Seu - Geia Plural
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ISSN 2238-4413<br />
número 7 dezembro 2012/janeiro 2013<br />
São Luís, por seus romancistas<br />
Sebastião Moreira Duarte<br />
O Natal ainda existe?<br />
João Dias Rezende Filho<br />
Brasileiros no mundo<br />
Álvaro Lima<br />
Calçadas de São Luís<br />
Ricado Laender Perez<br />
“<strong>Seu</strong>” Google é o tal!<br />
Antôno Nelson Faria
São Luís, por seus<br />
romancistas<br />
Sebastião Moreira Duarte<br />
O Natal ainda existe?<br />
João Dias Rezende Filho<br />
Brasileiros no mundo<br />
Álvaro Lima<br />
ÍNDICE<br />
NÚMERO 07 - DEZEMBRO 2012 / JANEIRO 2013<br />
Calçadas de<br />
São Luís Ricardo Laender Perez<br />
“<strong>Seu</strong>”<br />
Apresentação<br />
Associados<br />
Expediente<br />
é o tal!<br />
Antônio Nelson Faria
APRESENTAÇÃO<br />
A sétima edição da revista <strong>Plural</strong> oferece aos leitores<br />
artigos com temas variados, escritos por especialistas do<br />
naipe de Sebastião Moreira Duarte, dos mais assíduos<br />
em nossas páginas, que descreve, utilizando-se da<br />
literatura de Aluísio Azevedo, Nascimento Morais e<br />
Josué Montello, “um passeio pelas ruas de São Luís do<br />
Maranhão”; Ricardo Laender Perez brinda-nos com um<br />
atualíssimo e esclarecedor escrito sobre as dificuldades<br />
que os pedestres sofrem ao praticar uma das tarefas<br />
mais primárias da nossa vida: andar; Álvaro Lima trata<br />
da saga dos imigrantes brasileiros, presentes em um<br />
número cada vez maior de países; Antônio Nelson Faria,<br />
com seu costumeiro bom humor, apresenta-nos “<strong>Seu</strong>”<br />
Google e as maravilhas de que é capaz; finalmente,<br />
João Dias Rezende Filho, estreante em nossa revista,<br />
faz uma reflexão sobre o Natal, que se aproxima, e as<br />
adaptações que vem sofrendo com o passar do tempo.<br />
Esta é a última edição do ano. Boas festas e muito<br />
sucesso em 2013.<br />
Jorge Murad<br />
Presidente do Conselho Deliberativo<br />
Instituto <strong>Geia</strong>
SÃO LUÍS, POR<br />
SEUS ROMANCISTAS<br />
Índice<br />
Sebastião Moreira Duarte<br />
4 / 58<br />
Foto: Albani Ramos
Que outra cidade no Brasil terá sido tão celebrada, em<br />
prosa e verso, quanto São Luís do Maranhão? O Rio de<br />
Janeiro, talvez, por muito tempo capital política do País<br />
e, ainda hoje, centro de referência número um da cultura<br />
nacional. Talvez a Bahia, a cidade do Salvador, sobretudo<br />
através da recriação imaginária de Jorge Amado. O Recife,<br />
quem sabe...<br />
Que motivos encontraram, na capital maranhense, quantos<br />
por ela se encantaram, desde quando aqui se estabeleceram<br />
os primeiros colonizadores? Falando bem, como<br />
Claude d’Abbeville e Simão Estácio da Silveira (um, dando<br />
por certo que esta era a melhor terra dos domínios<br />
portugueses, o outro, afirmando que por esses lados do<br />
mundo Deus inaugurara o Paraíso Terrestre), ou falando<br />
mal (conforme era o gosto do Padre Antônio Vieira, para<br />
quem o Maranhão e seus colonos faziam uma amostra do<br />
inferno, deixada na terra por Deus como aviso prévio aos<br />
pecadores), fato é que a cidade de São Luís poderia ser reconstituída,<br />
sem dificuldade, em sua paisagem física e social,<br />
pelo que dela registraram os seus homens de letras,<br />
apagados quando fossem outros os vestígios que a distinguem<br />
como das mais documentadas entre as criações urbanas<br />
em chãos do Brasil.<br />
Mérito deles, escritores, desde as ficções do Padre Vieira,<br />
até Aluísio Azevedo e Josué Montello? Sim, sem dúvida,<br />
dado o pendor para as artes da escrita exibido pelos naturais<br />
da terra e por outros mais que para cá manobraram<br />
o próprio destino, a partir de João de Barros, donatário da<br />
Capitania do Maranhão, gramático e primeiro romancista<br />
da língua portuguesa. Certo, porém, a cidade mesma, por<br />
aliciamentos que remontam à memória de sua gente, sua<br />
antropologia, sua arquitetura, sua geografia, escancara-se<br />
como obra de arte ao sol do equador, cenário e convite a que<br />
a imaginação se acenda, e acrescente, à riqueza da história<br />
e de seu panorama largo, o teatro da invenção literária,<br />
cujas figuras nos levam ao reencontro dos atores reais que<br />
fizeram os quatro séculos da Cidade quatrocentona.<br />
É o que pretendemos demonstrar com esta recolta de<br />
trechos de romances maranhenses, que nos propiciarão o<br />
Índice<br />
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prazer de um passeio pelas ruas de São Luís do Maranhão,<br />
em meio às quais haveremos de flagrar, transcriados para<br />
a letra impressa, a formação civilizatória de nossa gente.<br />
Pode dizer-se que o prestígio da literatura maranhense faz<br />
paralelo à presença de São Luís nas páginas de nossa ficção.<br />
Alguns dos nossos melhores narradores – e cujo nome<br />
corre também entre os maiores do Brasil – encontraram<br />
aqui o meio e modo exatos para dar vida e movimento às<br />
suas criaturas ficcionais. E veja-se que nos restringimos à<br />
ficção extensa e passamos ao largo dos numerosos poetas<br />
de que o Maranhão tem sido pródigo.<br />
Neste primeiro segmento, trazemos amostras de três dos<br />
nossos melhores romancistas: Aluísio Azevedo (1857-1913),<br />
Nascimento Morais (1882-1958) e Josué Montello (1917-<br />
2006), em cujas páginas é possível acompanhar, como em<br />
sequência cronológica, a presença do negro em nosso ambiente<br />
e sua contribuição para moldar, com feições singulares,<br />
o modus vivendi dos maranhenses.<br />
Índice<br />
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Foto: Albani Ramos
ALUÍSIO AZEVEDO<br />
(1857-1913)<br />
Jornalista, caricaturista, romancista,<br />
inaugurou no Brasil a escola naturalista,<br />
de que foi o melhor representante.<br />
Trocou depois a carreira literária pela<br />
diplomacia, tendo servido em países<br />
da América Latina, Europa, e Japão.<br />
Fundador da Academia Brasileira de<br />
Letras. Faleceu em Buenos Aires. Deixou<br />
obra numerosa, de que se destacam<br />
os romances O mulato (1881), Casa<br />
de pensão (1883) e O cortiço (1890). O<br />
mulato, objeto de escândalo e polêmica<br />
quando saiu em São Luís, foi alterado,<br />
em partes do texto e da trama, na edição<br />
do Rio de Janeiro (B. L. Garnier,<br />
1889), que passou a ser a mais conhecida.<br />
Demos preferência à edição maranhense<br />
dessa obra (Maranhão, Tipografia<br />
d’O País), de que transcrevemos<br />
o primeiro capítulo, com a atualização<br />
da ortografia, da pontuação e de algumas<br />
palavras: dois por dous; noite, por<br />
noute; coisa, por cousa; infantaria, por<br />
infanteria, etc.<br />
Índice<br />
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“Era uma dia abafadiço e aborrecido.<br />
A cidade de São Luís do Maranhão parecia<br />
adormecida em um forno quente – as paredes<br />
tinham reverberações argentinas; as pedras<br />
das ruas escaldavam; as vidraças faiscavam<br />
ao sol, como enormes diamantes; as folhas das<br />
árvores nem se mexiam; as carroças d’água,<br />
pesadas e ruidosas, passavam com grandes e<br />
sonoros estalos nas pedras da rua, e os aguadeiros,<br />
em mangas de camisa e pernas arregaçadas,<br />
invadiam sem cerimônia as casas para<br />
encher as banheiras e os potes.<br />
Em certos pontos da cidade não se via viva<br />
alma na rua – estava tudo concentrado, adormecido;<br />
só os pretos faziam as compras para<br />
o jantar ou andavam no ganho.<br />
A Praça d’Alegria tinha um aspecto fúnebre<br />
e hipocondríaco – estava solitária, triste;<br />
de um casebre miserável, de porta e janela,<br />
ouviam- se gemer armadores enferrujados de<br />
rede, e uma voz tísica e aflautada de mulher<br />
cantar em falsete A gentil Carolina era bela;<br />
de um outro lado uma preta velha, vergada<br />
por um imenso tabuleiro, sujo, seboso, cheio<br />
de sangue coalhado e coberto por um enxame<br />
de moscas, apregoava em tom muito arrastado<br />
e melancólico: Fígado, rins e coração! Era<br />
uma vendedeira de fatos de boi. As crianças<br />
nuas, com as perninhas tortas pelo costume<br />
de cavalgar os quadris maternos, com as cabeças<br />
avermelhadas pelo sol, a pele crestada,<br />
os ventres salientes e amarelos, corriam e<br />
guinchavam, empinando papagaios de papel.<br />
Um ou outro branco, levado pela necessidade<br />
de sair, atravessava a rua, suado, vermelho,<br />
afogueado, com o enorme chapéu de sol aberto.<br />
Os cães, estendidos nas calçadas, tinham<br />
Índice<br />
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gemidos humanos, sensuais e movimentos<br />
irascíveis, mordiam freneticamente o ar, querendo<br />
morder os mosquitos. Ouvia-se apregoar<br />
ao longe “Arroz de Veneza, mangas e limões.”<br />
As quitandas vazias fermentavam um cheiro<br />
acre de sabão da terra e aguardente; o quitandeiro,<br />
assentado sobre o balcão, cochilava<br />
seu aborrecimento pesado e morrinhento, acariciando<br />
o enorme pé descalço e espalmado.<br />
Da praia de Santo Antônio enchia a cidade<br />
um som monótono e invariável de uma buzina,<br />
que anunciava peixe; para lá convergiam,<br />
apressadas e cheias de interesse, as peixeiras,<br />
negras, com os tabuleiros na cabeça, rebolando<br />
os grandes quadris trêmulos e as tetas<br />
opulentas.<br />
A Praia Grande e a Rua da Estrela contrastavam<br />
com o resto da cidade – era a hora do<br />
movimento comercial; cruzavam-se em todas<br />
as direções homens apressados e vermelhos;<br />
pretos no carreto e caixeiros fumando cigarros<br />
de papel ordinário; avultavam os paletós-sacos<br />
de brim pardo, marcados nas espáduas e<br />
nos sovacos por grandes manchas de suor. Os<br />
corretores de escravos examinavam os pretos<br />
e moleques, revistando-lhes os dentes, os pés,<br />
as virilhas, fazendo-lhes perguntas sobre perguntas,<br />
e como bons entendedores da mercadoria,<br />
batiam-lhes com a biqueira do chapéu<br />
nos ombros e nas pernas, experimentando-lhes<br />
o vigor da musculatura, como se estivessem a<br />
comprar cavalos. Na Casa da Praça, debaixo<br />
das amendoeiras ou nas portadas dos armazéns,<br />
discutia o câmbio, o preço do algodão,<br />
a taxa do açúcar, a tarifa dos gêneros nacionais;<br />
os volumosos comendadores resolviam<br />
negócios, faziam transações, perdiam, ganhavam,<br />
tratavam de embarrilar uns aos outros<br />
Índice<br />
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com boa gíria comercial, gestos amigáveis e<br />
chalaças confiadas. Os leiloeiros cantavam os<br />
preços das mercadorias com grande e afetado<br />
abrimento de vogais – diziam mal rais em vez<br />
de mil réis; nas portas dos leilões aglomeravam-se<br />
os que queriam comprar e os simples<br />
curiosos. Corria um sussurro baixo e reles de<br />
feira.<br />
O leiloeiro tinha piscos d’olhos significativos.<br />
De martelo em punho, entusiasmado, o<br />
ar teatral, mostrava com o braço erguido um<br />
cálice contendo a amostra da cachaça ou,<br />
comicamente acocorado, esbrocava com o furador<br />
os paneiros de farinha e de milho E, quando<br />
chegava a vez de vender, repetia, gritando<br />
amiudadas vezes, o preço da mercadoria, e<br />
batia por fim com grande barulho na pipa de<br />
água-ardente ou no lote de caixões de batatas,<br />
arrastando muito a voz em um tom cantado e<br />
estridente.<br />
Viam-se deslizar imponentemente pela praça<br />
os monstruosos ventres dos capitalistas; encontravam-se<br />
cabeças escarlates e descabeladas<br />
pingando suor por debaixo do chapéu alto<br />
de pelo – o sorriso de proteção, a boca dilatada<br />
pelo calor, a perninha lépida e suada na calça<br />
de brim de Hamburgo.<br />
Havia uma atividade convencional, porém<br />
cheia de movimento, fogo e agitação; até os<br />
ricos ociosos, os caixeiros que faziam cera e<br />
os simples curiosos afetavam preocupação e<br />
pressa.<br />
A varanda do sobrado de Manuel Pescada,<br />
uma varanda larga e sem forro no teto, mostrando<br />
as ripas e os caibros que sustentavam<br />
as telhas, tinha um aspecto pitoresco, com<br />
sua vista para o rio Bacanga, suas rótulas<br />
Índice<br />
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pintadas de verde-paris, toda aberta para o<br />
quintal onde, à mingua de sol, mirravam-se<br />
duas pitangueiras anêmicas e esgalhadas, e<br />
passeava solenemente um pavão da terra. As<br />
paredes, barradas de azulejos portugueses e<br />
forradas para cima de papel pintado, mostravam<br />
nos grupos repetidos de zuavos franceses<br />
e chins caricatos, alguns lugares sem tinta,<br />
cujas manchas brancas lembravam joelheiras<br />
de calças surradas. Em uma das paredes laterais<br />
um velho armário de jacarandá polido,<br />
bem cuidado, com as vidraças muito lustradas<br />
a cré, expunha as pratas e as porcelanas de<br />
gosto moderno; a um canto uma máquina de<br />
costura de Wilson, das primeiras que vieram<br />
ao Maranhão, dormia esquecida na sua caixa<br />
de pinho envernizado; nos intervalos das<br />
portas simetrizavam ridiculamente litografias<br />
vulgares representando estudos de Julien; em<br />
uma das cabeceiras da sala um relógio de armário<br />
pulsava monotonamente os segundos e<br />
apontava flegmaticamente duas horas da tarde.<br />
Sob a claridade reverberante que vinha do<br />
quintal, permaneciam ainda a louça do almoço,<br />
a garrafa oitavada com um resto de Colares e<br />
a toalha branca, cheia de côdeas de pão e pingos<br />
de chá, onde as moscas banqueteavam-se<br />
com grande zunido, prendendo-se nas facas<br />
sujas de manteiga.<br />
De uma gaiola pendurada chilrava um sabiá.<br />
Fazia preguiça estar ali – a viração do Bacanga<br />
refrescava o ar abafado da varanda e<br />
criava no ambiente um tom morno, que enervava<br />
os sentidos; sentia-se o quebranto dos dias<br />
inúteis, uma vontade de abrir a boca e esticar<br />
as pernas.<br />
Índice<br />
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De fronte, do outro lado do Bacanga, a vegetação<br />
do Anjo da Guarda convidava a uma<br />
sesta descansada e feliz das mangueiras, deitado<br />
no capim. As árvores tinham estremecimentos<br />
voluptuosos e pareciam abrir de longe<br />
os braços, provocando amores.<br />
– Então, que me respondes, Ana Rosa? – disse<br />
Manuel, estendendo-se mais na cadeira à<br />
cabeceira da mesa. – Olha, filha! Sabes que<br />
não te contrario, desejo este casamento, mas<br />
em primeiro lugar quero saber se é de teu gosto.<br />
Vamos... fala!.<br />
E voltando-se para o interior da casa: – Então<br />
esta mesa não se levanta hoje, moleque?!<br />
Ana Rosa não respondeu, continuou assentada<br />
ao lado do pai, distraída a mexer com<br />
uma colherzinha os resíduos de chá e açúcar<br />
no fundo da xícara.<br />
Manuel Pedro da Silva, mais conhecido por<br />
Manuel Pescada, era um português de uns cinquenta<br />
anos, forte, vermelho, bom e sadio, atilado<br />
para o comércio e amigo do Brasil e dos<br />
brasileiros; dava-se à leitura constante dos<br />
jornais portugueses; em rapaz decorara respeitosamente<br />
Camões e não ignorava de todo<br />
a existência do Garrett; sempre fora fanático<br />
pelo Marquês de Pombal, de quem sabia várias<br />
anedotas e tinha uma assinatura no Gabinete<br />
Português de Leitura, que chegava para<br />
ele e para a filha, que em compensação era<br />
uma devoradora de romances.<br />
Manuel Pedro fora casado com uma senhora<br />
brasileira, de Alcântara, chamada Mariana,<br />
muito virtuosa, rigorosíssima em coisas de religião,<br />
como a maior parte das senhoras brasileiras.<br />
Quando morreu deixou em legado seis<br />
escravos para Nossa Senhora do Carmo.<br />
A filha ficou com dez anos e Manuel Pedro<br />
Índice<br />
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desamparado; foi uma época triste para ambos.<br />
Moravam neste tempo no Caminho Grande,<br />
em uma casinha térrea, para onde a moléstia<br />
da mão de Ana Rosa os levara em busca de<br />
novos ares; porém Manuel, que era negociante<br />
e tinha o seu armazém na Praia Grande, mudou-se<br />
logo para o sobrado em que o vimos na<br />
rua da Estrela, e em cujos baixos há dez anos<br />
prosperava.<br />
Para não ficar só com a filha que estava se fazendo<br />
uma mulher, convidou a sogra, D Maria<br />
Bárbara, a fazer companhia à neta e mesmo<br />
para guiá-la, encaminhá-la bem. – Um homem<br />
nunca servia para essas cousas e se fosse a<br />
chamar uma preceptora – o que não diriam por<br />
aí?... No Maranhão falava-se de tudo. D. Maria<br />
Bárbara que viesse – estaria como em sua<br />
casa, bom quarto, boa mesa e plena liberdade.<br />
A sogra aceitou e lá foi, carregando seus cinquenta<br />
e tantos anos, alojar-se em casa de<br />
Manuel com seus moleques, suas crias e os<br />
cacaréus ainda do tempo do defunto marido.<br />
Mas em breve, o bom português arrependeu-<br />
-se da má aquisição que fizera. – D. Maria Bárbara,<br />
apesar de uma senhora piedosa, de não<br />
sair do quarto sem estar bem penteada; sem<br />
faltar-lhe nenhum dos cachinhos de seda preta,<br />
com que emoldurava disparatadamente o<br />
rosto pálido e enrugado, apesar de seu grande<br />
fervor religioso e das missas que absorvia quotidianamente,<br />
saíra-lhe má dona de casa – era<br />
uma víbora! Dava nos escravos por hábito e<br />
por gosto, só falava a gritar e quando punha-<br />
-se a ralhar – Deus rios acuda! –, incomodava<br />
toda a vizinhança. Enfim, era insuportável,<br />
mas o que se pode chamar insuportável!<br />
Maria Bárbara tinha o verdadeiro tipo das<br />
velhas maranhenses criadas na fazenda –<br />
Índice<br />
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tratava muito dos avós, eram quase todos<br />
portugueses, muito orgulhosa, muito cheia de<br />
escrúpulos de sangue; sempre que falava nos<br />
pretos dizia – os negros, os sujos! e quando<br />
se referia a um mulato, dizia – o cabra! Fora<br />
sempre devota; em Alcântara tivera uma capela<br />
de Santa Bárbara e obrigava a escravatura<br />
a rezar todas as noites, em coro, com os<br />
braços abertos, às vezes algemados. Falava<br />
com grandes suspiros do marido – do seu João<br />
Hipólito –, um português fino, de olhos azuis e<br />
cabelos louros.<br />
Este João Hipólito fora brasileiro adotivo e<br />
alcançara boa posição oficial na Secretaria do<br />
Governo; morreu como posto de coronel.<br />
Maria Bárbara tinha grande admiração pelos<br />
portugueses, falava deles com entusiasmo<br />
erótico, preferia-os aos brasileiros. Quando a<br />
filha foi pedida por Manuel Pedro, então principiante<br />
no comércio, dissera: – Bom! Ao menos<br />
tenho certeza de que é branco!<br />
Porém Manuel nunca fora amado pela mulher;<br />
a virtude fizera dela esposa dedicada,<br />
mãe extremosa, mas fria para o marido, foi talvez<br />
mártir.<br />
A mãe de Ana Rosa dedicara-se desde os<br />
quinze anos, com o entusiasmo do primeiro<br />
amor, ao nosso talentoso José Cândido de Moraes<br />
e Silva, conhecido popularmente pelo Farol,<br />
mas não lograra casar com ele, nem só em<br />
razão das perseguições políticas que tão cedo<br />
atribularam a pequena vida dessa bela criança,<br />
como também pela oposição inflexível que<br />
tal ideia encontrou na família de Mariana.<br />
Entretanto dizia ela amargamente – tinha<br />
sua felicidade presa à sorte do desventurado<br />
maranhense. É que sentira-lhe a mágica influência<br />
que os homens superiores exercem<br />
Índice<br />
14 / 58
sobre a mulher – vira-lhe os olhos claros e inteligentes,<br />
onde o amor deveria de ter um reflexo<br />
especial, ouvira a música que ele, nos serões<br />
de família, arrancava de seu violão inspirado<br />
e os bonitos versos que compunha para a namorada<br />
–, naquela fronte tão nova e já tão imponente<br />
admirava a virilidade do talento revolucionário<br />
e o heroísmo brilhante de um gênio<br />
superior à época em que floresceu! E tudo isso,<br />
como é muito natural, arrebatava-a para ele<br />
com todo o ardor do primeiro desejo.<br />
Quando o grande herói morreu, na Rua dos<br />
Remédios, vítima de seu talento e de sua lealdade,<br />
escondido, perseguido, cheio de necessidades,<br />
odiado, temido e adorado, tendo apenas<br />
vinte e cinco anos, a pobre senhora deitou<br />
luto e nunca mais se enfeitou. – Não tinha gosto<br />
para nada – dizia. Ficou mais feia e entristeceu<br />
até morrer, três anos depois.<br />
Ana Rosa era nesse tempo uma criança,<br />
porém a mãe ensinara-lhe a respeitar e compreender<br />
a memória do talentoso revolucionário,<br />
cujo nome despertava ainda entre os portugueses<br />
a raiva antiga do motim de 7 de agosto<br />
de 1831.<br />
– Minha filha – disse a mãe de Ana Rosa<br />
em vésperas da morte –, nunca te deixes casar<br />
sem sentires muito amor pelo homem que te<br />
destinarem. Pensa bem no que te estou dizendo<br />
– não cases no ar! O casamento, filha de<br />
minh’alma, deve ser sempre a consequência<br />
de duas inclinações – a gente se deve casar<br />
porque ama, e nunca ter de amar porque se<br />
casou; se fizeres o que te digo, serás feliz! –<br />
concluiu, pedindo à filha que prometesse, no<br />
caso que viessem a obrigá-la a casar, de arrostar<br />
tudo, tudo, para evitar semelhante coisa,<br />
principalmente se ela já gostasse de outro;<br />
Índice<br />
15 / 58
e então por esse outro, sim – fizesse sacrifícios,<br />
dedicasse-lhe toda a sua vida, porque isso era<br />
a verdadeira virtude.<br />
E foram estes os conselhos que a infeliz mulher<br />
de Manuel legou à filha. Ana Rosa não os<br />
compreendeu logo, decerto, nem tão cedo procurou<br />
compreendê-los, porém tão ligados estavam<br />
eles à morte da mãe, que não lhe acudia<br />
esta à memória sem as palavras da moribunda.<br />
Manuel Pedro, apesar de bom, era um desses<br />
homens pouco susceptíveis aos sentimentos<br />
muito delicados; seria um bom esposo para<br />
outra mulher, nunca compreendeu porem a<br />
que lhe coube, e é de supor até que chegasse<br />
a aborrecê-la. Quando viu-se viúvo não sentiu,<br />
a despeito do coração, mais do que a falta de<br />
uma companheira com quem já se tinha habituado;<br />
contudo não pensou em tornar a casar,<br />
convencido que o afeto da filha lhe chegaria de<br />
sobra para amenizar canseiras do trabalho, e<br />
os bons serviços da sogra para zelar pela decência<br />
de sua casa e pelos buracos de suas<br />
meias.<br />
Ana Rosa cresceu, como se pode calcular,<br />
entre os cuidados insuficientes do pai e o mau<br />
gênio da avó; ainda assim aprendera a gramática,<br />
lera alguma coisa, sabia rudimentos<br />
do francês e tocava modinhas sentimentais ao<br />
violão e ao piano. Era porém inteligente, tinha<br />
intuição da virtude, bonito modo e lamentava<br />
não se ter instruído mais. Conhecia muitos trabalhos<br />
de agulha, bordava bem e tinha uma<br />
voz boa que era um gosto! Em pequena servira<br />
várias vezes de anjo da verônica nas procissões<br />
da quaresma; e os cônegos da Sé gabavam-lhe<br />
o metal da voz e davam-lhe grandes<br />
cartuchos de amêndoas de mendubim, muito<br />
Índice<br />
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enfeitados com suas pinturas toscas a goma<br />
arábica e tintas de botica.<br />
Ana Rosa, nessas ocasiões, sentia-se radiante,<br />
com as faces rubradas de carmim, os<br />
cabelos retorcidos em cachos artificiais, grande<br />
roda no vestido curto como uma dançarina<br />
francesa. E muito concha, ufana de seus galões<br />
e de suas asas de papelão e escomilha,<br />
caminhava triunfante e feliz, entre as irmandades,<br />
segurando a extremidade de um lenço<br />
que lhe dava a segurar o pai. Isto eram promessas<br />
feitas pela mãe ou pela avó em dias<br />
de grande enfermidade.<br />
Ana Rosa crescera bonita de formas, sadia,<br />
tinha os olhos pretos e os cabelos castanhos de<br />
Mariana e puxara os dentes fortes e as rijezas<br />
do pai. Aos vinte anos era o santo Antoninho<br />
de casa – senhores e escravos tinham-na por<br />
senhora –, mandava, resolvia a seu bel-prazer.<br />
Com a puberdade apareceram-lhe caprichos<br />
românticos e fantasias poéticas –gostava dos<br />
passeios ao luar, das serenatas, tinha um<br />
quarto de estudo, uma variada biblioteca de<br />
romancistas e poetas, à cabeceira da mezinha<br />
de trabalho o retrato do Farol, que herdara de<br />
Mariana, sobre a estante um Paulo e Virgínia<br />
de biscuits. Lera com entusiasmo a Graziella e<br />
o Raphaël de Lamartine, e à noite, antes de dormir,<br />
procurava construir o sorriso que possuía<br />
a procitana quando fitava o amante. Praticava<br />
bem com os pobres, adorava os passarinhos<br />
e não podia ver matar junto de si urna borboleta.<br />
Um bocadinho supersticiosa – não queria<br />
as chinelas emborcadas debaixo da rede<br />
e aparava os cabelos durante o quarto-crescente<br />
da lua –, não porque acreditasse nessas<br />
coisas! justificava-se ela – mas fazia porque<br />
os outros faziam. Tinha sobre a cômoda um<br />
Índice<br />
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cromo litográfico de Nossa Senhora dos Remédios<br />
e rezava-lhe todas as noites. Dava a vida<br />
por um passeio ao Cutim, e quando soube que<br />
se projetava uma linha férrea de bondes até lá<br />
teve uma alegria nervosa e feliz.<br />
Feitos os dezenove anos, Ana Rosa pouco e<br />
pouco principiara a descobrir em si sintomas<br />
esquisitos e crescentes, sentiu que qualquer<br />
transformação importante se operava em seu<br />
espírito e em seu corpo – sobressaltavam-na<br />
tristezas infundadas e temores ideais. Um dia<br />
acordou mais preocupada – assentou-se cismando<br />
na rede, e, com grande espanto, reparou<br />
que seus membros se tinham arredondado,<br />
que a linha curva suplantara a reta e que<br />
suas formas eram inteiramente de mulher –,<br />
veio-lhe um contentamento estranho e violento,<br />
porém pouco depois entristeceu – sentiu-se<br />
só, não lhe bastava o amor do pai e da avó,<br />
queria uma afeição mais exclusiva, um afeto<br />
mais dela. Lembrou-se então de seus namorados,<br />
riu-se – Coisas de criança! Aos doze anos<br />
namorara um estudante – conversaram três ou<br />
quatro vezes nas salas do pai e supunham-se<br />
deveras apaixonados um pelo outro; o estudante<br />
seguiu para a Escola Central da Corte e<br />
ela nunca mais pensou nele. Depois foi um oficial<br />
de Marinha – como lhe ficava bem a farda!<br />
Que moço engraçado! Bonito! E como sabia se<br />
vestir!... Ana Rosa chegou a principiar a bordar<br />
um par de chinelas para oferecer ao gentil<br />
namorado, antes porém de terminar o primeiro<br />
pé, já ele tinha desaparecido na corveta Baiana.<br />
O outro, um empregado do comércio – bom<br />
rapaz, cuidadoso da roupa e das unhas. Parecia<br />
que ainda o estava a ver: todo metódico,<br />
escolhendo palavras para pedir-lhe a subida<br />
honra de dançar com ela uma quadrilha no<br />
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Clube União. Ah tempos, tempos! E não queria<br />
mais pensar nisso: criancices! Criancices! Hoje<br />
ela queria, mas era o marido, o seu! O verdadeiro!<br />
O legal homem de sua casa! O dono de<br />
seu corpo, a quem ela pudesse amar abertamente<br />
como amante e obedecer como escrava.<br />
Queria se dedicar a alguém, sentia necessidade<br />
de aplicar sua atividade em governar uma<br />
casa e educar muitos filhos.<br />
E com estas ideias vinha-lhe sempre um arrepiozinho<br />
de febre – ficava excitada, idealizando<br />
um homem forte, corajoso, com um bonito<br />
talento, e capaz de se matar por amor dela! E<br />
debuchava em seus sonhos agitados um vulto<br />
confuso, que galgava a galope precipícios medonhos<br />
para chegar onde ela estava – merecer-<br />
-lhe um sorriso, uma esperança de casamento.<br />
E sonhava o noivado – um banquete esplêndido<br />
e um mancebo formoso e impaciente, a seu<br />
lado, queixando-se com um olhar terno e varonil<br />
da demora dos convivas.<br />
Depois via-se dona de casa – pensando muito<br />
nos filhos, sonhava-se feliz, independente,<br />
presa ao ninho e às cadeias do marido, e<br />
imaginava umas criancinhas louras, engraçadas,<br />
dizendo ternas asneirinhas, chamando-a<br />
mamã. – Como devia ser bom!... Como havia<br />
mulheres que se não casavam!... Não podia<br />
admitir o celibato, o convento, principalmente<br />
para a mulher. Um homem, vá! Viveria triste,<br />
só! Mas enfim sempre era um homem! Teria<br />
outras distrações! Mas uma mulher! Que melhor<br />
futuro poderia ambicionar que o casamento?<br />
Que melhor prazer do que a maternidade!<br />
Que melhor companhia do que a dos filhos,<br />
esses diabinhos tão feiticeiros?! Além de tudo<br />
isso – ela sempre gostara muito de crianças –,<br />
pedia-as emprestado às mães e as demorava<br />
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quanto fosse possível em sua companhia; tinha<br />
um afilhado de dois anos, para quem cosia<br />
camisas, com paciência, boa vontade, gostava<br />
de vestir bonecas e, quando alguma de suas<br />
amigas se casava, Ana Rosa sempre guardava<br />
um cravo do casamento, com muita fé – pregava-o<br />
no vestido com os alfinetes dourados<br />
da noiva, e, depois de tudo isto, suspirava longamente,<br />
com o desânimo do viajante que já<br />
se sente cansado e não avista ainda o lar.<br />
Mas o noivo onde estava que não vinha?!<br />
Esse mancebo tão ardente, tão romântico,<br />
tão apaixonado, por que não se apresentava?<br />
Dos homens que conhecia nenhum decerto podia<br />
ser! E não obstante ela amava! A quem?<br />
Não sabia, mas amava! Sim! Fosse um ideal,<br />
fosse o que fosse, mas ela sentia estremecimentos<br />
pensando nele, chorava, ria, estorcia-<br />
-se, soluçava e chamava-se infeliz, desgraçada.<br />
Os dias foram se passando no aborrecimento<br />
de seu celibato e nada!... Ana Rosa principiou<br />
a emagrecer a olhos vistos, dormia menos, à<br />
mesa mal tocava nos pratos.<br />
– Ó pequena! Tu tens alguma coisa! – disse-<br />
-lhe um dia o pai, já maçado com o ar doentio<br />
da filha. – Não me pareces a mesma! Que é<br />
isso, Anica?!<br />
– Não era nada!...<br />
E Ana Rosa sobressaltava-se, como se tivesse<br />
cometido uma falta. – Andaço! Incômodo de<br />
nervos! – Não era coisa que valesse a pena!...<br />
E chorava.<br />
– Olha! Aí temos! Agora estás a chorar! Nada!<br />
É preciso chamar o médico!<br />
– Chamar o médico?! Ora, papai! Não vale a<br />
pena!<br />
E tossia. – Que a deixassem em paz! Que<br />
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não a estivessem apoquentando com perguntas!...<br />
E tossia mais, sufocada.<br />
– Vês?! Estás achacada! Levas nesse chrum<br />
chrum! chrum, chrum!<br />
E arremedava a tosse da filha: – E é só. – Não<br />
vale a pena! Não precisa chamar o médico! –<br />
Não, senhora, com moléstias não se brinca!<br />
O médico receitou banhos de mar na Ponta<br />
d’Areia. Foi um tempo delicioso para Ana<br />
Rosa os três meses que passou lá – os ares da<br />
costa, os banhos de choque, os passeios a pé<br />
abriram-lhe o apetite e trouxeram-lhe algum<br />
sangue; ficou mais forte, chegou a engordar.<br />
Na Ponta d’Areia travara uma nova amizade:<br />
D. Eufrasinha. Era viúva de um oficial do<br />
Quinto d’Infantaria, que morreu na guerra do<br />
Paraguai.<br />
Eufrásia era muito romântica – falava, requebrando-se,<br />
do marido e poetizava-lhe a curta<br />
história. – Dez dias depois de casado partira<br />
para o campo de batalha e, no denodo de sua<br />
coragem, fora atravessado por uma bala de artilharia,<br />
morrendo a balbuciar com o lábio ensanguentado<br />
o nome da esposa estremecida!<br />
E com um enorme suspiro histérico a viúva<br />
concluía, pesarosa: – Que conhecera prazeres<br />
nesta vida apenas dez dias e dez noites!...<br />
Ana Rosa lamentava muito a amiga e ouvia-lhe<br />
de boa-fé as frioleiras, com atenção e<br />
recolhimento, cheia de ingênua sinceridade.<br />
Identificava-se facilmente com a história singular<br />
daquele casamento tão triste e simpático<br />
– por mais de uma vez chegou a chorar pela<br />
morte do moço oficial de infantaria.<br />
D. Eufrasinha ensinou a sua nova amiga<br />
muitas cousas que esta ignorava –instruiu-a<br />
em certos segredinhos do casamento; pode-<br />
-se dizer que deu-lhe lições de amor. Falou-lhe<br />
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muito dos homens – como a gente devia lidar<br />
com eles; ensinou-lhe a conhecer as manhas<br />
dos namorados; quais eram os tipos preferíveis,<br />
o que queriam dizer olhos mortos, beiços<br />
grossos, nariz comprido.<br />
Ana Rosa ria-se – não ligava importância a<br />
essas cousas – bobagens! – dizia ela com um<br />
sorriso de dúvida. Contudo foi insensivelmente<br />
reconstruindo seu ideal pelas informações de<br />
Eufrásia – fê-lo mais material, mais homem,<br />
mais possível de ser encontrado, e, pensando<br />
só no corpo, corrigiu-o, reformou-o, poliu-o,<br />
deu-o por pronto, e então amou-o mais, muito<br />
mais!, tanto como si fosse uma realidade.<br />
Desde então começou a servir-se desse ideal<br />
como base de suas observações concernentes<br />
ao homem: era ele o termo de suas comparações,<br />
a bitola por onde media o merecimento<br />
de cada sujeito que lhe aparecia. E se o desgraçado<br />
não tivesse o nariz, o olhar, o gesto,<br />
o todo enfim, igual ou pelo menos semelhante<br />
à bitola, podia perder a esperança de cair nas<br />
graças da filha de Manuel Pedro.<br />
Eufrasinha mudou-se para a cidade. Ana<br />
Rosa já lá estava. Visitaram-se de parte a parte<br />
– confidenciaram. E na intimidade de suas<br />
confidências acharam consolo mútuo para o<br />
celibato de uma e para a viuvez da outra.<br />
Havia, empregado no armazém do pai de<br />
Ana Rosa, um rapaz português, de nome Luís<br />
Dias – muito ativo, econômico, discreto, trabalhador,<br />
boa letra e muito estimado da praça.<br />
Contavam dele invejáveis partidas de viveza<br />
comercial, e ninguém se lembrava de dizer<br />
mal do Dias. Era um desses tipos incapazes<br />
de inspirar a alguém qualquer sentimento bem<br />
definido e dos quais em geral se diz: – É um homem<br />
inofensivo. Quase sempre que falavam a<br />
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espeito dele diziam: – Coitado! E este coitado<br />
não tinha uma razão de ser, porque ao Dias<br />
nada faltava – tinha casa, comida, roupa lavada<br />
e engomada e cobres, mas é que o diabo do<br />
homem inspirava compaixão com o seu eterno<br />
ar de piedade, de súplica, de humilhação; fazia<br />
pena, incutia dó em quem o visse tão submisso,<br />
tão passivo! A graça é que ninguém se<br />
lembraria de levantar sobre ele o braço sem<br />
sentir a repugnância da covardia.<br />
Outros elogiavam-no. – Que não fossem atrás<br />
daquele ar modesto, porque ali estava um empregado<br />
de truz! Muito hábil! inteligente! Expedito!<br />
Um entusiasta chamou-o de uma feita<br />
– gênio privilegiado do comércio! E a fórmula<br />
ficou! Respeitavam-no.<br />
Vários negociantes ofereciam-lhe boas vantagens<br />
para deixar a casa de Manuel; o Dias<br />
recusava sempre, de cabeça baixa, humilde. E<br />
tão firmemente se negou às repetidas propostas,<br />
que todo o comércio, dando como certo o<br />
casamento dele com a filha do patrão, elogiou<br />
a escolha de Manuel, e profetizou ao novo casal<br />
um futuro de riqueza. – Foi acertado, foi! –<br />
diziam com o olhar fito.<br />
De fado Manuel Pedro via naquela criatura,<br />
trabalhadora e passiva como um boi de canga,<br />
e econômico como um usurário, o homem mais<br />
habilitado para fazer a felicidade da filha. Queria-o<br />
para genro – apreciava-o, louvava-lhe a<br />
morigeração e contava a toda gente que o seu<br />
Dias retirava por ano apenas a quarta parte<br />
do ordenado. – Deve ler seu pecúlio! Deve! A<br />
mulher que o quisesse levava um bom marido!<br />
Aquele vem a possuir alguma cousa! – dizia<br />
ele com convicção.<br />
E pouco a pouco foi se habituando a julgá-lo<br />
da família e a estimá-lo como tal. Só faltava que<br />
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a filha se inclinasse, se resolvesse, mas ela<br />
– qual! Tinha-lhe até como que repugnância –<br />
não o queria ver com seu cabelo curto, o bigode<br />
convencionalmente raspado, os dentes sujos,<br />
os movimentos acanhados e reles; a exagerada<br />
economia do Dias causara-lhe tédio. – Um<br />
somítico! – dizia ela, franzindo o nariz.<br />
Um dia o pai falou-lhe no casamento.<br />
– Com o Dias?!... – perguntou espantada.<br />
– Sim.<br />
– Ora, papai!<br />
E soltou uma rizada.<br />
Manuel não se animou a dizer mais nada,<br />
porém à noite contou tudo em particular ao<br />
compadre, um amigo velho, íntimo da casa – o<br />
cônego Diogo.<br />
– Optima saepe despecta! – sentenciou o amigo.<br />
– É preciso dar tempo ao tempo, seu compadre!<br />
A coisa há de ser; deixe estar.<br />
No entanto o Dias não desanimava, esperava<br />
pacificamente, calado, sem erguer os olhos,<br />
cheio de resignação e humildade.”<br />
Índice<br />
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NASCIMENTO<br />
MORAES<br />
(1882-1958)<br />
Professor, crítico, polemista, poeta,<br />
ativista intelectual, e, sobretudo, jornalista,<br />
José do Nascimento Moraes<br />
foi “sem exagero o maior e mais fecundo<br />
polígrafo maranhense deste século<br />
(XX)” (Nauro Machado). Sua obra<br />
publicada inclui Puxos e repuxos, crítica<br />
(1910); Vencidos e degenerados,<br />
romance (1915; republicado, junto<br />
com Contos de Valério Santiago – São<br />
Luís: Secma/Sioge, 1982 ); Neurose<br />
do medo, crônicas (1923; republicado<br />
em 1982, junto com 100 artigos<br />
do autor – São Luís: Secma; Rio de<br />
Janeiro: Civilização Brasileira), entre<br />
outros títulos.<br />
O texto abaixo foi extraído das primeiras<br />
páginas de Vencidos e degenerados,<br />
(livro que, como diz Jean-Yves<br />
Mérian, “mais que um romance, é<br />
uma crônica da vida em São Luís do<br />
Maranhão em fins do século XIX e no<br />
começo do século XX.” Observe-se<br />
que a personagem principal do relato,<br />
José Maria Maranhense, foi um<br />
dos pseudônimos do Autor (Zé Maranhense).<br />
O texto foi levemente revisto,<br />
além de atualizada a ortografia).<br />
Índice<br />
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Às oito horas da manhã do dia 13 de maio de<br />
1888, a residência de José Maria Maranhense,<br />
à Rua São Pantaleão, uma meia-morada de<br />
bons cômodos, regurgitava de gente. Ele, Maranhense,<br />
membro saliente do Clube Abolicionista<br />
Maranhense, era um dos mais ardorosos<br />
e salientes cabos de guerra do abolicionismo e<br />
um dos que mais se expusera pela nobilíssima<br />
causa da liberdade, não poupando em favor<br />
dela as suas pequenas economias.<br />
Os que lá se achavam naquela gloriosa manhã<br />
eram pessoas de diversas classes sociais,<br />
desde o funcionário público e o homem de letras,<br />
até artistas, operários livres, não faltando<br />
vagabundos e desclassificados.<br />
Principiara o reboliço na noite passada, durante<br />
a qual ansiosamente esperaram que<br />
chegasse o telegrama transmissor da grande<br />
e luminosa notícia da redenção dos cativos, de<br />
que, há muitos dias, já se vinha falando, animados<br />
todos por vigorosas esperanças.<br />
Maranhense mandara vir, à noite, uma haste<br />
tosca e grosseira, e a colocara numa das janelas,<br />
sustentada na extremidade inferior pelo<br />
parapeito mais acima e por grossas cordas<br />
que se enrolavam fortemente em dois pregos<br />
enterrados na parede, dentro da sala. Com alguns<br />
reparos que lhe fez, elevou-a à categoria<br />
de pau de bandeira.<br />
Nela se desfraldaria o pavilhão nacional assim<br />
que chegasse a promissora notícia.<br />
O movimento continuava intenso na residência<br />
de Maranhense, como em muitos pontos<br />
da cidade, em todas as casas onde moravam<br />
abolicionistas decididos e afervorados.<br />
Os vizinhos, curiosos, estavam à janela,<br />
apreciado aquilo que não compreendiam muito<br />
bem...<br />
Índice<br />
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Nas esquinas com a Rua do Monteiro, em frente<br />
da casa de Maranhense, populares comentavam<br />
os boatos e notavam os que entravam e<br />
os que saíam daquela formidável assembleia<br />
em que se reuniam tão variados elementos.<br />
Às nove horas, pouco mais ou menos, notouse<br />
maior reboliço na sala; afluíram muitos casacudos<br />
às janelas, ao mesmo tempo, com<br />
sensível curiosidade: era que se aproximava,<br />
descendo a rua, João Olivier, jornalista vibrante<br />
e orador fluente, que pela imprensa muito<br />
trabalhava em favor dos oprimidos.<br />
João Olivier dirigia-se para a casa de Maranhense.<br />
Era um rapaz alto, magro, moreno, rosto largo,<br />
olhos negros e vivos, faiscando através das<br />
vidraças do pincenê. Envergava um fato azul<br />
claro; trazia um colarinho alto, gravata parda,<br />
a borboletear. Não dispensava uma flor qualquer<br />
à botoeira, e exibia naquela manhã um<br />
desabrochado botão de rosa amarela, luvas no<br />
bolso do peito do paletó, e um palhinha airoso<br />
e leve. Caminhava com o passo largo e medido.<br />
Quando andava, metia o dedo polegar esquerdo<br />
na cava do colete, balanceava o corpo<br />
e a cabeça, jogando com as espáduas para a<br />
direita e para a esquerda, fronte alevantada,<br />
altiva, e, se porventura a baixava, era para se<br />
espelhar no verniz da botinha. Era mestiço e<br />
fora com dificuldade que se colocava na imprensa<br />
e se fizera guarda-livros de importante<br />
casa comercial. Era um cronista excelente e<br />
sustentava no jornal as graças e as louçanias<br />
do dizer castiço e vernáculo.<br />
– Ilustradíssimo causeur! – cumprimentou-o<br />
à porta um dos que se apresentou a recebê-lo,<br />
sacudindo-lhe a mão com mãos ambas.<br />
– Pena bizarra do galanteio feminil, salve! –<br />
Índice<br />
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espondeu o moço jornalista, numa curvatura<br />
entre o grotesco e o irônico, descobrindo-se com<br />
elegância, pegando do chapéu e do leque com<br />
a mão esquerda em cima do peito.<br />
Passou entre filas e penetrou na sala, apinhada<br />
de homens e senhoras. Olivier era uma<br />
figura simpática e insinuante. <strong>Seu</strong> nome era<br />
um florão de pérolas, na época, uma centelha.<br />
Por isso, à sua presença, quem não lhe vinha<br />
ao encontro compunha-se, voltava-se, para lhe<br />
examinar a figura original. Maranhense o levou<br />
para um canto da sala, e, em voz baixa,<br />
lhe falou assim:<br />
– A coisa está demorando. Que achas tu?<br />
– Acho que devemos estar tranquilos. A demora<br />
é um nada. Sou capaz de apostar que é<br />
hoje que a bomba arrebenta.<br />
– Eu de ânsias estou ficando doente. Acredita<br />
que não preguei olhos à noite passada.<br />
Este pessoal só me deixou depois das duas da<br />
madrugada.<br />
– E quem dormiu à noite passada? Nós não<br />
dormimos e eles não dormiram.<br />
– Eles?...<br />
– Escravos e senhores.<br />
– Ah, sim, percebo. E por que não vieste até<br />
cá?<br />
– Estive em casa do Freire, com o Vítor, até<br />
muito tarde. Quando saí de lá, fui beber um<br />
café no Zé Bento. Com quem me havia de encontrar?<br />
Com João Reis. O resto, com certeza,<br />
adivinharás.<br />
– O patife, creio que ainda não chegou à casa,<br />
porque ainda há pouco o mandei procurar, e a<br />
velha me mandou dizer que dele não tem nem<br />
novas, nem mandadas...<br />
– É terrível...<br />
Olivier se abanava e conservava a mão<br />
Índice<br />
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esquerda no bolso da calça, espraiando o olhar<br />
observador por todos os circunstantes: uns formavam<br />
pequenos grupos e conversavam sobre<br />
os últimos acontecimentos relativos à liberdade<br />
dos escravos; outros, agitados, a fumar, passavam<br />
pelas salas, trocando palavras aqui e<br />
ali. José Maria recostou-se ao umbral da porta<br />
que comunicava ao quarto. Olivier fechou o leque<br />
e acendeu um charuto fino, tendo antes<br />
dado outro ao fogoso abolicionista. José Maria<br />
não quis fumar e guardou o charuto no bolso<br />
de dentro do fraque. Olivier [lhe disse], depois<br />
de uma longa fumaça:<br />
– O Pereira e o Freire devem estar aborrecidos,<br />
lá no telégrafo, a esperarem... Deixa lá<br />
que é uma cacetada...<br />
E depois de alguns instantes, como quem se<br />
recorda:<br />
– Que faz o teu vizinho, o Coronel Patusco?<br />
– Está danado... Temo que ele não resista<br />
ao golpe... Para te falar com franqueza, temo<br />
mais pela mulher dele. É medonha! Irra!<br />
– Horrorosa!...<br />
Coronel Patusco era o Coronel Lousada, a<br />
quem Olivier pregou aquele apelido canalha,<br />
por causa de suas maneiras e hábitos na sociedade.<br />
O povo, porém, ferindo outro alvo, o<br />
alcunhara de Alma Negra.<br />
Lousada era um terrível senhor de escravos,<br />
que abalava a cidade com suas torpezas, quase<br />
diariamente cometidas, com variantes de requintada<br />
selvageria. Lousada tinha especiais<br />
e originalíssimos instrumentos de suplício,<br />
como fossem: cabos preparados com estilhaços<br />
de vidros, por onde forçadamente subiam<br />
e desciam os escravos, até cortarem inteira e<br />
profundamente as mãos; redes com lâminas<br />
lacerantes e pregos onde se embalavam, num<br />
Índice<br />
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horrível balanço, aqueles infelizes, até se retalharem<br />
as carnes e se rasgarem os tecidos<br />
das costas e dos flancos; martelinhos para baterem<br />
na arcada do peito até o sangue espirrar<br />
ou golfar pelo nariz e pela boca; espetos de<br />
ferros que se levavam ao fogo até o rubro, para<br />
queimarem os olhos, a língua, e os membros<br />
dos escravos, que endoideciam nas prisões<br />
úmidas e sufocantes do pavimento térreo.<br />
De noite, à placidez mórbida e pavorosa de<br />
seu silêncio, ouviam, os que moravam nas casas<br />
contíguas ao sobrado do Coronel Lousada, gemidos<br />
surdos que mãos de ferro violentamente<br />
estrangulavam na garganta, espanqueamento<br />
de corpos, de encontro às paredes e às lajes,<br />
queixas e ais, imprecações de almas desesperadas,<br />
rugidos de corações intumescidos pela<br />
cólera, brados, pragas e vingança e, frequentemente,<br />
uma frase cheia de terror, do terror<br />
nascida, repetida com precipitação e fervor, na<br />
agonia da dor e do martírio: “Ai, meu senhor!<br />
Ai, meu senhor!”<br />
– Principiando por casa – continu[ou] Olivier<br />
–, eu já disse a tia Rosa que ponha no olho da<br />
rua a sua pouca gente, antes que a coisa chegue.<br />
É uma medida, José Maria, que, a meu<br />
ver, algo de moral e prudência...<br />
– E a velha está pelos autos?<br />
– Com a maior carga de resignação que pode<br />
concentrar. Porque, na verdade te digo eu –<br />
coordenou Olivier com um sorriso em que a pilhéria<br />
se debruçava graciosa –, esta pobreza<br />
fidalga daqui já ia pegando a moda (notaste o<br />
ia de minha frase?), e não viria longe o dia em<br />
que os escravos, os próprios escravos, procurariam<br />
ter escravos!...<br />
José Maria não pôde conter o riso ante o sério<br />
com que o Olivier proferiu estas palavras.<br />
Índice<br />
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Olivier sorriu e foi-se pelos grupos que enchiam<br />
a sala, apimentando e salgando a prosa alheia<br />
com epigramas que ele lançava com muito chiste<br />
e superior agudez de espírito.<br />
Olivier era uma prosa encantadora, fluente,<br />
salpicada de notas alegres e leves, até quando<br />
tratava de fatos, por sua natureza, graves<br />
e sérios. Suas crônicas eram as mais apreciadas<br />
da Província e, fora dela, corria o seu nome<br />
em evidência, recomendado pela pureza da<br />
linguagem, muito parecida, pela forma e pela<br />
ironia, com a do afamado folhetinista e poeta<br />
maranhense Gentil Homem de Almeida Braga,<br />
a cuja leitura Olivier, arrebatado por sua admiração<br />
incondicional, muito se entregara, de<br />
modo que os seus primorosos lavores saíam<br />
impregnados daquele suave perfume que ainda<br />
se evola dos períodos do folhetinista de<br />
Entre o céu e a terra, recordando o fino gosto<br />
artístico com que aquele excelso cinzelador de<br />
tão boa prosa escreveu o memorável folhetim<br />
que ele intitulou: Se os Holandeses não tivessem<br />
perdido a Batalha dos Guararapes!...<br />
Olivier, colocado com desassombro num dos<br />
mais afamados periódicos da Província, foi um<br />
dos maiores elementos contra a escravidão, e,<br />
como se não bastasse a sua ação na imprensa,<br />
onde ele, com vigor, e até certa violência,<br />
doutrinava, repisava o assunto na conversação,<br />
descrevendo negras cenas de selvageria<br />
desconhecida na capital e que se davam no<br />
interior, nas fazendas, e cujas notícias lhe chegavam<br />
por intermédio de cartas que raríssimos<br />
amigos lhe escreviam de lá, ou que escravos<br />
vendidos e que vinham para a capital contavam<br />
a tremer e espavoridos.<br />
Maranhense enfiou pelo quarto e foi ter<br />
à varanda a repetir pausadamente a seus<br />
Índice<br />
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auxiliares as ordens já dadas sobre os foguetes<br />
e a bebida. O que não queria era que, à<br />
hora em que se recebesse o telegrama, nada<br />
estivesse em seu lugar e houvesse atrapalhos<br />
e descontentamentos.<br />
Maranhense era mulato, mais baixo que alto,<br />
e careca. Contava quarenta e tantos anos, grisalho,<br />
gordo e simpático. Marceneiro de profissão,<br />
e estudante nas horas vagas. Tinha<br />
decidido gosto pelas letras, pela ciência, por<br />
tudo enfim que fosse do domínio da inteligência<br />
humana. Se bem não lhe fosse possível<br />
cultivar o espírito com o trato constante do estudo,<br />
em disciplinas regulares, fazia, contudo,<br />
o que estava ainda à altura de suas forças:<br />
procurava relacionar-se com os literatos da terra,<br />
chegava-se àqueles de quem se apregoava<br />
um espírito esclarecido; e, como era inteligente,<br />
de uma assimilação fácil, deu força à sua<br />
loquacidade. José Maria discutia, argumentava,<br />
tinha ideias e pensamentos, e os expunha<br />
sempre, defendendo-os, quando se fazia preciso,<br />
ajudado do bom senso que sempre tivera.<br />
Entusiasta, impressionável, agitador e cheio<br />
de resolução entre os abolicionistas do grupo,<br />
tomou posição evidente, e sua casa, que já era<br />
um ponto de conservação assiduamente frequentado<br />
por muitos dos intelectuais da época,<br />
tornou-se um dos centros de reuniões de<br />
abolicionistas.<br />
Os escravos o consideravam como um dos<br />
seus protetores, e, porque ele era sincero na<br />
causa que defendia, eles o procuravam a todo<br />
o momento, para tratarem da liberdade deles.<br />
Os abolicionistas estavam preparados para<br />
festejar a grande e áurea Lei, salientando-se,<br />
entre todos os preparativos, os do Clube Artístico<br />
[sic] Maranhense, que eram caprichosos,<br />
Índice<br />
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sem igual.<br />
A passeata do Clube devia sair de uma casa,<br />
à Rua de Santaninha, onde já se achavam todos<br />
os aprestos, ornamentos e dourados que<br />
tinham de figurar na “sensacional”, segundo<br />
se expressava Santana Reis, um dos mais valentes,<br />
inteligentes e prestimosos membros do<br />
Clube.<br />
À Rua de Santaninha já estavam o retrato<br />
de José do Patrocínio e os de Nabuco, João Alfredo<br />
e outros do gabinete libertador e de gabinetes<br />
que o precederam, trabalhando para a<br />
liberdade dos negros.<br />
Da casa de Maranhense ainda tinham de ir<br />
muitas dúzias de foguetes, de balões, pequenos<br />
andores para os retratos, velas, alguns<br />
archotes, e um retrato da Princesa Isabel, já<br />
colocado com andor lantejoulado, trabalho imperfeito<br />
quanto às particularidades, mas tratável<br />
e completo nas linhas gerais.<br />
Depois de ter recomendado a seus discípulos<br />
um transporte cuidadoso de tudo aquilo, como<br />
quem diz uma oração, voltou à sala, onde o<br />
reboliço crescia momento a momento com os<br />
boatos desordenados que corriam.<br />
Olivier continuava a palrar, saboreando delicioso<br />
charuto. Maranhense acendeu o seu e<br />
foi-se, pensativo, a olhar o movimento da rua,<br />
que a mais e mais se aumentava, e a cumprimentar<br />
com rasgados cheios os transeuntes.<br />
O telegrama chegou às três horas da tarde.<br />
Os da comissão destacada no telégrafo deram<br />
o sinal convencionado, fazendo subir aos<br />
ares girândolas e foguetes.<br />
O pessoal de prontidão na casa de José<br />
Maria respondeu tocando também outras tantas<br />
girândolas. A sala do velho abolicionista<br />
tremeu de vivas atroadores, que romperam do<br />
Índice<br />
33 / 58
peito ansioso de toda a assembleia.<br />
As moças correram às cestas de flores, e José<br />
Maria, com ar marcial, foi postar-se em frente<br />
a um retrato coberto de gaze transparente, colocado<br />
na sala, por cima do sofá. Ouviu-se,<br />
após, o tocar de foguetes em todos os bairros.<br />
Um grupo de populares, vindo da Rua do Passeio<br />
pela Travessa do Monteiro, desembocou<br />
em frente da casa de Maranhense, invadindo-<br />
-a depois. Olivier, a um sinal de José Maria,<br />
subiu a uma cadeira, impondo a sua estatura<br />
simpática e atraente, estendeu o braço direito,<br />
com a mão aberta, pedindo silêncio. Súbito o<br />
burburinho estancou. O orador começou o discurso.<br />
O causeur era um tribuno elegante e veemente.<br />
Palavra fácil, fluente, cativante dicção,<br />
imagens fortes e cheias de vida, voz áspera,<br />
gesto nervoso, dominou o auditório, comoveu-o,<br />
entusiasmou-o, lançou a chama encantadora<br />
do arroubo, e perorou entre frenéticos e<br />
tumultuosos aplausos.<br />
Foi um discurso de conceitos, de pensamentos,<br />
sentimental, que tocou ao auge de beleza<br />
e forma, quando falou na Princesa Isabel.<br />
Foi nesse ponto que Maranhense, repuxando<br />
a gaze com o correr do cordel que se lhe ligava,<br />
fez aparecer o retrato dela, feito a craiom, por<br />
um talentoso artista plástico. Uma orquestra<br />
composta de conhecidos professores, dirigida<br />
pelo clarinetista Evaristo da Conceição, executou<br />
um Hino da Liberdade, composição do<br />
mesmo Evaristo.<br />
Maranhense não se tinha em si de alegria:<br />
a todos abraçava, atabalhoadamente, derramando<br />
uma verbosidade sem fim. Olivier, ufano,<br />
chega à janela e fala ao povo que se apertava<br />
na rua estreita. Nesta ocasião, rebenta<br />
Índice<br />
34 / 58
um grupo de abolicionistas, companheiros de<br />
Maranhense, rompendo violentamente a multidão.<br />
Levantou-se novo aranzel: novos discursos,<br />
novos abraços. José Maria não se contém:<br />
lança-se, por sua vez, à janela e saúda os seus<br />
irmãos de luta. Vítor Castelo responde, inflamado,<br />
fogoso, sacudindo o chapéu ao ar, num<br />
estrondoso viva a Isabel! E em frente da casa<br />
de José Maria, e dentro dela, se erguem exaltados<br />
ânimos, entusiásticas falas, e perene<br />
reina uma indizível e eloquente comunicação<br />
de ideias e pensamentos, por muito tempo enfreados<br />
e subjugados.<br />
Eram cinco horas da tarde, e a cidade fulgia<br />
de delírio, ardia na febre ruidosa e empolgante<br />
de sugestionadora alegria. Pelas ruas,<br />
cruzavam-se grupos e grupos de escravos, a<br />
gritar, loucos de satisfação; outros berravam<br />
obscenidades que, como pedradas, iam bater<br />
nas janelas dos escravocratas: insultos soezes,<br />
ofensas terríveis contra a família dos ex-<br />
-senhores que, temendo violências físicas, fechavam<br />
as portas, apenas acabavam de sair<br />
os últimos libertos.<br />
Momentos depois de proclamada a Lei, começou<br />
a divulgar-se a notícia de que uma escrava,<br />
ao passar pela Rua dos Afogados, dera<br />
uma bofetada numa senhora que estava à janela.<br />
Esta senhora passava por amarga decepção:<br />
viu saírem, portas a fora, sem um adeus,<br />
desvairados pela comoção da notícia, todos os<br />
seus escravos. Diziam os que a conheciam que<br />
era uma mulher má, sedenta de cruéis castigos,<br />
e que se apontava, distinta, pela impiedade<br />
de sua cólera, pelo arrebatamento do gênio<br />
irascível e impensadas ações.<br />
A arrebatada que lhe batera no rosto fora uma<br />
das suas escravas. Era um carafuza ainda<br />
nova, farta de carne, sensual, de bem talhadas<br />
Índice<br />
35 / 58
formas sedutoras, que fascinara o marido da<br />
senhora, um velho comendador, bonacheirão,<br />
roído de reumatismo, constrangido de achaques<br />
próprios da velhice, mas que ainda tinha<br />
vista para os atrativos do gozo. As olhadelas<br />
furtivas do velho libidinoso deitavam chispas<br />
que feriram a retina de D. Amandra. A crioula<br />
começou a ser espiada e por vezes maltratada.<br />
Fatos tais eram comuns e provocavam sempre<br />
a indignação popular. Por isso comentavam<br />
a bofetada, com chacotas e sarcasmo<br />
pungente.<br />
Provocaram fortes gargalhadas e pilhérias<br />
picantes os inesperados cômicos que se deram:<br />
cozinheiras que abandonavam os patrões, sem<br />
lhes apresentar o jantar; outras, que faziam<br />
compras e que se foram com dinheiro e balde.<br />
E em muitas casas, se passaram cenas deprimentes<br />
e tristes: escravos dando expansão à<br />
raiva e ao ódio cometeram desatinos de toda<br />
a espécie, quebrando móveis e louças, e mais<br />
objetos que se lhes deparavam, e deixavam, a<br />
blasfemar, o teto onde tão desgraçados dias<br />
viveram, atirando ferinos e brutos impropérios<br />
que se iam quebrar, como garrafas e vidros,<br />
nas rótulas das janelas, nas portas, e na alma<br />
aniquilada dos infelizes ricaços de ontem, que<br />
se viram, em grande parte, pobres de um momento<br />
para outro.<br />
Não obstante, alguns dos ex-senhores não<br />
ficaram completamente abandonados, porque<br />
não eram maus. Ao abrirem as portas, ao franquearem<br />
a saída aos de há pouco escravos,<br />
ofereceram abrigo aos que quisessem continuar<br />
na sua companhia. Muitos aceitaram os<br />
convites, na maioria os velhos, já inválidos<br />
para uma existência laboriosa, e moças que<br />
eram crias de muito estima e algum conforto,<br />
Índice<br />
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em geral filhos [sic] de escravas com senhores<br />
moços. Mais que os ricos, sofreram, porém, os<br />
pobres que tinham escravos. Os pobres presumidos.<br />
Faziam economias, com prejuízo da<br />
alimentação, e ostentavam pequeno cabedal<br />
de negros. Os escravos dos pobres sofriam as<br />
mais ridículas vexações, porque o espírito pequenino<br />
dos seus senhores se deliciava em os<br />
ocupar a todo instante com as coisas mais insignificantes,<br />
bagatelas, que, à vista da falta<br />
de meios neles patentes, tomavam aspectos<br />
bem deslavados e grotescos.<br />
Pertencer à primeira sociedade era possuir,<br />
pelo menos, duas ou três cabeças de negros.<br />
Imagina-se facilmente o desconsolo em que ficaram<br />
esses pequenos proprietários, quando<br />
se viram, num minuto, abandonados pelos escravos<br />
que eles tinham comprado à custa de<br />
mil sacrifícios e inúmeras necessidades, aqueles<br />
servidores que trabalhavam diariamente à<br />
chuva e ao sol expostos, e que lhes garantiam,<br />
com o produto das energias gastas, o pão de<br />
cada dia.”<br />
Índice<br />
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Acervo do arquivo da Casa de Cultura Josué Montello<br />
JOSUÉ MONTELLO<br />
(1917-2006)<br />
Voltado, desde os bancos escolares,<br />
às plúrimas facetas da vida intelectual,<br />
Josué Montello destacou-se<br />
pela numerosa bibliografia de que foi<br />
autor (mais de cem títulos), da qual<br />
sobressai a obra romanesca, em larga<br />
parte ambientada em cenário maranhense.<br />
<strong>Seu</strong>s romances Os tambores de São<br />
Luís (Rio de Janeiro: José Olympio,<br />
1975) e Noite sobre Alcântara permanecem<br />
entre as grandes realizações<br />
da literatura brasileira do século XX.<br />
O texto abaixo foi extraído das páginas<br />
iniciais e finais de Os tambores<br />
de São Luís.<br />
Índice<br />
38 / 58
“Até ali os tambores da Casa Grande das<br />
Minas tinham seguido seus passos, e ele via<br />
ainda os três tamboreiros, no canto esquerdo<br />
da varanda, rufando forte os seus instrumentos<br />
rituais, com o acompanhamento dos ogãs e<br />
das cabaças, enquanto a nochê Andreza Maria<br />
deixava cair o xale para os antebraços, recebendo<br />
Toi-Zamadone, o dono do lugar.<br />
Por vezes, no seu passo firme pela calçada<br />
deserta, deixava de ouvir o tantantã dos tambores,<br />
calados de repente no silêncio da noite,<br />
com o vento que amainava ou mudava de direção.<br />
Daí a pouco Damião tomava a ouvi-los,<br />
trazidos por uma rajada mais fresca, e outra<br />
vez a imagem da nochê, cercada pelas noviches<br />
vestidas de branco, lhe refluía à consciência,<br />
magra, direita, porte de rainha, a cabeça<br />
começando a branquear.<br />
Fora ela que viera buscá-lo, à entrada do<br />
querebetã. A intenção dele era apenas ouvir<br />
um pouco os tambores e olhar as danças, sentado<br />
no comprido banco da varanda, de rosto<br />
voltado para o terreiro pontilhado de velas. Já<br />
o banco estava repleto. Muitas pessoas tinham<br />
sentado no chão de terra batida, com as mãos<br />
entrelaçadas em redor dos joelhos; outras permaneciam<br />
de pé, recostadas contra a parede.<br />
Mas a nochê, que o trouxera pela mão, fez sair<br />
do banco um dos assistentes, e ele ali se acomodou,<br />
em posição realmente privilegiada, podendo<br />
ver de perto os tambores tocando e as<br />
noviches dançando, por entre o tinir de ferro<br />
dos ogãs e o chocalhar das cabaças.<br />
Vez por outra sentia necessidade de ir ali,<br />
levado por invencível ansiedade nostálgica,<br />
que ele próprio, com toda a agudeza de sua<br />
inteligência superior, não saberia definir ou explicar.<br />
O certo é que, ouvindo bater os tambores<br />
rituais, como que se reintegrava no mundo<br />
Índice<br />
39 / 58
mágico de sua progênie africana, enquanto se<br />
lhe alastrava pela consciência uma sensação<br />
nova de paz, que mergulhava na mais profunda<br />
essência de seu ser. Dali saía misteriosamente<br />
apaziguado, e era mais leve o seu corpo<br />
e mais suave o seu dia, qual se voltasse a lhe<br />
ser propício o vodum que acompanha na Terra<br />
os passos de cada negro.<br />
Embora só houvesse no céu uma fatia de<br />
lua nova, por cima da igreja de São Pantaleão,<br />
uma tênue claridade violácea descia sobre a<br />
cidade adormecida, com a multidão de estrelas<br />
que faiscavam na noite de estio. Em cada<br />
esquina, a sentinela de um lampião, com seu<br />
bico de gás chiante. Todas as casas fechadas.<br />
Perto, para os lados da Rua da Inveja, o apressado<br />
rolar de um carro, com o ruído do cavalo<br />
a galope nas pedras do calçamento. E sempre<br />
o baticum dos tambores, ora fugindo, ora voltando,<br />
sem perder a cadência frenética, muito<br />
mais ligeira que o retinir das ferraduras.<br />
No canto da Rua do Passeio com a Rua do<br />
Mocambo, antes de passar para a calçada<br />
fronteira, Damião parou um momento, batido<br />
em cheio pela claridade do gás.<br />
Resguardado do sereno pelo chapéu de feltro<br />
inglês, presente do governador Luís Domingues<br />
no último Natal, parecia mais comprido, a espinha<br />
dorsal direita, o corpo seco e rijo, os ombros<br />
altos. Aos oitenta anos, dava a impressão<br />
de ter sessenta, ou talvez menos, com muita<br />
luz nos olhos, o passo seguro, a cabeça levantada.<br />
Até o começo do século, não dispensava<br />
a bengala de castão de prata com que entrou<br />
pela primeira vez no sobrado do Foro, sobraçando<br />
a sua pasta de solicitador, para defender<br />
outro negro. Agora, trajava com simplicidade,<br />
muito limpo, a barba escanhoada, o paletó<br />
abotoado acima do peito, um alfinete de ouro<br />
Índice<br />
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junto ao laço da gravata.<br />
– Faça favor...<br />
Damião assustou-se com a voz rouca que lhe<br />
vinha por trás do ombro direito, do lado da Rua<br />
do Mocambo. Não tinha sentido rumor de passos.<br />
E deu de frente com o Sátiro Cardoso, pequenino,<br />
enxuto, metido na sua sovada casaca<br />
de mágico, o colarinho alto, o rosto encovado,<br />
bigode, nos negros olhos uma faísca de loucura,<br />
e que logo lhe disse, com um pedaço de papel<br />
impresso na ponta dos dedos:<br />
– É o convite para o meu próximo espetáculo.<br />
– Outra vez A queda da bandeira?<br />
– É. O pessoal pede sempre. E o público é<br />
quem manda.<br />
Damião quis ainda saber por que o velho mágico<br />
preferia aquela hora da noite, com as casas<br />
fechadas, para distribuir os seus convites.<br />
– De dia – redarguiu ele, dando-lhe outro convite<br />
– os moleques vêm atrás de mim, me chamando<br />
de Troíra. Chegam a atiçar cachorros<br />
para me morder. De noite é mais calmo: os moleques<br />
estão dormindo.<br />
E lá se foi, Rua do Mocambo abaixo, a enfiar<br />
o papelucho por baixo das portas, sem ruído,<br />
apenas roçando o chão da calçada com seu<br />
passo macio.<br />
Já fazia alguns anos que Damião vira aparecer<br />
na cidade aquela figura caricata, debaixo<br />
de uma cartola preta, casaca, sapatos<br />
cambados, a andar acima e abaixo, com uma<br />
pasta de couro, também preta, e apresentando-se<br />
no Largo do Carmo, no Palácio do Governo,<br />
na redação dos jornais, no Liceu, no Paço<br />
Episcopal, e também à porta das igrejas, nas<br />
missas dominicais e nos casamentos, como o<br />
Ilusor Maranhense. Dias depois, apenas por<br />
curiosidade, tinha ido assistir, no Teatro São<br />
Luís, ao seu primeiro espetáculo, que daí em<br />
Índice<br />
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diante se repetia todos os anos: a caprichada<br />
mágica intitulada A queda da bandeira. Sátiro<br />
subia uma escada, até o último degrau, bem<br />
no centro do palco, e dali, com uma bandeira<br />
desfraldada, recitava comprido bestialógico,<br />
cheio de palavras abstrusas, numa suposta<br />
língua de sua invenção, o gramazino, da qual<br />
proporcionava antes um pano de amostra com<br />
esta explicação: “O A do alfabeto gramazino<br />
é a mesma coisa que o A do alfabeto em português,<br />
com a diferença de que se escreve de<br />
cabeça para baixo e tem o som de bé.” Em seguida,<br />
enrolava-se na bandeira. Um tiro de pólvora<br />
seca estrondava, assustando a plateia. E<br />
eis que o mágico se atirava lá do alto, em arremesso,<br />
como se fosse voar, e caía pesadamente<br />
cá embaixo, nas tábuas do chão.<br />
– Bis, bis – gritavam-lhe da torrinha.<br />
E Sátiro repetiu o monólogo, uma, duas, várias<br />
vezes, com o mesmo tiro e a mesma queda,<br />
até que Damião, compadecido de sua insânia,<br />
começou a reclamar – Chega! Chega! – e o mágico<br />
afinal se retirou, manquejando, uma das<br />
mãos no quadril machucado, enquanto o pano<br />
do teatro vinha descendo, debaixo de gritos e<br />
assobios.<br />
Antes que ele desaparecesse, sempre a enfiar<br />
o impresso por baixo das portas, Damião<br />
mudou de calçada, ainda ouvindo o baticum<br />
dos tambores. Para trás, em linha reta, ficava<br />
o Cemitério do Gavião, com o Padre Policarpo,<br />
a Genoveva Pia, a Aparecida, o Dr. Celso de<br />
Magalhães, a Dona Bembém, a Dona Páscoa,<br />
a Dona Calu, o amigo Barão, cada qual no seu<br />
jazigo ou na sua cova rasa, na santa paz do<br />
Senhor. À frente, era o Largo do Quartel; em<br />
seguida, torcendo para a direita, a Rua das<br />
Hortas, o Largo da Cadeia, a Praia do Jenipapeiro<br />
e por fim a Gamboa, com a casa de sua<br />
Índice<br />
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isneta, num cômoro verde que escorregava<br />
para o mar.<br />
O próprio Tião, no mesmo carro em que fora<br />
buscar a parteira, viera dar-lhe a notícia de<br />
que, antes do anoitecer, a Biá começara a sentir<br />
fisgadas fortes, no alvoroço de dar à luz o<br />
primeiro filho.<br />
– Deixei sua bisneta gemendo. A casa já está<br />
cheia de parentes. É bom que o senhor também<br />
esteja lá, para receber o seu trineto.<br />
– Sim, irei – concordara. – Mas não já. O primeiro<br />
parto dá muito rebate falso. Isso é coisa<br />
para o meio da noite.<br />
E antes do Tião sair:<br />
– Eu sou do tempo em que os mais moços esperavam<br />
pelos mais velhos.<br />
– Hoje, tá tudo mudando – emendou o Tião.<br />
E como o tinham deixado só, no rebuliço do<br />
primeiro trineto da família, apenas com a criada<br />
que lhe servira apressadamente o jantar (e<br />
também se fora para a casa da Biá), Damião<br />
se vestiu devagar, sabendo que não adiantava<br />
ter pressa, e ainda passou por um cochilo, na<br />
cadeira de balanço da varanda, antes de deixar<br />
a casa entregue ao Veludo, que andava na<br />
fase de latir e correr, próprio do cio insatisfeito.<br />
Levara bom tempo na esquina da Rua das<br />
Cajazeiras, a ver se aparecia um carro que o<br />
transportasse à Gamboa. Terminara reconhecendo<br />
que, se dependesse mesmo de um carro,<br />
só iria conhecer o trineto depois de grande. O<br />
jeito era ir a pé, aproveitando a fresca da noite.<br />
Ao entrar na Rua de São Pantaleão, já distante<br />
do Cemitério dos Ingleses, experimentou de<br />
repente uma sensação de frio, que lhe desceu<br />
da cabeça aos pés, como se um sopro gelado o<br />
tivesse apanhado por trás, em toda a extensão<br />
do corpo. Respirou fundo, e prosseguiu no seu<br />
caminho, sem aumentar nem diminuir o passo,<br />
Índice<br />
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ao mesmo tempo que procurava convencer-se<br />
de que a rajada viera da Rua da Cotovia. Parou<br />
adiante, apalpando os bolsos da calça, à<br />
procura do maço de cigarros. Tinha trazido os<br />
cigarros, mas esquecera a caixa de fósforos.<br />
– Velho é assim mesmo: quando se lembra<br />
de uma coisa, esquece outra. Paciência.<br />
Senhor de si, voltou a caminhar, procurando<br />
espairecer os olhos no ermo da rua longa. De<br />
novo o vento soprou, agora mais forte, como se<br />
o tempo fosse mudar. O céu limpo tranquilizou<br />
Damião. Uma janela bateu; por cima de um<br />
muro, estalou um galho de árvore, que resvalou<br />
para a calçada; adiante, uma vidraça partiu,<br />
no bater violento de outra janela; uma lata<br />
vazia rolou pelo meio-fio.<br />
Antes de alcançar o fim do quarteirão, ele<br />
teve a impressão de que algo estranho, que<br />
se associava à sua pessoa, estaria ocorrendo<br />
naquele momento. Tentou sacudir de si a impressão<br />
aborrecida, e esta retornou, insidiosa,<br />
opressiva, com a teimosia de um mau presságio.<br />
Pensou na Biá. Não, não seria nada com<br />
ela: o médico tinha-a visto pela manhã, e assegurara<br />
que seu parto seria normal. Tudo bem,<br />
e a criança no seu lugar; era só esperar agora<br />
pela reação da natureza, sob a vigilância experiente<br />
da Comadre Ludovina.<br />
– E a Comadre Ludovina já está lá.<br />
Foi então que escutou o romper dos tambores,<br />
ali perto, na Casa Grande das Minas. Quase no<br />
mesmo instante tiniram os ogãs e sacudiram<br />
as cabaças, mas não suplantaram os tambores,<br />
que iam acelerando o tantantã nervoso que<br />
obriga as noviches a girarem sobre si mesmas.<br />
Dir-se-ia que uma batida queria alcançar a seguinte,<br />
sem que um tamboreiro destoasse dos<br />
outros na vertigem do compasso. E só esse baticum<br />
frenético se impunha agora, apagando o<br />
Índice<br />
44 / 58
som dos outros instrumentos, e também só ele<br />
o vento levava, rua abaixo e rua acima, dispersando-o<br />
na grande noite de agosto que se<br />
fechava sobre a cidade.<br />
Depois de passar para o outro lado da rua,<br />
Damião deu consigo na calçada do querebetã,<br />
e ali retardou a caminhada, querendo entrar.<br />
Era uma casa baixa, de beiral saliente, caiada<br />
de novo, na esquina do Beco das Crioulas,<br />
com janelas de rótulas e porta de duas folhas,<br />
sobre a Rua de São Pantaleão. Só uma banda<br />
da porta estava aberta. Parado na soleira, ele<br />
olhou para dentro, e viu o corredor e a varanda<br />
já repletos, com as noviches dançando em volta<br />
da nochê Andreza Maria. E ia dar o primeiro<br />
passo no corredor, quando a nochê subiu o<br />
xale para os ombros, compelindo os tamboreiros<br />
a uma pausa brusca, logo interrompida por<br />
um bater mais forte, em outro ritmo, e veio caminhando<br />
para a porta, no espaço que se ia<br />
abrindo para lhe dar passagem. Damião tinha<br />
dado outro passo, e ali esperou que ela o levasse.<br />
Quando saiu, ele não saberia dizer ao certo<br />
quanto tempo ali permanecera. Vinte minutos?<br />
Meia hora? Ou mais ainda? Mais ainda, certamente.<br />
O importante é que, depois de ouvir<br />
os tamboreiros e assistir às danças rituais, se<br />
sentia preparado para ir ao encontro de seu<br />
trineto. Sentado no banco, a olhar as noviches<br />
dançando rodeadas de velas, era outra vez o<br />
negro puro, filho de sua raça, em contato com<br />
as remotas raízes africanas. E assim entrou<br />
na Rua do Passeio, descendo pelo Beco das<br />
Crioulas, sempre acompanhado pelo tantantã<br />
dos tambores.<br />
A Rua do Passeio, longa, retilínea, parecia<br />
não ter fim. Casas de azulejos de um lado e de<br />
outro, com grades de ferro rendilhadas, vidros<br />
Índice<br />
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coloridos no leque das janelas, um ou outro<br />
portal de pedra. Sem relógio para ver as horas<br />
(o seu andava na loja do Maneco Ourives,<br />
para limpeza geral da máquina, já fazia uma<br />
semana), era debalde que Damião consultava<br />
de vez em quando a posição da lua, que ora<br />
se escondia por trás dos mirantes mais altos,<br />
ora repontava adiante, curva e pontuda como<br />
um chavelho de bumba-meu-boi entrando no<br />
terreiro.<br />
No canto da Rua de Santana, o bico de gás<br />
do lampião estava prestes a apagar, reduzido<br />
a uma chamazinha débil, que se encolhia no<br />
bocal empoeirado, com medo da noite, a escuridão<br />
a se fechar à sua volta. E outra vez Damião<br />
se assustou, agora com a zoada de uma<br />
lata de lixo, que ia sendo arrastada nas pedras<br />
do chão. Era um cão magro, só pele e osso, com<br />
uma pata traseira pendurada, que a arrastava<br />
com o focinho, enquanto o lixo se esparramava<br />
na calçada escura. Ao pressentir os passos de<br />
Damião, já bem perto, o cão assustou-se também,<br />
retirou depressa a cabeça de dentro da<br />
lata, e correu para o outro lado da rua, capengando,<br />
com um osso na boca.<br />
Um pouco além, Damião ouve o som de um<br />
piano mal tocado, para os lados da Rua do<br />
Oiteiro. E enquanto apura a orelha, tentando<br />
identificar os compassos da valsa, uma carruagem<br />
dispara pela Rua do Passeio, à altura<br />
do Hospital Português, e é tão próximo o tropel<br />
dos cavalos e o estrondo das rodas, que ele fica<br />
esperando que ela passe ao seu lado, seguindo<br />
a toda brida na direção do Largo do Quartel;<br />
como demore passar, ele se volta para trás,<br />
e não a vê: na rua deserta, só o cão rói o seu<br />
osso, à luz de outro lampião. A carruagem dobrou<br />
a Rua do Mocambo, e seu rumor se afasta<br />
no sentido da Praça da Alegria, ao mesmo<br />
Índice<br />
46 / 58
tempo que o piano se cala, e volta a ressoar,<br />
um pouco mais distante, o baticum dos tambores,<br />
na Casa Grande das Minas.<br />
Damião se lembrou que Donana Jansen saía<br />
de seu túmulo, nas noites de sexta-feira, e dava<br />
uma volta comprida pela cidade, numa carruagem<br />
puxada por duas parelhas de cavalos sem<br />
cabeça, com um esqueleto na boleia brandindo<br />
o chicote. Só se ouvia o ruído das rodas e das<br />
ferraduras, despencando ladeira abaixo.<br />
– Bobagem – reagiu Damião. – História inventada<br />
pelos inimigos políticos da velha. Quem<br />
morreu quer sossego.<br />
E apalpando novamente o bolso da calça,<br />
tirou fora um cigarro, que deixou no canto da<br />
boca. Mais além, talvez ainda estivesse aberto<br />
o botequim da esquina da Rua Grande. Como<br />
fora esquecer de trazer a caixa de fósforos?<br />
Logo ele que, depois de velho, não dispensava<br />
os cigarrinhos da noite, para esperar o sono...<br />
E nisto se viu saindo do quarto da Maria Quitéria,<br />
nos baixos de um sobradinho da Rua da<br />
Estrela, já querendo amanhecer. Na subida da<br />
Rua de Nazaré, estranhou uma zoada ressoante<br />
de louça quebrada, a poucos passos, adiante<br />
da escadaria da Rua do Giz. Retardou o andar,<br />
intrigado. Era uma louça atrás da outra,<br />
e muitas a um só tempo, debaixo das mesmas<br />
pancadas firmes, que faziam voar para todos<br />
os lados os cacos partidos.<br />
Do patamar da escadaria, estendeu o olhar<br />
para baixo.<br />
Ao pé do último socalco, à porta do sobrado<br />
do comendador Antônio Meireles, na claridade<br />
do dia que ia rompendo, um bando de negros<br />
em ação, cada qual com seu porrete de pau-<br />
-roxo, quebrava depressa pilhas e pilhas de<br />
vasos de louça empilhados na calçada.<br />
Damião desceu os socalcos quase a correr, e<br />
Índice<br />
47 / 58
antes de chegar cá embaixo começou a rir, adivinhando<br />
o que se passava.<br />
Dias e dias, já fazia alguns meses, era o assunto<br />
de São Luís inteira, nas rodas do Largo<br />
do Carmo, nas conversas do Passeio Público,<br />
no cochicho das sacristias. Inimigo de Donana<br />
Jansen, com quem vivia às turras, o comendador<br />
Meireles tinha mandado preparar na Inglaterra,<br />
para vendê-los quase de graça, um milheiro<br />
de belos penicos de louça, com a cara da<br />
velha no fundo do vaso. Donana Jansen soube<br />
do fato e suportou com paciência o riso da cidade.<br />
Não reagiu logo: deu tempo ao tempo,<br />
enquanto ia mandando comprar, aos dois, aos<br />
três, às dezenas, na loja do Comendador, os<br />
penicos com seu retrato, até ter a certeza de<br />
que, agora, sim, só ela os possuía.<br />
Apenas por perguntar, mal contendo o frouxo<br />
de riso, Damião perguntou a um dos negros:<br />
– De quem vocês são escravos?<br />
– De Donana Jansen.<br />
Eram mais de trinta negros, todos fortes, espadaúdos,<br />
e iam quebrando os urinóis com<br />
uma fúria divertida, repetindo as cacetadas rijas,<br />
que desfaziam a louça apenas com uma<br />
pancada. A vizinhança ia despertando com a<br />
zoadaria estranha. Caras estremunhadas entreabriam<br />
as rótulas, nas janelas dos sobrados,<br />
e já algumas pessoas se debruçavam das<br />
sacadas, enquanto outras, na rua, em chinelos,<br />
no chambre de dormir, riam alto, vendo as<br />
matanças dos penicos. Um cheiro insuportável<br />
de mijo podre desprendia-se de um vaso à<br />
parte, por sinal que maior que os outros, quase<br />
o triplo, e coberto com uma tampa também de<br />
louça.<br />
– E esse aí? – quis saber Damião.<br />
– Minha sinhá deu ordem pra despejar o mijo<br />
dele na cabeça do Comendador, se ele aparecer<br />
pra tomar satisfação.<br />
Índice<br />
48 / 58
E sem interromper as pancadas seguras, o<br />
negro abriu para Damião a dentadura farta,<br />
que lhe encheu a boca feliz, rematando com<br />
este comentário, entre um penico e outro:<br />
– Donana Jansen não é gente. Tou cansado<br />
de dizer. Quem se mete com ela tem sarna<br />
muita pra se coçar. Ora se tem!<br />
Ainda com o cigarro apagado no canto da<br />
boca, Damião aproximou-se da Rua Grande,<br />
pensando onde ia encontrar, ali perto, uma<br />
caixa de fósforos para comprar. E não tinha<br />
chegado à esquina, defronte de um casarão de<br />
altas janelas ogivais, quando viu entreaberta<br />
uma porta do botequim.<br />
Sempre o ruído dos tambores seguindo-lhe<br />
os passos, com a lua nova a se esconder e a<br />
brilhar, na faiscação do céu estrelado. E agora<br />
o assobio do vento, que disparava na rua deserta,<br />
varrendo as calçadas, para se desfazer<br />
no giro doido de um remoinho.<br />
Dentro do botequim, a única luz era a chama<br />
de um candeeiro a óleo, suspenso da parede<br />
esfumaçada por um suporte de metal. Essa luz<br />
mortiça, por trás do bocal enegrecido, caía por<br />
cima do balcão, mal dando para clarear uma<br />
parte da saleta pontilhada de mesas vazias.<br />
Dentro do balcão, ninguém.<br />
Damião subiu o degrau da porta, avançou<br />
uns passos, bateu palmas. Enquanto esperava<br />
que o atendessem, olhou em volta, aproximando-se<br />
do balcão. E foi aí que viu por terra,<br />
entre as duas primeiras mesas à sua direita,<br />
o vulto de um negro magro, comprido, bem trajado,<br />
caído de bruços numa poça de sangue,<br />
com uma facada nas costas, à altura do coração.<br />
Parado, ficou um momento a fitá-lo, de<br />
olhos crescidos. Não lhe podia ver o rosto, só a<br />
nuca e uma parte do pescoço. Pela roupa, era<br />
gente de fora. Empurrou-o de leve, para ver<br />
Índice<br />
49 / 58
se lhe restava um alento de vida, mas o corpo<br />
permaneceu imóvel, com o busto achatando o<br />
braço direito, na posição em que tinha caído.<br />
Na claridade que ia esmorecendo, Damião<br />
olhou em volta, de sobrancelhas travadas.<br />
Numa das mesas, mais para o fundo da saleta,<br />
acumulavam-se garrafas de bebida, quase<br />
todas tombadas sobre o tampo de mármore,<br />
juntamente com um copo quebrado e um cinzeiro<br />
atulhado de cinza e pontas de cigarro.<br />
Cacos de vidro rangeram debaixo da sola de<br />
suas botinas, assim que deu outro passo, na<br />
direção do candeeiro. E ali, com uma suspeita,<br />
espiou para dentro do balcão. Outro morto<br />
jazia no ladrilho do piso, com a cabeça fendida<br />
por uma paulada. Estava de frente, com o<br />
busto meio apoiado no ângulo entre o balcão e<br />
a prateleira. E a luz que descia sobre ele, muito<br />
tênue, levemente avermelhada, permitiu que<br />
Damião prontamente identificasse, pelo rosto<br />
coberto de sangue pisado, o senhor gordo, de<br />
bigode em ponta, que, dias antes, ali mesmo,<br />
lhe tinha vendido um maço de cigarros.<br />
Índice<br />
***<br />
Agora, deixado para trás o prédio da Cadeia<br />
Pública, ele via a luz da casa da Biá, ao fim de<br />
longo estirão baldio. Lá adiante, esparramava-se<br />
a Fábrica da Gamboa, com seus teares<br />
adormecidos. Do outro lado, a Quinta da Vitória,<br />
sem vivalma lá dentro, com o velho sobrado<br />
invadido pelo mato, as pilastras do portão cobertas<br />
de hera e musgo, as janelas desmanteladas,<br />
e só o tamarindeiro do Dr. Sousândrade<br />
ainda intacto, com as garras das raízes a se<br />
contorcerem por entre pedras salgadas, resistindo<br />
ao mar, ao abandono e aos ventos gerais.<br />
Já fazia mais de dez anos que Damião tinha<br />
50 / 58
visto o poeta pela última vez, ali mesmo, arrimado<br />
à bengala, o rosto encovado, sem o tom<br />
vermelho de outrora, um fulgor febril nos olhos<br />
pensativos, caminhando com esforço, a voz fatigada:<br />
– Sabe de que vivo hoje, Professor? De pedras.<br />
Estou vendendo as pedras da quinta<br />
para comer.<br />
E com a ponteira da bengala mostrou o muro<br />
circundante, já quase todo desfeito sob os ramos<br />
verdes de uma trepadeira.<br />
No entanto, quando a República foi proclamada,<br />
ninguém mais feliz e lépido do que ele.<br />
Andava depressa, de bengala sobraçada, as<br />
abas do fraque a lhe festejarem as pernas magras,<br />
o cabelo liso caindo sob as abas da cartola,<br />
sempre com uma rosa branca na botoeira.<br />
Nomeado intendente da capital, dispensara a<br />
carruagem a que tinha direito, fazendo questão<br />
de andar a pé, da Quinta da Vitória ao outro<br />
lado da cidade, para dar o exemplo de que,<br />
no novo regime, as autoridades eram o próprio<br />
povo, sem regalias nem privilégios. Até mesmo<br />
a sua velha traquitana ele a pusera de lado.<br />
Depois de um silêncio, Damião aventurara a<br />
pergunta:<br />
– E a nossa universidade, Dr. Sousândrade?<br />
O poeta cruzou as mãos enrugadas por cima<br />
do castão da bengala, enquanto engolfava os<br />
olhos na linha do horizonte:<br />
– Longe... longe... longe... Mas, quando se<br />
aproximar, será tudo uma outra cidade, uma<br />
outra gente... Mas virá, e eu não verei.<br />
E pôs-se a recitar, sempre com o olhar perdido<br />
na distância, os ombros curvados:<br />
Solitário vivi, porque arruinaram<br />
Meu lar, meu Deus, e o amor que nele vive.<br />
Depois, ainda a recitar baixinho, foi andando<br />
Índice<br />
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devagar, por um caminho aberto na relva queimada,<br />
como alheado do mundo, sem despedir-<br />
-se do Damião, que o acompanhou com o olhar<br />
consternado, até vê-lo desaparecer, no mesmo<br />
passo lento, os ombros caídos, apoiando-se na<br />
bengala, entre as pilastras do portão da quinta.<br />
Lembrava-se bem de seu enterro, com o ataúde<br />
envolto na bandeira do Estado – idealizada<br />
pelo próprio Sousândrade, com as listas branca,<br />
vermelha e negra, simbolizando a fusão das<br />
raças na formação do povo brasileiro, e mais a<br />
estrela branca sobre campo azul, representativa<br />
da unidade autônoma do Maranhão. Muita<br />
gente, na tarde de sol. À frente do cortejo, a<br />
carreta negra, com frisos doirados, levando o<br />
esquife. E quando o féretro se aproximou do<br />
portão do cemitério, uma revoada de andorinhas<br />
cortou o céu, por cima da capela, e duas<br />
rolinhas se puseram a cantar, como a seguir o<br />
lento rolar do coche fúnebre, até que este sumiu,<br />
na volta da alameda.<br />
Damião desce agora uma pequena ladeira,<br />
perlongando o terreno baldio. Na luz escassa,<br />
consegue ver o chão que vai pisando. Em redor,<br />
silêncio, um grande silêncio, só interrompido<br />
por um coaxar de sapos, junto ao túnel por<br />
onde passa o trem. Aqui, ali, reluz um vaga-<br />
-lume. E sempre o cansado arfar das águas do<br />
rio que se misturam às águas do mar.<br />
De cabeça baixa, redobrando de atenção<br />
para não pisar em falso com a claridade escassa,<br />
Damião torna a ver o Dr. Sousândrade<br />
atravessando o Largo do Carmo, um livro contra<br />
o peito, para dar a sua aula de grego no Liceu<br />
Maranhense. Onde andariam os livros do<br />
poeta? Que fora feito dos seus últimos versos?<br />
E logo outros amigos lhe refluem à consciência:<br />
o Aluísio Porto, o Silvino Peres, o Albino Frias, o<br />
Índice<br />
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Vítor Lobato. Ele sabe agora, com a longa experiência<br />
de seus oitenta anos, que a vida é uma<br />
coleção de mortos. Os nossos mortos. Os mortos<br />
que só nós podemos ressuscitar nas iluminações<br />
de nossa consciência, e que carregamos<br />
conosco, sem que nos pesem, constranjam ou<br />
perturbem, até que sobrevenha para eles a<br />
morte definitiva, que é a nossa própria morte.<br />
Erguendo o olhar, divisou as cadeiras do alpendre,<br />
o pé de carambola ao lado da casa, o<br />
lampião aceso defronte do portão. E tomando<br />
por um atalho de terra, que subia em aclive,<br />
encurtou mais o caminho, logo ouvindo o latido<br />
do Veludo, que, ainda de longe, de orelhas<br />
fitas, as patas em cima do muro, lhe sentira o<br />
ranger dos passos.<br />
E assim que ele se pôs a limpar os pés cansados<br />
no capacho da entrada, antes mesmo<br />
de abrir o portão, ainda com o Veludo a saltar<br />
no jardim sacudindo a cauda, a Benigna apareceu<br />
no alpendre, com a sua cabeça branca<br />
bem penteada, a pele do rosto marcada com<br />
as rugas dos olhos e dos cantos da boca, mas<br />
ainda de ombros altos, elegante, a cintura fina,<br />
o brinco nas orelhas.<br />
Ela veio abrir-lhe o portão, com um xale passado<br />
nos ombros contra a friagem da noite:<br />
– Graças a Deus que chegaste! – exclamou,<br />
puxando o ferrolho. – Eu já estava assustada<br />
com a tua demora. Na certa, resolveste ler depois<br />
do jantar, e pegaste no sono. Foi o que<br />
eu calculei. Até prometi uma novena para São<br />
Cipriano. Se não chegasses agora, eu já tinha<br />
pedido ao Tião que fosse lá em casa te acordar.<br />
E Damião, depois de beijá-la:<br />
– É que eu vim a pé, querida. Procurei um<br />
carro, não achei: vim mesmo com as minhas<br />
pernas.<br />
– Damião! – ralhou ela, espantada, já no<br />
Índice<br />
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degrau do alpendre. – Isso é coisa que se faça<br />
na tua idade? Vir a pé do Largo de Santiago<br />
até à Gamboa! Não me faças mais isso!<br />
E segurando-o pelo braço, como a ampará-lo<br />
na subida do degrau, ajudou-o a dar impulso<br />
ao corpo, ao mesmo tempo que a filha, duas<br />
netas e quatro bisnetas acudiam ao alpendre,<br />
saindo da sala iluminada e cercando o velho<br />
com alvoroço.<br />
Sem largar o braço do marido, a Benigna dirigiu-se<br />
à Janu, que arrastava os pés pesados,<br />
muito gorda, amparando-se nos braços de uma<br />
das netas:<br />
– Teu pai não cria juízo. Nesta idade, parece<br />
menino. Não é que ele veio a pé, lá de casa até<br />
aqui?<br />
E obrigando Damião a sentar na cadeira mais<br />
próxima, ali mesmo no alpendre, continuou a<br />
ralhar-lhe, num tom de voz que era mais de<br />
ternura que de reprimenda:<br />
– Como castigo, não te dou a grande notícia.<br />
E depois de impor silêncio ao resto da família,<br />
com o dedo em riste defronte dos lábios:<br />
– Descansa um pouco aqui e tira logo as botinas:<br />
deves estar com os pés ardendo, de tanto<br />
andar.<br />
Damião sentiu a cadeira de vime gemer com<br />
os movimentos de seu corpo, e ia olhando em<br />
volta, com ar de riso, vendo os rostos felizes<br />
que o cercavam, enquanto um dos bisnetos,<br />
que chegara por último, tentava puxar-lhe as<br />
botinas, para calçar-lhe as chinelas do Tião.<br />
O próprio Tião entrou no alpendre, risonho,<br />
vermelho, um permanente ar alvissareiro, e<br />
despejou a novidade:<br />
– Já estávamos pensando que o senhor não<br />
tinha pressa em conhecer o seu trineto. Ele já<br />
está aqui à sua espera.<br />
E Damião, radiante:<br />
Índice<br />
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– É homem? – indagou, após uma risada gostosa.<br />
– É – confirmou a Benigna. – A Biá teve um<br />
parto feliz, sem muitas dores, desses em que<br />
Deus põe a mão. E é um rapagão. Quatro quilos<br />
e duzentas. Um menino e tanto. E já tem nome,<br />
escolhido por mim. Desta vez, não vou deixar<br />
que ponhas nas crianças os tais nomes bonitos<br />
que tiras de teus livros. Nada de Plínios, nem<br />
de Píndaros, nem de Eurípedes. Chega! Aqui,<br />
queriam que fosse Alfredo. Que Alfredo coisa<br />
nenhuma. Vai se chamar Damião, como o trisavô.<br />
Damião é nome que enche a boca: Da-mi-<br />
-ão!<br />
E Damião, quando ela se calou:<br />
– Não – retrucou, com firmeza. – Fica para o<br />
outro. Este vai ser Julião, que era o nome do<br />
meu pai.<br />
– Vá lá – concordou a Benigna depois de um<br />
silêncio.<br />
E para o Tião, muito séria:<br />
– Assim que a Biá estiver mais descansada,<br />
pode arranjar o outro. Quanto mais cedo, melhor.<br />
E bonito, como o trisavô.<br />
E enquanto a filha, os netos e os bisnetos cercavam<br />
Damião, dando-lhe outras notícias do<br />
parto e do trineto, a Benigna desapareceu pela<br />
porta da sala, deixando no alpendre um pouco<br />
de seu perfume, que se misturava ao cheiro ativo<br />
da latada do jasmineiro, no muro do jardim.<br />
Calçado nas chinelas do Tião, que eram grandes<br />
para seus pés, Damião sentia que a paz<br />
da noite límpida o envolvia, com o sussurro do<br />
vento, a lua nova no céu estrelado, o silêncio<br />
da cidade adormecida e o choro de seu primeiro<br />
trineto. Chegaria ao tetraneto? Só se Deus<br />
lhe conservasse a lucidez, a vista perfeita e a<br />
companhia da Benigna. Sem isso, preferia a<br />
outra paz, quieto no seu túmulo.<br />
Índice<br />
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E nisto a Benigna tornou a apontar no retângulo<br />
da porta, chamando-o agora para conhecer<br />
o Julião:<br />
– É clarinho – preveniu-lhe.<br />
E quando ele se curvou sobre o berço, muito<br />
emocionado, sentindo os olhos úmidos, ela lhe<br />
foi dizendo, enquanto erguia o candeeiro, para<br />
dar mais luz sobre a criança:<br />
– Tem tua cara, meu filho. Até o nariz chato<br />
é teu. Olha a testa. Também é tua. E esse beicinho<br />
espichado. Tudo teu. É mais para branco<br />
que para preto: moreninho, como um bom<br />
brasileiro.<br />
Damião olhava embevecido aquela pequena<br />
massa humana, ainda mole, com uns fios<br />
de cabelos úmidos, os olhinhos cerrados, os<br />
bracinhos encolhidos na camisinha de linho, e<br />
não podia deixar de lembrar-se do Barão, com<br />
a sua famosa teoria de que só na cama, com o<br />
rolar do tempo, se resolveria o conflito natural<br />
de brancos e negros, no Brasil. Tinha ali mais<br />
uma vez a prova, na sua própria família. Sua<br />
neta mais velha casara com um mulato; sua<br />
bisneta, com um branco, e ali estava seu trineto,<br />
moreninho claro, bem brasileiro. Apagara-<br />
-se nele, é certo, a cor negra, de que ele, seu<br />
trisavô, tanto se orgulhava. Mas também se<br />
viera diluindo, de uma geração para outra, o<br />
ressentimento do cativeiro. Daí a mais algum<br />
tempo, ninguém lembraria, com um travo de<br />
rancor, que, em sua pátria, durante três séculos,<br />
tinham existido senhores e escravos, brancos<br />
e pretos. Agora, ali em São Luís, já os negros<br />
entravam no Palácio do Governo, mesmo<br />
os do povo, com os pés no chão, a camisa para<br />
fora das calças, e iam falar com o governador<br />
Luís Domingues, que se levantava de sua cadeira<br />
e vinha apertar-lhes a mão. No Liceu<br />
Maranhense, além dele, Damião, ensinavam<br />
Índice<br />
56 / 58
o Dr. Tibério e o Nascimento Moraes, ambos<br />
negros. Viriato Correia, que ele vira menino,<br />
de cabelinho espichado, muito serelepe, colete,<br />
corrente de ouro, já lhe mandara do Rio de<br />
Janeiro, com uma dedicatória feliz, o seu novo<br />
livro, os Contos do Sertão. O Públio de Melo,<br />
doutor formado no Recife, era agora o delegado<br />
da capital. Na Biblioteca Pública, estava o Astolfo<br />
Marques. Todos negros, compenetrados<br />
de sua origens, e abrindo caminho na vida,<br />
sem que ninguém lhes perguntasse de quem<br />
eram filhos, e ali em São Luís, na mesma terra<br />
onde outrora o poeta Gonçalves Dias, por ser<br />
bastardo e mestiço, não pudera casar com a<br />
Ana Amélia Ferreira Vale – que ele também conhecera,<br />
de cabelos longos, olhos negros, esbelta,<br />
cintura fina, um mimo de mulher.<br />
– Agora, chega! – interrompeu a Benigna,<br />
puxando Damião pelo braço. – Vamos deixar o<br />
menino dormir.<br />
E foi pôr o candeeiro sobre a cômoda.<br />
Damião tornou a olhar o trineto, desta vez na<br />
penumbra, ainda emocionado. Depois correu<br />
o cortinado de filó, para protegê-lo dos mosquitos.<br />
Na ponta dos pés, afofando os passos,<br />
aproximou-se da bisneta, beijou-lhe a testa e<br />
saiu do quarto sem ruído, cautelosamente.<br />
No corredor, disse-lhe o Tião, na sua grossa<br />
voz de dono da casa:<br />
– O senhor dorme hoje aqui.<br />
E a Benigna, atalhando:”<br />
– Eu já te disse, Tião, que esse tu não dobras.<br />
Eu, por mim, onde ponho a cabeça, aí durmo.<br />
Mas ele, não: só dorme no cantinho dele, e assim<br />
mesmo depois de ouvir o rangido da rede.<br />
– O rangido da rede, não – corrigiu Damião,<br />
dando o braço à Benigna. – O rangido da minha<br />
rede – acentuou. – É, Tião: velho é como<br />
gato – só está bem no seu canto. Quando<br />
Índice<br />
57 / 58
chegares à minha idade, verás que eu tenho<br />
razão. Tem um pouco de paciência: dá um jeito<br />
de nos levar.<br />
Daí a pouco, encolhidos no fundo da carruagem,<br />
com o próprio Tião a dirigir a parelha,<br />
os dois velhos começaram a atravessar a cidade,<br />
de mãos dadas, um junto do outro, a<br />
caminho do Largo de Santiago. Na saída da<br />
Rua do Passeio para a Rua Grande, Damião<br />
se lembrou dos dois homens assassinados no<br />
botequim da esquina. Lá dentro, as luzes estavam<br />
acesas: sinal de que a Polícia já sabia<br />
do crime. Quis contar o caso à Benigna; mas a<br />
viu tão sonolenta, com a cabeça descansada<br />
no seu ombro, que achou melhor só lhe falar<br />
na manhã seguinte. Além do mais, não queria<br />
que o Tião o escutasse: terminaria por dar com<br />
a língua nos dentes, cedendo ao seu incorrigível<br />
pendor para contar novidades. Só na Benigna<br />
podia mesmo confiar.<br />
Retraído na extremidade do banco, com o<br />
braço direito envolvendo as espáduas da companheira,<br />
sentia no rosto e nas mãos a úmida<br />
frialdade da madrugada, mais fria na longa<br />
rua deserta ao galope dos cavalos. Já no Largo<br />
do Quartel, também deserto, apenas com<br />
a figura miúda da sentinela na sua guarita<br />
de madeira, voltara a ouvir os tambores da<br />
Casa Grande das Minas, e logo recordou as<br />
noviches dançando, todas de branco, com um<br />
lenço na cabeça, os colares tilintando ao tilintar<br />
dos ogãs. Na esquina da Rua de Santa<br />
Rita, sentira mais próximo o bater cadenciado.<br />
E mais uma vez reconheceu que, a despeito<br />
do muito que vivera, e também do muito<br />
que lera e meditara, aqueles tambores tinham<br />
ainda o dom de lhe descer às raízes da consciência,<br />
para lhe dar de novo o mundo mágico<br />
de seus antepassados africanos, como se por<br />
Índice<br />
58 / 58
eles falassem os voduns primitivos, princípio e<br />
essência de todas as coisas.<br />
Na manhã seguinte levantou tarde, contra<br />
seu costume. A Benigna, ainda cedo, tinha saído<br />
para pagar a promessa de uma vela benta<br />
a São Benedito, na igreja de Santo Antônio,<br />
por ter o parto da Biá corrido normal. Ele tomou<br />
sozinho o seu café, que o aguardava na mesa<br />
posta, com o bule e a leiteira dentro dos abafadores.<br />
Depois, com uns restos de preguiça,<br />
foi à sala, tirou da estante um de seus clássicos<br />
latinos, e veio lê-lo na cadeira de balanço<br />
da varanda, junto ao velho vaso de cerâmica<br />
onde ainda se abriam as largas folhas de um<br />
tinhorão. Ali, antes de começar a leitura, deixou<br />
os olhos no ar, pensativo, com a sensação<br />
de que ia fechando harmoniosamente a parábola<br />
de seu destino, em paz com Deus e os<br />
homens. Apesar do que sofrera na infância e<br />
na juventude, e também dos reveses com que<br />
a adversidade agride o homem em qualquer<br />
tempo, a sorte lhe fora propícia. Tinha sido escravo,<br />
era um homem livre. Socialmente, viera<br />
de muito baixo, e ali se achava, com a sua<br />
casa, o seu nome, a sua família. Lutara pela<br />
libertação de sua raça e vira raiar o dia da<br />
almejada redenção. A rigor, só havia amado<br />
realmente uma mulher, com todo o ardor das<br />
paixões irreprimíveis, e era ela a companheira<br />
perfeita de sua velhice. Em casa, quando estava<br />
lendo ou escrevendo, não lhe sentia sequer<br />
os passos. E sempre disposta a servi-lo,<br />
sem uma queixa, sem uma rusga, espalhando<br />
alegria e confiança em seu redor. Da irmã,<br />
acabara por saber que morrera em Minas Gerais,<br />
para os lados de Congonhas do Campo,<br />
já velha e muito chorada pelos antigos senhores,<br />
dos quais não se quisera separar depois<br />
da abolição. No balanço da vida, pungia-lhe<br />
Índice<br />
59 / 58
apenas a tristeza de nunca ter tido notícias do<br />
Balbino. Mas consolava-se com a certeza de<br />
que, onde quer que estivesse, na Terra ou no<br />
Céu, não andaria fazendo má figura.<br />
– Que Deus olhe por ti, meu filho – suspirou.<br />
E ainda com o dedo indicador interposto nas<br />
folhas do livro, os olhos no ar, reclinou a cabeça<br />
no espaldar da cadeira, de coração reconhecido.<br />
Vira nascer agora o seu primeiro<br />
trineto, e era ainda um homem de cabeça lúcida,<br />
passo firme e memória feliz. Vivia rodeado<br />
de lembranças, na velha casa onde duas<br />
vezes se casara, e ali aprimorara a inclinação<br />
para encontrar nos livros a complementação<br />
da vida, com o gosto da leitura. Para ler, graças<br />
a Deus, nunca precisara de óculos. De vez<br />
em quando, sem qualquer aviso, entrava-lhe<br />
corredor adentro, com seu cavanhaque bem<br />
aparado, os olhos faiscantes, muito bem vestido,<br />
um cravo vermelho na lapela, o Dr. Luís<br />
Domin- gues, governador do Estado, sempre<br />
lhe trazendo um novo livro de presente, além<br />
da lembrança de uma rosa ou de um vidro de<br />
perfume para a Benigna, a quem chamava<br />
de “minha madrinha”. Aos domingos, reunia<br />
à sua volta, com os panelões que a Benigna<br />
preparava como ninguém, a filha, os netos e<br />
os bisnetos, com as mulheres e os maridos, e<br />
ainda alguns amigos mais chegados, e era tão<br />
grande a algazarra dentro de casa, que até<br />
o papagaio protestava, ralhando todo mundo<br />
de cima de seu poleiro. No Largo do Carmo,<br />
dia sim, dia não, tinha a sua roda de companheiros,<br />
em volta de uma fonte onde cantava e<br />
reluzia um repuxo. Nos outros dias, ia à Biblioteca<br />
Pública, e ali conversava com o seu amigo<br />
Astolfo Marques, que andava a coligir uma<br />
seleta de autores maranhenses, a que dava<br />
também a sua colaboração. Se mandava um<br />
Índice<br />
60 / 58
artigo para a Pacotilha, via-o sempre na primeira<br />
página. Na rua, não eram apenas os<br />
amigos que o saudavam, com mostras de reverência:<br />
até mesmo pessoas desconhecidas,<br />
com as quais casualmente se encontrava, tiravam-lhe<br />
respeitosamente o chapéu. Da vida,<br />
que mais podia querer?<br />
Sentindo o ar abafado, levantou-se, abriu a<br />
porta do meio, deixando correr o vento da rua<br />
pela casa. E outra vez na cadeira de balanço,<br />
abriu ao acaso uma das elegias de Ovídio.<br />
Depois, de olhos cerrados, repetiu-a, verso<br />
a verso, parte pelo gosto de recordar, parte<br />
para sentir que a memória ainda lhe era fiel.<br />
E ia volver ao livro, para ler uma nova elegia,<br />
quando ouviu os passos da Benigna, desta<br />
vez soando alto nos ladrilhos do corredor. Interrompeu<br />
a leitura e ficou esperando por ela,<br />
com uma certa ansiedade, ao perceber-lhe no<br />
rosto contraído uma expressão nervosa.<br />
Depois de uns momentos, não conteve mais<br />
a pergunta:<br />
– Que é que tens, minha filha?<br />
Ela se deixou cair numa cadeira ao seu lado,<br />
ainda ofegante. E de mãos frias, os olhos<br />
assustados:<br />
– Ah, meu filho, nem te conto. Aqui em São<br />
Luís, ontem de noite, houve um crime medonho.<br />
Morreram duas pessoas. Imagina que foi<br />
assassinado o dono daquele botequim da Rua<br />
Grande que faz esquina com a Rua do Passeio<br />
e também um preto, de meia idade, que tinha<br />
acabado de desembarcar, vindo de Liverpool,<br />
para fazer surpresa ao pai, que não via desde<br />
que saiu daqui. Ele desceu do vapor já meio<br />
bêbado, com muito dinheiro na carteira, e foi<br />
para o botequim da Rua Grande, levado por<br />
um espanhol. Lá o espanhol matou ele com<br />
uma punhalada, para lhe roubar a carteira,<br />
Índice<br />
61 / 58
Sebastião Moreira Duarte<br />
e depois matou o dono do botequim com uma<br />
paulada. Um horror. Me contaram tudo na<br />
igreja. Na cidade, não se fala de outra coisa.<br />
Damião tinha deixado cair as mãos sobre as<br />
pernas, tomado de um pressentimento terrível,<br />
que era quase uma certeza. Preto? De meia<br />
idade? Que vinha ver o pai? E vindo de Liverpool?<br />
E se fosse mesmo seu filho? Ficou uns<br />
momentos cm silêncio, o olhar parado, sem coragem<br />
de comunicar o seu temor à companheira.<br />
A tragédia pareceu-lhe brutal demais para<br />
o seu fim de vida. E ainda atordoado, com uma<br />
sensação repentina de secura queimando-lhe<br />
a boca, pediu à Benigna que lhe fosse buscar<br />
um copo d’água.»<br />
M.Sc Administração Universitária, University of Alabama; PhD em Literatura Latino<br />
Americana, University Illinois, membro da Academia Maranhense de Letras.<br />
Índice<br />
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O Natal ainda existe?<br />
Comemorado pelos cristãos de toda orbe, a festa do Natal<br />
é tempo de corações abrandados pela presença de Deus<br />
conosco, é tempo de fazer as pazes entre os que estão brigados,<br />
pois o menino-Deus está no meio de nós e estando<br />
Deus, ainda que Deus-criancinha, vivendo com os homens,<br />
não se pode, nem se deve, viver com quizilas, futricas e<br />
disse-me-disse. Devem-se deixar de lado os egoísmos que<br />
durante o ano atrapalharam a comunhão com o próximo.<br />
É tempo de viver em fraterna alegria com todos. É tempo de<br />
partilha. É o tempo natalino! É ou não é?<br />
Índice<br />
João Dias Rezende Filho<br />
63 / 58<br />
Foto: Albani Ramos
Como um escritor-cristão ou um cristão-escritor, ou pelo<br />
menos um mero escrevinhador, já que escritor soa, certamente,<br />
pretensioso e acadêmico, pois bem, como eu dizia,<br />
como um escrevinhador e com algum apreço que tenho pela<br />
História começo traçando brevemente as origens do Natal.<br />
As primeiras notícias sobre a comemoração pelos cristãos<br />
do nascimento de Jesus Cristo, o Filho de Deus, datam,<br />
pelo menos no Oriente, de fins do século I, ainda que fosse<br />
comemorado no dia 06 de janeiro, em vez do hoje tradicional<br />
25 de dezembro ocidental, em conexão com a festa dos<br />
chamados Reis Magos, ou, em grego, festa da epifania, que<br />
significa fenômeno milagroso, aparição maravilhosa. Cristo<br />
se revela em seu nascimento, mas revela-se, de modo excelente,<br />
às nações todas, representadas pelos três reis-magos<br />
e suas peles branca, amarela e negra, quando lhe visitam<br />
recém-nascido na estrebaria de Belém.<br />
No Ocidente, o Mistério de um Deus que se encarna e<br />
torna-se verdadeiro homem sem deixar de ser verdadeiro<br />
Deus é comemorado, segundo a mais antiga “folhinha” de<br />
que se tem notícia e que não é a do Sagrado Coração, tão<br />
popular entre os católicos de hoje, e sim o cronógrafo de<br />
354, pelo menos desde o século IV.<br />
Fontes diversas, como os comentários de São Cipriano de<br />
Cartago e São João Crisóstomo, ligam a origem da comemoração<br />
natalina com uma festa em honra ao Solis invictus<br />
(o sol invicto ou invencível); outras fontes ligam a festa do<br />
Natal aos festivais de inverno em que se dançava até altas<br />
horas da madrugada em honra de deuses pagãos. O certo<br />
é que muita coisa da cultura dita pagã ou pré-cristã europeia<br />
foi “batizada” e acolhida no seio do cristianismo em<br />
um legítimo abraçar de culturas e costumes diversos que<br />
resultou em um hibridismo muito natural e hoje familiar a<br />
todos. Assim, o dia 25 de dezembro não é a data real, isto é,<br />
histórica do nascimento de Cristo, mas uma data litúrgica,<br />
de natureza cultual, que foi introduzida na Igreja Católica<br />
no século IV para substituir o festival pagão do solstício de<br />
inverno, cristianizando costumes antiquíssimos daqueles<br />
povos.<br />
Índice<br />
64 / 58
Em seu Segundo Sermão no Natal do Senhor, o Papa Leão<br />
Magno (por volta do ano 440 d.C.) condena o costume que<br />
muitos ainda possuem no dia 25 de dezembro de cultuarem<br />
o sol e outros astros, ou seja, criaturas, em lugar do<br />
Sol verdadeiro, o Cristo. Diz São Leão Magno: “Caríssimos,<br />
animados da confiança que nasce de tão grande esperança,<br />
permanecei firmes na fé sobre a qual fostes estabelecidos,<br />
para que esse mesmo tentador, de cujo domínio Cristo<br />
vos subtraiu, não vos seduza novamente com algumas de<br />
suas ciladas e não corrompa as alegrias próprias deste dia<br />
mediante a habilidade de suas mentiras. Porque ele zomba<br />
das almas simples, servindo-se da crença perniciosa<br />
de alguns, para os quais a solenidade de hoje recebe sua<br />
dignidade não tanto do nascimento de Cristo quanto do<br />
levantar-se, como eles dizem, do ‘novo sol’. (...) Longe das<br />
almas cristãs essa superstição ímpia e essa mentira monstruosa.<br />
Nenhuma medida poderia traduzir a distância que<br />
separa o eterno das coisas temporais; o incorpóreo, das coisas<br />
corporais; o Senhor, das coisas que lhe são submetidas,<br />
porque, embora elas tenham uma beleza admirável,<br />
não tem a divindade, a única que deve ser adorada”. (1996:<br />
42 e 43)<br />
Sobre o ano exato do nascimento, sempre houve na Igreja<br />
uma preocupação em datar os eventos importantes da vida<br />
de Cristo, e com o Natal não seria diferente. Os Evangelhos<br />
fornecem algumas pistas para a datação do nascimento de<br />
Cristo, mas são insuficientes. Em Mateus, há a referência<br />
ao governo de Herodes, o Grande (Mt 2,1); em Lucas, faz-<br />
-se alusão a Quirino como governador da Síria (Lc 2,2). São<br />
duas indicações muito vagas que necessitam do complemento<br />
de outras fontes, como a do escritor e historiador judeu<br />
Flávio Josefo. Segundo Josefo, Herodes morreu antes<br />
da Páscoa do ano 750 da fundação de Roma ( em latim ab<br />
Urbe condita). A Páscoa neste ano teria caído no dia 11 de<br />
abril. Já Lucas faz referência ao censo convocado através<br />
do edito do Imperador César Augusto. O censo foi realizado<br />
no ano 746 da fundação de Roma. Se Cristo nasceu<br />
na época do censo e quando Herodes ainda vivia, logo terá<br />
Índice<br />
65 / 58
que ter nascido, necessariamente, entre os anos de 746 e<br />
750 da fundação de Roma. Quando da organização do chamado<br />
calendário gregoriano pelo monge Dionisius Exiguus<br />
(Dionísio, o Pequeno), este cometeu um erro e atribuiu a<br />
data do nascimento do Salvador ao ano de 753 da fundação<br />
de Roma, muito depois do censo e da morte do Tetrarca<br />
da Galiléia. Logo, Jesus não teria nascido no ano 1 da era<br />
Cristã, mas pelo menos 3 anos antes.... Pode-se dizer, fazendo<br />
uma blague, que Cristo nasceu antes de Cristo!<br />
Etimologicamente a origem da palavra natal é a seguinte:<br />
quer dizer nascimento, em latim, nātālis, substantivo que<br />
provem do verbo nāscor (nāsceris, nāscī, nātus sum), nascer.<br />
Em português, Natal, e em outras línguas neolatinas,<br />
como o italiano natale, o francês noël, natal em castelhano<br />
e mais tarde, navidad, de natividade, com o mesmo sentido.<br />
No Inglês, Christmas, que provem de Christes maesse<br />
(‘Christ’s mass’), que quer dizer missa de Cristo.<br />
Demos um enorme salto na história! E no Brasil, como<br />
era comemorado o Natal?<br />
No período colonial a Missa sempre foi o fato central na<br />
comemoração natalina. Era uma noite especial, onde as<br />
pessoas, mesmo as mais pobres, buscavam trajar-se da<br />
melhor forma possível para comparecer à Missa do Galo,<br />
que tem este nome, ou melhor, este apelido, por iniciar à<br />
meia-noite a acabar já madrugada adentro quando os galos<br />
estavam começando a cantar nos quintais. Outra explicação<br />
dá-nos conta de uma antiga lenda que fala de um galo<br />
de belo e afinado canto que teria anunciado em Belém de<br />
Judá a chegada do Filho de Deus.<br />
Naqueles Natais de outrora, os padres estavam em seus<br />
melhores e mais ricos paramentos litúrgicos; a solenidade<br />
perpassava toda igreja, o incenso enchia os ares e tudo<br />
perfumava; o cantochão da Schola Cantorum, bem ensaiado,<br />
entoando aleluias e Gloria in excelsis, adoçava os ouvidos,<br />
tudo isso contribuía para a sacra atmosfera natalina<br />
da Missa do Galo que maravilhava os fiéis, sobretudo no<br />
momento em que o sacerdote aproximava-se do presépio<br />
armado, em passos lentos e compassados, para deitar na<br />
Índice<br />
66 / 58
humilde lapinha a singela imagem de um menino que, ao<br />
mesmo tempo, é Deus.<br />
Este fascínio que a aparatosa e bela Missa do Galo celebrada<br />
em iluminadas igrejas exercia nas pessoas é bem<br />
retratado em um famoso conto machadiano que tem por<br />
título justamente o de Missa do Galo. O jovem rapaz interiorano<br />
que estuda no Rio de Janeiro demora-se mais na<br />
Corte após o ano letivo para assistir à Missa do Galo. Claro<br />
que a prosa machadiana não deixaria de por uma Conceição<br />
no meio da história que quase faz o mancebo perder a<br />
tão esperada Missa.<br />
Além da Missa, havia outras formas de festejar o Natal<br />
que não as da liturgia da Igreja, como vemos no Dicionário<br />
do Folclore Brasileiro, de Luís da Câmara Cascudo:<br />
“Natal – É a maior festa popular do Brasil, determinando<br />
um verdadeiro ciclo, com bailados, autos tradicionais, bailes,<br />
alimentos típicos, reuniões, etc. De meados de dezembro<br />
até Dia de Reis, 6 de janeiro, uma série de festas ocorre<br />
por todo Brasil, especialmente pelo interior, onde a tradição<br />
é mais viva e sensível. O bumba-meu-boi, boi, boi-calemba,<br />
cheganças, marujadas ou fandango, pastoris com as velhas<br />
lapinhas de outrora, congadas ou congos, reisados estão<br />
nos dias prestigiosos. Para aguardar-se a missa do galo, à<br />
meia-noite, há todos estes divertimentos públicos, nas festas<br />
particulares ou nas sociedades.” (1962: 505)<br />
E continua o mestre potiguar falando sobre os grandes e<br />
comoventes autos encenados até o século XVIII dentro das<br />
Igrejas, antes da Missa, e, depois, em grandes e iluminados<br />
palcos nas praças das cidades.<br />
Jomar Moraes, em seu Guia de São Luís do Maranhão,<br />
também nos fala sobre as comemorações populares do Natal,<br />
citando trecho de notícias publicadas em jornais maranhenses,<br />
em fins do século XIX e início do XX:<br />
“(...) e as festas do pujante ciclo natalino: filhas de Belém,<br />
de Jerusalém ou de Judá, pastorinhas, pastores, reis, lapinhas,<br />
presépios, queimação de palhinha”.<br />
Seguem aleatoriamente do rico material existente na imprensa,<br />
estas notas sobre festas natalinas:<br />
Índice<br />
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Pastores de Natal – A começar no dia 23 do corrente, realizar-se-ão<br />
danças de pastores artisticamente armado no<br />
Estaminet da Estrada de Ferro em frente à estação Central<br />
da Companhia Ferro-Carril. Será facultado grátis o ingresso<br />
às exmas. famílias que se dignarem comparecer e também<br />
aos cavalheiros que dentro do Estaminet encontrarão<br />
cerveja fria, café, chocolate, cariru e frios que serão servidos<br />
por preços módicos<br />
Os Reis d’Avenice – Sairão hoje a cantar a tradicional<br />
vinda dos Magos os conhecidíssimos Reis d’Avenice, que<br />
tão apreciados foram no ao passado. Onde houver cerveja<br />
aí estarão eles glorificando Baltazar, Belchior e Gaspar,<br />
conforme nos informaram. Preparem-se para recebê-los<br />
condignamente as pessoas que tiverem deles cartões de<br />
aviso. E que o luar e as estrelas os acompanhem na sua<br />
peregrinação noturna.<br />
Hoje são outras as celebrações alusivas à época natalina.<br />
É que a cultura, expressão dinâmica da vida e espelho tridimensional<br />
do que, no povo, corresponde às exteriorizações<br />
de sua vitalidade, recicla-se permanentemente, ajustando-<br />
-se ao fluir do tempo, em sua marcha recriadora. Entretanto<br />
permanece a mesma a alma lúdica do nosso povo, representada<br />
por suas danças, seus festejos, suas inúmeras<br />
“brincadeiras”. (1989: 178, 179)<br />
Mas como disse Jomar Moraes, outras são as formas de<br />
festejar hoje o Natal; já não há mais os pastoris, os presépios<br />
e lapinhas. Temos o Papai Noel, que até tem origem cristã no<br />
velho bispo e depois santo Nicolau, mas que hoje é só uma<br />
personagem do imaginário popular que traz os presentes<br />
para as crianças e ajuda a aquecer as vendas natalinas...<br />
Cristo? Este já não aparece mais em primeiro plano, mas,<br />
às vezes, quando aparece, é um mero ator coadjuvante. O<br />
consumismo tomou o lugar do sentimento de fraternidade<br />
e união que dava ao Natal o ar de festa familiar. Agora o comércio<br />
reina absoluto onde antes reinava um Deus recém-<br />
-nascido.<br />
Porém, é tempo de lamentar-se? É tempo de acabar esta<br />
crônica repetindo a fina ironia do Bruxo do Cosme Velho:<br />
Índice<br />
68 / 58
Mudaria o Natal ou mudei eu? Nem o Natal mudou, nem<br />
nós mudamos, mudaram os tempos, porque nossas virtudes<br />
e vícios permanecem os mesmos, e agora o folguedo<br />
natalino é o comprar e o ter, é o possuir e o gastar, o consumir<br />
e o comerciar, o roubar e o vender, vender até mesmo<br />
a ilusão de que o Natal ainda existe! Há, ainda, aqueles<br />
que possuem o tão falado espírito natalino e que se alegram<br />
verdadeiramente pela vinda do Salvador, com o nascimento<br />
da criança mais importante de toda a História e não apenas<br />
com os presentes e os lucros auferidos pelo ávido comércio<br />
e que, no Natal, partilham a vida e os bens? Ou temos que<br />
repetir com Leão Magno e reconhecer que no lugar da divindade<br />
o que hoje se adora é a criatura? No lugar de Deus,<br />
antes, adoravam-se as estrelas, a lua, o sol... Hoje, já nem<br />
os astros têm este privilégio. Adoram-se carros, casas, computadores,<br />
roupas e outros objetos que nem obras de Deus<br />
são, e sim obras do próprio homem. Ao fim e ao cabo, tudo<br />
não passa de um autoculto, uma adoração de si mesmo. O<br />
Natal ainda existe?<br />
Referências<br />
CÂMARA CASCUDO, LUíS DA. DICIONÁRIO DO FOLCLORE BRASILEIRO. RIO<br />
DE JANEIRO: INSTITUTO NACIONAL DO LIVRO- MINISTÉRIO DA EDUCAçãO E<br />
CULTURA,1962.<br />
LEãO MAGNO. SERMõES. SãO PAULO: PAULUS, 1996.<br />
LIRA, BRUNO CARNEIRO. O CICLO DO NATAL. CELEBRANDO A ENCARNAçãO<br />
DO SENHOR. SãO PAULO: PAULINAS, 2010.<br />
MORAES, JOMAR. GUIA DE SãO LUíS DO MARANHãO. SãO LUíS: EDIçõES LE-<br />
GENDA, 1989.<br />
João Dias Rezende Filho<br />
Bacharel em Direito, Teologia e Seminarista.<br />
Índice<br />
69 / 58
BRASILEIROS<br />
NO MUNdO<br />
Índice<br />
Álvaro Lima<br />
70 / 58<br />
Imagem institucional
Historicamente, o Brasil pode ser considerado um país<br />
receptor de população. Ao longo da sua história acolheu<br />
imigrantes de vários países do mundo. Desde 1822 até<br />
1949, o país recebeu cerca de cinco milhões de imigrantes.<br />
De 1880 a 1903, entraram no país cerca de 1,9 milhão<br />
de europeus, sobretudo portugueses, espanhóis e alemães.<br />
De 1904 a 1930, outros 2,1 milhões, destacando-se a presença<br />
de italianos, poloneses, russos e romenos. De 1932<br />
a 1935, vieram os imigrantes japoneses. Finalmente, entre<br />
1953 e 1960, registrou-se uma imigração significativa de<br />
espanhóis, gregos e sírio-libaneses. Depois destas grandes<br />
levas migratórios o país «fechou-se», mantendo um fluxo<br />
líquido próximo a zero no período entre o pós-guerra e os<br />
anos 1980. Após um longo período de estabilidade migratória,<br />
na década de 1980, o Brasil experimentou, pela primeira<br />
vez, uma mudança negativa, passando desde então de<br />
um país majoritariamente receptor a um país expulsor de<br />
população. Isto não quer dizer que o país deixou de receber<br />
imigrantes. Principalmente a partir dos anos 90, verificou-<br />
-se a entrada de muitos coreanos e latino-americanos.<br />
O processo de emigração brasileira se inicia na década<br />
de 70 e sofre um crescimento abrupto ao longo da década<br />
de 80. A década de 90 representa um momento de estabilização<br />
relativa dos estoques, com um declínio nos fluxos<br />
de saída. Este processo retoma seu crescimento a partir de<br />
2000.<br />
Estima-se que desde de 1987, quando aproximadamente<br />
300.000 brasileiros viviam fora do país, a emigração brasileira<br />
tenha aumentado a uma taxa de 20 por cento ao ano.<br />
De acordo com o Centro de Desenvolvimento e Planejamento<br />
Regional da Universidade Federal de Minas Gerais, mais<br />
de 2,5 milhões de brasileiros viviam fora do país em 1995.<br />
O Ministério das Relações Exteriores estima que em 2010<br />
havia cerca de 3,1 milhões de imigrantes brasileiros espalhados<br />
por todos os continentes.<br />
Duas características importantes da emigração brasileira<br />
são a sua composição de classe e o seu caráter de imigração<br />
transnacional. Os imigrantes brasileiros, ao contrário de<br />
Índice<br />
71 / 58
vários outros grupos de imigrantes, não estão fugindo de<br />
condições de pobreza absoluta assim como não são também<br />
refugiados políticos a procura de asilo, ou fugindo de<br />
guerras civis. A maioria deles é oriunda de zonas urbanas<br />
e das classes médias e médias baixas, vários deles com<br />
educação universitária. A exceção corresponde somente<br />
aos trabalhadores agrícolas e aos garimpeiros que partiram<br />
para as regiões fronteiriças do Brasil.<br />
Os imigrantes brasileiros, particularmente os saídos na<br />
década de 80, fugiam principalmente da crise econômica<br />
que assolou o país, tornando impossível para a classe média<br />
manter seu padrão de vida. Este período, além de conhecer<br />
hiperinflação, foi marcado por profundo desemprego, baixos<br />
salários, alto custo de vida e recessão econômica. Uma<br />
situação econômica drástica que pode ser exemplificada<br />
pelo fato de que o Brasil conheceu, nesse período, quatro<br />
moedas, cinco congelamentos de salários e preços, e nove<br />
programas de estabilização econômica (Brooke 1993).<br />
A imigração brasileira assume cada vez mais um caráter<br />
transnacional, isto é, os imigrantes brasileiros mantêm relações<br />
econômicas, sociais e políticas cada vez mais robustas<br />
com o Brasil e entre si, aumentando sua complexidade e<br />
impacto não somente econômico, como é o caso das remessas<br />
de dinheiro (remittances), mas também das remessas<br />
sociais (social remittances), como idéias, comportamentos e<br />
valores que, da mesma forma que as remessas econômicas,<br />
num constante vai e vem, desafiam noções de fronteiras e<br />
culturas nacionais rígidas.<br />
Por fim, o processo migratório envolve não somente aqueles<br />
que deixam o país para viver no exterior, mas também<br />
aqueles que, terminadas as suas jornadas em outras terras,<br />
voltam a seu lugar de origem - os chamados retornados.<br />
A atual crise econômica internacional e as políticas<br />
restritivas dos países receptores têm contribuído de forma<br />
crescente para esse fluxo de volta. Segundo o Ministério do<br />
Trabalho e Emprego, aproximadamente 20 por cento dos<br />
brasileiros residentes no Japão já retornaram ou preparam<br />
o retorno ao Brasil.<br />
Índice<br />
72 / 58
Aeroporto Marechal Cunha Machado / São Luís - MA<br />
Por que os brasileiros emigram – A partida<br />
A partir de 1979, a economia brasileira começou a sentir<br />
o impacto do aumento da taxa de juros internacionais e do<br />
segundo choque do petróleo, ocorrendo então a maxidesvalorização<br />
de 1979, que causou um aumento da taxa de<br />
inflação, fazendo com que esta ultrapassasse 50 por cento<br />
ao ano, chegando ao final de 1979 a superar a casa dos<br />
três dígitos. No começo dos anos 1980 o país passou por<br />
uma forte recessão econômica, marcada por altas taxas de<br />
desemprego que se estenderam até o final da década. Durante<br />
este período e o início dos anos 90 verificou-se uma<br />
grande redução de postos de trabalho na economia e o crescimento<br />
do trabalho informal. Acoplado a este cenário de<br />
desemprego e precarização do trabalho, viveu-se um processo<br />
inflacionário que atingiu, em 1990, 1.795% ao ano.<br />
Por fim, as reformas econômicas do Presidente Collor de<br />
Mello trouxeram mais desencanto do que resultados, principalmente<br />
para as classes médias.<br />
A crise, juntamente com o impacto da reestruturação<br />
da economia mundial, afetaram o mercado de trabalho<br />
Índice<br />
73 / 58<br />
Imagem institucional
asileiro nos anos 90 e provocaram a queda na mobilidade<br />
social brasileira (Brito, 1995). Entre os anos de 1990 e<br />
1992, verificou-se uma redução de 19% no nível de emprego<br />
assalariado formal e uma elevação do trabalho por conta<br />
própria e do trabalho doméstico (Martes, 1999). Assim,<br />
conforme salienta Patarra e Baringer (1995), a migração interna,<br />
que foi sempre um elemento de absorção do excesso<br />
de mão de obra das várias regiões do país, não mais garantiu<br />
a mobilidade social, induzindo parcela significativa da<br />
classe média, principalmente os mais jovens, a buscar novas<br />
oportunidades na emigração para os Estados Unidos,<br />
Europa e Japão.<br />
A recuperação econômica dos anos 1993-1995 foi insuficiente<br />
para alterar este quadro econômico. No final da década,<br />
juros altos, aumento do desemprego, e a diminuição<br />
na produtividade, mantiveram a situação de crise. Por fim,<br />
não podemos minimizar a importância de fatores como a<br />
violência urbana e a desorganização social como motivos<br />
que influenciaram a decisão de emigrar. Em várias pesquisas<br />
realizadas nos Estados Unidos, assim como em outros<br />
países, os imigrantes brasileiros apontam como causa importante<br />
da emigração a “busca de uma vida melhor”, frase<br />
que engloba não só aspectos econômicos mas também de<br />
qualidade de vida.<br />
É necessário ressaltar que houve uma reestruturação no<br />
sistema produtivo das economias avançadas que provocou<br />
um aumento, como explica Piore (1980), da demanda por<br />
trabalhadores altamente qualificados e bem pagos, ao mesmo<br />
tempo que houve uma crescente procura por trabalhadores<br />
manuais de baixa qualificação e remuneração. Dá-<br />
-se, desta forma, uma bifurcação na estrutura do emprego<br />
das economias avançadas quanto ao salário, condições de<br />
trabalho, segurança e estabilidade.<br />
É nesse quadro, via a emigração, que se opera a troca<br />
do trabalho que dá prestígio no Brasil pelo trabalho que<br />
paga bem no exterior. Os imigrantes brasileiros, ainda que<br />
inseridos no mercado de trabalho informal desses países,<br />
conseguem rendimentos cerca de três a quatro vezes<br />
Índice<br />
74 / 58
superiores do que aqueles que alcançariam no Brasil. Como<br />
afirmou Teresa Sales (1999), esta é uma ascensão truncada,<br />
pois geralmente significa a troca de status pela possibilidade<br />
de consumo maior.<br />
Na década de 80, o fluxo de saída era oriundo principalmente<br />
das regiões sudeste e sul do Brasil, representando<br />
aproximadamente 91% de todo o fluxo de saída. Na década<br />
de 90 ele caiu para aproximadamente 79%. Esse declínio<br />
se deu em função (1) do aumento do retorno dos imigrantes<br />
brasileiros oriundos do Paraguai; (2) do aumento significativo<br />
da emigração da região norte para a Guiana Francesa,<br />
Venezuela, Peru e Bolívia; e (3) o aumento significativo da<br />
emigração da região nordeste para a Europa e os Estados<br />
Unidos. Além disso, a emigração para os Estados Unidos<br />
tornou-se mais diversificada, incluindo novas regiões de<br />
origem, como Goiás e vários estados do nordeste. Finalmente,<br />
na metade da década de 90, aumentou o fluxo de<br />
São Paulo para o Japão, com a emigração dos chamados<br />
dekasseguis.<br />
Cada vez mais os brasileiros que emigram são oriundos<br />
dos centros urbanos modernos e fazem parte das camadas<br />
médias da população. Hoje, mais de 16 estados brasileiros<br />
contribuem de forma expressiva para esse fluxo emigratório,<br />
sendo que os estados de Minas Gerais, Goiás, São Paulo,<br />
Paraná e Santa Catarina são os cinco estados que mais<br />
contribuem.<br />
Quanto somos e onde vivemos<br />
A mensuração dos imigrantes brasileiros em geral e num<br />
determinado país é muito difícil, porque (1) os registros sobre<br />
as saídas de brasileiros são muito precários; (2) poucos<br />
são os países que têm estatísticas confiáveis sobre o número<br />
de imigrantes em seu território, já que muitos estão no país<br />
irregularmente; (3) o tipo de informação obtida refere-se ao<br />
estoque, isto é, ao volume acumulado de imigrantes residentes<br />
no país na data do censo. Dessa forma, as informações<br />
sobre o número de brasileiros vivendo no exterior são<br />
contraditórias e, dependendo da fonte, apresentam grande<br />
Índice<br />
75 / 58
variação, como veremos a seguir.<br />
Utilizando técnicas indiretas, Carvalho (1996), com base<br />
nos censos brasileiros de 1980 e 1991, estimou que 1,8 milhão<br />
de pessoas com mais de dez anos de idade deixaram<br />
o país nos anos 1980. O Instituto Brasileiro de Geografia e<br />
Estatística (IBGE) “descobriu” no censo brasileiro de 1991<br />
uma ausência estatística de cerca de 1,4 milhões de pessoas<br />
entre as idades de 20 a 44 anos. Carvalho (2004), considerando<br />
o saldo migratório internacional do Brasil entre<br />
1990 e 2000, da população de 10 anos ou mais de idade,<br />
calcula que este saldo seria negativo em aproximadamente<br />
500 mil pessoas.<br />
Entretanto, mesmo com toda dificuldade em estimar os<br />
saldos migratórios, pode-se dizer com alguma certeza que,<br />
de 1980 a 2000, o Brasil perdeu no mínimo uma população<br />
de aproximadamente 2 milhões de pessoas – 1,8 milhão na<br />
década de 80, e pelo menos meio milhão na década seguinte.<br />
Como referido anteriormente, o Ministério das Relações<br />
Exteriores estima que em 2010 havia cerca de 3,1 milhões<br />
de imigrantes brasileiros concentrados, na sua maioria,<br />
na América do Norte (45,9%), Europa (29,2%), América do<br />
Sul (13%), Ásia (7,7%), África (0,9%), Médio Oriente (1,3%),<br />
América Central (0,2%) e Oceania (1,7%). Na América do<br />
Norte, os imigrantes brasileiros estão concentrados nos Estados<br />
Unidos (44%); na América Latina, no Paraguai (6%);<br />
na Ásia, no Japão (7%); e na Europa, no Reino Unido (6%),<br />
Portugal (4%) e na Alemanha (3%).<br />
O Censo Brasileiro Demográfico de 2010 incluiu um bloco<br />
de perguntas visando conhecer de forma mais detalhada<br />
o fenômeno da emigração brasileira. O IBGE estima que<br />
491.645 brasileiros vivem no exterior, reconhecendo que<br />
esse número sub-enumera essa população. Entre outros<br />
fatores para tal sub-enumeração, o IBGE cita (1) a possibilidade<br />
de todas as pessoas que residiam em determinado<br />
domicílio terem emigrado; (2) aquelas que ficaram no<br />
território brasileiro tenham vindo a falecer; (3) ou aqueles<br />
que há muito tempo encontram-se no exterior sejam<br />
desconsiderados.<br />
Finalmente, a Organização Internacional para as Migrações<br />
Índice<br />
76 / 58
- OIM (International Organization for Migration - IOM), no<br />
seu Perfil Migratório do Brasil de 2009, estima que há entre<br />
2,5 a 4 milhões de brasileiros vivendo fora do país, na sua<br />
maioria nos Estados Unidos, Paraguai, Japão, Reino Unido<br />
e Portugal.<br />
Por que os brasileiros voltam - O retorno<br />
O retorno dos brasileiros do exterior pode ser aferido pelo<br />
número daqueles que na data dos censos demográficos de<br />
1991 e 2000 residiam no Brasil, mas que retornaram ao país<br />
nos anos compreendidos entre 1986 e 1991, e 1995 e 2000.<br />
Neste caso, verificou-se um incremento de 181,5% nesse<br />
contingente, isto é, em 1991, 31.124 pessoas declararam<br />
Índice<br />
77 / 58<br />
Imagem institucional
um país estrangeiro de residência cinco anos antes da data<br />
de referência do censo, enquanto que em 2000 esse número<br />
era 87.599.<br />
Segundo Wilson Fusco e Sylvain Souchaud, o fluxo de<br />
retornados brasileiros, ainda que bastante diversificado,<br />
concentra-se em três países: Paraguai, Japão e Estados<br />
Unidos, responsáveis por cerca de 60% desse fluxo. Estes<br />
autores analisaram o retorno com base nos dados do censo<br />
brasileiro de 2000 (IBGE), o qual indica a distribuição,<br />
por município, dos retornados, definidos em função do país<br />
de nascimento e residência no momento do censo e da declaração<br />
da última residência em país estrangeiro nos dez<br />
anos anteriores ao censo.<br />
O retorno do Paraguai constitui o maior fluxo de brasileiros<br />
retornados. Em 2000, 50.201 pessoas nascidas e residentes<br />
no Brasil declararam residência anterior no Paraguai,<br />
representando 26,8% do total da população brasileira<br />
retornada. De uma forma geral, os retornados têm um nível<br />
educacional mais elevado do que o observado para os não-<br />
-migrantes, com exceção destes retornados do Paraguai,<br />
que têm um nível próximo do encontrado para os não-migrantes<br />
residentes em zonas rurais (instrução fundamental<br />
incompleta) e têm salários inferiores a estes da população<br />
residente. Esse fato pode ser explicado pela origem destes<br />
retornados que são na sua maioria agricultores. No entanto,<br />
os retornados da Europa, Estados Unidos, Canadá e<br />
Japão tinham pelo menos o 3º grau completo e salários<br />
superiores aos dos brasileiros morando em áreas metropolitanas<br />
(Fernandes, 2008).<br />
Ainda de acordo com Fernandes, em geral, os retornados<br />
dos países vizinhos estão, na sua maioria, trabalhando<br />
por conta própria e em atividade de um perfil de menor remuneração,<br />
enquanto que aqueles retornados dos Estados<br />
Unidos e da Europa estão ocupados em atividades, em geral,<br />
melhor remuneradas. A maioria dos retornados estão<br />
concentrados nos estados do Paraná (61,8%), Mato Grosso<br />
do Sul (16,3%), Mato Grosso (5,4%), Santa Catarina (5,4%),<br />
São Paulo (3,8%), Rio Grande do Sul (3,5%) e Rondônia<br />
(1,1%).<br />
Índice<br />
78 / 58
O Paraná não só é o lugar de nascimento de muitos migrantes<br />
mas também o lugar de última residência anterior<br />
ao ingresso no Paraguai. Muitas vezes, gaúchos, catarinenses<br />
e baianos, por exemplo, viviam por um determinado<br />
período de tempo no Paraná antes de emigrar para o<br />
Paraguai. O Rio Grande do Sul, assim como o Paraná, é<br />
um lugar onde a expansão da fronteira agrícola nos anos<br />
1980 e 1990 expulsou muitas famílias que alimentaram<br />
as camadas mais pobres da população brasileira imigrante<br />
no Paraguai. Diferentemente destes dois estados, que na<br />
sua grande maioria recebem retornados natos, os estados<br />
do Mato Grosso e Rondônia recebem retornados em busca<br />
de oportunidades e empregos ligados ao crescimento e<br />
dinamismo da agricultura comercial, principalmente aquela<br />
ligada à soja.<br />
Ainda de acordo com Fusco e Souchaud, os retornados<br />
do Japão formam o segundo maior grupo, contando<br />
com 17% do total dos retornados (31.775 pessoas). Ainda<br />
que perto do número de retornados dos Estados Unidos, a<br />
comunidade brasileira no Japão é muito menor do que esta<br />
última. Esse fenômeno pode ser explicado pelo fato de a lei<br />
de imigração japonesa permitir múltiplo retornos, enquanto<br />
que a população brasileira indocumentada nos Estados<br />
Unidos raramente se arrisca a um retorno temporário.<br />
A maioria dos retornados do Japão, mais de 80%, volta<br />
a residir nos mesmos estados marcados pela imigração japonesa<br />
para o Brasil – São Paulo e Paraná. Em menor proporção<br />
eles se dirigem para Minas Gerais e Rio de Janeiro.<br />
Aqueles que voltam para o Pará são originários da antiga<br />
colônia Acará, atualmente Tomé-Açu (Beltrão et al, 2006).<br />
O retorno dos Estados Unidos, o terceiro maior, registrou<br />
um volume de 29.591 pessoas (16% do total de brasileiros<br />
retornados), segundo o censo de 2000.O número grande de<br />
imigrantes brasileiros indocumentados nos Estados Unidos<br />
dificulta não só a sua contagem no país de destino mas<br />
também a sua contagem quando do retorno.<br />
Os retornados dos Estados Unidos, predominantemente,<br />
voltam para São Paulo (7.495), Minas Gerais (6.241), e Rio<br />
Índice<br />
79 / 58
de Janeiro (4.971). Em seguida, verifica-se a presença destes<br />
no Paraná (1.755), Rio Grande do Sul (1.468), Distrito<br />
Federal (1.269) e Goiás (1.266).<br />
Finalmente, a maioria dos retornados dos Estados Unidos<br />
(97,2%) e Japão (94,4%) retornam para zonas urbanas,<br />
enquanto que os retornados do Paraguai apresentam um<br />
menor índice de domicílios urbanos (72%). Quando consideramos<br />
também as suas ocupações quando do retorno, a<br />
maioria daqueles retornados dos Estados Unidos trabalha<br />
nos setores de educação (19,8%), comércio (15%) e atividades<br />
imobiliárias (13%). Aqueles voltados do Paraguai apresentam<br />
uma grande participação no setor da agricultura<br />
(32%), seguido de ocupações industriais (15%), comércio<br />
(13,6%) e serviços domésticos (12%). Os brasileiros retornados<br />
do Japão ocupam posições com maior frequência<br />
nos setores do comércio (29,7%), industrial (12,5%) e agrícola<br />
(10,6%), conforme ilustrado na tabela ao lado.<br />
Contribuição econômica<br />
Os imigrantes brasileiros contribuem de várias maneiras<br />
para o progresso social e econômico dos países onde vivem.<br />
Suas contribuições resultam das suas atividades como trabalhadores<br />
e empresários e dos seus gastos como consumidores.<br />
Eles contribuem também para as economias locais das<br />
suas cidades natais via a remessa de dinheiro que, em<br />
2005, segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento,<br />
totalizou mais de US$ 7,2 bilhões, tornando o Brasil o<br />
segundo maior receptor de remessas na América Latina,<br />
atrás apenas do México. Cerca de metade das remessas recebidas<br />
no Brasil vem de brasileiros que vivem nos Estados<br />
Unidos. Os seus investimentos e empreendimentos nos locais<br />
de origem, além das poupanças que trazem quando do<br />
retorno, aumentam o impacto econômico destes imigrantes.<br />
Esse fluxo de remessas não somente aumenta o consumo<br />
direto das famílias receptoras, mas também impacta a<br />
Índice<br />
80 / 58
economia como um todo, em virtude da maior propensão<br />
de consumo das famílias de baixa renda. O Professor Manuel<br />
Orozco, Diretor do programa “Remittances and Development”,<br />
da organização Inter-American Dialogue, calcula<br />
que cada dólar remetido aumenta a renda em $ 1,78 dólares,<br />
um impacto multiplicador bastante significante.<br />
Participação cidadã<br />
Os brasileiros contribuem ainda através da sua participação<br />
cultural e cívica. Suas organizações midiáticas, jornais,<br />
programas de televisão e rádio, são hoje parte do refazer destas<br />
sociedades. A mídia brasileira tem estabelecido presença<br />
permanente na vida das comunidades brasileiras. Hoje,<br />
somente nos Estados Unidos, há cerca de 300 veículos de<br />
comunicação de vários tipos, incluindo a existência da Associação<br />
Brasileira de Imprensa Internacional (ABI-I). Além<br />
destes veículos, a comunidade brasileira sustenta três das<br />
maiores redes de televisão brasileiras com transmissão diária<br />
via cabo ou satélite – a TV Globo Internacional, a TV Record<br />
e a Band Internacional, além da televisão pública TV<br />
Brasil Internacional.<br />
Organizações não governamentais de apoio social e de integração<br />
nas sociedades locais, de defesa dos direitos humanos<br />
e dos direitos dos trabalhadores brasileiros abundam<br />
entre as comunidades brasileiras imigrantes. Além destas<br />
organizações, existem várias entidades mais ou menos formais<br />
que se dedicam a aspectos culturais e esportivos - Organizações<br />
Culturais e Desportivas. Papel importante também<br />
é desempemhado pelas Entidades Religiosas. Estas<br />
entidades proporcionam não somente apoio espiritual, mas<br />
também material, e, às vezes, político para imigrantes que<br />
vivem à margem da sociedade.<br />
Além disso, a participação política via o voto à distância é<br />
de fundamental importância para que os imigrantes brasileiros<br />
articulem suas demandas junto ao governo brasileiro,<br />
de forma que este se engaje no apoio à diáspora brasileira.<br />
Por fim, Conselho de Representantes Brasileiros no<br />
Índice<br />
81 / 58
Exterior e as Conferencias “Brasileiros no Mundo” são resultados<br />
de um longo processo de organização das comunidades<br />
brasileiras imigrantes. Estes instrumentos podem<br />
efetivar, na prática, a cidadania sem fronteiras.<br />
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Presidente e Diretor de Pesquisas da Initiative for a Competitive Inner City – ICIC,<br />
uma organização nacional fundada em 1994 pelo Professor da Harvard Business<br />
School, Michael E. Porter.<br />
Índice<br />
83 / 58
Índice<br />
84 / 58
Índice<br />
85 / 58
Índice<br />
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Índice<br />
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Índice<br />
88 / 58
Índice<br />
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CALÇAdAS<br />
dE SÃO LUÍS<br />
Índice<br />
Ricardo Laender Perez<br />
O lugar de pedestre é na calçada.<br />
Ou pelo menos deveria ser. Fora da calçada, só na hora<br />
de atravessar a rua e, preferencialmente, na faixa a ele<br />
destinada. Parece não haver dúvidas a esse respeito. Mas<br />
basta que olhemos o que acontece na nossa cidade para<br />
começarmos a duvidar se todos entendem isso.<br />
Um olhar mais atento muda, no entanto, o<br />
questionamento. A questão não é se as pessoas entendem<br />
que a calçada é o local do pedestre: o pedestre na<br />
verdade não encontra a calçada. Pelo menos a calçada<br />
destinada ao deslocamento de pessoas. Aqui encontramos<br />
a calçada para estacionar carros, a calçada para prática<br />
de alpinismo entre os seus inúmeros desníveis, a calçada<br />
para colocar postes, a calçada dos latões de lixo, a<br />
calçada como rampa de entrada de carros, a calçada com<br />
crateras lunares, a calçada para colocar mostruário das<br />
lojas, a calçada para as bancas de ambulantes e... melhor<br />
parar por aqui.<br />
90 / 58<br />
Imagem institucional
Estacionamento<br />
sobre a calçada:<br />
falta dE consciência<br />
do cidadão.<br />
Só não encontramos a calçada para caminhar, aquela calçada<br />
básica, só para o deslocamento do cidadão, com segurança,<br />
sem risco de ser atropelado, de cair num buraco, de<br />
tropeçar no desnível do piso, se livrando dos postes da sinalização,<br />
dos da rede elétrica, das lixeiras.<br />
Na verdade precisamos mais do que calçadas: precisamos<br />
de passeios públicos, que sirvam para o deslocamento<br />
apressado dos que vão para o trabalho ou para o compromisso<br />
importante, mas que sejam também locais para o<br />
passeio, conversando com o amigo, olhando a cidade, as<br />
vitrines, de mãos dadas com alguém, tomando um sorvete<br />
numa tarde quente, levando as crianças pela mão... E mais:<br />
encontrando um banco em que se possa sentar, protegido<br />
pela sombra de uma árvore; a lixeira, para que o cidadão<br />
possa mostrar sua civilidade não jogando o lixo no chão; o<br />
telefone público, que anda meio fora de moda, mas ainda<br />
é útil; a floreira, que dá vida e embeleza a paisagem construída,<br />
tudo projetado visando a funcionalidade e dotado<br />
de um bom desenho, sem que sua existência prejudique os<br />
que precisam simplesmente se deslocar.<br />
Por que nossa realidade é tão diferente disso?<br />
Índice<br />
91 / 58<br />
Acervo pessoal
desníveis, postes,<br />
floreiras e lixeiras:<br />
ondE Está a calçada?<br />
“Ao analisar<br />
as razões<br />
do porque a<br />
cidade não tem<br />
sequer aquela<br />
calçada básica,<br />
dois fatores<br />
saltam aos<br />
olhos: falta de<br />
fiscalização<br />
pelo poder<br />
público e falta<br />
de civilidade<br />
do cidadão.”<br />
Ao analisar as razões do porque a cidade não tem<br />
sequer aquela calçada básica, dois fatores saltam aos<br />
olhos: falta de fiscalização pelo poder público e falta<br />
de civilidade do cidadão. Na legislação urbanística da<br />
cidade existem definições sobre a responsabilidade<br />
pela execução e manutenção das calçadas e a respeito<br />
da largura das mesmas, de acordo com o tipo<br />
de via. O proprietário do lote tem a responsabilidade<br />
pela execução e manutenção da calçada no trecho<br />
contíguo à sua propriedade; a largura está definida<br />
no Anexo I da Lei municipal 3253, que trata do Zoneamento,<br />
Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo<br />
no município de São Luís. É tratado de forma quase<br />
simplória, mas cumpre o papel de definir a ocupação<br />
do solo no que diz respeito às calçadas. Normas complementares,<br />
que aqui não existem, devem definir<br />
melhor questões técnicas como declividades transversal<br />
e longitudinal, tipos de piso, acesso aos lotes e<br />
edificações, ocupação e uso da faixa da calçada, etc.<br />
Índice<br />
92 / 58<br />
Acervo pessoal
Índice<br />
Pedestre: com a ocupação<br />
da calçada a solução é<br />
andar pela rua.<br />
Temos, portanto, a legislação. Mas falta a fiscalização. Quando<br />
a falta de fiscalização encontra a falta de civilidade do<br />
cidadão - a falta de educação mesmo! - , dá-se início ao processo<br />
que gera o cenário urbano caótico e feio que se estende<br />
atualmente por toda a cidade: no lugar da calçada, o matagal,<br />
o lixeiro a céu aberto, o depósito de entulho, material<br />
de construção, estacionamento de veículos... E o pedestre<br />
no meio da rua, driblando carros e motos.<br />
O incivilizado proprietário, que gosta de dizer que calçada<br />
é responsabilidade da prefeitura, às vezes até faz a “calçada”.<br />
Mas, na sua ganância imoral – apoiado na nossa conhecida<br />
lei de Gerson - surrupia precioso 01 metro - ou mais - da já<br />
estreita calçada para anexar ao seu terreno de 1000 m², que<br />
não muda nada no lado interno com essa anexação, mas esmaga<br />
o pedestre no lado externo e mais uma vez o joga no<br />
meio da rua.<br />
Atitudes cidadãs, civilizadas, a partir do entendimento do<br />
conceito do bem comum, fundamental para a vida em comunidade,<br />
resolveriam a maior parte do problema. Não havendo<br />
essa consciência, cabe ao poder público zelar pelo bem estar<br />
da coletividade, fiscalizando o cumprimento das normas legais<br />
e corrigindo os desvios.<br />
Mas aqui estamos falando, por enquanto, somente de conseguir<br />
implantar e manter aquela faixa singela, mínima, indispensável<br />
para o deslocamento seguro do pedestre.<br />
93 / 58<br />
Acervo pessoal
a ocupação ilegal<br />
do espaço público:<br />
falta de civilidade<br />
É preciso, entretanto, que essa faixa lindeira aos lotes, de<br />
responsabilidade de cada proprietário, não seja um trecho<br />
isolado, desconectado dos trechos a cargo dos vizinhos.<br />
É preciso que o somatório dos trechos se constitua num<br />
elemento contínuo, que permita a circulação do pedestre<br />
sem sobressaltos, especialmente daqueles portadores de<br />
necessidades especiais. É desejável ainda que haja um tratamento<br />
formal, estético, adequado, para que não se transforme<br />
esse caminho numa colcha de retalhos de gosto duvidoso<br />
e, pior ainda, com a funcionalidade prejudicada pelo<br />
uso de materiais inadequados (pisos de baixa durabilidade,<br />
materiais escorregadios, peças soltas e desniveladas, etc.).<br />
Prefeituras de várias cidades têm elaborado manuais de<br />
construção e manutenção de calçadas, disponibilizados pela<br />
internet, com instruções sobre sistema construtivo, materiais<br />
de acabamento, padronização formal, elencando os problemas<br />
mais comuns e respectivas soluções. Em certos casos,<br />
como em Belo Horizonte, a parte central da cidade é tratada<br />
rua a rua, indicando a padronização a ser seguida, disponibilizando<br />
os desenhos técnicos com os materiais, as cores, o<br />
desenho do piso e prevendo as principais situações a serem<br />
Índice<br />
94 / 58<br />
Acervo pessoal
ESQUINA<br />
Implantar sinalização tátil de<br />
alerta conforme folha de<br />
detalhe DO4 do projeto de<br />
padronização da área central<br />
resolvidas pelo construtor: rampas de acesso, instalação de<br />
bancas de revista, telefones públicos, posteamento de energia<br />
e sinalização, bancos e floreiras, árvores, jardineiras, etc.<br />
PADRONIZAçãO DE CALçADAS EM BELO HORIZONTE<br />
PLANTA DE TRECHO DA RUA DOS AIMORÉS<br />
1<br />
Ladrilhos hidraulicos liso, acabamento<br />
rucoso antiderrapante, cor natural.<br />
Ladrilhos hidraulicos faixa direcionamente<br />
tátil cor vermelha<br />
Calçada portuguesa branca<br />
Calçada portuguesa vermelha<br />
Calçada portuguesa preta<br />
Calçada portuguesa vermelha<br />
OBS:<br />
1 - Projeto aprovado pelo CDPCM - BH<br />
2 - O desenho da calçada portuguesa tem como referência o projeto Afonso Pena eixo simbólico - Baptista e<br />
Schimidt Arquitetura e Urbanismo.<br />
3 - O piso das esquinas com Rua da Bahia ou Av. Afonso Pena será em pedra portuguesa, ver detalhe dos desenhos<br />
das mesmas.<br />
4 - A localização das rampas de pedestre nas esquinas deverá ser definida por tecnicos da BHTRANS.<br />
5 - A sinalização tátil das esquinas, rampas de garagem e pedestres e mobiliário urbano, além da construção<br />
das calçadas<br />
portuguesas, piso cimentado, calçadas com inclinação acima de 10%, rampas de pedestre, anéis permeáveis e<br />
entrada de<br />
veículos devem seguir as normas estabelecidas nos detalhes construtivos folhas 01 a 011.<br />
Índice<br />
2<br />
3<br />
4<br />
5<br />
6<br />
7<br />
95 / 58<br />
Reprodução do Portal PBH
É urgente que São Luís produza o seu manual, nesse<br />
momento em que a cidade cresce de forma acelerada, com<br />
novas ocupações e adensamentos em áreas já urbanizadas.<br />
Seria muito bom que nessa nova São Luís, que hoje se espalha<br />
rápida e desordenadamente, pudéssemos ter os belos<br />
passeios da capital dos nossos fundadores. Paris, com as intervenções<br />
de Haussmann no período de 1853 a 1870, viu<br />
surgir os belos bulevares, com suas amplas calçadas, até hoje<br />
um exemplo do que há de mais convidativo para o caminhar.<br />
Paris - Amplos espaços públicos: calçadas largas e arborizadas.<br />
Estamos sendo muito ambiciosos? Paris... Europa...<br />
Não custa, então, lembrar de um exemplo nosso, tropical...<br />
No Rio de Janeiro, no começo do século passado, o prefeito<br />
Pereira Passos, no período de 1903 a 1906, empreendeu<br />
grandes reformas urbanísticas, transformando o centro da<br />
cidade. Grandes avenidas foram abertas, com demolição de<br />
edificações e desmonte de morros. Surgiam ali os passeios<br />
públicos generosos e os grandes espaços públicos.<br />
A frota de veículos era tão pequena que os pedestres<br />
podiam andar sem sustos até pelo meio da rua, mas ainda<br />
assim as calçadas eram largas e ordenadas.<br />
Índice<br />
96 / 58<br />
Acervo pessoal
avenida central<br />
Rio de Janeiro<br />
1906<br />
Mobiliário urbano<br />
arborização: conforto ambiental<br />
São exemplos que mostram que é possível fazer<br />
quando há visão e interesse publico. É preciso<br />
pensar a cidade para o futuro.<br />
Não precisamos, entretanto, de tal padrão em<br />
todas as vias. Estudos adequados podem definir<br />
dimensões mínimas compatíveis com o tipo<br />
de via, com os usos permitidos na área e a densidade<br />
populacional prevista. O que é realmente<br />
necessário, atendidas pelo menos as dimensões<br />
mínimas, é que as calçadas tenham as características<br />
essenciais para que o deslocamento<br />
das pessoas se faça de forma segura, eficiente,<br />
confortável. E que, sempre que possível, possam<br />
ser agregados elementos que tornem o uso<br />
do lugar público também prazeroso, como bancos<br />
que permitam o descanso eventual do passante<br />
e a conversa descontraída dos moradores<br />
da vizinhança; árvores que, além da benfazeja<br />
sombra, ajudam a reduzir o som das ruas nos<br />
imóveis adjacentes e melhoram a qualidade do<br />
ar; equipamentos de apoio ao cidadão tais como<br />
telefones públicos, caixas eletrônicos, bancas de<br />
revista, etc.<br />
ATENçãO! Vamos abrir aqui um parêntese:<br />
ainda há tempo para salvar a Avenida dos Holandeses!<br />
Existe espaço suficiente – que, diga-se<br />
Índice<br />
97 / 58<br />
Foto: Augusto Malta
de passagem, é público e está sendo gradativa e silenciosamente<br />
privatizado. Bons e largos passeios, arborizados,<br />
com todo o mobiliário urbano, são ainda possíveis. Acrescidos<br />
de uma ciclovia, dariam a essa via a feição e o conforto<br />
para o pedestre, compatíveis com sua importância no<br />
sistema viário da capital e com a ocupação que hoje já se<br />
vislumbra no seu entorno.<br />
Mas, afinal, como deve ser, em linhas gerais, uma calçada?<br />
Quais as dimensões mais adequadas? Onde colocar o<br />
mobiliário urbano? As árvores? Como resolver problemas<br />
já existentes?<br />
A calçada, em função do que nela ocorre, deve possuir 3<br />
faixas distintas: a de serviço, próxima ao meio fio, a faixa<br />
livre e a de acesso.<br />
De acordo com a cartilha do Programa Passeio Livre, da<br />
Toronto - Canadá: as três faixas que definem a ocupação da calçada<br />
Índice<br />
98 / 58<br />
Acervo pessoal
Prefeitura de São Paulo, a faixa de serviço é “destinada<br />
à colocação de árvores, rampas de acesso para veículo ou<br />
portadores de deficiências, poste de iluminação, sinalização<br />
de trânsito e mobiliário urbano como bancos, floreiras, telefones,<br />
caixa de correio e lixeiras”.<br />
“A faixa livre é destinada exclusivamente à circulação<br />
de pedestres, portanto deve estar livre de quaisquer<br />
desníveis, obstáculos físicos, temporários ou permanentes<br />
ou vegetação. Deve atender as seguintes características:<br />
• possuir superfície regular, firme, contínua e antiderrapante<br />
sob qualquer condição;<br />
• possuir largura mínima de 1,20m (um metro e vinte centímetros);<br />
• ser contínua, sem qualquer emenda, reparo ou fissura.<br />
Portanto, em qualquer intervenção o piso deve ser reparado<br />
em toda a sua largura seguindo o modelo original.”<br />
E, finalmente, a faixa de acesso, aquela área “em frente<br />
ao seu imóvel ou terreno, onde podem estar a vegetação,<br />
rampas, toldos, propaganda e mobiliário móvel como mesas<br />
de bar e floreiras, desde que não impeçam o acesso aos imóveis.<br />
É, portanto, uma faixa de apoio à sua propriedade.”<br />
Obviamente em locais onde a calçada já está implantada,<br />
a ocupação dos lotes consolidada e a calçada não tem largura<br />
suficiente, é preciso zelar primordialmente pela correta<br />
execução da faixa livre.<br />
É importante entender que se está falando aqui de dimensões<br />
mínimas, aquelas suficientes para a passagem de duas<br />
pessoas e a colocação de equipamentos tais como postes,<br />
placas de sinalização, etc. Excetuando as vias locais, com<br />
ocupação predominantemente residencial, as calçadas poderiam<br />
ter dimensão inicial de pelo menos 3,5m. Novas vias<br />
deveriam ser pensadas com o olhar no futuro. Passeios com<br />
10m de largura? Por que não? Não é necessário que sejam<br />
executados num primeiro momento com essa dimensão,<br />
mas é preciso que, orientado por um planejamento urbano<br />
de médio e longo prazos, sejam garantidos os espaços para<br />
a ampliação tanto da caixa de rolamento quanto dos passeios,<br />
quando necessário.<br />
Índice<br />
99 / 58
Programa Passeio livre – Prefeitura de são Paulo<br />
Faixas de serviço, livre e de acesso<br />
F a i x a s d e s e r v i ç o , l i v r e e d e a c e s s o<br />
Programa Passeio Livre – Prefeitura de<br />
São Paulo<br />
Índice<br />
100 / 58
Programa Passeio livre – Prefeitura de são Paulo<br />
Exemplo de uso das faixas da calçada<br />
F a i x a s d e s e r v i ç o , l i v r e e d e a c e s s o<br />
Programa Passeio Livre – Prefeitura de<br />
São Paulo<br />
Índice<br />
101 / 58
Programa Passeio livre – Prefeitura de são Paulo<br />
Exemplo de uso das faixas da calçada<br />
F a i x a s d e s e r v i ç o , l i v r e e d e a c e s s o<br />
Programa Passeio Livre – Prefeitura de<br />
São Paulo<br />
Índice<br />
102 / 58
A sensação que temos é que nossos padrões “involuíram”.<br />
Bairros de implantação antiga, como o Olho D´Água, têm<br />
um sistema viário e calçadas com dimensões bem mais<br />
adequadas aos tempos atuais do que aqueles surgidos em<br />
tempos mais recentes, como o Renascença II. Com o agravante<br />
que este último tem uma ocupação muito mais densa<br />
devido à verticalização das edificações.<br />
Onde a ocupação dos lotes já aconteceu e as calçadas foram<br />
implantadas de forma inadequada, a prefeitura deve<br />
cobrar a regularização, oferecendo a orientação técnica<br />
através de cartilhas e desenhos técnicos colocados à disposição<br />
do cidadão, inclusive pela internet e mesmo com a<br />
orientação presencial de técnicos dos órgãos municipais.<br />
Problemas como os “degraus”, que acontecem em ruas<br />
com declividade longitudinal, podem ser resolvidos com intervenções<br />
que definam uma faixa livre uniforme.<br />
São vários os exemplos constantes dessas cartilhas e<br />
contemplam a maior parte dos problemas hoje encontrados<br />
nas calçadas das nossas cidades. Bom senso e assessoria<br />
dos órgãos públicos podem resolver os casos não previstos.<br />
Bairro de são luís: olho d’ água<br />
Índice<br />
103 / / 104 58<br />
Acervo pessoal
os “degraus” impedem a<br />
circulaçao do pedestre.<br />
ondE Está a faixa livRE?<br />
Para que a São Luís do futuro possa ser mais humana e<br />
agradável, para que vidas possam ser preservadas e para que<br />
o ato de caminhar possa deixar de ser uma aventura penosa<br />
– e perigosa –, é preciso ações urgentes de planejamento<br />
urbano, de fiscalização pelo poder público e maior conscientização<br />
do cidadão.<br />
Ricardo Laender Perez<br />
Arquiteto, Urbanista, Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – Universidade<br />
Estadual do Maranhão e Membro do Conselho de Arquitetura e Urbanismo – CAU/MA.<br />
Índice<br />
104 / 58<br />
Acervo pessoal
“<strong>Seu</strong>”<br />
é o tal!<br />
Índice<br />
Antônio Nelson Faria<br />
Não identificado em quaisquer verbetes nos dicionário<br />
dos mestres Aurélio e Houaiss, o vocábulo Google – apesar<br />
de palavra originária de língua estrangeira – faz parte do<br />
dia a dia dos moradores do Oiapoque ao Chuí, e de todos os<br />
outros habitantes desse nosso monumental mundo novo,<br />
reconhecido como Planeta Virtual.<br />
Com sua popularização, detonou pesados petardos e acabou<br />
defenestrando as clássicas enciclopédias Barsa e Delta<br />
Larousse, os ícones que dominaram por mais de um século<br />
a consulta à fonte da sabedoria, ajudando a formar e a<br />
ampliar a vida escolar, acadêmica e cultural dos cidadãos.<br />
Golpe perverso, o deste organizador instantâneo de informações.<br />
A essa baixa pode-se aplicar perfeitamente o axioma, quase<br />
que verdadeiro, que diz que a diferença entre o remédio e<br />
o veneno está na dose aplicada. Verdade ou mentira, o certo<br />
é que os antigos glossários impressos do conhecimento<br />
105 / 58
humano foram desbancados por este novo sinalizador do<br />
conhecimento. E, a partir da sua existência e disponibilização<br />
na Internet, o Google virou o tal, ao permitir, a qualquer<br />
simples mortal, usufruir o seu conteúdo com a instantaneidade<br />
e a velocidade de um cometa.<br />
Nestas novas eras da automação, a utilitária cartilha de<br />
tabuada, tão prática na memorização das operações matemáticas,<br />
foi aposentada. Como, também, a consulta no<br />
livro de Canto Orfeônico, da FTD, para confirmar que fagotista<br />
e oboísta são músicos que fazem soar os instrumentos<br />
de sopro derivados dos seus nomes. Esta inovação abafou<br />
os belos tempos do estudo e da pesquisa rascunhadas em<br />
caneta tinteiro, nas folhas de papel dos cadernos Avante,<br />
os únicos com capa de tema nacionalista e grampeado no<br />
miolo. Da mesma maneira com que acabou a época em que<br />
se batia em máquina de escrever. E igualmente da vantagem<br />
de possuir diploma do Curso Remington como item<br />
imprescindível para arranjar emprego em qualquer lugar.<br />
O tempo e o vento rolaram esse período ladeira abaixo.<br />
Você talvez se lembre da canção Que será, será, na voz de<br />
Doris Day, protagonista, com James Stuart, da espetacular<br />
película O homem que sabia demais, um dos clássicos do<br />
cinema. E das peripécias do comandante Garcez, aquele<br />
piloto da antiga Varig que, por pura barbeiragem, derrubou<br />
um Boeing 737, repleto de passageiros, na floresta do Mato<br />
Grosso do Sul, acabando com um bocado de gente... Pois é,<br />
esse motor de buscas, o Google, tem arquivado todas essas<br />
passagens da vida passada e uma infinidade de outras, do<br />
momento atual.<br />
Esse sítio eletrônico, apesar de americano, é adorado por<br />
todos. Está engajado no cotidiano do povo asiático, europeu,<br />
americano, africano e da Oceania. Isso mesmo! Em<br />
todo local em que existe vida humana, ele está presente.<br />
Independentemente de credo, língua ou cor, esta marca poderosa<br />
é presença viva no seu computador, tablet ou smartphone.<br />
Nos anos 70 do século passado, o gênio musical John<br />
Lennon cometeu a asneira de declarar que a sua banda, The<br />
Índice<br />
106 / 58
Beatles, era mais famosa e conhecida do que Jesus Cristo.<br />
Na época deu reboliço, e muitos fãs fizeram vista grossa ao<br />
compositor e cantor aclamado mundialmente. Hoje o Google<br />
serve todas as tribos e religiões e nem se gaba por isso.<br />
A sua notoriedade e sua extrema importância tornam o sítio<br />
imprescindível na vida de todo cidadão do planeta.<br />
Quem quer saber o significado de qualquer coisa, data,<br />
ou evento e, também, de qualquer fato, por mais insignificante<br />
que o seja, é só fazer a consulta. O nosso anjo da<br />
guarda da tecnologia e do acesso fácil à informação responde<br />
com precisão, na hora, a qualquer coisa. Até na área<br />
da famosa cultura inútil. Por essa e tantas outras é que<br />
nesse portal também se pode subtrair, copiar e plagiar,<br />
desde simples trabalhos para o ensino fundamental, até<br />
teses de mestrado e doutorado, acompanhadas de recheios<br />
ao gosto do freguês, e sem a necessidade de ir ao forno convencional<br />
ou de micro-ondas. Depende apenas da cara de<br />
pau do plagiador.<br />
Sempre fui péssimo em datilografia, horoscopia e quiromancia.<br />
Jamais consegui a façanha de dedilhar a máquina<br />
com todos os dez dedos das mãos que Deus nos deu. No<br />
máximo, até hoje, consigo tamborilar o teclado com o indicador<br />
e o médio de cada mão, criando uma reserva técnica<br />
de seis dedos, inúteis e fora de uso na lida diária nos teclados<br />
da informática.<br />
Quanto às minhas previsões e avaliações dos signos e do<br />
zodíaco, sempre foram péssimas e estapafúrdias. Meu turbante<br />
de astro foi para o beleléu bem antes do presságio da<br />
derrota da Seleção Canarinho, na Copa de 1978.<br />
Em contraposição à minha presciência furada, seu Google<br />
sempre tem respostas e soluções às pencas para curar o mau<br />
olhado, a calvície, a dor nos quartos, as doenças do amor,<br />
o bicho-de-pé, a lêndea e as promessas não cumpridas. E<br />
apresenta, de quebra, vasta literatura complementar de incentivo<br />
à plantação de joão-gomes, tamarindo, vinagreira,<br />
cânhamo, bombom da roça e mastruço, para quem estiver<br />
disposto a se aventurar no agronegócio da agricultura<br />
familiar.<br />
Índice<br />
107 / 58
Noções de criação de jaçanã, jurará, tatu, cotia e anta são<br />
itens suplementares acessados na mesma pesquisa. E se o<br />
internauta requerer aprendizado para cultivar outras espécies<br />
exóticas e proibidas, é só consultar a empresa on-line,<br />
que ela não pestaneja.<br />
Diligenciar a vida pública nacional está na moda. Por esta<br />
fantástica via, é possível identificar o salário de qualquer<br />
barnabé, edil ou alcaide da capital e do interior. Como, por<br />
exemplo, salientou um dileto amigo, satisfeitíssimo ao saber<br />
o “pomposo ordenado” do seu predileto opositor político.<br />
Tudo está escancarado neste fofoqueiro portal.<br />
O contato diário com este meio eletrônico acabou com a<br />
mania de guardar revista velha. Agora esse tipo de publicação<br />
só se encontra em consultório de dentista e em antessala<br />
de empresa de plano de saúde, local frequentado<br />
apenas por pobre coitado necessitando de autorização para<br />
qualquer consulta médica ou exame laboratorial.<br />
Mas, como da vida nada se leva a não ser as triviais aporrinhações<br />
e o eterno zelo para manter a vida atualizada e<br />
dentro dos padrões da indiferença alheia, como tão bem<br />
afirmou o grande pensador do átrio da Feira da Praia Grande,<br />
o inesquecível Basílio, nada nos resta a acrescentar,<br />
senão atualizar as nossas citações no www.google.com.br.<br />
Ou como sempre falou o intérprete da praça João Lisboa,<br />
Rei dos Homens, “doce só se for de tamarinho e refresco<br />
inigualável é o de jaca”. Haja paladar e estômago para digerir<br />
uma dupla de frutas tão extravagantes. Desse modo,<br />
assim “o mundo gira e a Lusitana roda”, antológico lema<br />
publicitário divulgado em placa de neon, da cidade do Rio<br />
de Janeiro.<br />
“Très exotique” também foi a expressão utilizada pelos<br />
franceses que desembarcaram em 1612, aqui na terra dos<br />
papagaios amarelos. Fascinados pela exuberante e rica variedade<br />
de nossas frutas, a numerosa força expedicionária<br />
da França Equinocial se esbaldou nestas plagas. O fidalgo<br />
gaulês Daniel de La Touche, Senhor de La Ravardière,<br />
ao longo de três anos de permanência na cidade, deve ter<br />
aproveitado ao máximo essas coisas raras e desconhecidas<br />
dos europeus.<br />
Índice<br />
108 / 58
Neste sítio de busca podemos encontrar igualmente similitudes<br />
com sinais da existência de coisas de suma importância,<br />
tais como conhecer as normas e procedimentos para<br />
alistamento na Legião Estrangeira; o marco regulatório necessário<br />
para a eficiência das agências reguladoras nacionais<br />
e a convenção para fabricação ilícita das cópia-piratas.<br />
Se você quiser ilustrar mais ainda a sua cultura, estão disponíveis,<br />
com fácil acesso, detalhes das carreiras de especialista<br />
em logística de alimentos e de distribuidor de produtos<br />
alternativos de alta rotatividade – os populares garçom<br />
e camelô – e o curso prático de empobrecimento ilícito para<br />
quem quer levar vantagens em concursos e nos vestibulares.<br />
Se você não se der por satisfeito, não desanime nem entre<br />
em paranoia, afinal de contas, o <strong>Seu</strong> Google sabe tudo. Basta<br />
selecionar a manha pretendida e apertar a tecla. Prontinho!<br />
Então ele aponta algum rumo ou até uma proposição<br />
qualquer, com fundamentação, argumentação e até um<br />
processo discursivo a perder de vista, de duas mil páginas<br />
ou mais. Quem determina a extensão é você.<br />
A sabedoria aponta para a busca da fonte da felicidade.<br />
Nela é emanada a luz maior que ilumina a nossa vida. Para<br />
quem ainda não encontrou as suas coordenadas, não desanime:<br />
procure <strong>Seu</strong> Google e pronto: logo, logo, a lâmpada<br />
se acenderá no fim do túnel e um caminho será indicado.<br />
É fantástico. É sobrenatural e inimaginável a força que<br />
a ferramenta possui para assessorar o seu conhecimento<br />
pretendido. E ainda mais: acendendo a luz no Google, a iluminação<br />
é de graça. Diferentemente do clarão da lâmpada<br />
da sua casa que é cobrada, todo mês, pela Cemar.<br />
Antônio Nelson Faria<br />
Jornalista.<br />
Índice<br />
109 / 58
Editor: Jorge Murad<br />
Edição: Instituto <strong>Geia</strong><br />
Gerente Executiva: Josilene Maia<br />
Editoração Eletrônica: Aline Durans e<br />
Raimundo Queiroz (estagiário)<br />
Fotografia: Albani Ramos<br />
Desenvolvedor Web: Helder Maia<br />
Colaboradores: Álvaro Lima, Antônio Nelson Farias, João Dias<br />
Rezende Filho, Ricardo Laender Perez e Sebastião Moreira Duarte.<br />
<strong>Plural</strong> é uma publicação bimensal editada pelo Instituto <strong>Geia</strong>,<br />
localizada na Av. Cel.Colares Moreira, nº 1, Q. 121, sala 102,<br />
São Luís–MA CEP 65.075-440 Fonefax: +55 98 3227 6655.<br />
contato@geiaplural.org.br<br />
www.geiaplural.org.br<br />
ISSN: 2238-4413<br />
Índice<br />
EXPEDIENTE<br />
As opiniões e conceitos emitidos pelos autores são de exclusiva<br />
responsabilidade dos mesmos, não refletindo a opinião da revista<br />
nem do Instituto <strong>Geia</strong>. Sua publicação tem o propósito de estimular<br />
o debate e refletir as diversas opiniões do pensamento atual.<br />
110 / 58
EMPRESAS ASSOCIADAS<br />
Agropecuária e Industrial Serra Grande<br />
Alpha Máquinas e Veículos do Nordeste<br />
ALUMAR<br />
Atlântica Serviços Gerais<br />
Bel Sul Administração e Participações<br />
CEMAR - Companhia Energética do Maranhão<br />
CIGLA - Cia. Ind. Galletti de Laminados<br />
Ducol Engenharia<br />
Grupo Mateus<br />
Lojas Gabryella<br />
Mardisa Veículos<br />
Moinhos Cruzeiro do Sul<br />
Niágara Empreendimentos<br />
Oi<br />
Rápido London<br />
SempreVerde<br />
Televisão Mirante<br />
UDI Hospital<br />
VALE<br />
Índice<br />
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Índice<br />
geiaplural.org.br<br />
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