a face negra de alexandre herculano: visões históricas do mal ... - UFF
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HERCULANO E A LITERATURA NEGRA LUSITANA<br />
O horror e o sobrenatural são temas recorrentes a toda história<br />
literária, aparecen<strong>do</strong> em maior ou menor grau segun<strong>do</strong> as <strong>de</strong>mandas e<br />
exigências <strong>de</strong> cada época. A literatura portuguesa está repleta <strong>de</strong> acontecimentos<br />
e <strong>de</strong>sastres que inspiram terror em seus leitores. No entanto,<br />
esse la<strong>do</strong> terrível da escrita lusitana é toma<strong>do</strong>, frequentemente, como um<br />
termo acessório ou um requinte <strong>de</strong> estilo, sen<strong>do</strong> <strong>de</strong> interesse a boa parte<br />
<strong>do</strong>s críticos os aspectos estético-formais da produção <strong>do</strong>s autores ou os<br />
reflexos da socieda<strong>de</strong> na literatura, caso, por exemplo, <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s sobre<br />
Alexandre Herculano.<br />
No contexto romântico, o escritor inscreve-se como um <strong>do</strong>s nomes<br />
<strong>de</strong> maior importância entre os escritores portugueses <strong>do</strong> século XIX,<br />
sen<strong>do</strong> consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> “o homem <strong>de</strong> maior prestígio intelectual e moral <strong>de</strong><br />
sua geração” (COELHO, 1984, v. 2, p. 303). Todavia, é pouco conheci<strong>do</strong> o<br />
interesse <strong>de</strong> Herculano pelo sobrenatural, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua formação, visto que,<br />
em seus primeiros momentos, o autor aventurava-se a criar versões em<br />
português <strong>de</strong> célebres baladas macabras, como “Noiva <strong>do</strong> Sepulcro”, poema<br />
segun<strong>do</strong> informa o autor, “imita<strong>do</strong> <strong>do</strong> inglez”, “Afonso e Isolina”, <strong>de</strong> Lewis,<br />
e “Caça<strong>do</strong>r feroz” e “Leonor”, <strong>de</strong> Bürger, presentes na terceira parte da obra<br />
Poesias, <strong>de</strong> 1850.<br />
O aspecto mais conheci<strong>do</strong> e estuda<strong>do</strong> da obra <strong>de</strong> Herculano, por<br />
ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> seu introdutor em Portugal, é o romance histórico, inspira<strong>do</strong><br />
em lendas medievais, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong>, especialmente, à influência da obra <strong>de</strong><br />
Walter Scott e ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s históricos que <strong>de</strong>spertaram<br />
seu interesse por épocas, fatos e personagens pouco conhecidas. Ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
seu incansável trabalho <strong>de</strong> historia<strong>do</strong>r e organiza<strong>do</strong>r da memória nacional, a<br />
criação literária serviu como um mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> relembrar o passa<strong>do</strong> mítico e lendário<br />
<strong>de</strong> Portugal sem ferir sua concepção <strong>de</strong> historiografia. A respeito <strong>de</strong> sua<br />
preocupação com o passa<strong>do</strong> histórico e com as raízes medievais <strong>de</strong> Portugal,<br />
bem como a tradição <strong>negra</strong> 1 , assinala Maria Leonor Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Sousa:<br />
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O Romantismo português foi essencialmente medievalista.<br />
Simplesmente, essa tendência não se manifestou com<br />
gran<strong>de</strong> força no aspecto que agora nos interessa. Foram<br />
“góticos” o teatro e a balada, mas não o romance, com<br />
excepção <strong>de</strong> Castilho, por vezes Herculano, e pouco mais.<br />
(SOUSA, 1978, p. 168)<br />
Embora o autor não dê relevo à temática sobrenatural em seus<br />
romances – o que não impe<strong>de</strong> que haja um clima <strong>de</strong> tensão e mistério provoca<strong>do</strong><br />
pelas <strong>de</strong>scrições <strong>de</strong> ambientes tétricos, melancólicos e silenciosamente<br />
solitários, como em Eurico, o presbítero e O monge <strong>de</strong> Cister, –, ela<br />
está presente nos contos inspira<strong>do</strong>s em diferentes relatos e manuscritos<br />
medievais, assim como na poesia, especialmente nas versões que fez das<br />
mais conhecidas baladas macabras europeias publicadas na Revista Panorama,<br />
entre 1837 e 1839, e posteriormente no volume Poesias, <strong>de</strong> 1850.<br />
ABRIL – Revista <strong>do</strong> Núcleo <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Literatura Portuguesa e Africana da <strong>UFF</strong>, Vol. 4, n° 8, Abril <strong>de</strong> 2012