Os pensadores que influenciaram a política de ... - ppgel/ileel/ufu
Os pensadores que influenciaram a política de ... - ppgel/ileel/ufu
Os pensadores que influenciaram a política de ... - ppgel/ileel/ufu
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
OS PENSADORES QUE INFLUENCIARAM A POLÍTICA DE EUGENIA DO NAZISMO<br />
Revista Eletrônica <strong>de</strong> Ciências Humanas, Letras e Artes<br />
Carla Menegat (UFRGS) 1<br />
A<br />
maioria dos agentes da <strong>política</strong> <strong>de</strong> extermínio nazista estava firmemente convicta<br />
do rigor científico das suas ações e dos benefícios <strong>que</strong> a adoção da eugenia para a<br />
“higiene racial”, traria para a humanida<strong>de</strong>. Essa atitu<strong>de</strong> só é compreensível se<br />
pensarmos <strong>que</strong> apenas levaram à prática o <strong>que</strong> há anos era <strong>de</strong>fendido por <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong><br />
<strong>pensadores</strong> <strong>de</strong> renome, em publicações científicas, baseadas em teorias largamente difundidas,<br />
em ambos os lados do Atlântico. A Hitler apenas coube o papel <strong>de</strong> aplicar à <strong>política</strong> o <strong>que</strong><br />
<strong>pensadores</strong> <strong>de</strong> diversas áreas acreditavam ser verda<strong>de</strong>iro.<br />
<strong>Os</strong> estudos em busca da criação <strong>de</strong> um novo homem, geneticamente perfeito, e<br />
conse<strong>que</strong>ntemente <strong>de</strong> uma população inteira formada <strong>de</strong>sses super homens, uma raça superior<br />
encontra duas matizes <strong>de</strong> fundamentação, a primeira na genética aplicada, em especial no<br />
darwinismo social, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> teria surgido a eugenia; a segunda, sob o aspecto filosófico,<br />
inspirada na idéia <strong>de</strong> super-homem <strong>de</strong> Nietzsche. Ambas em sua origem não tratam <strong>de</strong> limpeza<br />
racial, no caso do darwinismo social, <strong>que</strong> é uma <strong>de</strong>rivação da Teoria da Evolução das Espécies (o<br />
evolucionismo) <strong>de</strong> Charles Darwin, é a aplicação <strong>de</strong> uma teoria sobre os animais para a<br />
humanida<strong>de</strong> e mais especialmente sobre as socieda<strong>de</strong>s. Em relação à Friedrich Nietzsche, sua<br />
obra trata da elevação moral do espírito, incluindo críticas ao anti-semitismo corrente na<br />
Alemanha durante sua vida (1844-1901).<br />
Do darwinismo social ao surgimento da eugenia<br />
Charles Darwin certamente não imaginava como se aplicaria sua teoria sobre a evolução<br />
das espécies. Alicerce da teoria materialista e anti-criacionista, o evolucionismo foi alvo das<br />
admirações <strong>de</strong> diferentes correntes i<strong>de</strong>ológicas, da es<strong>que</strong>rda à direita. Algumas <strong>de</strong>ssas correntes<br />
se apropriaram, equivocadamente ou intencionalmente, <strong>de</strong> sua teoria evolutiva, da seleção<br />
natural e da antropologia darwiniana para justificar teorias sociais <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>. Dessa<br />
apropriação “torta” do evolucionismo surge a eugenia, como a mais promissora das sociologias<br />
biológicas evolucionistas.<br />
Em 1789, o economista Thomas Malthus elaborou a controversa teoria <strong>de</strong> <strong>que</strong> a<br />
população crescia <strong>de</strong> forma geométrica enquanto os recursos para manutenção da humanida<strong>de</strong><br />
cresciam em proporção aritmética. Por conta disto, propagou a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle<br />
populacional. Afirmando <strong>que</strong> as <strong>política</strong>s caritativas prestavam um <strong>de</strong>sserviço ao processo<br />
natural <strong>de</strong> progresso humano, pois promoviam a pobreza <strong>de</strong> geração a geração, propôs como<br />
parte <strong>de</strong> seu plano <strong>de</strong> controle populacional o fim da assistência aos mais pobres, gerando uma<br />
diminuição <strong>de</strong>sta camada social. Em outras palavras, os menos abastados, os miseráveis<br />
<strong>de</strong>veriam morrer <strong>de</strong> fome, já <strong>que</strong> não tinham capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sobreviver por si, <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rando<br />
o fato <strong>de</strong> essa possibilida<strong>de</strong> lhes ser negada.<br />
1 Graduando em Licenciatura em História. E-mail: carlamenegat@hotmail.com<br />
A MARgem - Estudos, Uberlândia - MG, ano 1, n. 2, p. 66-73, jul./<strong>de</strong>z. 2008 66
Revista Eletrônica <strong>de</strong> Ciências Humanas, Letras e Artes<br />
Influenciado pela teoria <strong>de</strong> Malthus, na Inglaterra dos anos <strong>de</strong> 1850, Herbert Spencer<br />
teria (antes mesmo <strong>de</strong> Darwin publicar sua afamada obra “A Origem das Espécies” <strong>de</strong> 1859)<br />
afirmado <strong>que</strong> as condições sociais mo<strong>de</strong>rnas favorecem a multiplicação dos menos aptos. Em<br />
“Social Static’s”, Spencer, em sintonia com o cientificismo <strong>de</strong> seu tempo, não <strong>de</strong>ixou escapar a<br />
oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tomar emprestada a respeitabilida<strong>de</strong> científica da evolução para a sua ética. Foi<br />
Spencer, e não Darwin, <strong>que</strong>m cunhou a expressão "sobrevivência dos mais aptos". Com<br />
referência i<strong>de</strong>ológica ultra-liberal, Spencer foi capaz <strong>de</strong> representar as aspirações da burguesia<br />
industrial inglesa, justificando e incentivando a concorrência entre os homens. Afirmou uma<br />
visão da socieda<strong>de</strong> como um organismo e, portanto, passível <strong>de</strong> evolução. Num total equívoco,<br />
ou oportunismo, a teoria da seleção natural é adotada para tratar das socieda<strong>de</strong>s, on<strong>de</strong> os mais<br />
fortes prevalecem e <strong>de</strong>vem sujeitar os mais fracos para garantir a "seleção natural" dos seres<br />
humanos.<br />
A teoria evolucionista passa a ser empregada em relação à marcha das socieda<strong>de</strong>s<br />
humanas e não mais sobre organismos, como o próprio Darwin a havia elaborado. A partir da<br />
década <strong>de</strong> 1930, a teoria <strong>de</strong> Spencer passa a ser intitulada como “darwinismo social”, e será<br />
aplicada especialmente em uma corrente antropológica, a chamada antropologia darwiniana.<br />
Alheia a antropologia evolucionista, essa corrente utilizou <strong>de</strong> forma equivocada os conceitos<br />
chave <strong>de</strong> Darwin. Segundo ele a “seleção natural seleciona a civilização, <strong>que</strong> se opõe à seleção<br />
natural”. Para o próprio Charles Darwin, a evolução da humanida<strong>de</strong>, levando-a à civilização,<br />
ten<strong>de</strong> a excluir, cada vez mais, pela ética e através das institucionalizações, os comportamentos<br />
eliminatórios. A seleção natural <strong>de</strong> Darwin, não seleciona apenas variações orgânicas, mas<br />
também a instintos <strong>que</strong> também apresentem uma vantagem evolutiva.<br />
Dez anos <strong>de</strong>pois da publicação <strong>de</strong> a origem das espécies <strong>de</strong> “A Origem das Espécies”,<br />
um primo distante <strong>de</strong> Darwin publicaria a obra fundadora da eugenia, “A Hereditarieda<strong>de</strong> do<br />
Gênio”. Expressando uma doutrina hostil à reprodução dos "pobres e indolentes", pensada<br />
como um obstáculo ao aumento numérico dos "homens superiores", Francis Galton, propunha<br />
uma seleção artificial das novas gerações, <strong>de</strong>monstrando o caráter hereditário das qualida<strong>de</strong>s<br />
intelectuais, fazendo total abstração dos fatores educativos e culturais na formação dos<br />
indivíduos. Assim, surge a idéia e a recomendação <strong>de</strong> medidas institucionais <strong>de</strong> intervenção<br />
corretora e compensadora tendo como finalida<strong>de</strong> restaurar a qualida<strong>de</strong> biológica do grupo pela<br />
introdução duma seleção artificial aplicada a seus membros. De Darwin até o nazismo na<br />
Europa, o caminho é cortado por inúmeras correntes i<strong>de</strong>ológicas cuja característica comum é a<br />
traição do pensamento integralmente <strong>de</strong>senvolvido <strong>de</strong> Darwin; o <strong>que</strong> foi escrito sobre o<br />
Homem não está contido em seu trabalho “A Origem das Espécies”, mas on<strong>de</strong> o assunto é, <strong>de</strong><br />
fato, tratado: “A Hereditarieda<strong>de</strong> do Gênio”. O transformismo darwiniano em antropologia era<br />
um humanismo materialista aberto para a ética assimilativa e oposto a qual<strong>que</strong>r forma <strong>de</strong><br />
opressão e coerção <strong>de</strong>sigualitárias.<br />
No seu livro, Galton propunha <strong>que</strong> as forças cegas da seleção natural, como agente<br />
propulsor do progresso, <strong>de</strong>vem ser substituídas por uma seleção consciente e os homens<br />
<strong>de</strong>vem usar todos os conhecimentos adquiridos pelo estudo e o processo da evolução nos<br />
tempos passados, a fim <strong>de</strong> promover o progresso físico e moral no futuro.<br />
Em 1908, foi fundada a "Eugenics Society" em Londres, primeira organização a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r<br />
estas idéias <strong>de</strong> forma organizada e ostensiva. Um <strong>de</strong> seus lí<strong>de</strong>res era Leonard Darwin (1850-<br />
1943), oitavo dos <strong>de</strong>z filhos <strong>de</strong> Charles Darwin. Em vários países europeus (Alemanha, França,<br />
A MARgem - Estudos, Uberlândia - MG, ano 1, n. 2, p. 66-73, jul./<strong>de</strong>z. 2008 67
Revista Eletrônica <strong>de</strong> Ciências Humanas, Letras e Artes<br />
Dinamarca, Tchecoslováquia, Hungria, Áustria, Bélgica, Suíça e União Soviética, <strong>de</strong>ntre outros) e<br />
americanos (Estados Unidos, Brasil, Argentina, Peru) proliferaram socieda<strong>de</strong>s semelhantes. Em<br />
vários países foram propostas <strong>política</strong>s <strong>de</strong> "higiene ou profilaxia social", com o intuito <strong>de</strong><br />
impedir a procriação <strong>de</strong> pessoas portadoras <strong>de</strong> doenças tidas como hereditárias e até mesmo <strong>de</strong><br />
eliminar os portadores <strong>de</strong> problemas físicos ou mentais incapacitantes.<br />
As teorias racistas se encontram com a eugenia<br />
Na Alemanha o <strong>de</strong>senvolvimento da eugenia como <strong>política</strong> <strong>de</strong> higiene social está ligado<br />
ao pensamento germanófilo do francês Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Gobineau, exposto em “Ensaio sobre a<br />
<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> das raças humanas” publicado em 1858, antes mesmo da publicação da obra <strong>de</strong><br />
Darwin e do surgimento do próprio termo eugenia. A origem do racismo se per<strong>de</strong> nos tempos,<br />
mas Gobineau é certamente o fundador <strong>de</strong>ste como teoria na contemporaneida<strong>de</strong>. A teoria <strong>de</strong><br />
Gobineau traz a perspectiva <strong>de</strong> dominação <strong>de</strong> uma raça sobre as <strong>de</strong>mais <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um mesmo<br />
território, conforme sua superiorida<strong>de</strong>, assim como o das nações umas às outras no<br />
colonialismo. Assim, os arianos, germânicos, seriam a raça superior, e seu avanço seria impedido<br />
somente pela ação das raças inferiores, representadas pelos povos invasores. Gobineau<br />
interpretou a história sob o prisma do conflito <strong>de</strong> raças, substituindo por este a luta <strong>de</strong> classes.<br />
Inclusive, expôs a sua teoria sobre a Revolução Francesa <strong>de</strong> 1789, <strong>que</strong> teria sido uma vitória da<br />
raça inferior, <strong>de</strong> origem celta-romana sobrevivente na França, e <strong>que</strong> teria aproveitado a ocasião<br />
do assalto à Bastilha para vingar-se dos franco-germânicos, <strong>que</strong> superiores, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século V<br />
eram a raça dominante no país, e este seria o <strong>de</strong>clínio francês.<br />
É importante compreen<strong>de</strong>r o contexto em <strong>que</strong> Gobineau escreve sua obra. A Europa<br />
estava se recuperando da última onda revolucionária do século XIX, a chamada primavera dos<br />
povos <strong>de</strong> 1848. Um novo agente social se mostrava em todo o seu potencial revolucionário: o<br />
proletariado. Se com a Revolução Francesa todos os preconceitos do Antigo Regime pareciam<br />
ter se dissolvido, era necessário criar novos mecanismos i<strong>de</strong>ológicos <strong>de</strong> contenção social. As<br />
elites se voltavam à direita, ao conservadorismo. As décadas <strong>que</strong> se seguiriam seriam as da<br />
implantação do projeto colonial, enquanto no continente europeu a industrialização se<br />
estendia. Era necessária uma roupagem científica aos fundamentos dos novos mecanismos<br />
formadores das barreiras sociais.<br />
Joseph Arthur <strong>de</strong> Gobineau foi agente <strong>de</strong>sse processo. Secretário <strong>de</strong> Aléxis <strong>de</strong><br />
Toc<strong>que</strong>ville no Ministério <strong>de</strong> Negócios Estrangeiros, após o golpe <strong>de</strong> Estado <strong>de</strong> Louis Bonaparte<br />
em 1852, se projetou na diplomacia, a serviço dos interesses coloniais franceses. Sendo<br />
nomeado representante diplomático da França no Brasil, entre 1869 e 1870, chegou a afirmar<br />
<strong>que</strong> o único membro da raça superior no país era o imperador Dom Pedro II, <strong>de</strong> <strong>que</strong>m se<br />
tornou amigo. Suas teorias não tiveram gran<strong>de</strong> repercussão entre os seus conterrâneos, com<br />
exceção <strong>de</strong> um pe<strong>que</strong>no círculo reacionário ao redor do po<strong>de</strong>r. Numa carta ao seu antigo<br />
protetor lamentou <strong>que</strong> suas idéias tivessem maior aceitação nos Estados Unidos <strong>que</strong> na própria<br />
França. Toc<strong>que</strong>ville respon<strong>de</strong>u <strong>que</strong> o seu livro influenciava apenas as elites do sul dos Estados<br />
Unidos on<strong>de</strong> predominava o trabalho escravo.<br />
Gobineau não se <strong>de</strong>u por vencido e afirmou: “Tão certo como circula sangue mesclado<br />
nas veias da maioria dos cidadãos <strong>de</strong> um Estado, estes se sentem movidos pela força do número<br />
a proclamar como uma verda<strong>de</strong> vigente para todos e <strong>que</strong> somente é verda<strong>de</strong> para eles, a saber:<br />
A MARgem - Estudos, Uberlândia - MG, ano 1, n. 2, p. 66-73, jul./<strong>de</strong>z. 2008 68
Revista Eletrônica <strong>de</strong> Ciências Humanas, Letras e Artes<br />
<strong>que</strong> todos os homens são iguais”. O seu preconceito não era apenas contra as raças não-brancas<br />
e sim contra o próprio povo francês. Sua teoria não trazia apenas o racismo puro e simples, mas<br />
também um aspecto antiliberal, reacionário, contra as premissas revolucionárias <strong>de</strong> “Liberda<strong>de</strong>,<br />
Igualda<strong>de</strong> e Fraternida<strong>de</strong>”.<br />
Outro pensador <strong>que</strong> influenciou o racismo na <strong>política</strong> nazista foi Friedrich Ratzel,<br />
consi<strong>de</strong>rado por muitos o pai da geografia mo<strong>de</strong>rna. Intelectual orgânico da burguesia próimperialista<br />
alemã, um dos <strong>pensadores</strong> protegidos <strong>de</strong> Bismarck, Ratzel dividiu os povos em dois<br />
gran<strong>de</strong>s grupos: “naturais” e “civilizados”. <strong>Os</strong> primeiros eram dominados pela natureza e o<br />
segundo a dominavam. Ele foi um dos primeiros a <strong>de</strong>senvolver um conceito <strong>que</strong> seria tão caro<br />
aos nazistas alemães no século XX, o <strong>de</strong> “espaço vital”. A história humana seria a história da luta<br />
perpétua dos povos e grupos sociais pelo seu espaço vital — guerras <strong>de</strong>fensivas ou <strong>de</strong> conquista<br />
<strong>de</strong> territórios <strong>de</strong> outros povos. Por isso, as fronteiras nacionais eram sempre relativas e os povos<br />
<strong>que</strong> não conseguissem <strong>de</strong>fendê-las <strong>de</strong>veriam se submeter e concordar com a redução do seu<br />
próprio “espaço vital”. Esta seria uma espécie <strong>de</strong> “lei <strong>de</strong> seleção natural” <strong>que</strong> regeria a história e<br />
as relações entre povos e Estados.<br />
A banalização da violência e a naturalização das guerras <strong>de</strong> conquista, marca do<br />
imperialismo alemão e dos <strong>de</strong>mais imperialismos europeus, está expresso na obra <strong>de</strong> Ratzel,<br />
como estado natural das socieda<strong>de</strong>s em expansão. É a própria “missão do homem branco”, <strong>que</strong><br />
superior, traria elementos <strong>de</strong> civilização aos povos “naturais” da África e Ásia, áreas naturais <strong>de</strong><br />
expansão das civilizações européias. O nazismo assumiria especialmente a banalização da<br />
violência sob a justificativa da conquista do “Espaço Vital” do povo alemão. O <strong>de</strong>terminismo<br />
geográfico <strong>de</strong> Ratzel seria <strong>de</strong>ixado <strong>de</strong> lado, as idéias <strong>de</strong> Gobineau com fundamentação na<br />
hereditarieda<strong>de</strong> predominariam.<br />
Porém, o mais conhecido seguidor do i<strong>de</strong>ário racista na Alemanha foi o inglês Houston<br />
Stewart Chamberlain. Escritor inglês germanófilo, filho <strong>de</strong> um almirante e sobrinho do político<br />
inglês Sir Neville Chamberlain, publicou vários livros difundindo principalmente as idéias antisemíticas<br />
do compositor e escritor Richard Wagner, <strong>de</strong> <strong>que</strong>m se tornaria genro. Ele encontrou<br />
Wagner pela primeira vez em 1882, quando <strong>de</strong>cidiu mudar-se para a Alemanha e viver como um<br />
alemão.<br />
Sua principal obra, “<strong>Os</strong> Fundamentos do Século XIX”, <strong>de</strong> 1899, sintetizava as idéias <strong>de</strong><br />
Wagner e <strong>de</strong> Nietzsche com respeito ao nacionalismo e racismo. Contesta a idéia <strong>de</strong> <strong>que</strong> uma<br />
raça nobre tivesse <strong>que</strong> ser impelida a <strong>de</strong>generar-se pelas raças inferiores, como Wagner havia<br />
expressado em suas obras. Contrapunha a crença <strong>de</strong> Nietzsche <strong>de</strong> <strong>que</strong> a raça do super-homem<br />
podia ser criada. Finalmente, no livro Chamberlain pedia a eliminação da "infecção judaica". A<br />
obra causou gran<strong>de</strong> impacto entre os alemães nacionalistas e Hitler tomou-a como seu livro <strong>de</strong><br />
cabeceira; Chamberlain tornou-se imediatamente uma celebrida<strong>de</strong>; Hitler encontrou-se com ele<br />
várias vezes no ano <strong>de</strong> 1923.<br />
Um dos motivos <strong>que</strong> justificam a enorme acolhida <strong>de</strong>ssa obra po<strong>de</strong> ser encontrado no<br />
momento <strong>de</strong> seu lançamento: o auge do Império Guilhermino. O II Reich alemão, formado em<br />
torno da Prússia <strong>de</strong>pois <strong>que</strong> ela alcançou a vitória na guerra <strong>de</strong> 1870 contra a França, fez da<br />
antiga Germânia a maior potência industrial e militar do mundo antes da I Guerra Mundial. O<br />
livro <strong>de</strong> Chamberlain, como não podia <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, inflava o orgulho dos alemães ao associar a<br />
excepcionalida<strong>de</strong> do momento <strong>que</strong> viviam como resultante <strong>de</strong> um feliz <strong>de</strong>stino racial,<br />
<strong>de</strong>terminado pela própria natureza. A garantia da permanência <strong>de</strong>ssa superiorida<strong>de</strong> era uma<br />
A MARgem - Estudos, Uberlândia - MG, ano 1, n. 2, p. 66-73, jul./<strong>de</strong>z. 2008 69
Revista Eletrônica <strong>de</strong> Ciências Humanas, Letras e Artes<br />
<strong>política</strong> <strong>de</strong> apuro racial, ou seja, evitar a miscigenação do povo alemão com outras raças, uma<br />
conseqüência lógica a ser rigorosamente adotada por qual<strong>que</strong>r povo consciente <strong>de</strong> sua<br />
superiorida<strong>de</strong> étnica.<br />
Um dos exemplos utilizados por Chamberlain para justificar sua teoria seria a <strong>que</strong>da do<br />
Império Romano. Segundo ele os romanos teriam se <strong>de</strong>scuidado da manutenção e preservação<br />
da sua superiorida<strong>de</strong> racial. Ao se miscigenarem com os povos vencidos, inocularam-se com<br />
sangue das raças <strong>de</strong>rrotadas, o <strong>que</strong> os levou a um enfra<strong>que</strong>cimento genético e à inevitável<br />
<strong>de</strong>cadência. Essa era a lição histórica <strong>que</strong> os alemães <strong>de</strong>viam compreen<strong>de</strong>r para não incorrerem<br />
em tal erro <strong>que</strong> seria fatal.<br />
O uso da obra <strong>de</strong> Nietzsche pelo nazismo<br />
Hitler afirmou a influência <strong>que</strong> o niilismo do filósofo Friedrich Nietzsche teve em suas<br />
formulações sobre a superiorida<strong>de</strong> do povo alemão. <strong>Os</strong> soldados alemães partiam para o front,<br />
ao <strong>que</strong> se diz, com a Bíblia em um bolso da capa e “Assim falou Zaratustra” no outro, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
obviamente terem lido “Mein Kampf”. Fato é <strong>que</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o fim da II Guerra Mundial, todo a<strong>que</strong>le<br />
<strong>que</strong> abor<strong>de</strong> a obra <strong>de</strong> Nietzsche pela primeira vez o fará tendo a compreensão <strong>de</strong> está lendo um<br />
dos fundadores i<strong>de</strong>ológicos do nazismo. Como explicar <strong>que</strong> o mesmo autor, logo após seu<br />
colapso mental em 1889 (ele viveria até 1900, como doente mental), tenha tido sua obra aceita<br />
entre socialistas, anarquistas e feministas?<br />
A difusão e receptivida<strong>de</strong> da filosofia <strong>de</strong> Nietzsche se <strong>de</strong>ram <strong>de</strong> formas muito variadas.<br />
Inicialmente sua obra foi consi<strong>de</strong>rada muito preocupada com a busca da realização individual, e<br />
à es<strong>que</strong>rda interessava as idéias do filósofo <strong>que</strong> contribuíam para a formação <strong>de</strong> um indivíduo<br />
autêntico. Por outro lado seu ateísmo serviu para afastá-lo do conservadorismo alemão. A leitura<br />
<strong>que</strong> seus contemporâneos fizeram <strong>de</strong> sua figura, como sendo multifacetada, <strong>que</strong> não tinha<br />
simpatia alguma pelas posturas do radicalismo político do socialismo, mas <strong>que</strong>, ao mesmo<br />
tempo, não era favorável ao nacionalismo e estatismo alemão, não apenas rotularia sua filosofia<br />
como complexa, mas também abriria espaço para atingir o interesse <strong>de</strong> uma ampla varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
pessoas.<br />
A obra <strong>de</strong> Nietzsche se tornaria popular durante a I Guerra Mundial, o <strong>que</strong> permitiria<br />
seu uso pelos nazistas na legitimação e justificativa filosófica do regime. Leitura obrigatória para<br />
todo o europeu culto, suas idéias era dotadas <strong>de</strong> credibilida<strong>de</strong> intelectual, justamente aquilo <strong>que</strong><br />
era necessário aos nazistas.<br />
Sua filosofia po<strong>de</strong> ser resumida, grosso modo, na busca pelo super-homem, <strong>que</strong> seria<br />
um “animal político”, livre da moral comum, <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> séculos <strong>de</strong> ética cristã – marcada pela<br />
dicotomia bem e mal. Para tanto se faz necessário <strong>que</strong> o indivíduo crie suas próprias regras se<br />
distancie da vulgarida<strong>de</strong> das multidões. Segundo o filósofo, essa evolução só é possível por uma<br />
condição <strong>de</strong> niilismo social. O niilismo é a disjunção entre nossa experiência <strong>de</strong> mundo e o<br />
aparato conceitual <strong>de</strong> <strong>que</strong> po<strong>de</strong>mos, e <strong>que</strong> herdamos, para interpretá-la, uma situação on<strong>de</strong><br />
nossos hábitos e tradições não nos amparam.<br />
A perspectiva aberta pela filosofia <strong>de</strong> Nietzsche po<strong>de</strong>ria ser conduzida à idéia <strong>de</strong> higiene<br />
social do nazismo, se encarada apenas parte da obra <strong>de</strong>ste filósofo ou através <strong>de</strong> manuais<br />
compostos a partir <strong>de</strong> simplificações, e <strong>de</strong> fato foi isso mesmo <strong>que</strong> aconteceu. A idéia <strong>de</strong> uma<br />
auto-superação do homem foi usada pelos nazistas, extirpando-se o <strong>que</strong> po<strong>de</strong>ria ser conflitante<br />
A MARgem - Estudos, Uberlândia - MG, ano 1, n. 2, p. 66-73, jul./<strong>de</strong>z. 2008 70
Revista Eletrônica <strong>de</strong> Ciências Humanas, Letras e Artes<br />
com os dogmas nazistas. Exemplo disso é o livro “Além do bem e do mal”, <strong>de</strong> 1886, on<strong>de</strong><br />
Nietzsche clama por uma “gran<strong>de</strong> <strong>política</strong>” a ser instituída, em <strong>que</strong> uma elite <strong>de</strong> legisladores<br />
filósofos guiará a Europa para além da <strong>política</strong> fútil do nacionalismo (consi<strong>de</strong>rado por ele como<br />
a “doença anticultural” par excellence), e divulgará o <strong>que</strong> significa ser um “bom europeu”. Essa<br />
é uma obra on<strong>de</strong> o filósofo opõe-se <strong>de</strong> forma coerente a qual<strong>que</strong>r <strong>política</strong> <strong>que</strong> encoraje o<br />
racismo, atacando cáusticamente os políticos alemães <strong>que</strong> usavam então o anti-semitismo para<br />
promover uma <strong>política</strong> nazista2. Há relatos <strong>de</strong> <strong>que</strong> o livro teria sido consi<strong>de</strong>rado ofensivo aos<br />
alemães, por estar baseado numa “glorificação dos ju<strong>de</strong>us”. Porém este livro não constaria da<br />
lista nazista <strong>de</strong> indicações <strong>de</strong> leitura (<strong>que</strong> na verda<strong>de</strong> era uma lista <strong>de</strong> livros autorizados pelo<br />
regime).<br />
A irmã <strong>de</strong> Nietzsche teria uma gran<strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> na transformação do filósofo em<br />
<strong>de</strong>fensor do nacionalismo e conseqüente imperialismo alemão do III Reich. Era sob controle<br />
total <strong>de</strong> Elisabeth Nietzsche <strong>que</strong> o arquivo <strong>de</strong> Friedrich Nietzsche se encontrava. Atualmente,<br />
atesta-se <strong>que</strong> esta mulher teria não somente impedido a publicação <strong>de</strong> alguns manuscritos,<br />
como “Ecce homo”, como também teria forjado documentos e cartas, como se tivesse sido seu<br />
irmão <strong>que</strong>m as tivesse escrito. Supostamente impelida pelo seu anti-semitismo, teria convidado<br />
Hitler a ver o arquivo <strong>de</strong> Nietzsche, chegando a presenteá-lo com a bengala do filósofo, como<br />
símbolo da transmissão da missão <strong>de</strong> busca da auto-superação do homem.<br />
Com acesso livre ao arquivo pessoal <strong>de</strong> Nietzsche, numerosos acadêmicos e filósofos<br />
alemães profissionais entre eles Alfred Baeumler e Alfred Rosenberg, foram encarregados <strong>de</strong><br />
divulgar Nietzsche e proporcionar a correta interpretação nazista <strong>de</strong> sua obra, através da<br />
publicação <strong>de</strong> comentários, coletâneas e antologias populares. Uma <strong>de</strong>las, editada por Baeumler<br />
em 1931, intitulada “Nietzsche como filósofo e político”, foi a primeira a colocar o filósofo como<br />
pensador da raça nórdica, através <strong>de</strong> simplificações e distorções das idéias <strong>de</strong> Nietzsche. Assim,<br />
os ata<strong>que</strong>s do filósofo ao povo alemão, presentes em toda sua obra, são ata<strong>que</strong>s aos elementos<br />
não-germânicos da do caráter alemão. Seus ata<strong>que</strong>s a Wagner, suscitados por pura inveja.<br />
Outra forma empregada pelos nazistas foi a edição indiscriminada <strong>de</strong> trechos <strong>de</strong> obras<br />
<strong>de</strong> Nietzsche. Antologias formadas por citações do autor, <strong>que</strong> continham as “máximas nazis”<br />
proferidas por Nietzsche. Assim as pessoas <strong>de</strong> fato estavam lendo Nietzsche, porém liam<br />
seleções direcionadas pelos agentes do regime. Estas publicações eram publicadas sem<br />
indicação do processo <strong>de</strong> seleção executado pelo editor. Da mesma forma, publicações <strong>de</strong><br />
“Genealogia da moral” <strong>que</strong> excluíam trechos sobre os ju<strong>de</strong>us e da memorável passagem sobre<br />
o “animal louro”, foram distribuídas. A passagem do “animal louro” foi editada <strong>de</strong> tal forma a<br />
excluir as referências <strong>que</strong> incluíam árabes e japoneses. Ainda trechos <strong>que</strong> <strong>de</strong>notassem a<br />
admiração <strong>que</strong> o autor nutria pela cultura latina e seus ata<strong>que</strong>s ao nacionalismo alemão foram<br />
censurados.<br />
Povo e Raça em “Mein Ka mpf”: a superiorida<strong>de</strong> ariana<br />
Hitler lança “Mein Kampf” (Minha Luta), em 1924. Escrito na prisão, será a síntese do<br />
pensamento nazista, e nele estarão manifestos os principais preceitos <strong>que</strong> resultarão na <strong>política</strong><br />
2 NIETZSCHE, Friedrich . Além do bem e do mal: prelúdio a uma filosofia. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 52, 195,<br />
248, 250, 251.<br />
A MARgem - Estudos, Uberlândia - MG, ano 1, n. 2, p. 66-73, jul./<strong>de</strong>z. 2008 71
Revista Eletrônica <strong>de</strong> Ciências Humanas, Letras e Artes<br />
<strong>de</strong> eugenia nazista.<br />
Após a <strong>de</strong>rrota na I Guerra Mundial, e conse<strong>que</strong>ntemente à humilhação imposta pelo<br />
Tratado <strong>de</strong> Versalhes, seguiu-se a recessão econômica na Alemanha. Somado a isso, o orgulho<br />
alemão (com sua tendência racista), foi abalado com a ocupação da Renânia pela França e pela<br />
Bélgica. O exército Francês incluía tropas <strong>de</strong> soldados africanos <strong>de</strong> suas colônias do Senegal,<br />
Mali e da África do Norte, <strong>que</strong> acabaram por se misturar com as mulheres alemãs, gerando várias<br />
centenas <strong>de</strong> crianças mestiças na Alemanha. A revolta alemã aumentaria ainda mais com a<br />
ocupação Francesa e Belga do Ruhr, a principal zona industrial alemã, já <strong>de</strong>pois do final da<br />
guerra.<br />
No final <strong>de</strong> 1923 os extremistas alemães exigiam a revogação do Tratado <strong>de</strong> Versalhes.<br />
Entre os agitadores estava Adolf Hitler, <strong>que</strong> foi sentenciado a cinco anos <strong>de</strong> prisão.<br />
Diversos autores eugenistas eram conhecidos por Adolf Hitler, mas parece <strong>que</strong> ele<br />
tomou contato especialmente com uma obra durante seu tempo <strong>de</strong> prisão: “O Fundamento da<br />
Hereditarieda<strong>de</strong> Humana e da Higiene Racial”, publicado em 1921 e escrito por três<br />
importantes eugenistas alemães: Erwin Baur, Fritz Lenz e Eugen Fisher, todos aliados da eugenia<br />
americana, <strong>que</strong> tinham por mentor a Charles Davenport, o principal eugenista americano. O<br />
ódio racial nutrido por Hitler passaria a receber toda a legitimida<strong>de</strong> <strong>que</strong> a ciência dá às<br />
i<strong>de</strong>ologias <strong>que</strong> se revestem <strong>de</strong> sua imagem como fachada. A fusão do nacionalismo alemão e da<br />
eugenia estava começando.<br />
Em “Mein Kampf” é possível ver toda a força do pensamento racista do lí<strong>de</strong>r nazista, e<br />
suas conotações eugênicas. No capítulo XI intitulado “Povo e Raça”, as teorias <strong>de</strong> alguns<br />
<strong>pensadores</strong> <strong>que</strong> citamos anteriormente po<strong>de</strong>m ser encontradas reunidas. As idéias <strong>de</strong> Gobineau<br />
sobre o enfra<strong>que</strong>cimento intelectual, mas principalmente moral (este é o aspecto mais<br />
importante para Hitler), gerado pela miscigenação racial, e da certeza <strong>de</strong> <strong>que</strong> à raça superior<br />
esta reservada a vitória, a dominação sobre as <strong>de</strong>mais, po<strong>de</strong>m ser encontradas ainda na primeira<br />
página <strong>de</strong>ste capítulo. Hitler, porém, irá articular a isso, a idéia <strong>de</strong> um enfra<strong>que</strong>cimento físico,<br />
<strong>que</strong> inclusive resultaria numa diminuição da reprodução <strong>de</strong>stes seres mais fracos.<br />
O racismo aplicado a lógica colonialista foi expresso por Hitler através <strong>de</strong> uma<br />
classificação das socieda<strong>de</strong>s. Elas estariam separadas em três categorias: a dos fundadores, a dos<br />
<strong>de</strong>positários e a dos <strong>de</strong>struidores da Cultura. Na primeira categoria, a dos fundadores da cultura,<br />
apenas os arianos se encaixariam, por <strong>que</strong> seria a única raça <strong>que</strong> possuiria <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primórdios<br />
dos tempos a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação. Na segunda categoria se incluiriam todas as outras<br />
socieda<strong>de</strong>s brancas e os orientais, <strong>que</strong> não possuindo capacida<strong>de</strong> criativa, receberiam a cultura<br />
dos arianos, e sob sua tutela po<strong>de</strong>riam assimilá-la, mas sua manutenção <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ria da<br />
intensida<strong>de</strong> do contato com a socieda<strong>de</strong> criadora. A terceira categoria seria composta pelos<br />
povos inferiores, tratados por Hitler como apenas um <strong>de</strong>grau acima <strong>de</strong> alguns animais, e <strong>que</strong><br />
apenas po<strong>de</strong>riam oferecer sua força física, não possuindo nem capacida<strong>de</strong> criativa, nem <strong>de</strong><br />
assimilação. É importante ressaltar <strong>que</strong> Hitler refuta qual<strong>que</strong>r <strong>de</strong>terminismo geográfico nesta<br />
sua análise, inclusive afirmando <strong>que</strong> as raças superiores teriam capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contornar<br />
situações geoclimáticas <strong>de</strong> adversida<strong>de</strong>, <strong>que</strong> as <strong>de</strong>mais não teriam.<br />
Dentro <strong>de</strong>sse espectro, fica claro <strong>que</strong> a idéia da dominação <strong>de</strong> uma raça sobre a outra é<br />
completamente justificável para o lí<strong>de</strong>r nazista, chegando mesmo a afirmar <strong>que</strong> “não é, portanto,<br />
por mero acaso, <strong>que</strong> as primeiras civilizações tenham nascido ali on<strong>de</strong> o ariano, encontrando<br />
povos inferiores, subjugou-os à sua vonta<strong>de</strong>; foram eles os primeiros instrumentos a serviço <strong>de</strong><br />
A MARgem - Estudos, Uberlândia - MG, ano 1, n. 2, p. 66-73, jul./<strong>de</strong>z. 2008 72
Revista Eletrônica <strong>de</strong> Ciências Humanas, Letras e Artes<br />
uma cultura em formação”. 3 O expansionismo do III Reich, se fundamentaria muito nessa<br />
proposição, <strong>de</strong> forma <strong>que</strong> o prenúncio disso se encontraria na afirmação <strong>que</strong> Hitler faria <strong>de</strong> <strong>que</strong><br />
a única forma <strong>de</strong> se chegar ao pacifismo seria a vitória dos arianos.<br />
O anti-semitismo também surge em toda a sua violência nesta obra. A comparação entre<br />
ju<strong>de</strong>us e diversos animais é uma constante, <strong>de</strong> forma a direcionar a compreensão do leitor a<br />
compreensão <strong>de</strong> o quão selvagens estes são. Mas também a idéia <strong>de</strong> um parasitismo ju<strong>de</strong>u é<br />
recorrente. <strong>Os</strong> argumentos todos se enca<strong>de</strong>iam, passando pala <strong>que</strong>stão econômica, e por fim,<br />
levam à conclusão <strong>de</strong> <strong>que</strong> a <strong>de</strong>rrocada alemã se <strong>de</strong>ve sobretudo ao crescimento do perigo<br />
ju<strong>de</strong>u. Neste momento um aspecto importante da <strong>política</strong> <strong>de</strong> eugenia do nazismo é expressa: a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acabar com as <strong>política</strong>s assistências, <strong>que</strong> aos olhos <strong>de</strong> Hitler, garantem a<br />
sobrevivência <strong>de</strong>ste perigo ju<strong>de</strong>u, enquanto sa<strong>que</strong>iam o povo alemão.<br />
Outro aspecto da <strong>política</strong> <strong>de</strong> eugenia se encontra expresso em “Mein Kampf” <strong>de</strong> forma<br />
incisiva. A impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reprodução <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficientes é <strong>de</strong>fendida como uma necessida<strong>de</strong>, <strong>de</strong><br />
forma <strong>que</strong> “tornar impossível <strong>que</strong> indivíduos doentes procriem com outros mais doentes ainda<br />
[...] Nesse assunto, quando necessário <strong>de</strong>ve-se proce<strong>de</strong>r, sem compaixões no sentido do<br />
isolamento dos doentes incuráveis.” 4 È o embrião dos programas <strong>de</strong> esterilização e eutanásia<br />
<strong>que</strong> o regime nazista aplicaria.<br />
REFERÊNCIAS:<br />
HITLER, Adolf. Minha luta: Mein Kampf. São Paulo: Editora Moraes, 1983.<br />
NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal: prelúdio a uma filosofia. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.<br />
BIBLIOGRAFIA:<br />
ANSELL-PEARSON, Keith. Nietzsche como pensador político: uma introdução. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Jorge Zahar Editor,<br />
1997.<br />
CASTRO, Nilo A. P. Ascensão do nazismo e a construção do III Reich. In: PADROS, E.; RIBEIRO, L. D.; GERTZ, R..<br />
Segunda Guerra Mundial: da crise dos anos 30 ao armagedon. Porto Alegre: Ed. Folha da História, 2000.<br />
CYTRYNOWICZ, Roney. Memória da barbárie, a história do genocídio dos ju<strong>de</strong>us na segunda guerra mundial. São<br />
Paulo: EDUSP, 1990.<br />
DOMINGUES, Octavio. Eugenia, seus propósitos, suas bases, seus meios. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1933.<br />
KEHL, Renato. Lições <strong>de</strong> eugenia. 2. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1935.<br />
MILMAN, Luis; VIZENTINI, Paulo F. (Orgs.). Neonazismo, negacionismo e extremismo político. Porto Alegre: Ed.<br />
UFRGS, 2000.<br />
MÜLLER-HILL, Benno. Ciência assassina. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora Xenon, 1993.<br />
NIETZSCHE, Friedrich. Assim falou Zaratustra: um livro para todos e para ninguém. 6. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />
Bertrand Brasil, 1989.<br />
3 HITLER, Adolf. Minha luta: Mein Kampf. São Paulo: Editora Moraes, 1983. p. 192.<br />
4 Op. cit., p. 167.<br />
A MARgem - Estudos, Uberlândia - MG, ano 1, n. 2, p. 66-73, jul./<strong>de</strong>z. 2008 73