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2 D - Curso Objetivo

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PORTUGUÊS<br />

TEXTO 1<br />

Leia o texto com atenção e responda às questões.<br />

Amor de Salvação<br />

1 Escutava o filho de Eulália o discurso de D. José, lardeado de<br />

2 facécias, e, por vezes, atendível por umas razões que se lhe<br />

3 cravavam fundas no espírito. As réplicas saíam-lhe frouxas e<br />

4 mesmo timoratas. Já ele se temia de responder coisa de<br />

5 fazer rir o amigo. Violentava sua condição para o igualar na<br />

6 licença da idéia, e, por vezes, no desbragado da frase. Sentia-<br />

7 se por dentro reabrir em nova primavera de alegrias para mui-<br />

8 tos amores, que se haviam de destruir uns aos outros, a bem<br />

9 do coração desprendido salutarmente de todos. A sua casa<br />

10 de Buenos Aires aborreceu-a por afastada do mundo, boa<br />

11 tão-somente para tolos infelizes que fiam do anjo da soleda-<br />

12 de o despenarem-se, chorando. Mudou residência para o<br />

13 centro de Lisboa, entre os salões e os teatros, entre o rebu-<br />

14 liço dos botequins e concurso dos passeios. Entrou em tudo.<br />

15 As primeiras impressões enjoaram-no; mas, à beira dele,<br />

16 estava D. José de Noronha, rodeado dos próceres da bizarriz<br />

17 (sic), todos porfiados em tosquiarem um dromedário provin-<br />

18 ciano, que se escondera em Buenos Aires a delir em prantos<br />

19 uma paixão calosa, trazida lá das serranias minhotas. Ora,<br />

20 Afonso de Teive antes queria renegar da virtude, que já muito<br />

21 a medo lhe segredava os seus antigos ditames, que expor-se<br />

22 à irrisão de pessoas daquele quilate. É verdade que às vezes<br />

23 duas imagens lagrimosas se lhe antepunham: a mãe, e<br />

24 Mafalda. Afonso desconstrangia-se das visões importunas, e<br />

25 a si se acusava de pueril visionário, não emancipado ainda<br />

26 das crendices do poeta inesperto da prosa necessária à vida.<br />

27 Escrever, porém, a Teodora, não vingaram as sugestões de<br />

28 D. José. Porventura, outras mulheres superiormente belas, e<br />

29 agradecidas às suas contemplações, o traziam preocupado e<br />

30 algum tanto esquecido da morgada da Fervença.<br />

31 Mas, um dia, Afonso, numa roda de mancebos a quem dava<br />

32 de almoçar, recebeu esta carta de Teodora:<br />

33 “Compadeceu-se o Senhor. Passou o furacão. Tenho a cabe-<br />

34 ça fria da beira da sepultura, de onde me ergui. Aqui estou<br />

35 em pé diante do mundo. Sinto o peso do coração morto no<br />

36 seio; mas vivo eu, Afonso. Meus lábios já não amaldiçoam,<br />

37 minhas mãos estão postas, meus olhos não choram. O meu<br />

38 cadáver ergueu-se na imobilidade da estátua do sepulcro.<br />

39 Agora não me temas, não me fujas. Pára aí onde estás, que<br />

40 as tuas alegrias devem ser muito falsas, se a voz duma pobre<br />

41 mulher pode perturbá-las. Olha... se eu hoje te visse, qual<br />

42 foste, ao pé de mim, anjo da minha infância, abraçava-te. Se<br />

43 me dissesses que a tua inocência se baqueara à voragem<br />

44 das paixões, repelia-te. Eu amo a criança de há cinco anos,<br />

45 e detesto o homem de hoje.<br />

46 Serena-te, pois. Esta carta que mal pode fazer-te, Afonso?<br />

47 Não me respondas; mas lê. À mulher perdida relanceou o<br />

48 Cristo um olhar de comiseração e ouviu-a. E eu, se visse pas-<br />

49 sar o Cristo, rodeado de infelizes, havia de ajoelhar e dizer-<br />

50 lhe: Senhor! Senhor! É uma desgraçada que vos ajoelha e<br />

51 não uma perdida. Infâmias, uma só não tenho que a justiça<br />

52 da terra me condene. Estou acorrentada a um dever imoral,<br />

53 tenho querido espadaçá-lo, mas estou pura. Dever imoral...<br />

54 por que, não, Senhor! Vós vistes que eu era inocente; minha<br />

55 mãe e meu pai estavam convosco.’’<br />

56<br />

OBJETIVO<br />

Camilo Castelo Branco. Amor de Salvação.<br />

São Paulo: Martin Claret. 2003, pp. 94-95<br />

FGV - Administração - Junho/2006

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