiosamente sentado, esperando as cortinas abrirem. E mesmo quando<br />

as cortinas abrem, quando aparecem os cenários, as luzes, o que a escuridão escondia, o<br />

que o espaço abraça e é detectado pelo espectador. Antes do primeiro movimento do<br />

Maestro para <strong>da</strong>r inicio a introdução de uma determina<strong>da</strong> ópera. Tudo ain<strong>da</strong> é silêncio.<br />

Porem, o espetáculo já teve seu inicio na entra<strong>da</strong> do primeiro músico <strong>da</strong> orquestra.<br />

Quando falamos em artes cênicas, podemos dizer que o que está em pauta é a<br />

arte realiza<strong>da</strong> pelo corpo, englobando principalmente o teatro e a <strong>da</strong>nça. Considerando<br />

que na música o objetivo principal não seria aquele que se utiliza especificamente do<br />

próprio corpo como linguagem, mas <strong>da</strong> “tríade: corpo, instrumento e música”. O<br />

músico, em relação às artes cênicas, estaria em 3º grau no que diz respeito ao<br />

movimento. No entanto, o que quero considerar aqui, nesta pesquisa, é que não existe o<br />

<strong>da</strong>nçarino, o ator e nem o músico, se não houver o corpo. Não um corpo qualquer, mas<br />

um corpo vigoroso e ímpeto de atuante, pronto para entrar em <strong>cena</strong>, seja ela de teatro,<br />

de <strong>da</strong>nça ou de música.<br />

Creio que não perpassará, aqui, ser pretensioso em dizer que, de certo ponto,<br />

meus interesses e objetivos em pesquisa, direcionam-se para um conceito de arte<br />

volta<strong>da</strong> para uma unificação <strong>da</strong>s mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des artísticas. Em todo tipo de arte, pelo<br />

menos aquelas que ain<strong>da</strong> necessitam do próprio homem para sua realização, o que<br />

prevalece como elemento principal é o corpo. É claro que em devi<strong>da</strong>s proporções e de


acordo com o que ca<strong>da</strong> mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de se caracteriza, o corpo do artista se impõe como<br />

mentor principal <strong>da</strong> arte.<br />

O fato de nas artes como música, teatro e <strong>da</strong>nça o corpo ser indispensável para<br />

que se realizem tais artes, faz desses artistas os que mais se utilizam do corpo como<br />

expressão artística. Dentro dessas vias, afunilando ain<strong>da</strong> mais tais observações, creio<br />

que o <strong>da</strong>nçarino, ator e cantor representam os limites <strong>da</strong> arte vincula<strong>da</strong> ao corpo.<br />

Como já citado a cima, Constantin Stanislavski, um dos grandes fun<strong>da</strong>dores do<br />

Teatro de Arte de Moscou, também teve uma peculiar participação em en<strong>cena</strong>ções de<br />

óperas, articulando seu trabalho com atores e usando-os para uma prática com cantores<br />

líricos do “Ópera Studio” do Teatro Bolshoi. Estas práticas vão do encontro a poder<br />

trabalhar o cantor lírico <strong>da</strong> mesma maneira que se trabalha com o ator de teatro, uma<br />

vez que aquele é também um ator em <strong>cena</strong>.<br />

Um dos primeiros pontos que Stanislavski constatou nos cantores, no que diz<br />

respeito à falta de atuação cênica foi a seguinte:<br />

Se a orquestra executa um prelúdio, introduzindo uma<br />

<strong>cena</strong> antes que a ação se inicie, não nos <strong>da</strong>mos por<br />

satisfeitos com o fato de a orquestra tê-lo simplesmente<br />

executado, mas colocamo-lo em termos cênicos, no<br />

sentido <strong>da</strong>s ações, palavras e frases. Assim, geralmente<br />

usamos a ação para ilustrar os outros instrumentos que<br />

dão colorido à orquestra. Se um instrumento introduz o<br />

tema <strong>da</strong> morte, o cantor sentirá as emoções<br />

correspondentes. Ele não deve negligenciar esses<br />

prelúdios e usar o tempo para limpar a garganta ou<br />

preparar sua entra<strong>da</strong>, mas já deve, a essa altura, fazer<br />

parte do padrão continuo, do desenvolvimento <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> de<br />

uma alma humana no papel que representa na peça<br />

(Stanislavski1989, p. 23).<br />

Stanislavski considerava o cantor de ópera <strong>dentro</strong> de três mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des<br />

artísticas: vocal, musical e a cênica. Ele ressaltava que só a união destas três<br />

mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des poderia fazer com que o cantor alcançasse o objetivo dramático de seu<br />

<strong>personagem</strong>. Desta forma, em suas praticas no estúdio ópera, era de extrema<br />

necessi<strong>da</strong>de que os participantes pudessem levar estas três mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des para a <strong>cena</strong>


operística. Concentrando-se nestas três mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des, executou praticas corporais<br />

focando no trabalho corporal desenvolvido pelo cantor lírico. “Esse paradoxo se <strong>da</strong>ria<br />

primordialmente em função <strong>da</strong> partitura, <strong>da</strong> composição <strong>da</strong> música, pois, se num teatro<br />

‘falado’ o ator constrói a sua fala, fazendo a sua ‘partitura’ (entonações, alturas,<br />

intenções), na ópera o cantor-ator já tem esse material previamente <strong>da</strong>do pela melodia<br />

<strong>da</strong> música.” (Stanislavski, 1989).


6 - CONCLUSÃO<br />

No processo de construção <strong>da</strong> <strong>personagem</strong> realizado pelo cantor lírico existem<br />

vários elementos que foram expostos nesta pesquisa, elementos que influenciam e<br />

fazem parte deste processo. Porem, como é do conhecimento de muitos estu<strong>da</strong>ntes de<br />

canto, é possível que se perceba a grande lacuna que existe entre um aprendizado<br />

voltado para uma excelência performática e a forma a qual um aluno promissor no<br />

estudo de canto lírico chega a nossos cursos superiores.<br />

A dificul<strong>da</strong>de é visível e perceptível e, ao mesmo tempo, já de um ponto de vista<br />

mais técnico, é imperceptível aos nossos olhos e ouvidos. O que venho observando<br />

durante anos de estudos sobre o corpo e sua presença artística no palco é algo que tentei<br />

desencadear nesta pesquisa: que antes de qualquer coisa que um artista faça envolvendo<br />

o corpo como sujeito principal <strong>da</strong> ação artística é quase que imprescindível que se<br />

trabalhe este corpo de uma maneira física e artística, focando essa prática corporal na<br />

pratica artística a qual o artista desenvolve. Somente o ator e <strong>da</strong>nçarino realizam esta<br />

tarefa, uma vez que, seria uma contradição não fazê-la. No caso do músico, por que não<br />

o faz? Como pode não existir um trabalho corporal para quem usa o corpo e mais um<br />

outro corpo que é, no caso, um instrumento musical? E como pode não pensar em corpo<br />

um cantor, que aqui, é tanto o instrumento quanto o instrumentista?<br />

Por fim, acredito que o trabalho de <strong>criação</strong> <strong>da</strong> <strong>personagem</strong> de um cantor lírico<br />

deve seguir todos os elementos que rodeiam sua performance, não só a técnica vocal,<br />

mas também a técnica corporal.


BIBLIOGRAFIA:<br />

#BARTEL, Dietrich. Definitions and translations of the musical-rhetorical figures.<br />

Musica poetica: musical-rhetorical figures in German Baroque Music. Lincoln,<br />

Nebraska:University of Nebraska Press, 1997. p.167-438.<br />

#COPLAND, Aaron. Como ouvir e entender a música. Ed artenova.1974.<br />

#GROUT, Donald J. & PALISCA, Claude V. Historia <strong>da</strong> música ocidental. Ed.<br />

Gradiva. 1988. P.316.<br />

#Riding Alan & Leslie dunton. Guia ilustrado Zahar: ópera.ed 2010. P.17.<br />

#STANISLAVSKI, Constantin, 1863-1938. A construção <strong>da</strong> <strong>personagem</strong> / Ed. Rio de<br />

Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.<br />

#Stanislavski, Rumyantsev. Stanislavski on Opera. New Youk: Routledge, 1998.<br />

# acesso em 11/11/2005.<br />

SANTOS, Luis Otavio. Rhetoric and Music: An Approach through the Analysis of<br />

Monteverdi’s Combatimento di Tancredi e Clorin<strong>da</strong> and Bach’s Erbarme dich from<br />

Mathäus Passion. Trabalho de estudo acadêmico não publicado (mimeo).

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!